CASO JULGADO
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Sumário

Resulta que o âmbito do recurso se encontra circunscrito pela força de caso julgado que o acórdão de 11.04.2024 adquiriu. Não pode ser questionada a verificação dos pressupostos da declaração de insolvência, ali decidida com trânsito em julgado, mas apenas a conformidade da sentença recorrida com aquele acórdão.

Texto Integral

Processo n.º 1096/23.2T8BJA-A.E1

Requerente/recorrida: - Império (…) – Investimentos Imobiliários, Lda..

Requeridos/recorrentes: - (…); - (…).


*


Por acórdão preferido por este tribunal em 11.04.2024, foi revogada a sentença, proferida pela 1.ª instância, na parte em que julgara a acção improcedente. O dispositivo desse acórdão foi o seguinte:

«Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente:

- Revogando-se a sentença recorrida na parte em que julgou a acção improcedente e determinando-se que o tribunal a quo profira sentença que, nos termos do artigo 36.º do CIRE, declare a insolvência dos recorridos, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos;

- Confirmando-se a sentença recorrida na parte em que não condenou os recorridos por litigância de má-fé. (…)»

A fundamentação da opção pelo não decretamento da insolvência pelo próprio tribunal ad quem foi a seguinte: «Atento o conjunto de providências que o artigo 36.º associa à declaração de insolvência, esta deverá ser levada a cabo pelo tribunal a quo e não pelo tribunal ad quem.»

Em obediência a este acórdão, a 1.ª instância proferiu nova sentença, mediante a qual declarou a insolvência dos requeridos e decretou as providências previstas no artigo 36.º do CIRE.

Os requeridos interpuseram recurso desta sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. O Tribunal de Família e Menores indeferido o pedido de autorização de venda dos imóveis designados pelas letras “AI” e “AW” (Processos n.ºs 747/19.8Y6PRT – MP – Procuradoria do Juízo de Família e Menores do Porto), registados a favor de (…);

B. A Recorrida instaurou o processo n.º 15439/20.7T8PRT, através do qual foi anulado o ato de remissão exercido no processo n.º 11556/15.3T8PRT – Juízo de Execução do Porto, o que provocou com que imóveis voltassem ao património dos Recorrentes;

C. A Recorrida instaurou processo executivo, em 10.11.2021, contra os Recorrentes com base num reconhecimento de divida de 11.05.2020, data em que os imóveis designados pelas letras “AI” e “AW”, por via da remição (no processo n.º 11556/15.3T8PRT – Juízo de Execução do Porto) se encontravam registados a favor do filho … (Proc. n.º 18621/21.6T8PRT – Juízo Central Cível e Criminal – Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja);

D. Em 26.08.2022, (…) celebrou negócio consigo mesmo, na qualidade de sócio e gerente da Recorrida outorgou escritura de compra e venda da já referidas frações “AI” e “AW”, munido de uma procuração outorgada pelos Recorrentes na qualidade de pais do menor (…), escritura ocorrido já os imóveis tinham saído da esfera patrimonial de (…) e ingressado na dos Recorrentes;

E. O sócio e gerente outorgou a escritura mencionada antecedente, em representação dos pais do menor (…), e não como procurador dos Recorrentes;

F. Os Recorrentes deram entrada de um processo de anulação da escritura, o qual corre termos sob o n.º 22726/22.8T9RT – Tribunal judicial da Comarca do Porto – Juízo Cível do Porto – Juiz 2, considerando o ato nulo por falta de poderes do outorgante;

G. À recorrida incumbia demonstrar a existência de um crédito sobre os Recorrentes e que não foi ressarcido desse e de que o incumprimento demonstrava com forte probabilidade, a incapacidade de estes cumprirem com as suas obrigações, o que não o fez;

H. Resulta da motivação da matéria de facto do tribunal a quo, que a Recorrida não demonstrou que à data da instauração do processo de insolvência – 14.08.2023, detivesse, sobre os Recorrentes qualquer crédito, resultando tal da conjugação do depoimento da AE (…) e da documentação junta;

I. A Recorrida não convenceu o tribunal a quo subsistir à data ou depois da entrada dos autos recorridos, algum crédito seu favor;

J. Não demonstrou a Recorrida as circunstâncias que integram cada uma das previsões do n.º 1 do artigo 20.º;

K. Demonstrado ficou, pela conjugação dos factos dados como assentes, com a motivação de facto, conjugada com a documentação junta, que a Recorrida é parte ilegítima para deduzir o pedido correspondente;

L. Os Recorrentes apresentaram oposição à declaração de insolvência pela inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado e pela inexistência da situação de insolvência;

M. À recorrida cabia o ónus de provar o circunstancialismo integrador da previsão dos referidos factos índice – neste sentido vide Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 14/09/20223, proc. n.º 382/22.3T8ODM-D.E1 e de 11/07/2023, proc. n.º 901/13.6TBPTM.E1, e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães onde se lê no seu sumário: (…)

N. Violou o tribunal a quo o artigo 20.º do CIRE.

O. A Recorrida, aceitou e comprou por escritura os imóveis designados pelas frações “AW” e “AI”, com os ónus e encargos que sobre as mesmas incidia naquela data, designadamente,

- Duas hipotecas voluntárias, a favor da CEMG, registadas pelos averbamentos Ap. (…), de 2006/11/14 da Ap. (…), de 2006/10/13 e averbamento Ap. (…), de 2006/11/14 da Ap. (…), de 2006/10/13 – a incidir sobre as duas frações;

- Uma penhora a favor da CEMG, registada pela Ap. (…), de 2015/05/18 a incidir apenas sobre a fração “AW”;

- Uma penhora registada a favor da Recorrida, pela Ap. (…), de 2022/01/14 – a incidir sobre a fração “AW”;

- Uma penhora a favor da Fazenda Nacional pela Ap. (…), de 2017/08/09, que recai sobre a fração “AI”;

- Uma penhora registada a favor da sociedade (…), Gestão e Administração de Condomínios Lda., a incidir sobre a fração “AI”;

- Uma penhora registada pela Ap. (…), de 2016/12/27 e (…), de 2022/01/14 a favor da Recorrente, a incidir sobre a fração “AI”;

P. A Recorrida teve acesso e conhecimento da declaração escrita, emitida pelo administrador do condomínio do prédio, da qual fazem parte as frações alienadas, elaborada nos termos do n.º 1 do artigo 2424.º-A do Código Civil, pelo que aceitou a compra com tal ónus;

Q. Com a transmissão da propriedade, a Recorrida aceitou os ónus inscritos em tais frações;

R. Não tendo a Recorrida demonstrado, como se lhe impunha ser credora dos Recorrentes, que estes estavam numa situação de insolvência e não tendo sido provado tal facto índice, a insolvência, esta nunca podia ser declarada;

S. À data da propositura dos presentes autos recorridos, a Recorrida já estava paga, tendo aceite os imóveis em causa, com o ónus, por terem valor suficientes para garantir o seu crédito, resultando tal da motivação da matéria de facto;

T. A responsabilidade dos processos executivos e à AT, pendentes contra os Recorrentes, garantidos pelos ónus adquiridos, extinguiram-se com a aquisição os imóveis;

U. A dívida para com a advogada não é certa e líquida, resultando das declarações de parte do Recorrente marido, a entrega de valores por conta ao AE indicado do processo;

V. A única dívida pendente é ao ISS, IP, sem que a Recorrida tenha feito prova da suspensão e/ou incumprimento definitivo;

W. Não demonstrou a Recorrida ser possível inferir, não o ter feito, ou a impossibilidade de os Recorrentes acordarem no seu pagamento da divida ao ISS, IP, mediante um plano prestacional com vista à liquidação das obrigações em causa;

X. A Recorrida, omitiu a factualidade provada pela escritura e compra e venda, na PI dos autos Recorridos e convidada a fazê-lo em sede de audiência previa de 15.12.2023, não o fez;

Y. O tribunal a quo não logrou determinar de toda a prova junta da eventual responsabilidade que ainda poderá eventualmente recair sobre os Recorrente;

Z. Nunca poderia o tribunal a quo, atento o elencado em X e Y, em sede de enquadramento jurídico, dar como certo que os Recorrentes ainda são devedores da Recorrida em pelo menos € 4.866,24, acrescido de juros de mora de montante não concretamente determinado, existindo assim contradição entre os factos dados como provados, a matéria de facto e o enquadramento jurídico;

AA. O tribunal a quo, deu como assente a existência da ação instaurada pelos Recorrentes contra a Recorrida, onde se discute a validade daquele ato da Recorrida;

BB. Devia em sede de decisão, este tribunal dar como assente que mesmo que incerto, a postular se a procedência de tal ação o valor patrimonial tributário, à data de 2018, excedia largamente o crédito que a Recorrente invoca;

CC. A ser procedente ação elencada em AA, considerando o valor comercial atual, que ultrapassa o valor patrimonial, ingressado os imóveis novamente no património dos Recorrentes, é bastante e suficiente para vendidos pelos próprios liquidar o remanescente dos créditos pendentes;

DD. Não resultou provado que, os Recorrentes estejam em penúria generalizada, antes sim, demonstrado que o alegado incumprimento decorre de um conflito familiar existente entre os Recorrentes e o sócio-gerente da Recorrida, tio daqueles, por motivos alheios que não cumpre ao tribunal a quo, atento o objeto do litigio, descortinar;

EE. Fez o tribunal a quo uma errada apreciação da prova na interpretação da mesma, e das conclusões extraídas;

FF. A sentença recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) do artigo 20.º e o artigo 30.º, todos do CIRE, por contrariedade dos factos dados como assentes, a motivação de facto e o enquadramento jurídico, omitindo e eximindo se pronunciar e dar como assente factos essenciais e cruciais para a justa composição do litigio e decisão a final.

Termos em que, com o mui provimento de V. Exas., e pelos fundamentos expostos:

Requer que o presente recurso seja admitido revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente a exceção de ilegitimidade ativa alegada pelos Recorrentes, com todas as consequências legais.

Caso assim não se entenda,

Requer seja o recurso admitido e, seja revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente por não provada a ação e, em consequência absolva os requeridos (…) e de (…) do pedido.

Mais requerer, em qualquer dos casos, que seja a Recorrida condenada no pagamento das custas judiciais, custas de parte e demais encargos legais.

O recurso foi admitido.


*


Coloca-se a questão da admissibilidade e do âmbito do recurso interposto pelos requeridos.

Como acima referimos, no acórdão proferido por este tribunal em 11.04.2024, foi deliberado revogar a sentença, proferida pela 1.ª instância, na parte em que julgara a acção improcedente, e ordenar que o mesmo tribunal proferisse sentença que, nos termos do artigo 36.º do CIRE, declarasse a insolvência dos recorridos, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos. Não tendo sido admitido o recurso dele interposto pelos requeridos para o S.T.J., esse acórdão transitou em julgado. Ficou, assim, definitivamente assente que se verificam os pressupostos da declaração de insolvência.

Pela razão referida no segmento da fundamentação do acórdão que acima transcrevemos, este tribunal, em vez de declarar, ele próprio, a insolvência dos requeridos, ordenou que a 1.ª instância o fizesse.

Consequentemente, a 1.ª instância estava estritamente vinculada a decidir como decidiu, embora sem necessidade da fundamentação que expendeu. Teria bastado declarar a insolvência mediante remissão para o decidido pela 2.ª instância, pois a sentença recorrida não é mais que uma decisão executiva do acórdão por esta proferido.

Não é legalmente admissível questionar, em recurso interposto da sentença recorrida, a decisão já tomada pela 2.ª instância e os pressupostos em que a mesma assentou, decisão essa que, como referimos, transitou em julgado.

Do exposto não resulta a inadmissibilidade do recurso. A sentença é recorrível nos termos gerais e, se apresentar alguma desconformidade com o acórdão de 11.04.2024 e for esse o objecto do recurso, este procederá, total ou parcialmente, o que basta para justificar a sua admissibilidade.

O que resulta do exposto é que o âmbito do recurso se encontra circunscrito pela força de caso julgado que o acórdão de 11.04.2024 adquiriu. Não pode ser questionada a verificação dos pressupostos da declaração de insolvência, mas apenas a conformidade da sentença recorrida com aquele acórdão.

Nas conclusões do recurso, os recorrentes não apontam qualquer desconformidade da sentença recorrida relativamente ao que foi ordenado pelo acórdão em cuja execução ela foi proferida. E, efectivamente, tal desconformidade não se verifica. Ao contrário, a sentença recorrida limitou-se a declarar a insolvência dos requeridos e ora recorrentes e a cumprir o disposto no artigo 36.º do CIRE, nos exactos termos em que isso lhe foi ordenado pela 2.ª instância.

Sendo assim, o recurso terá de ser julgado improcedente.


*


Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes, sem prejuízo do decidido em matéria de apoio judiciário.

Notifique.

Évora, 25.06.2025

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Cristina Dá Mesquita (1ª adjunta)

Mário João Canelas Brás (2º adjunto)