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COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
DOMICÍLIO CONTRATUAL
Sumário
i) a competência do Tribunal constitui um pressuposto processual, pelo que deve ser aferida com base na relação jurídica tal como é configurada pelo autor; ii) a competência internacional dos tribunais portugueses afere-se pelo disposto em convenções internacionais ou nos regulamentos europeus sobre a matéria, seguindo-se a integração de algum dos segmentos normativos dos artigos 62.º e 63.º; iii) não obsta à aplicação do regime de regulamento europeu a circunstância de o Autor ser não domiciliado em Estado-Membro, desde que o Réu o seja; iv) em matéria contratual e em caso de venda de bens, aplica-se o Regulamento (UE) 1215/2012, cujo regime consagra, como critério geral de competência, o do domicílio do demandado; v) este pode, contudo, ser demandado no Tribunal do lugar num Estado-Membro onde os bens foram ou devam ser entregues. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I – As Partes e o Litígio
Recorrente / Autor: (…), residente em Doha, Catar
Recorrido / Réu: (…), residente em Sevilha, Espanha
Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual o Autor peticionou que seja reconhecida a anulação do contrato de compra e venda do cavalo devidamente identificado, condenando-se o Réu a devolver a quantia de € 38.000,00 que lhe foi entregue a título de preço e a pagar indemnização, a que acrescem juros de mora.
Para tanto, invocou ter acordado com o Réu a compra de um equídeo de raça Anglo-Árabe pelo preço de € 38.000,00 para a prática desportiva na modalidade de Endurance. Veio, posteriormente, a constatar que o estado clínico do cavalo determina a sua inaptidão para a referida prática desportiva, pelo que comunicou ao Réu a resolução do contrato, dele reclamando a restituição do preço que foi pago.
Mais foi alegado que:
- o cavalo foi mostrado em Elvas, local onde foi negociado o contrato;
- o cavalo foi entregue ao Autor em Elvas[1];
- após a celebração do contrato, o cavalo foi levado pelo Autor para França;
- em França foi detetado o estado clínico do cavalo que acarreta a respetiva inaptidão para a prática desportiva de Endurance;
- o cavalo encontra-se em França.
II – O Objeto do Recurso
Auscultado o Autor, foi proferida decisão julgando verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, por violação das regras de competência internacional, absolvendo o Réuda instância.
Inconformado, o Autor apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue os tribunais portugueses internacionalmente competentes para a presente causa. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«A) O Autor alegou factos concretos ocorridos em Portugal que integram a causa de pedir.
B) Tais factos alegados pelo Autor., nomeadamente nos artigos 5ª a 7º da p.i., são essenciais para a procedência da ação e, consequentemente, integram o núcleo da causa de pedir.
C) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo faz uma incorreta interpretação da alínea b) do artigo 62.º do Código de Processo Civil, sendo que, em face dos factos alegados pelo Autor, encontram-se perfeitamente reunidos os requisitos ali previstos para a atribuição da competência internacional aos Tribunais portugueses.»
O recurso foi admitido.
Foi determinada a citação do R nos termos e para os efeitos previsto no artigo. 641.º/7, do CPC.
O Recorrido apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que os factos essenciais, e que constituem a causa de pedir, são o local da celebração do negócio, que foi em Espanha, a nacionalidade e domicílio do Recorrente (Qatari) e Recorrido (Espanhola) e o local onde foi detetada a alegada inaptidão pré existente à data da compra do cavalo, em França.
Cumpre apreciar se os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o julgamento da presente causa.
III – Fundamentos
A – Dados a considerar: o que decorre do que se deixa exposto.
B – A questão do Recurso
A competência do Tribunal constitui um pressuposto processual, pelo que deve ser aferida com base na relação jurídica tal como é configurada pelo autor, tomando-se em consideração os denominados índices de competência que constam das normas determinativas da competência.[2]
A competência internacional encontra-se prevista no artigo 59.º do CPC nos seguintes termos: sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.
«A competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeira linha, do que resultar de convenções internacionais (v.g. Convenção de Lugano) ou dos regulamentos europeus sobre a matéria (v.g. Regulamentos n.ºs 1215/2012 e 2201/2003) e, depois, da integração de algum dos segmentos normativos dos artigos 62.º e 63.º, sem embargo da que possa emergir do pacto atributivo de jurisdição, nos termos do artigo 94.º.»[3]
Logo, e como não podia de deixar de ser[4], o regime inserto nos regulamentos europeus prevalece sobre as normas processuais contidas no CPC.
Atentemos, pois, no Regulamento(UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, o qual se aplica em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição.
Ao que não obsta a circunstância de o Autor ser não domiciliado em Estado-Membro, uma vez que o Réu, demandado, o é.[5]
Assim:
Artigo 4.º/1: Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.
Artigo 5.º/1: As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.
Secção 2 Competências Especiais
Artigo 7.º: As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro: 1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão; b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: - no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.
Tal regime consagra, como critério geral de competência, o do domicílio do demandado.
No entanto, em matéria contratual e em caso de venda de bens, o demandado domiciliado num Estado-Membro poderá ser demandado no Tribunal do lugar num Estado-Membro onde os bens foram ou devam ser entregues.
Uma vez que, por referência à configuração dada pelo Autor à relação material controvertida, o cavalo objeto do contrato de compra e venda foi entregue em Elvas, Portugal, é de concluir que o Réu podia ser demando quer em Espanha (artigo 4.º/1), quer em Portugal (artigo 7.º/1 e 2, alíneas a) e b).
Termos em que resulta afirmada a competência internacional dos Tribunais Portugueses.
Sem custas, por não serem devidas.
Sumário: (…)
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, julgando-se os Tribunais Portugueses internacionalmente competentes para a presente causa.
Sem custas, por não serem devidas.
Évora, 25 de junho de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Eduarda Branquinho
Cristina Dá Mesquita
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[1] Cfr. req. de 05/02/2025.
[2] Entre muitos outros, cfr. Acs. STJ de 10/11/2020 (Graça Amaral), 07/06/2022 (Fernando Baptista) e de 12/02/2025 (Albertina Pereira) e TRE de 05/06/2025 (Mário Branco Coelho).
[3] Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 96.
[4] Dado o primado do direito comunitário sobre as leis nacionais.
[5] Cfr. Acs. STJ de 07/10/2020 (Rosa Tching) e de 07/06/2022 (Fernando Baptista).