COMPRA E VENDA
PERDA OU DETERIORAÇÃO DA COISA
FALTA DE ENTREGA
Sumário


1 - O adquirente da mercadoria, porque ingressa na propriedade dela no momento da celebração do contrato, suportará o risco da sua perda ou deterioração mesmo que a coisa ainda não lhe tenha sido entregue, de acordo com o que dispõe o artigo 796.º do Código Civil.
2 – Nos termos do artigo 7.º do DL n.º 62/2013 de 10/05, que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais “Quando se vençam juros de mora em transações comerciais, nos termos dos artigos 4.º e 5.º, o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de 40,00 EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente”.
3 – Tendo-se provado que a autora suportou custos com escritório de advogado, para a cobrança da dívida, procede o seu pedido de indemnização com base nesses custos.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
           
“EMP01..., Lda.” deduziu ação declarativa contra “EMP02...” pedindo que a ré seja condenada a pagar à autora o montante de € 261.458,47, acrescido de juros vencidos e vincendos, contabilizando-se os já vencidos em € 9.913,93, bem como o montante de € 80.899,56 relativo a custos de armazenamento e, ainda, o montante de € 3.075,00 relativo aos custos com a cobrança do presente crédito.

Alegou que celebrou com a ré um contrato de compra e venda de 194.400 litros de óleo, que a autora, de imediato, comprou ao seu fornecedor, tendo-se a ré comprometido a levantar a mercadoria nas instalações da autora, pagando a fatura respetiva aquando de cada entrega. Acontece que a ré apenas levantou e pagou parte da mercadoria, tendo deixado por levantar nas instalações da autora 97.200 litros de óleo que havia encomendado e que continuam aí armazenados, sem possibilidade de venda a outros clientes.

A ré contestou afirmando que apenas abordou a autora no sentido de indagar da viabilidade da entrega da mercadoria, não tendo encomendado as quantidades que a autora menciona nem dado o seu consentimento ao preço e modo de pagamento que a autora refere e que, mesmo que tal consentimento tivesse existido, não lhe pode ser exigido o pagamento de mercadoria que não foi levantada, sendo a ré alheia à decisão da autora de adquirir ao seu fornecedor 194.400 litros de óleo. Impugna, ainda as despesas de armazenamento.
Em sede de audiência prévia foi fixado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 264.533,47, acrescida de juros, vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da constituição em mora, até efetivo e integral pagamento (sendo 261.458,47 € + 3.075,00 €).

A ré interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

I. Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que o Tribunal não valorou adequadamente os diversos meios probatórios constantes do processo, pelo que não decidiu conforme o direito,
II. Conforme se demonstrará não foi produzida prova suficiente para que o Tribunal a quo pudesse ter dados como provados, nomeadamente os seguintes factos da matéria de facto provada nos pontos: 3), 4), 7), 8), 10), 21, 22), 29) 30) e 37).
III. Não ficou demonstrado nos autos qual destino que a Autora deu ao óleo, se o vendeu a outrem ou se o destruiu, uma vez que o Tribunal deu como não provado que as mercadorias em causa nos autos permaneciam no armazém da Autora/Recorrida à data da entrada da presente ação, em 22.02.2023.
IV. Se em 22.02.2023 o óleo cuja validade terminava em 30 de junho de 2023, não estava nas instalações da Recorrida, pergunta-se o que fez a Recorrida ao óleo?
V. A Recorrida não demonstrou que destruiu tal óleo, porquanto não alegou e nem sequer juntou aos autos qualquer prova de destruição do mesmo, ou se algum destino lhe foi dado antes de terminar o prazo de validade.
VI. Não ficou demonstrado nos autos qual o prejuízo invocado pela Recorrida referente à mercadoria em causa nos autos, a Recorrida não juntou aos autos qualquer documento demonstrativo do destino dessa mercadoria, designadamente se ela foi ou não destruída após o prazo de validade.
VII. Pelo que o Tribunal não poderia ter condenado a Recorrente a pagar à Recorrida a mercadoria cujo destino que lhe foi dado se desconhece.
VIII. No que concerne à seguinte matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que a mesma deveria ter sido dada por não provada, atenta a prova produzida.
IX. Quanto ao Ponto 3 – “Em 17/05/2022, a Ré encomendou à Autora o fornecimento de 194.400 litros de óleo vegetal 100% girassol da marca ..., pelo preço de 2,995 € por litro.”
X. Conforme resulta da prova documental junta aos autos, e mais bem explicitada pela Testemunha AA, verificamos que da troca de emails juntos sob o documento n.º 3 aos autos, e que se refere ao fornecimento de açúcar, surge a questão relativamente ao fornecimento de óleo.
XI. Daquele documento não resulta que o preço indicado tenha ficado aceite pela Recorrente,
XII. Como referiu a testemunha AA, ouvida em audiência no dia 9.10.2024 (depoimento com início pelas 14:32:02 e términus pelas 15:04:07 horas), o preço ia sendo ajustado à medida que fosse necessário o envio da mercadoria.
XIII. Mais referiu aquela testemunha que a indicação de datas e número de camiões de óleo, efetuada pelo próprio foi apenas uma previsão de encomendas e não uma encomenda integral e efetiva, com preços, quantidades e datas definidas,
XIV. Note-se que das faturas juntas aos autos pela Autora sob documentos n.º 4 e que respeitaram a 4 camiões de mercadorias em nenhuma delas é cobrado o preço de 2,995 por litro.
XV. Efetivamente resulta das faturas emitidas n.ºs ...87, ...88 de 24.05.2022 e fatura n.º ...10 de 8.06.2022 o preço cobrado por litro foi de € 2,979.
XVI. Sendo que a fatura nº ...36 de 9 de julho de 2022 o preço cobrado por cada litro de óleo foi de € 2,689.
XVII. De onde resulta que, em nenhuma das faturas foi cobrado o preço do óleo pelo valor de € 2.995 que o Tribunal a quo deu como provado ter sido convencionado entre as partes.
XVIII. Estas provas, documental e testemunhal evidenciam que efetivamente não foi feita uma encomenda total de 8 camiões ao valor acordado de 2,995 por litro, o que se compreende considerando que o óleo está indexado ao preço dos cereais.
XIX. Igualmente nenhuma das encomendas seguiu nas datas que constam no email de 17 de maio, supra referido.
XX. A testemunha BB explicou, quanto ao preço, que o mesmo nunca era fixado sendo negociado à medida das necessidades de aquisição do óleo, pelo que a matéria de facto do ponto de 3 terá de passar para o elenco de factos não provados, o que se requer.
XXI. No que se refere ao Ponto 4 – “Entre as partes ficou acordado que a Ré procederia ao levantamento da mercadoria distribuída por oito camiões a partirem das instalações da Autora.”
XXII. Cumpre referir que relativamente a este ponto não foi produzida prova suficiente para que o Tribunal desse este facto como provado.
XXIII. Do depoimento da testemunha AA, ouvida em 9 de outubro de 2024 (com início pelas 14:32:02 e términus pelas 15:04:07 horas) resulta a entrega das mercadorias era efetuada pela Recorrida nas instalações da Recorrente, sendo da responsabilidade da Recorrida a organização e o custo do transporte.
XXIV. Mencionado esta testemunha que no preço do óleo estava incluído o transporte da responsabilidade da Recorrida,
XXV. Resulta assim claro do depoimento desta testemunha que a organização do transporte estava a cargo da Recorrida e não da Recorrente, não tendo sido feita outra prova em contrário.
XXVI. Aliás, a responsabilidade da organização do transporte e o respetivo custo sempre foi da responsabilidade da Recorrida, desde o início das relações comerciais entre as partes quer na comercialização de óleo quer na comercialização de açúcar.
XXVII. Incumbindo, assim, à Recorrida entregar as mercadorias nas instalações da Recorrente.
XXVIII. Pelo que a matéria do ponto 4) deverá ser considerada matéria não provada.
XXIX. Quanto à matéria do Ponto 7) “Ficou, ainda, combinado que a entrega da mercadoria à Ré seria distribuída por quatro datas distintas“ e do Ponto 8) “Devendo, a Ré, em consonância com o acordado, proceder ao levantamento de 48.600 litros de óleo (i. e., dois camiões) em 25/05/2022, de outros 48.600 litros de óleo (i. e., outros dois camiões) em 01/06/2022, de outros 48.600 litros de óleo (i. e., outros dois camiões) em 08/06/2022 e, finalmente, de outros 48.600 litros de óleo (i. e., outros dois camiões) em 15/06/2022.”
XXX. Conforme referiu a mencionada testemunha AA, depoimento supra melhor identificado, o que foi solicitado pela Recorrente à Recorrida foi uma previsão de entrega de mercadorias para as referidas datas,
XXXI. Efetivamente se atentarmos às datas de entrega das mercadorias que constam das faturas juntas sob documento n.º 4 à petição inicial, verificamos que nenhuma das mercadorias foi entregue nas datas indicadas pela Recorrente nem ao preço que o Tribunal a quo considerou provado.
XXXII. Sobre esta matéria veja-se o depoimento da testemunha CC, colaborador do fornecedor de óleo da Recorrida, testemunha ouvida na sessão de 23 de outubro de 2024 (início pelas 11:20 e términus pelas 11:34) que referiu, quanto à compra do óleo, que após a encomenda feita pela Recorrida, em maio de 2022, a mercadoria seria entregue 30 após a encomenda, mas só foi levantada 15 dias após o término daquele prazo de 30 dias.
XXXIII. Ou seja, feitas as contas após 17 de maio de 2022, a mercadoria permaneceu nas instalações da “EMP03...” fornecedora da Recorrida, cerca de 45 dias.
XXXIV. Tal significa que em meado de junho de 2022, essa mercadoria ainda se encontrava nas instalações do fornecedor da Recorrida,
XXXV. O que é incompatível com a data de envio das mercadorias pela Recorrida à Recorrente, nas datas de 24 de maio de 2022 e 8 de junho de 2022.
XXXVI. De facto, se a mercadoria alegadamente destinada à Recorrente foi adquirida de uma só vez ao fornecedor da Recorrida em 17 de maio de 2022, e se a referida testemunha referiu que essa mercadoria permaneceu, sem ser levantada, mais 15 dias, findo o período de 30 dias previsto para entrega, como é que se justifica que tenha sido entregue à Recorrente mercadoria em 24 de maio e 8 de junho?
XXXVII. A explicação é simples e coerente com todo o depoimento da testemunha AA, que afirmou ao Tribunal que o seu pedido não se tratou de uma efetiva encomenda, com preço definido, mas apenas de uma previsão de entrega e determinadas quantidades e determinado período, e daí a aplicação de diferentes preços nas 4 cargas enviadas pela Recorrida à Recorrente.
XXXVIII. O que demonstra também que a encomenda feita pela Recorrida à sua fornecedora “EMP03...”, não se destinava na sua totalidade à aqui Recorrente,
XXXIX. Uma vez que, antes de a Recorrida a levantar na sua fornecedora o óleo, já havia enviado óleo em 24 de maio e 8 de junho à aqui Recorrente.
XL. Assim, perante a prova testemunhal produzida a matéria de facto identificada nos pontos 7) e 8) dos factos provados, deverá ser considerada não provada.
XLI. Quanto à matéria do Ponto 10) “De forma a assegurar o cumprimento das datas acordadas, a Autora procedeu de imediato à compra daquela quantidade de óleo (i. e., de 194.400 litros) junto do seu fornecedor.” Assim com a matéria de facto do ponto Ponto 29) “A Autora apenas encomendou essa quantidade de óleo de girassol ao seu fornecedor com vista a vendê-lo e entregá-lo à Ré nas datas acordadas.”
XLII. Igualmente terá de ser alterada, porquanto se efetivamente a Recorrida comprou de imediato os 194.400 litros de óleo tal foi uma opção de gestão da mesma que não pode ser imputada à Recorrente.
XLIII. Tais factos não resultaram provados, conforme resulta do email enviado à Recorrida pela testemunha AA, em 18 de agosto de 2022, e do depoimento da mencionada testemunha CC ouvido na sessão de julgamento de 23 de outubro de 2024 (depoimento com início pelas 11:20 e términus pelas 11:34)
XLIV. Do referido email resulta que a Recorrente refere que a Recorrida encomendou o óleo junto do fornecedor antes de se realizar qualquer acordo entre ambos.
XLV. De mencionar que o mencionado email refere, por via do seu colaborador, AA que, ainda assim, tentará ajudar no escoamento da quantidade de óleo,
XLVI. Nesta conformidade deverá ser alterado o Ponto 10) da matéria de facto provada que deverá ter a seguinte redação: Ponto 10) “a Autora procedeu à compra 194.400 litros de óleo junto do seu fornecedor.”
XLVII. Devendo ser considerada não provada a matéria de facto que consta do ponto 29) dos factos provados.
XLVIII. No que se refere à matéria provada do Ponto 21) “A Ré comprometeu-se, também nessa ocasião, a levantar 24.300 litros de óleo (i. e., um camião) em 12/07/2022 e os restantes «assim que libertasse espaço no armazém”.
XLIX. Nesta matéria, cumpre referir que resulta do email de 23 de junho de 2022 junto aos autos, que foi pedido a entrega de mercadoria na empresa EMP04..., o que sucedeu em 9 de julho, conforme resulta da fatura junta aos autos sob documento n.º 4.
L. Pelo que a matéria do Ponto 21, deverá ser alterado para o seguinte: “Em 9 de Julho foi enviado pela Recorrida para a EMP04... um camião com mercadoria.”.
LI. Quanto à matéria do Ponto 22) “Sem apresentar qualquer motivo justificativo, a Ré deixou por levantar nas instalações da Autora os restantes 97.200 litros de óleo que havia encomendado.”
LII. A mesma deverá igualmente ser considerada não provada, porquanto resulta do depoimento da testemunha AA supra melhor identificada que, reitere-se, nunca houve uma encomenda integral de entrega de 8 camiões de mercadoria, mas apenas, uma previsão de disponibilidade de entrega,
LIII. Sendo que, as entregas só seriam feitas de acordo com as necessidades da Recorrente e o preço acordado entre as partes,
LIV. Tendo sido por essa razão que em cada entrega efetuada, os preços são diferentes, o que demonstra que entre os envios de mercadoria efetuadas pela Recorrida à Recorrente, houve efetivamente negociação do preço entre as partes, não estando ab initio fixado entre as partes qualquer preço.
LV. Quanto à matéria do Ponto 30 – “Não tendo forma de o vender a outros clientes ou distribuidores.”
LVI. Reitere-se que não ficou provado qual o destino que a Recorrida deu ao óleo, e igualmente não ficou provado que o mesmo se encontrasse nas instalações da Recorrida quando a presente ação deu entrada (nessa data ainda dentro do prazo de validade).
LVII. De todo o modo resultou do depoimento da testemunha CC, depoimento prestado em 23 de outubro de 2024, e supra melhor identificado, que o óleo pode ser reutilizado, nomeadamente ser refinado sendo dado outro destino.
LVIII. A Recorrida não demonstrou, porque tal não lhe convinha, qual foi o destino dado ao óleo.
LIX. Nem demonstrou qualquer prejuízo sofrido decorrente do facto de não ter sido entregue esse óleo à Recorrente.
LX. Pelo que, não ficou demonstrado que a Recorrida não pudesse ter dado outro destino ao óleo, devendo por isso a matéria de facto do Ponto 30 ser considerada como não provada.
LXI. Relativamente à matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo nos seguintes pontos:
“V. A Ré apenas contactou a Autora no sentido de indagar da viabilidade de entrega de mercadoria.
VI. Não ficou convencionado que a Ré pretendesse encomendar as quantidades que a Autora alega na sua petição.
VII. A Ré não deu o seu consentimento ao preço e modo de pagamento que a Autora refere.
VIII. A Ré não expressou firmemente a sua vontade em adquirir à Autora as quantidades de óleo que esta refere.”
LXII. A Recorrente entende que tal matéria deveria, perante a prova produzida, ter sido considerada provada pelo Tribunal a quo, o que aqui se requer que seja reconhecido.
LXIII. A testemunha AA, supra melhor identificada e quem teve intervenção direta com a Recorrida sobre esta questão, confirmou que apenas contactou a Recorrida no sentido de indagar da viabilidade de entrega de mercadoria em determinado período.
LXIV. Tendo, segundo aquela testemunha, o preço sido ajustado de acordo com a ordem dada para a entrega de cada carga, conforme resulta, reitere-se, das faturas juntas sob documento n.º 4 à petição inicial.
LXV. As entregas de mercadoria seriam ordenadas de acordo com o preço acordado em cada entrega e as necessidades da Recorrente conforme, de resto, resulta do depoimento da testemunha AA, pelo que a matéria de facto dada como provada nos ponto V) a VIII) supra mencionados deverá passar para o elenco dos factos provados.
LXVI. Acresce o Tribunal a quo, não poderia condenar a Recorrente a pagar à Recorrida mercadoria que a Recorrida não entregou, nem demonstrou que destino deu à mesma,
LXVII. Ora, o Tribunal na sua fundamentação referiu que o contrato de compra e venda fica perfeito com o acordo das partes quanto à transmissão de um bem ou direito mediante um preço,
LXVIII. Entendeu o Tribunal a quo, que a Recorrida entrou em mora no cumprimento e que é responsável pela deterioração da mercadoria.
LXIX. Como supra se referiu não ficou provado que a mercadoria se tivesse deteriorado,
LXX. Não ficou demonstrado que a mercadoria foi destruída, ou que não lhe foi dado o uso a que se destinava, ou outro uso.
LXXI. Ficou apenas demonstrado que o prazo de validade terminava em junho de 2023, sendo certo que era a Recorrida quem teve alegadamente o domínio de facto sobre a mercadoria, bem sabendo, pelo menos pelo menos deste 18 de agosto de 2022 e 5 de setembro de 2022 que a Recorrente não havia dado qualquer ordem de encomenda e entrega – cfr. Email de 22 de agosto de 2022 e 5 de setembro de 2022 juntos aos autos.
LXXII. Pelo que, salvo o devido respeito não se aplica in casu, o disposto nos artigos 796.º e 807.º do CC.
LXXIII. A verdade é que a Recorrida utilizou o óleo da forma como bem entendeu, não tendo sido feita prova que o destruiu ou que o mesmo ficou sem qualquer valor por ter ultrapassado a data de validade.
LXXIV. Não fez prova de qualquer prejuízo sofrido relativamente a esse óleo.
LXXV. Pelo que não pode a Recorrente ser responsabilizada nem suportar qualquer custo pelo facto de a Recorrente ter decido encomendar ao seu fornecedor 194.400 litros de óleo, por sua única e exclusiva decisão.
LXXVI. Resultou do depoimento da mencionada testemunha AA, que nunca a Recorrente afirmou, perentoriamente, que pretendia adquirir 194.400 litros de óleo vegetal 100% girassol à Recorrida.
LXXVII. Pelo que não existiu uma declaração de vontade negocial firme e inequívoca passível de conduzir a Recorrente a uma certeza acerca da efetiva realização do negócio.
LXXVIII. Sobre este tema veja-se o decidido pelo o Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 17/01/2017, proferido no âmbito do processo n.º 4527/14.9T8FNC.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt), amparado pelos ensinamentos de Mota Pinto, Manuel de Andrade e Heinrich Ewald Hörster, ilumina: “Poderá ensaiar-se uma definição de declaração de vontade negocial como aquela que traduz um comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência externa de um certo conteúdo da vontade negocial, caracterizando depois essa vontade como a intenção de realizar determinados efeitos práticos, com o objetivo de que os mesmos sejam juridicamente tutelados e vinculantes: o comportamento externo em que se traduz a declaração manifesta, normalmente, uma vontade, formada sem anomalias e coincidente com o sentido exteriormente captado daquele comportamento” (realce nosso).
LXXIX. Na resenha doutrinal efetuada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 30/04/2002 (Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 02A714, disponível para consulta em www.dgsi.pt), que, neste âmbito, se revela extremamente útil decidiu que: “”Por ela (leia-se, proposta contratual) entende-se a declaração feita por uma das partes, que uma vez aceite pela outra, dá lugar à formação do contrato. A declaração para revestir a natureza de proposta contratual deve reunir três requisitos: deve ser completa; deve revelar a intenção inequívoca de celebração do contrato; deve revestir a forma requerida para o contrato" (Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações", vol. I, p. 440).
No mesmo sentido escreve Pessoa Jorge, "Direito das Obrigações", p. 182: "Para que haja uma proposta de contrato é necessário que a respetiva declaração reúna os seguintes requisitos: 1º - exprima uma vontade séria e definitiva de contratar; 2º - contenha, pelo menos, os elementos essenciais específicos do contrato em causa; 3º - possua a forma do mesmo contrato. A proposta deve, portanto, ser tal que com a aceitação se fecha o contrato. Se faltar à proposta algum desses requisitos, ela não pode ser considerada como tal, mas simplesmente como convite para contratar, ou seja, como acto tendente a provocar uma proposta" (sublinhados nossos).
Ensina Antunes Varela, "Direito das Obrigações", vol. I, 9ª ed., p. 227, nota 3: "Para que haja, em bom rigor, uma proposta contratual, é preciso que a declaração da parte cubra de tal modo os pontos essenciais da negociação, que a resposta afirmativa da outra parte baste para encerrar o acordo vinculativo por elas visado. Se na declaração inicial o autor deixa em branco um desses pontos (v.g., o preço da coisa que pretende vender) é porque pretende apenas, por via de regra, convidar o destinatário a fazer uma proposta contratual. Como simples provocação de proposta contratuais devem ainda ser considerados o concurso para adjudicação de empreitada de obras pública (3), ..." (os sublinhados são de nossa autoria).
Indispensável, pois, que a proposta, para que o seja, contenha já os elementos essenciais e típicos do contrato que se pretende a celebrar (Manuel Januário Gomes, "Constituição da Relação do Arrendamento Urbano", p. 235) - ou seja, a proposta, no sentido técnico-jurídico, deve possuir os elementos e requisitos de validade necessários para poder integrar-se no contrato, tal como foi formulada, sem necessidade de ulteriores modificações ou aperfeiçoamentos, tendo de logo definir todos os elementos específicos deste, de sorte que para a formação do acordo baste a mera adesão do destinatário" (Galvão Telles, "Obrigações", 3ª ed., p. 54)” (realces nossos).
LXXX. Ou seja, toda a declaração, proferida no âmbito negocial, que não exprima uma vontade séria e definitiva de contratar, não contenha os elementos essenciais e específicos do contrato a celebrar, e não revista a forma legalmente prevista para o referido contrato, será sempre um mero convite a contratar.
LXXXI. Do e-mail enviado pela Ré à Autora a 17 de maio de 2022, não é possível extrair uma vontade concreta, evidente, de que a Recorrente pretendia adquirir 194.400 litros de óleo vegetal 100% girassol da marca ... a determinado preço.
LXXXII. Acresce ainda que o Tribunal a quo não poderia ter condenado a Recorrente ao pagamento de honorários de Advogado para a cobrança de créditos, por duas ordens de razão,
LXXXIII. As diligências de cobrança extra-judiciais não foram efetuadas por advogado, veja-se o email de 27 de setembro de 2022 onde se refere que quem faz a cobrança é a empresa “EMP05...” em representação da Recorrida.
LXXXIV. Resulta do documento n. º8 junto à petição que os honorários ali referidos são cobrados por contratos e consultoria, nada se referindo à cobrança deste crédito,
LXXXV. De todo o modo as despesas com os honorários de advogado pedidas pela Recorrida estão sujeitas a um regime jurídico específico, só podendo ser compensadas mediante o pedido de custas de parte pela parte vencedora nos termos previstos no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais.
LXXXVI. Nesta conformidade, não poderá a Recorrida ser responsável pelo pagamento de qualquer quantia referente a honorários de Advogado, o que aqui se requer que venha a ser declarado.
LXXXVII. Perante o exposto, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 874.º, 879.º, 883,º do CC.
Nestes termos e nos melhores de Direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente Recurso, e, em consequência, deve revogar-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, julgando a ação totalmente improcedente assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA.

A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso principal e interpôs recurso subordinado, cuja alegação terminou com as seguintes
Conclusões:

I. O presente recurso subordinado tem como objeto a matéria de facto (com reapreciação da prova gravada) e de Direito da decisão proferida nos presentes autos na parte em que não condenou a Recorrida Subordinada a pagar à Recorrente Subordinado qualquer montante relativamente a custos de armazenamento que aquela deixou por pagar e por levantas nas instalações desta.
II. Quanto à matéria de facto, a impugnação dos Recorrentes versa a que foi vazada nos pontos I., II. III. e IV. dos factos não provados.
III. Relativamente aos pontos I. e IV. dos factos dados como não provados, impugnados em bloco em face da sua indissociabilidade, não se concorda que não tenha ficado demonstrado que a mercadoria em causa não permanecesse nas instalações da Recorrente Subordinada, à data da propositura da presente ação, ou pelo menos até determinada data, com base nos elementos constantes dos autos.
IV. Quanto ao dies ad quo para efeitos da contabilização do custo de armazenamento, importa, desde logo, considerar que, segundo ao que também resultou demonstrado (cf. pontos 8) a 11) da matéria de facto dada como provada), a Recorrente Subordinada garantiu a disponibilidade da totalidade da mercadoria nas datas acordadas com a Recorrida Subordinada.
V. Por seu turno, a Recorrida Subordinada não procedeu ao levantamento de 97.200 litros de óleo que havia encomendado (cf. ponto 22) da matéria de facto dada como provada), correspondentes aos quatro últimos camiões, dos quais dois deveriam ter sido levantados em 08/06/2022 e outros dois deveriam ter sido levantados em 15/06/2022.
VI. A Recorrente Subordinada logrou, junto do seu fornecedor, em face do atraso da Recorrida Subordinada, postergar a data de entrega das mercadorias nas instalações daquela (Recorrente Subordinada), o que conseguiu até ao dia 21/06/2022, o que resultou da conjugação dos depoimentos da testemunha CC (cf. minutos 00:03:35 a 00:04:00 do depoimento prestado em Audiência de Julgamento no dia 09/10/2024, entre as 11:36 horas e as 11:50 horas) e da testemunha DD (cf. minutos 00:05:00 a 00:06:37 do depoimento prestado em Audiência de Julgamento no dia 09/10/2024, entre as 11:36 horas e as 11:50 horas).
VII. Demonstrado que está que a totalidade da mercadoria em causa se encontrava nas instalações da Recorrente Subordinada pelo menos desde 21/06/2022 é esta a data que deverá ter-se por referência para o início da contabilização dos custos do armazenamento.
VIII. Relativamente ao dies ad quem para efeitos dessa contabilização, deverá, salvo melhor entendimento, ter-se por referência a data de validade das mercadorias em causa, posto que a obrigação da Recorrente Subordinada seria, salvo melhor entendimento, a de assegurar, perante a Recorrida Subordinada, a disponibilidade da mercadoria, pelo menos até essa data.
IX. Incumbia à Recorrida Subordinada, se assim o pretendesse, alegar e demonstrar que a Recorrente Subordinada eventualmente incumprira essa sua obrigação – incumprimento esse que, diga-se, em todo o caso, não sucedeu.
X. A mercadoria em causa tinha validade até 30/06/2023 (cf. ponto 28) da matéria de facto dada como provada).
XI. Da perícia requerida pela Recorrente Subordinada e determinada pelo Tribunal, com vista a determinar o custo do armazenamento da mercadoria em causa, resultou que esse custo se estimava no valor diário de 21,60 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
XII. Tendo decorrido 375 dias entre a data em que a mercadoria não levantada passou a estar nas instalações da Recorrente Subordinada (21/06/2022) e a data do fim do prazo de validade da mercadoria em causa (30/06/2023), deveria, assim, a Recorrida Subordinada ter sido condenada a pagar à Recorrente Subordinada, a esse título, o valor total de 8.100,00 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
XIII. Ainda que assim não se entendesse, aquando da propositura da ação, a mercadoria em causa nos presentes autos encontrava-se dentro do prazo de validade, daí que a Recorrente Subordinada tivesse requerido a referida perícia tendo por referência a concreta mercadoria em causa.
XIV. Ora, tendo decorrido 247 dias desde 21/06/2022 até à data da propositura da ação, deveria a Recorrida Subordinada ter sido condenada a pagar à Recorrente Subordinada o valor total de 5.335,20 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
XV. Ainda que assim também não se entendesse, resulta das interpelações remetidas em 18/08/2022 e em 12/09/2022 pela Recorrente Subordinada à Recorrida Subordinada (cf. documento n.º 6 junto com a petição inicial e documento n.º 3 junto com o requerimento de 17/07/2023) e da factura emitida em 02/09/2022 (cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial), tudo com vista ao levantamento da mercadoria, que a Recorrente Subordinada ainda tinha, nessas datas, a mercadoria nas suas instalações, atentas, ademais, as regras da experiência e da lógica.
XVI. Aliás, a testemunha DD esclareceu que a referida factura foi, também, emitida como forma de compelir a Recorrida Subordina a proceder ao levantamento da mercadoria (cf. minutos 00:09:15 a 00:10:00 do depoimento prestado em Audiência de Julgamento no dia 09/10/2024, entre as 11:36 horas e as 11:50 horas).
XVII. Ora, tendo decorrido 84 dias desde 21/06/2022 até àquele dia 12/09/2022, deveria a Recorrida Subordinada ter sido condenada a pagar à Recorrente Subordinada o valor total de 1.814,40 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
XVIII. Em face de todo o exposto, deveria o ponto I. dos factos dados como não provados passar, ao invés, a integrar a factualidade dada como provada, com a seguinte redação:
A mercadoria em causa nos autos permaneceu nas instalações da Autora, pelo menos, até 30/06/2023.
XIX. E deveria o ponto IV. dos factos dados como não provados passar, ao invés, a integrar a factualidade dada como provada, com a seguinte redação:
O armazenamento do óleo acarretou um custo total de 8.100,00 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
XX. Caso assim não se entenda, deveria o ponto I. dos factos dados como não provados passar, ao invés, a integrar a factualidade dada como provada, com a seguinte redação:
A mercadoria em causa nos autos, à data da propositura da ação, permanecia nas instalações da Autora.
XXI. E deveria o ponto IV. dos factos dados como não provados passar, ao invés, a integrar a factualidade dada como provada, com a seguinte redação:
O armazenamento do óleo acarretou um custo total de 5.335,20 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
XXII. Caso assim também não se entenda, deveria o ponto I. dos factos dados como não provados passar, ao invés, a integrar a factualidade dada como provada, com a seguinte redação:
A mercadoria em causa nos autos permaneceu nas instalações da Autora, pelo menos, até 12/09/2022.
XXIII. E deveria o ponto IV. dos factos dados como não provados passar, ao invés, a integrar a factualidade dada como provada, com a seguinte redação:
O armazenamento do óleo acarretou um custo total de 1.814,40 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
XXIV. Deverá, ainda, a Recorrida Subordinada ser condenada a pagar à Recorrente Subordinada o valor diário do custo de armazenamento determinado na perícia realizada multiplicado pelo número de dias de armazenamento, de acordo com a alteração da matéria de facto.
XXV. Relativamente aos pontos II. e III. dos factos dados como não provados, impugnados em bloco em face da sua indissociabilidade e sequência lógica e aritmética, deveria, em face da perícia realizada, dar-se tais factos como provados ainda que com os valores resultantes dessa perícia.
XXVI. Com efeito, resultou dessa perícia que o custo do armazenamento do volume da mercadoria em causa se estimava no valor diário de 0,20 € por palete, acrescido do IVA à taxa legal em vigor, o que significa um custo total diário de 21,60 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
XXVII. Em face de todo o exposto, deveria o ponto II. dos factos dados como não provados passar, ao invés, a integrar a factualidade dada como provada, com a seguinte redação:
O armazenamento do óleo tem implicado para a Autora um custo diário de 21,60 €, acrescido do respetivo IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado).
XXVIII. E deveria o ponto III. dos factos dados como não provados passar, ao invés, a integrar a factualidade dada como provada, com a seguinte redação:
Considerando o volume ocupado pela mercadoria em armazém e de acordo com a tarifa de 0,20 € por palete e por dia.
XXIX. Quanto à matéria de direito, desde logo, incumbia à Recorrida Subordinada, se assim o pretendesse, alegar e demonstrar que a Recorrente Subordinada eventualmente incumprira – o que não sucedeu, em todo o caso – essa sua obrigação de, pelo menos durante o período de validade das mercadorias, as manter à disposição da Recorrida Subordinada.
XXX. Como se disse, a mercadoria em causa tinha validade até 30/06/2023 (cf. ponto 28) da matéria de facto dada como provada).
XXXI. A Recorrida Subordinada limitou-se, nos presentes autos, a sustentar que não realizou nenhuma encomenda, nada alegando ou demonstrando, como lhe incumbia em face do disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, que fosse suscetível de excecionar a matéria alegada pela Recorrente Subordinada.
XXXII. Vale por dizer que, tendo-se considerado que efetivamente a Recorrida Subordinada realizou a encomenda a que alude os presentes autos, esta (Recorrida Subordinada), por nada ter dito em contrário, aceitou que, nessa circunstância, a mercadoria deveria ter sido levantada pelo menos até ao final do prazo da respetiva validade, posto, ademais, corria a seu cargo, em face da respetiva mora, o risco do perecimento ou deterioração da coisa, nos termos do disposto nos artigos 796.º, 807.º e 815.º do Código Civil.
XXXIII. Pelo exposto, ao decidir como decidiu – i. e., dando como não provados os factos constantes dos pontos I. a IV. cujo afastamento, designadamente por exceção, incumbia à Recorrida Subordinada – o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 2, 796.º, 807.º e 815.º do Código Civil, preceitos estes que deveriam ter sido interpretados no sentido de que tais factos se encontravam e deveriam ser dados como provados.
TERMOS EM QUE e noutros que VV. Exas. suprirão, julgando procedente o presente recurso subordinado e revogando-se, nessa parte, a Sentença revidenda, substituindo-se por outra que, com a manutenção da decisão de condenação da Recorrida Subordinada, a condene, também, no pagamento à Recorrente Subordinada dos custos do armazenamento da mercadoria, nos termos expostos, far-se-á JUSTIÇA.

Ambos os recursos foram admitidos, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, averiguar se assiste à autora o direito ao recebimento do remanescente do preço resultante do incumprimento parcial do contrato celebrado com a ré (e se este foi celebrado), bem como direito à indemnização relativa aos custos de armazenamento (recurso subordinado) e custos com a cobrança do crédito.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos Provados:
1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à moagem de cereais, produção e embalamento de todo o tipo de produtos finais e matérias-primas para a indústria da panificação e pastelaria, bem como à importação e à exportação.
2) A Ré é uma sociedade comercial de direito francês que se dedica, além do mais, ao comércio por grosso de produtos alimentares.
3) Em 17/05/2022, a Ré encomendou à Autora o fornecimento de 194.400 litros de óleo vegetal 100% girassol da marca ..., pelo preço de 2,995 € por litro.
4) Entre as partes ficou acordado que a Ré procederia ao levantamento da mercadoria distribuída por oito camiões a partirem das instalações da Autora.
5) Cada camião transportando 1.620 caixas.
6)  Contendo, cada caixa, três garrafões de 5 litros, com o total de 24.300 litros de óleo por cada camião.
7) Ficou, ainda, combinado que a entrega da mercadoria à Ré seria distribuída por quatro datas distintas.
8) Devendo, a Ré, em consonância com o acordado, proceder ao levantamento de 48.600 litros de óleo (i. e., dois camiões) em 25/05/2022, de outros 48.600 litros de óleo (i. e., outros dois camiões) em 01/06/2022, de outros 48.600 litros de óleo (i. e., outros dois camiões) em 08/06/2022 e, finalmente, de outros 48.600 litros de óleo (i. e., outros dois camiões) em 15/06/2022.
9) A Ré deveria proceder, aquando de cada entrega, ao pagamento da fatura relativa a cada uma dessas parcelas.
10) De forma a assegurar o cumprimento das datas acordadas, a Autora procedeu de imediato à compra daquela quantidade de óleo (i. e., de 194.400 litros) junto do seu fornecedor.
11) Garantindo, nessas datas, a disponibilidade da mercadoria nos seus armazéns.
12) A Ré levantou 48.600 litros de óleo (i. e., dois camiões) em 24/05/2022.
13) Outros 24.300 litros de óleo (i. e., um camião) em 08/06/2022.
14) E outros 24.300 litros de óleo (i. e., um camião) em 09/07/2022.
15) Tendo procedido ao pagamento à Autora das respetivas faturas, no montante de 280.414,88 €.
16) Em 23/06/2022, a Ré havia solicitado à Autora que o último dos referidos quatro camiões fosse entregue e faturado a uma outra empresa do mesmo grupo da Ré (i. e., EMP04...).
17) O que a Autora aceitou.
18) Nessa ocasião, a Ré, havia, ainda, pedido à Autora que reduzisse o preço do óleo para o valor de 2,69 € por litro.
19) Justificando que as suas vendas haviam sofrido uma redução em virtude da diminuição generalizada do preço do óleo.
20) Ao que a Autora também anuiu, considerando, entre o mais, a quantidade encomendada e a confiança que depositava na relação comercial com a Ré.
21) A Ré comprometeu-se, também nessa ocasião, a levantar 24.300 litros de óleo (i. e., um camião) em 12/07/2022 e os restantes «assim que libertasse espaço no armazém».
22) Sem apresentar qualquer motivo justificativo, a Ré deixou por levantar nas instalações da Autora os restantes 97.200 litros de óleo que havia encomendado.
23) Não obstante os inúmeros contactos e interpelações que a Autora lhe dirigiu para que procedesse ao levantamento da mercadoria e ao pagamento do respetivo preço.
24) Em 18/08/2022, a Autora interpelou a Ré, concedendo-lhe um prazo de 10 dias para proceder ao levantamento da mercadoria e informando-a que, no final do prazo, emitiria a respetiva fatura, independentemente do levantamento ou não dos produtos.
25) Em 02/09/2022, a Autora emitiu a fatura pelo valor que havia sido acordado - de 261.458,47 €.
26) Remetendo-a à Ré.
27) Com condição de pagamento “a pronto”.
28) O lote de óleo de girassol em causa nos autos tinha a validade até 30/06/2023, para efeitos de consumo humano.
29) A Autora apenas encomendou essa quantidade de óleo de girassol ao seu fornecedor com vista a vendê-lo e entregá-lo à Ré nas datas acordadas.
30) Não tendo forma de o vender a outros clientes ou distribuidores.
31) A A. transmitiu à Ré o custo diário do armazenamento do óleo.
32) A Autora suportou, com a cobrança extrajudicial da presente dívida, a título de honorários de Advogado, o montante de 3.075,00 €.
33) As 108 paletes em causa têm um valor de armazenamento diário que se estima em 21,60 €, acrescido de IVA.
34) Em 18 de agosto de 2022, a Ré enviou email à A. dizendo que a decisão de adquirir o óleo, nas quantidades em causa, ao fornecedor foi anterior ao seu consentimento.
35) O óleo está indexado à bolsa de cereais, pelo que o seu preço é variável.
36) As garrafas de óleo em causa foram embaladas com rótulos em francês.
37) Em 23/06/2022, através de email remetido à A., a Ré afirma, através do seu responsável comercial, que ainda tinha cinco camiões por levantar.

Factos não provados:

Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a justa decisão da causa.

Nomeadamente, não resultaram provados os factos que estão em oposição direta com aqueles que resultaram provados, bem como os seguintes factos:
I. A mercadoria em causa nos autos, à data da propositura da ação, permanecia, nas instalações da Autora.
II. O armazenamento do óleo tem implicado para a Autora um custo diário de 378,00 €, acrescido do respetivo IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado).
III. Considerando o volume ocupado pela mercadoria em armazém e de acordo com a tarifa de 3,50 € por palete e por dia.
IV. Até à data de entrada da presente ação, o armazenamento do óleo acarretou um custo total de 80.899,56 € (com o IVA incluído).
V. A Ré apenas contactou a Autora no sentido de indagar da viabilidade de entrega de mercadoria.
VI. Não ficou convencionado que a Ré pretendesse encomendar as quantidades que a Autora alega na sua petição.
VII. A Ré não deu o seu consentimento ao preço e modo de pagamento que a Autora refere.
VIII. A Ré não expressou firmemente a sua vontade em adquirir à Autora as quantidades de óleo que esta refere.
IX. A Autora sempre foi conhecedora de que a Ré nunca se comprometeu com a aquisição das quantidades alegadas na Petição Inicial.
X. A Ré, com má fé, concebeu uma tese que afronta, de forma direta e inconciliável, a verdade dos factos.

A apelante impugna a decisão de facto relativamente aos pontos 3, 4, 7, 8, 10, 21, 22, 29, 30 e 37 dos factos provados e V), VI), VII) e VIII) dos factos não provados.
Sustenta-se, sobretudo no depoimento da sua testemunha EE e na interpretação que faz dos documentos juntos aos autos, designadamente, dos e-mails trocados entre as partes. Considera, ainda, o depoimento da testemunha CC.
Tais pontos têm a seguinte redação:
3) Em 17/05/2022, a Ré encomendou à Autora o fornecimento de 194.400 litros de óleo vegetal 100% girassol da marca ..., pelo preço de 2,995 € por litro.
4) Entre as partes ficou acordado que a Ré procederia ao levantamento da mercadoria distribuída por oito camiões a partirem das instalações da Autora.
7) Ficou, ainda, combinado que a entrega da mercadoria à Ré seria distribuída por quatro datas distintas.
8) Devendo, a Ré, em consonância com o acordado, proceder ao levantamento de 48.600 litros de óleo (i. e., dois camiões) em 25/05/2022, de outros 48.600 litros de óleo (i. e., outros dois camiões) em 01/06/2022, de outros 48.600 litros de óleo (i. e., outros dois camiões) em 08/06/2022 e, finalmente, de outros 48.600 litros de óleo (i. e., outros dois camiões) em 15/06/2022.
10) De forma a assegurar o cumprimento das datas acordadas, a Autora procedeu de imediato à compra daquela quantidade de óleo (i. e., de 194.400 litros) junto do seu fornecedor.
21) A Ré comprometeu-se, também nessa ocasião, a levantar 24.300 litros de óleo (i. e., um camião) em 12/07/2022 e os restantes «assim que libertasse espaço no armazém».
22) Sem apresentar qualquer motivo justificativo, a Ré deixou por levantar nas instalações da Autora os restantes 97.200 litros de óleo que havia encomendado.
29) A Autora apenas encomendou essa quantidade de óleo de girassol ao seu fornecedor com vista a vendê-lo e entregá-lo à Ré nas datas acordadas.
30) Não tendo forma de o vender a outros clientes ou distribuidores.
37) Em 23/06/2022, através de email remetido à A., a Ré afirma, através do seu responsável comercial, que ainda tinha cinco camiões por levantar.
V. A Ré apenas contactou a Autora no sentido de indagar da viabilidade de entrega de mercadoria.
VI. Não ficou convencionado que a Ré pretendesse encomendar as quantidades que a Autora alega na sua petição.
VII. A Ré não deu o seu consentimento ao preço e modo de pagamento que a Autora refere.
VIII. A Ré não expressou firmemente a sua vontade em adquirir à Autora as quantidades de óleo que esta refere.

O que está verdadeiramente em discussão, relativamente à matéria de facto, é a questão de saber se a ré encomendou ou não à autora as quantidades de óleo em causa ou se apenas indagou da viabilidade da entrega da mercadoria, sem acordo quanto a datas, quantidades ou preços.
Estão em confronto os depoimentos das testemunhas BB e FF que foram as pessoas que trataram do negócio, respetivamente, pelo lado da ré e da autora. Estes depoimentos devem analisar-se conjugadamente com os e-mails que trocaram entre si e que estão juntos aos autos. Paralelamente, haverá ainda a considerar o depoimento de CC, diretor comercial da sociedade que forneceu o óleo à autora, e DD, funcionária da autora com funções de assistência à administração. Já GG, diretor geral da ré, apenas teve conhecimento da situação posteriormente, pelo que o seu depoimento se mostrou irrelevante.
Ora, da análise que efetuámos da prova, concluímos pelo acerto da decisão de facto proferida em 1.ª instância.
A tese da ré de que nada encomendou e que a indicação de datas e número de camiões de óleo foi, apenas, uma previsão de encomendas, um pedido de informação, e não uma encomenda integral e efetiva e que nunca chegaram a acordo quanto ao preço, sustentada no depoimento de BB, não encontra suporte no texto dos e-mails trocados e nos depoimentos das demais testemunhas.
Por um lado, verifica-se que a ré efetivamente recebeu e pagou quatro camiões de paletes de óleo (97.200 litros) enviadas e faturadas pela autora, no valor de € 280.414,88, o que não se compadece com a sua tese de que não encomendou qualquer litro de óleo, mas apenas solicitou informações sobre uma previsão de encomendas.
Os e-mails datados de 17/05/2022 mostram que a ré efetuou a encomenda aqui em causa e que a mesma foi aceite pela autora, que logo informou que já tinha confirmado com o seu fornecedor a venda desses camiões de óleo, mas que os mesmos teriam que ser pagos no dia em que fossem carregados, uma vez que já teria pago ao fornecedor (acrescenta que o preço do óleo de girassol está a subir, o que foi confirmado no seu depoimento em audiência e explicado pelo início da guerra na Ucrânia, motivo pelo qual teve de encomendar a totalidade dos camiões, de modo a garantir o preço). O pagamento no dia da entrega veio efetivamente a acontecer, o que, uma vez mais, mostra que havia sido celebrado um acordo/contrato, com condições específicas.
Acresce que, tendo já recebido três camiões, a ré enviou, em 23/06/2022, e-mail  onde afirma que, de acordo com o que combinaram, ainda tem 5 camiões para levantar, pedindo que o próximo fosse enviado a uma outra sociedade terceira “EMP06...” a 12/07/2022 (a um preço inferior) e que, quanto ao resto, colocará as ordens assim que tiver espaço no seu armazém. Ora, este e-mail não pode suscitar qualquer dúvida de interpretação quanto a ter sido efetivamente celebrado um contrato entre as partes relativo ao fornecimento dos oito camiões de óleo, nas quantidades, datas e preço acordado. Na sequência deste e-mail, a autora respondeu aceitando a redução do preço pedida e o camião foi carregado e entregue à sociedade indicada pela ré, com pagamento na mesma data.
A explicação oferecida pela testemunha FF, apresenta-se plausível, de acordo com as regras da experiência e considerando o que, na altura, aconteceu no mercado deste tipo de mercadoria, ou seja, “O AA arrependeu-se do negócio que tinha feito, o que tem a ver com a descida do preço”. Contudo na troca de e-mails resulta claro que a autora só conseguiria manter o preço acordado (numa altura em que o mesmo estava a subir) de € 2,995, se os carregamentos fossem pagos na data dos mesmos, uma vez que teria que pagar adiantado ao seu fornecedor. Posteriormente, como já salientámos, acabou por aceitar uma descida do preço, face à cotação internacional em queda.
A testemunha FF explica todo o processo de aquisição ao seu fornecedor, no mesmo dia da encomenda, de forma a garantir o preço acordado com a ré (o que foi confirmado pela testemunha CC, diretor comercial da sociedade que forneceu o óleo e pela testemunha DD, que esclareceu, ainda, a forma como os carregamentos de óleo foram sendo disponibilizados entre maio e junho e como já tinham o óleo todo em armazém quando foi efetuado o último carregamento para a ré - aquele que foi entregue a outra sociedade). Tanto a testemunha FF, como a testemunha DD são unânimes em explicar o circunstancialismo da necessidade de fixar o preço em função da carência de produto que ocorria devido à guerra na Ucrânia e que, depois, acabou por ser ultrapassada com o reinicio dos fornecimentos. Quanto aos prazos de entrega, não decorre do depoimento da testemunha CC nada que possa contrariar o que foi dito pela testemunha DD, uma vez que este se refere aos prazos totais de entrega da mercadoria, não resultando do seu depoimento que só 45 dias depois da encomenda é que se iniciaram as entregas, como pretende a apelante.
Relativamente ao ponto 30 dos factos provados, resulta da prova produzida que este óleo foi encomendado ao fornecedor da autora, especificamente para ser vendido à ré, com um prazo de validade de um ano e com rótulos em francês, sendo que o embalamento e rotulagem é efetuado por máquinas, não podendo ser retirado posteriormente e substituído por outro, operação que teria quer ser efetuada à mão, com custos extraordinários – veja-se o depoimento de CC que, além do mais, explicou, também, que quando tem um terço da validade, muitos clientes já não o aceitam “porque tem de ter mais de nove meses” e que, se não for vendido nesse prazo, “tem de ser abatido”.
Improcede, assim, a impugnação da decisão de facto quanto aos pontos considerados provados.
Desta improcedência resulta, também, a improcedência da impugnação quanto aos pontos considerados não provados, uma vez que estes são o contrário daqueles, contendo a versão da ré quanto à não existência de contrato, que não se provou.
Improcede, assim, na totalidade a impugnação da decisão de facto.

Quanto à decisão jurídica, sustenta a apelante que, na sequência da impugnação da decisão de facto, não houve uma verdadeira proposta contratual, aceite pela parte contrária, não se tendo, assim, formado qualquer contrato. Sustenta, ainda, a apelante que o tribunal não podia tê-la condenado a pagar por uma mercadoria que a recorrida não entregou, não tendo ficado provado que a mesma se tivesse deteriorado e, em consequência, tivesse ficado inutilizada. Finalmente, considera que não é devida a quantia a título de pagamento de honorários a advogado.
Quanto à questão de se ter formado um verdadeiro contrato, remete-se aqui para o que já fica dito na parte relativa à impugnação da matéria de facto – não há dúvida que o contrato de compra e venda celebrado entre as partes ficou perfeito com o acordo das partes plasmado nos e-mails juntos, que retratam a encomenda efetuada e a sua aceitação, nas condições deles constantes, relativas a datas, quantidades e preços, contrato cuja execução se iniciou com a entrega de quatro dos oito camiões previstos contra a entrega do respetivo preço – artigo 874.º do Código Civil.
Quanto à questão da ré não ser responsável pelo preço da mercadoria que não foi entregue, torna-se necessário interpretar o disposto no artigo 796.º do Código Civil quanto a quem deve suportar o risco da perda ou deterioração.
A este propósito convocamos o estudo de Daniel Bessa de Melo (advogado e mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto), in Breves Nótulas acerca dos Artigos 796.º e 797.º do Código Civil, Revista Jurídica Portucalense, n.º 30, 37-59, Porto 2021 - https://doi.org/10.34625/issn.2183-2705(30)2021.ic-03:
“A entender-se o alcance desta regra, da qual emana “uma conexão inequívoca entre a transferência do risco e a transmissão do direito real sobre a coisa”, é imprescindível o recurso ao artigo 408.º. Este normativo, coroando o princípio do consensualismo, dispõe no seu n.º 1 que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei”. Neste conspecto, o Direito português consagra o sistema do título: “a transmissão dos direitos reais ocorre apenas em virtude do próprio contrato, não ficando dependente de qualquer acto posterior, como a tradição da coisa ou o registo” - LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, Vol. I, cit., p. 191.
Combinando os dois regimes, conclui-se que o adquirente da coisa, porque ingressa na propriedade dela no momento da celebração do contrato – (Conforme sapientemente refere ANA AFONSO, “o momento crucial da transferência do risco coincide com a aquisição do direito real sobre a coisa” [Anotação ao art. 796.º, in PROENÇA, José Carlos Brandão, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Lisboa: Universidade Católica, 2018, p. 1096]. No mesmo sentido, NUNO AURELIANO escreve que “a lei elege como marco fundamental a transmissão do direito real sobre a coisa, transmitindo-se o risco […] independentemente da entrega da coisa e do pagamento do preço no âmbito paradigmático do contrato de compra e venda” (cit., p. 291)) - suportará o risco da sua perda ou deterioração mesmo que a coisa ainda não lhe tenha sido entregue.
A favor da solução do n.º 1 do art. 796.º, que coincide o risco com a propriedade, arrolam-se vários argumentos: (i) apelando ao princípio ubi commoda ibi incommoda - LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, Vol. III, cit., pp. 28-29 - a oneração do proprietário com o risco da perda ou perecimento, mesmo antes da entrega, será a solução mais justa, pois é ele que a partir da alienação, podendo dispor livremente da coisa, beneficiará do aumento do seu valor; (ii) sublinhando-se a nova geometria da relação obrigacional, o alienante que conserve a coisa em seu poder atua na qualidade de mero depositário, em regra não auferindo qualquer benefício com essa conservação (muito pelo contrário, a dilação do momento de entrega pode ter sido pedida pelo próprio adquirente que, por várias razões, não pode receber a coisa) - VARELA, João Antunes, e LIMA, Pires de, Código Civil Anotado, Vol. II, 4.a ed., Coimbra Editora, 1987, p. 50”.
Assim, tendo a adquirente que suportar o risco da perda ou deterioração da coisa, deve verificar-se se ela ocorreu.
Quanto a esta questão, ficou provado que a autora procedeu, de imediato, à compra da quantidade de óleo encomendada, de forma a assegurar o cumprimento das datas acordadas, garantindo, nessas datas, a disponibilidade da mercadoria nos seus armazéns, tendo-o encomendado ao seu fornecedor com vista a vendê-lo e entrega-lo à ré nas datas acordadas, não tendo forma de o vender a outros clientes e distribuidores, tendo as garrafas de óleo em causa sido embaladas com rótulos em francês e que o lote de óleo de girassol em causa nos autos tinha a validade até 30/06/2023 para efeitos de consumo humano. Acontece que a ré não cumpriu nas datas acordadas, nem posteriormente quando para tal foi interpelada.
Ou seja, ultrapassada a data de validade, ocorre a deterioração da coisa que, mesmo antes não podia ser vendida a outros que não a ré, uma vez que estava embalada e rotulada em francês com o nome da ré.
Tendo-se provado estes factos, é inquestionável que a ré terá que ser condenada no pagamento do preço em falta, relativo ao óleo que encomendou mas que não foi entregue, por não ter procedido ao seu levantamento no armazém da autora – ponto 22 dos factos provados.

Quanto à parte respeitante aos custos com a cobrança de créditos, ela está prevista no artigo 7.º do DL n.º 62/2013 de 10/05, que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais, e transpõe a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011:
“Indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida
Quando se vençam juros de mora em transações comerciais, nos termos dos artigos 4.º e 5.º, o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de 40,00 EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente”.
No caso dos autos, a autora provou que suportou com a cobrança extrajudicial da presente dívida, a título de honorários de advogado, a quantia de € 3.075,00 – facto provado n.º 32, que não foi impugnado e que resulta de fls. 27 a 29 dos autos e do depoimento da testemunha DD que tratou do assunto.
Pelo que lhe é devido tal montante nos termos daquele dispositivo legal.
Improcede, assim, totalmente, o recurso principal.

Finalmente, há que apreciar o recurso subordinado.
Prende-se este recurso com o pedido de condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 80.899,56 relativo a custos de armazenamento da mercadoria que a ré não levantou das instalações da autora.
Considerou o tribunal recorrido que não ficaram provados os custos de armazenamento, nem que a mercadoria permanecesse nas instalações da autora à data da propositura da ação – factos I a IV dos factos não provados
A apelante impugna a decisão de facto quanto a estes pontos da matéria de facto não provada, mas não especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre esses pontos diversa da recorrida, o que, nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, implica a rejeição da impugnação.
Com efeito, a apelante limita-se a indicar a data a partir da qual entende que deveriam ser contabilizados tais custos – 21/06/2022, por ser a data em que chegaram os últimos camiões de óleo proveniente do seu fornecedor – e a data até à qual entende que deveriam os mesmos custos ser contabilizados – 30/06/2023, por ser a data de validade do óleo, ou 22/02/2023, por ser a data da propositura da ação, ou 12/09/2022, por ser a data em que a autora interpelou a ré para que procedesse ao levantamento da mercadoria – o que, considerando cada uma dessas datas e o valor diário de armazenamento das paletes em causa (fixado em peritagem e constante do ponto 33 dos factos provados), conduziria à condenação da ré no pagamento de € 8.100,00, ou € 5.335,20, ou € 1.814,40, consoante se considerasse cada uma daquelas datas.
Pretende, também, que os pontos II e III dos factos não provados sejam eliminados e passe a constar da matéria de facto provada que o armazenamento do óleo tem implicado para a autora um custo diário de € 21,60, acrescido de IVA, considerando o volume ocupado pela mercadoria em armazém e de acordo com a tarifa de 0,20 € por palete e por dia. Ou seja, desiste dos seus cálculos, para aderir aos cálculos efetuados pelo perito. Tal matéria, genericamente, já consta do ponto 33 dos factos provados – que as 108 paletes têm um valor de armazenamento diário que se estima em € 21,60, acrescido de IVA – o que aí não consta é que tem sido a autora a suportar tais custos e este é o cerne da divergência.
Contudo, como já salientámos, a apelante não especifica qualquer meio probatório que conduzisse a essa alteração, limitando-se a concluir conforme o seu entendimento da questão. Ora, o que verdadeiramente está em discussão, aqui, é a falta de prova de que a mercadoria permanecia nas instalações da autora à data da propositura da ação e, não se tendo provado tal facto – e era à autora que cabia efetuar essa prova, uma vez que alegou esse facto em ordem a pedir a condenação da ré no pagamento dos custos respetivos, de acordo com o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do CC – não pode a ré ser condenada no pagamento de tais custos.
Improcede, assim, de igual modo, o recurso subordinado.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedentes ambas as apelações, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas da cada apelação pelo respetivo apelante.

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Guimarães, 10 de julho de 2025

Ana Cristina Duarte
Carla Maria Sousa Oliveira
Alcides Rodrigues