I. Não admite recurso para Supremo Tribunal de Justiça acórdão da Relação que julgou improcedente o recurso relativamente à arguida nulidade insanável decorrente da não notificação do arguido para o julgamento - artigos 432º , nº 1 al.ª b) e 400.º n.º 1 al.ª c), do CPP.
II. O recurso para o Tribunal Constitucional é de cariz exclusivamente normativo e não de controlo da regularidade e/ou do mérito das decisões dos tribunais judiciais.
O arguido AA foi condenado em 1.ª instância pela prática, em concurso efetivo, dos seguintes crimes: -----------------------------------------
- um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º n.º 1 alínea a), do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão e na pena acessória de inibição do direito de conduzir pelo período de 6 meses;
- um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão e na pena acessória de inibição do direito de conduzir pelo período de 15 meses.
- um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alíneas a) e c) por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão;
- quatro crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, cada um, na pena de 1 mês de prisão.
E, em cúmulo jurídico, das referidas penas parcelares de prisão, foi condenado na pena única de 18 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir única de 18 meses, devendo proceder à entrega da sua carta de condução na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
Não se conformando, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 8 de maio de 2025, decidiu:
“(…) Julgar improcedente o recurso relativamente à invocada à nulidade insanável decorrente da não notificação do arguido para o julgamento;
- Julgar procedente o recurso no mais, anulando-se a sentença, devendo os autos baixar à primeira instância a fim de ser proferida nova decisão que não contemple os crimes de injúria agravada que constavam da acusação.”
Inconformado, interpôs o arguido AA recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Recurso que não foi admitido por despacho de 4 de junho de 2025, com fundamento nos artigos 432.º n.º 1 alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, por existir dupla conforme, tendo em conta que a decisão da 1.ª instância, no que tange à nulidade, é condenatória, tendo sido confirmada pelo Tribunal de segunda instância.
O recorrente apresentou reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, argumentando, em síntese, que interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça apenas sobre a não declaração da nulidade insanável decorrente da sua não notificação para as audiências de julgamento e que deveriam ter sido efetuadas para o Estabelecimento Prisional onde se encontrava preso, não tendo tal nulidade sido apreciada na 1.ª instância, desde logo, por que, quando tal sentença foi proferida, nem o Tribunal nem o defensor do arguido sabiam que este se encontrava preso em Estabelecimento Prisional, não existindo dupla conforme, pois que a 1ª instância não se pronunciou sobre tal nulidade.
Invoca o artigo 410.º, n.º 3, do CPP, por no caso, existir a nulidade insanável da ausência do arguido às audiências de discussão e julgamento, prevista no artigo 119.º, alínea c), do CPP e no artigo 32.º, n.º 7, da CRP, que nunca foi sanada, apenas foi arguida no recurso para a Relação, sendo dessa nulidade insanável que agora se recorre para o STJ, devendo tal recurso ser admitido, sob pena de se estar a violar o direito ao recurso, previsto no artigo 32.º, nº 1, da CRP, restringindo o despacho que não admitiu o recurso, de forma desproporcionada aquele direito, violando o princípio do duplo grau de jurisdição ali previsto.
1. Verifica-se da reclamação e do requerimento e interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que o arguido pretende impugnar a parte do acórdão do Tribunal da Relação que julgou improcedente o recurso relativamente à invocada nulidade insanável decorrente da sua não notificação pessoal para a audiência de julgamento.
Com efeito, o reclamante no requerimento de interposição de recurso concretiza que: “Constitui objeto do presente recurso o douto acórdão na parte em que declara a inexistência de nulidade insanável por falta de notificação do arguido para as audiências de julgamento em 1ª instância agendadas para os dias 23/02/2024, 20/09/2024, 10/10/2024 e 17/10/2024.”
Assim:
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2. A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.
Deste preceito destaca-se a alínea c) do seu n.º 1, que estabelece serem irrecorríveis os “acórdãos proferidos, em recurso pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º”.
No caso, não se verifica a exceção prevista na parte final do preceito transcrito.
O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa – ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.
No caso concreto, o segmento do acórdão, proferido em de recurso, de que o reclamante pretende recorrer não conheceu do objeto do processo, porque não decidiu sobre a culpabilidade e a pena, mas antes de uma questão processual incidental suscitada pelo arguido no recurso que interpôs da sentença condenatória.
O recurso não é, assim, admissível (artigos 432.º, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP).
3. Por outro lado, o artigo 410.º do CPP, invocado pelo reclamante, que tem como epígrafe “Fundamentos do recurso”, inclui nestes os erros-vício (n.º 2) e as nulidades insanáveis (n.º 3).
Com a alteração operada pela Lei n.º 94/2021 de 21712, que entrou me vigor um 21 de março de 2022, os erros-vicio e as nulidades previstos e referidas no artigo 410 n.ºs 2 e 3, do CPP podem legitimar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas apenas quando em recurso de decisão da Relação proferida em 1ª instância (portanto, em recurso em 1º grau para o Supremo, em que poderá/deverá conhecer de facto e de direito) e no recurso per saltum, de acórdãos de tribunal coletivo de 1.ª instância ou do júri, contanto tenham aplicado pela de prisão em medida superior a 5 anos.
Com fundamento nos referidos erros-vicio e nulidades não sanadas, não se admite recurso para o Supremo Tribunal de acórdãos da Relação, proferidos em recurso.
4. O reclamante sustenta ainda que o despacho que não admitiu o recurso, restringiu de forma desproporcionada o direito ao recurso, violando o princípio do duplo grau de jurisdição previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
Desde logo impõe-se realçar que as decisões judiciais que conhecem do mérito das questões suscitadas pelos sujeitos processuais, não são suscetíveis de recurso de constitucionalidade. O recurso para o Tribunal Constitucional é de cariz exclusivamente normativo e não de controlo da regularidade e/ou do mérito das decisões dos tribunais judiciais.
De todo o modo, sempre se acrescenta que o artigo 32.º n.º 1, da CRP, apesar de garantir o direito ao recurso em processo criminal, não o impõe em mais que um grau.
As garantias de defesa defesa em processo penal na perspetiva do recurso apenas visam as decisões judiciais de conteúdo condenatório - decisão sobre o objeto da causa, a culpabilidade e a pena; segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, “...o princípio constitucional das garantias de defesa apenas impõe ao legislador que consagre a faculdade de os arguidos recorrerem das sentenças condenatórias, e bem assim o direito de recorrerem de quaisquer actos judiciais que, no decurso do processo, tenham como efeito a privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros dos seus direitos fundamentais” (cf., por todos, o Acórdão n.º 209/90, de 19.06.90, BMJ, 398, p. 152).
O acórdão da Relação, no segmento impugnado, ao julgar improcedente o recurso relativamente à invocada nulidade insanável decorrente da não notificação do arguido para o julgamento não é condenatório, nem afeta o direito à liberdade ou outros direitos fundamentais do reclamante.
5. Pelo exposto, embora com fundamento diverso do contido no despacho reclamado, indefere-se a reclamação, deduzida pelo arguido AA.
Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
Notifique-se.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Nuno Gonçalves