Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INÉRCIA DAS PARTES
INÍCIO DO PRAZO
Sumário
i) na senda do AUJ n.º 2/2025, de 23/01/2025, no caso típico da suspensão da instância por falecimento da parte, a notificação à A. do despacho que declara a suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 270.º/1, do CPC implica se tome como certo que ficou ciente de que, pretendendo operar a cessão da suspensão, está incumbida de promover o incidente de habilitação de herdeiros, sob pena de, nada fazendo no período de seis meses, a instância vir a ser julgada deserta; ii) não é exigível, neste caso, a advertência da consequência da inércia na dedução do incidente de habilitação de herdeiros; iii) o prazo de seis meses inicia-se quando começa a correr o prazo para a prática do ato de impulso processual; iv) a decisão que declara a deserção da instância tem natureza constitutiva; v) não obstante terem decorrido mais de seis meses a contar da data a partir da qual as partes estavam oneradas com a dedução do incidente de habilitação de herdeiros, a prática do referido ato implica que, não estando já o processo a aguardar impulso processual, se considere inexistir fundamento para julgar deserta a instância. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I – As Partes e o Litígio
Recorrente / Autora: (…) – Mediação Imobiliária, Lda.
Recorridos / Réus: (…) e outros
Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual a A. peticionou a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de € 73.800,00 (setenta e três mil e oitocentos euros) acrescida de juros de mora a contar da citação e até integral pagamento.
No decurso das diligências de citação dos RR., apurou-se ter a R. (…), na pendência da causa, falecido.
Foi proferido, a 04/07/2024, o seguinte despacho:
«Visto estar comprovado documentalmente que a R. (…) faleceu já depois de instaurada a presente ação, nos termos do artigo 270.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, declara-se suspensa a instância.»
A 28/01/2025, pelas 10h49, foi proferido o seguinte despacho:
«Notifique a autora para justificar o motivo pelo qual não impulsionou os presentes autos após ter sido determinada a sua suspensão.
Prazo: 5 (cinco) dias.»
Despacho cuja notificação à A. foi inserida no sistema a 29/01/2025, lida pelas 12h40 desse mesmo dia.
A 28/01/2025, pelas 16h25, a A. apresentou requerimento inicial do incidente de habilitação de herdeiros da R. falecida.
A 30/01/2025, a A. apresentou requerimento alegando ter encetado sucessivas diligências para identificar os herdeiros da falecida R., que não foi proferido despacho de advertência para a possibilidade de deserção da instância e que, não sendo a deserção automática, não deve ser declarada já que não houve negligência da sua parte.
II – O Objeto do Recurso
A 11/02/2025, foi proferida sentença declarando a deserção da instância alicerçada na circunstância de ter sido por inércia da A. que os autos ficaram, por período de tempo superior a seis meses, a aguardar o impulso, considerando ilegítimo que, a coberto da salvaguarda do contraditório, a parte inerte pratique o ato por mais de seis meses omitido.
Inconformada, a A. apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«a) A autora/recorrente, propôs em 16.01.2024, a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra os demandados (…) e outros, peticionando a condenação dos réus a pagarem à autora a quantia de € 73.800,00 (setenta e três mil e oitocentos euros) acrescida de juros de mora à taxa legal prevista para os juros comerciais contados a partir da citação e até integral pagamento.
b) Citados para contestar, vieram os a réus (…), (...), (…) e (…) a pedir a sua absolvição, por exceção e por impugnação, peticionando a sua absolvição do pedido.
c) Em 22.05.2024, foi determinado pelo Tribunal a citação edital da ré (…), a qual ainda não tinha sido interpelada para esta lide.
d) Em 27.06.2024, o Tribunal foi informado que a ré (…) faleceu na pendência dos presentes autos, designadamente em 11.06.2024.
e) Em 05.07.2024, a autora foi notificada do despacho exarado no dia anterior, o qual determinou a suspensão da instância, nos seguintes termos:
«Visto estar comprovado documentalmente que a R. (…) faleceu já depois de instaurada a presente ação, nos termos do artigo 270.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, declara-se suspensa a instância».
f) Em 28.01.2025, a autora deu entrada nos autos do incidente de habilitação de herdeiros, que constitui o apenso A, ao presente processo. g) Após a autora ter dado entrada do incidente de habilitação de herdeiros, os autos foram conclusos no dia 28.01.2025, tendo sido proferido despacho no mesmo dia, pelo qual o Tribunal ordenou que a demandante justificasse o motivo pelo qual não impulsionou os presentes autos após ter sido determinada a sua suspensão.
h) No dia 30.01.2025, a autora cumprindo o determinado, apresentou a sua justificação pelo facto de não ter impulsionado os autos antes do dia 28.01.2025.
i) Em 10.02.2025, a autora foi notificada do despacho/sentença, o qual declarou a instância extinta, onde podemos verificar que o Tribunal desconsiderou a explicação apresentada pela demandante.
j) A autora/recorrente discorda da decisão proferida, bem como, da aplicação do direito no que concerne à uso da cominação prevista no artigo 281.º, n.º 1, do CPC.
k) Ora, atenta a gravidade dos efeitos da deserção da instância e visando o atual processo civil dar prevalência, tanto quanto possível, a decisões finais de mérito sobre decisões meramente processuais.
l) Nessa perspetiva devia a Meritíssima Juiz ter atuado de forma preventiva de molde a que o processo não sucumba por deserção, sem prejuízo do princípio da autorresponsabilidade das partes.
m) Não foi nos autos assinalado, nem de forma clara, nem de outra forma que a respetiva inércia poderia desembocar na extinção da instância por deserção.
n) A omissão do dever de gestão por parte do juiz integra uma nulidade que deve ser arguida nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a qual foi suscitada pela recorrente, mediante reclamação apresentada em 17.02.2024.
o) Sem que o Tribunal recorrido até à presente data se tenha pronunciado.
p) Não obstante, dada a função compulsória dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 281.º do CPC, não faz sentido declarar a deserção depois de praticado pela parte, por sua iniciativa e ainda que após o decurso do prazo de seis meses o ato cuja omissão tenha estado na origem da paragem do processo.
q) Defendemos ainda que, o prazo de seis meses, conta-se não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, isto é, a partir do dia em que se lhe tornou possível praticá-lo, mas, a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual.
r) Nos presentes autos o Tribunal a quo omitiu tal despacho, determinado a deserção de forma automática, isto é, decorridos os seis meses e um dia, após o despacho exarado a 05.07.2024.
s) Razão pela qual, deve esse tribunal superior interferir de forma a repor a legalidade e justiça do caso concreto, revogando a decisão proferida, ordenando o prosseguimento dos autos.»
Os Recorridos apresentaram contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que o Tribunal não estava obrigado a avisar a Autora sobre as consequências da sua inércia processual, tendo sido observado o regime legal aplicável ao caso.
Cumpre conhecer das seguintes questões:
i) da falta de advertência da consequência da inércia na dedução do incidente de habilitação de herdeiros;
ii) do início da contagem do prazo de seis meses;
iii) da relevância da prática do ato omitido decorridos que estavam mais de seis meses, antes da prolação da decisão que julgou deserta a instância.
III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os acima mencionados
B – As questões do Recurso
i) Da falta de advertência da consequência da inércia na dedução do incidente de habilitação de herdeiros
Nos termos do disposto no artigo 281.º/1, do CPC, sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Trata-se de mecanismo que pretende combater a eternização dos processos quando a parte que está onerada com o impulso da instância revela desinteresse na tramitação destinada a prover a resolução do litígio. «Para a boa ordem dos serviços», verifica-se a necessidade de se não manter indefinidamente parados nos tribunais processos em relação aos quais as próprias partes deles se haviam desinteressado.[1]
A deserção da instância declarativa depende, assim, da falta de impulso processual durante mais de seis meses e da negligência da parte onerada com tal impulso processual.
Se no anterior regime processual civil a deserção da instância pressupunha uma anterior interrupção da mesma instância, quando as partes, maxime o autor, tivessem o ónus de impulso subsequente, atualmente, «com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transita para a deserção. Sendo manifestamente injustificado o abandono da lide pelos seus sujeitos durante largos meses ou anos, o prazo de deserção da instância fixa-se agora em seis meses.»[2]
E porque se impõe a verificação da conduta negligente das partes, a deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator – artigo 281.º/4, do CPC. A deserção deixou de verificar-se independentemente de qualquer decisão judicial.[3]
Importa, pois, apreciar se, neste caso concreto, o processo se encontrou a aguardar impulso processual por mais de seis meses, por negligência da Autora. Está em causa «a negligência retratada ou espelhada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente). Se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência.»[4]
Como decorre dos dados supra enunciados, a instância deixou de prosseguir os seus regulares termos por força do regime inserto no artigo 270.º do CPC, que determina a suspensão da instância se for junto ao processo documento que prove o falecimento de qualquer das partes.
Foi proferido despacho declarando a suspensão da instância com tal fundamento.
Decorridos que estavam mais de seis meses, a Autora não tinha deduzido o incidente de habilitação de herdeiros, como se impunha – cfr. artigos 276.º/1, alínea a) e 351.º do CPC. Nenhum ato tinha sido praticado, nem nenhum obstáculo à respetiva prática tinha sido reportado, pelo que seria de concluir que a Autora incumpriu o dever de promoção processual, atuando de forma negligente, o que implicaria na deserção da instância à luz do disposto no artigo 281.º/1, do CPC.
Coloca-se, contudo, a questão de saber se o Tribunal recorrido incorreu na violação do princípio da cooperação (artigo 7.º do CPC), dado não ter expressamente advertido a Autora de que a falta de dedução, no prazo de seis meses, do incidente de habilitação de herdeiros da Ré falecida implicaria na deserção da instância.
Perante as divergências de entendimentos sufragados quer pela doutrina quer pela jurisprudência, o STJ proferiu o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2025, de 23/01/2025, com o seguinte segmento clarificador:
«I – A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o ato em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal.
II – Quando o juiz decida julgar deserta a instância haverá lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia da parte, a menos que fosse, ou devesse ser, seguramente do seu conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de adequada notificação, que o processo aguardaria o impulso processual que lhe competia sob a cominação prevista no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.»
Do referido AUJ consta, designadamente, o seguinte:
«Atente-se, a título de exemplo paradigmático, no caso típico da suspensão da instância por falecimento da parte em conformidade com o disposto no artigo 269.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
O despacho do juiz declarando a suspensão da instância é notificado à parte, aguardando os autos pela promoção do incidente de habilitação que permitirá fazer cessar a suspensão nos termos gerais do artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
A parte tem, ou deverá ter, neste contexto, a perfeita consciência de que, força do regime jurídico aplicável, deverá impulsionar nos autos o incidente de habilitação nos termos gerais do artigo 351.º do Código de Processo Civil.
Se nada faz no processo, passados seis meses e um dia, o juiz deverá desde logo julgar deserta a instância, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sem qualquer necessidade de exercício do contraditório que, neste circunstancialismo, deixa de ser justificável.»
Por estar em causa o caso típico da suspensão da instância por falecimento da parte, a notificação à Autora do despacho que declara a suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 270.º/1, do CPC implica se tome como certo que ficou ciente de que, pretendendo operar a cessão da suspensão, está incumbida de promover o incidente de habilitação de herdeiros, sob pena de, nada fazendo no período de seis meses, a instância vir a ser julgada deserta.
O regime legal é claro e inequívoco. O caso é paradigmático. Qualquer sujeito processual, atuando em modo de normal diligência, não pode desconsiderar tal efeito jurídico.
Termos em que se conclui não ser exigível, neste caso, a advertência da consequência da inércia na dedução do incidente de habilitação de herdeiros
ii) Do início da contagem do prazo de seis meses
Na ótica da Recorrente, o prazo de seis meses só começa a contar a partir do dia da notificação do despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual.
Não lhe assiste razão.
Neste caso em concreto, sempre a referida tese resultaria afastada pela circunstância de não haver lugar à prolação de despacho que alerte a parte para a consequência da inércia. A não ser que o despacho que declara a suspensão da instância configure o despacho através do qual a parte, devidamente patrocinada por profissional do foro, resulta alertada para a necessidade do seu impulso processual.[5]
Afigura-se que o prazo se inicia quando começa a correr o prazo para a prática do ato de impulso processual. «A falta de impulso processual (elemento objetivo da inatividade da parte) conta-se a partir do momento em que a parte tem o ónus de praticar o ato. O ónus de impulso decorre da lei, pelo que não nasce com a advertência do tribunal de que o prazo de deserção se está prestes a completar ou já se completou.»[6]
iii) Da relevância da prática do ato omitido decorridos que estavam mais de seis meses, antes da prolação da decisão que julgou deserta a instância
A A apresentou-se a deduzir o incidente de habilitação de herdeiros (a praticar o ato impulsionador do incidente cuja decisão, desde que procedente, implicará na cessação da suspensão da instância – cfr. artigo 276.º/1, alínea a), do CPC), decorrido que estava o prazo de seis meses previsto no artigo 281.º/1, do CPC, mas antes da prolação da decisão que julgou deserta a instância.
O que a Recorrente considera que, dada a função compulsória do regime inserto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 281.º do CPC, não faz sentido declarar, posteriormente à prática do ato omitido, a deserção da instância.
A questão radica na qualificação do despacho que julga deserta a instância, conforme previsto no n.º 4 do artigo 281.º do CPC, como uma decisão com natureza constitutiva (dependente da prolação de despacho judicial) ou como uma decisão com natureza meramente declarativa.
Alinhando pelo caráter declarativo daquela decisão (embora reconhecendo que “a deserção não se verifica automaticamente pelo decurso do prazo. Pelo contrário, demanda também uma decisão judicial e um juízo acerca da existência de negligência da parte”[7]), salientamos o Ac. TRL de 20/12/2016, no qual vem sustentado que “após a ocorrência da deserção (inércia de seis meses e um dia) e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais praticados, de forma espontânea, pela parte anteriormente relapsa são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico, sendo inidóneos a precludir a declaração da deserção.”
Assim já defendia Paulo Ramos de Faria[8], afirmando que “O juízo exigido pela norma contida no n.º 4 do artigo 281.º é, neste sentido, meramente declarativo.”[9] Admite, contudo, que “Se, após o preenchimento dos pressupostos constitutivos da deserção, o tribunal praticar atos, como que pressupondo a subsistência da relação jurídica processual, poderá ele ficar definitivamente impedido de, oficiosamente, declarar extinta a instância (com base naquela concreta paragem).”[10] A natureza constitutiva da decisão, que desde logo decorre da circunstância de a deserção estar dependente da prolação dela, vinha já sendo sustentada por Alberto dos Reis: “Enquanto a instância não for declarada extinta, as partes podem dar impulso ao processo, pouco importando que tenha estado parado durante mais de seis anos.”[11]
Secundando tal entendimento, assinalamos a seguinte jurisprudência:
- Ac. TRC de 17/05/2016 (Fonte Ramos):
“1. A deserção da instância declarativa opera, necessariamente, mediante decisão judicial e pressupõe a negligência das partes no impulsionamento do processo (carece de ser imputável às partes) (artigo 281.º do CPC) – a deserção não existe enquanto o juiz a não declara no processo respetivo.
2. A sentença de deserção tem, pois, alcance constitutivo,pelo que enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo.”
- Ac. TRC de 08/03/2022 (Catarina Gonçalves):
“II – Ainda que estejam verificados os pressupostos de que depende a deserção da instância pela circunstância de o processo ter estado parado por negligência das partes e durante mais de seis meses, enquanto não for proferida decisão a declarar a deserção da instância, as partes podem promover utilmente o prosseguimento do processo, caso em que fica inviabilizada a declaração da deserção da instância com fundamento na falta de impulso processual registada em momento anterior.”
- Ac. TRC de 02/05/2023 (Maria João Areias):
“I – Apresentando o instituto da deserção um custo – a perda da atividade que se exerceu no processo – e um rendimento – libertação de processos parados e estimulação das partes a ser diligentes e ativas, induzindo-as a promover o andamento dos autos –, a ponderação de tais vantagens e desvantagens deverá levar a que se reduza o mais possível o custo, sem prejudicar fundamentalmente o rendimento.
II – Realizando a deserção uma função compulsória – à ordem jurídica interessa que seja praticado determinado ato processual –, uma vez este praticado e ainda que nesse momento se encontrassem reunidas as condições para tal declaração nos termos do artigo 281.º, n.º 1, CPC, se e enquanto tal declaração não tiver ocorrido, deverá tal ato ser aproveitado, admitindo-se o prosseguimento do processo.”
- Ac. TRG de 18/04/2024 (Jorge Santos):
“- A deserção não se produz de direito, antes deve ser declarada oficiosamente, dependendo, por isso, de ato do juiz; produz-se ´ope judicis`.
- A sentença de deserção tem alcance constitutivo: enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo, mesmo que já tenham decorrido os seis meses inerentes à deserção.”
Nas palavras de Lebre de Freitas[12],
“Trata-se de realizar uma função compulsória, de natureza semelhante àquela que, no direito civil, realiza a sanção pecuniária do artigo 829.º-A do CC: à ordem jurídica interessa que seja praticado determinado ato processual, assegurando o prosseguimento do processo. Por isso não faz sentido declarar deserta a instância depois de praticado, pela parte, sponte sua e ainda que após o prazo de seis meses do artigo 281.º-1, do CPC, o ato cuja omissão tenha estado na origem da paragem do processo. (…) Conseguida a finalidade compulsória, a subordinação do processo civil à função da realização dos direitos materiais (sempre frustrada quando, em vez dela, o processo desemboca numa decisão meramente processual) impõe que o ato seja aproveitado e o processo prossiga. Algo de semelhante se dirá se, depois de decorrido o prazo de seis meses do artigo 281.º-1, do CPC, forem praticados no processo atos do tribunal (do juiz ou da secretaria) que importem o prosseguimento do processo (…).”
Miguel Teixeira de Sousa[13], por sua vez, afirma o seguinte:
“A deserção da instância só produz efeitos em processo depois da decisão do tribunal ou do a.e. (…). O tribunal ou o a.e. não declaram que a instância se extinguiu (no passado), antes determinam que a instância se extingue (agora). Por isso, a decisão do tribunal ou do a.e. tem carácter constitutivo (e não declarativo). Antes da decisão que considerara a instância extinta, todos os atos das partes são admissíveis ou válidos, mesmo que o ato seja praticado depois dos seis meses de inatividade que teriam justificado uma decisão de extinção da instância com base em deserção.”
Uma vez que a deserção não opera ex legis, mas antes ope iudiciis, implicando num julgamento atinente quer ao decurso do prazo de seis meses quer à inércia da parte no impulso processual quer quanto à negligência subjacente a tal inércia, acompanhamos os fundamentos elencados na citada doutrina e jurisprudência classificando de constitutiva a natureza da decisão que declara a deserção da instância.
Por via do que se impõe valorar a apresentação do requerimento inicial do incidente de habilitação de herdeiros da falecida Ré.
Não obstante terem decorrido mais de seis meses a contar da data a partir da qual as partes estavam oneradas com a dedução do incidente de habilitação de herdeiros, a prática do referido ato implica que, não estando já o processo a aguardar impulso processual, se considere inexistir fundamento para julgar deserta a instância.
Procedem as conclusões da alegação do presente recurso, impondo-se a revogação da decisão recorrida. Os autos devem ser tramitados para apreciação do incidente de habilitação de herdeiros que foi deduzido, caso nenhum fundamento o impeça, com vista à almejada cessação da suspensão da instância nos termos previstos no artigo 276.º/1, alínea a), do CPC.
As custas recaem sobre os Recorridos – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
Sumário: (…)
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus regulares termos para tramitação do incidente deduzido, caso nenhum fundamento a isso obste.
Custas pelos Recorridos.
Évora, 25 de junho de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões
Ana Margarida Pinheiro Leite
__________________________________________________
[1] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. 3.º, pág. 432 e ss.
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, vol. I, pág. 249.
[3] Cfr. artigo 291.º do regime processual civil revogado.
[4] Ac. STJ de 20/09/2016 (José Raínho).
[5] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, pág. 557.
[6] MTS, CPC online, artigo 281.º, 4 (b) e (c).
[7] Ac. TRL de 20/12/2016 (Luís Filipe de Sousa).
[8] O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf.
Entendimento sufragado no Ac. TRE de 16/01/2025 (Filipe Aveiro Marques).
[9] Cfr. pág. 14.
[10] Cfr. pág. 15.
[11] Comentário ao CPC, Vol. 3.º, pág. 440.
[12] Novos Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, pág. 74, nota 11.
[13] MTS, CPC online, artigo 281.º, 12 (a) e (b).