CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
COMISSÃO
PAGAMENTO INDEVIDO
Sumário

Resulta do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro que o direito da empresa mediadora à comissão só nasce se e quando for celebrado o contrato visado pela mediação.

Texto Integral

Processo n.º 305/24.5T8BNV.E1

Autor/recorrido: (…).

Ré/recorrente: (…) – Mediação Imobiliária, Lda..

Pedidos:

Condenação da ré a entregar, ao autor, todas as quantias que recebeu e reteve para pagamento da sua comissão, no montante global de € 7.841,25, cujo pagamento só lhe seria devido após a conclusão do negócio visado pela mediação;

Verificados todos os pressupostos da previsão geral contida no artigo 483.º do Código Civil, condenação da ré a pagar, ao autor, uma indemnização, cujo montante global ainda não é possível ser quantificado, pretendendo o autor beneficiar do direito que lhe é conferido pelo artigo 569.º do Código Civil.

Sentença recorrida:

Condenou a ré a restituir, ao autor, a quantia de € 7.841,25, a título de comissão por contrato de mediação imobiliária não cumprido, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa supletiva legal de 4%;

Absolveu a ré do pedido de pagamento de uma indemnização, a fixar em liquidação de sentença, com fundamento no artigo 483.º do Código Civil.

Conclusões do recurso:

A ora recorrente, inconformada com a douta sentença proferida nos presentes autos, que a condenou parcialmente, dos pedidos formulados pelo recorrido, vem apresentar o presente recurso de apelação, que tem como objecto: impugnação da matéria de direito – errónea subsunção jurídica dos factos ao direito vigente, por errada aplicação e interpretação de diversas disposições legais.

Consequentemente o tribunal a quo deveria circunscrever-se ao que ficou provado no n.º 7, pelo que não poderia dar como provado todo o conjunto de consequências que afectaram o recorrido.

O evento fáctico constante do n.º 7 dos factos provados, desgarrado e desligado da vontade e da liberdade contratual do autor (vendedor) e do promitente comprador que formavam um bloco em conjunto, não tem a virtualidade para poder desencadear a consequência para a recorrente.

A recorrente discorda da apreciação jurídica espelhada na sentença recorrida, por errónea subsunção jurídica dos factos ao direito vigente, verificando-se errada aplicação e interpretação de diversas disposições legais.

Com a redacção dada (em matéria de direito à remuneração) à norma do n.º 1 do artigo 19.º da referida lei (diversa, na forma e nos elementos normativos, do precedente artigo 18.º, n.º 1, e respectiva alínea b), do Decreto-Lei n.º 211/2004, alterado pelo Decreto-Lei n.º 69/2011), o legislador quis, num segundo segmento, dar possibilidade de as partes convencionarem uma outra remuneração específica, devida designadamente com a celebração do contrato promessa, que não se identifica com aquela, nem portanto, se conexiona com a conclusão e perfeição do negócio visado, antes se constitui como uma justa contrapartida sinalagmática da satisfação proporcionada ao cliente obrigado a pagá-la pela celebração daquele e compensa especialmente a mediadora pelo seu desempenho até aí, sendo, portanto, logo devida em função do estado de evolução do negócio mediado traduzida na outorga da promessa.

Ora, entende a recorrente que o facto n.º 7 dado como provado, tendo sido um desvio ao CMI por vontade das partes e que assentou no principio da liberdade contratual, não podia o tribunal considerar que não era devida a remuneração pela não concretização da compra e venda, porquanto o valor a pagar à ré determinado no CMI nem tão pouco corresponde ao valor que no CPCV foi pago. Donde, não há coincidência, sequer, no que foi vertido no CMI com o que as partes decidiram a posteriori e antes da compra e venda.

Entende deste modo a recorrente que a sentença inadequadamente integrou-o no Regime Geral dos Contratos de Mediação Imobiliária previsto na Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.

Ao decidir, como julgou a douta sentença, fixando a devolução da quantia recebida pela recorrente ao recorrido, fez o tribunal recorrido uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

Em conclusão: violou, a douta sentença em análise, o plasmado nos artigos 18.º, n.º 1, e respectiva alínea b), do Decreto-Lei n.º 211/2004, pelo que a douta sentença recorrida não poderá manter-se na ordem jurídica.

Deverá assim ser revogada a sentença proferida.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1 – O autor é legitimo possuidor e proprietário do imóvel sito em (…), Estrada (…), no Porto Alto, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, sob a ficha (…), e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos (…) e (…), da freguesia de (…).

2 – No início de Setembro de 2023, o autor, pretendendo alienar o seu imóvel para adquirir outro, contratou, para o efeito, os serviços da ré, sociedade que se dedica à actividade imobiliária, com quem, em 7 de Setembro de 2023, subscreveu um contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade.

3 – O preço pretendido para o imóvel seria de € 225.000,00, tendo sido estabelecida a comissão de 3%, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, calculada sobre o valor por que o imóvel fosse transacionado.

4 – A minuta do contrato de adesão que foi endereçada pela ré ao autor, foi preenchida pela demandada, tendo esta assinalado com uma cruz no final do mesmo, a possibilidade de receber o valor total da sua remuneração aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda.

5 – Em 26 de Setembro de 2023, na sequência de uma visita promovida ao imóvel pela ré, foi por intermédio desta apresentada uma proposta para a alienação do imóvel, pelo preço global de € 212.500,00, a qual foi aceite pelo autor, tendo sido em 6 de Setembro de 2023, outorgado o respectivo contrato promessa de compra e venda.

6 – A ré, por sua iniciativa, solicitou aos promitentes adquirentes o valor de € 2.500,00, a título de reserva do imóvel, o qual foi por esta directamente recebido dos promitentes adquirentes.

7 – A ré elaborou o contrato promessa de compra e venda, onde inseriu na cláusula segunda do referido documento, respeitante ao pagamento do preço, que o valor do sinal de € 18.750,00, ser-lhe-ia pago directamente, escrevendo que do valor recebido parte seria descontada para o pagamento da sua comissão.

8 – Em 14 de Novembro de 2023, o autor recebeu a quantia de € 13.408,75, a qual lhe foi transferida da conta pessoal da sócia e gerente da ré (…).

9 – A ré reteve consigo a quantia de € 7.841,25, correspondente aos 3% do preço final do contrato definitivo, a título de remuneração do contrato de mediação imobiliária.

10 – Sucede, no entanto, que a 2 de Fevereiro de 2024 os promitentes adquirentes do imóvel vieram a desistir da compra do imóvel, resolvendo o contrato promessa de compra e venda.

11 – Face ao sucedido, em 8 de Fevereiro de 2024, o autor mediante o seu mandatário legal interpelou a ré a devolver as quantias por esta recebidas, concedendo um prazo peremptório ao cumprimento.

12 – Em 9 de Fevereiro de 2024, a ré respondeu à referida interpelação, vertendo que: «De acordo com os elementos que me foram dados a conhecer, a comissão foi convencionada entre as partes no contrato CMI cujo pagamento, de acordo com o mesmo, seria pago na assinatura do CPCV no mesmo momento em que o sinal foi pago. As partes são livres de o estabelecer e fizeram-no. Não obstante o acima exposto, a M/Cliente efetuará a devolução da comissão ao comprador, caso vendedor/comprador acordem entre si a devolução do sinal.»

Questão a decidir:

Se a recorrente tem direito à remuneração que reteve nos termos descritos no ponto 9 do enunciado dos factos provados (EFP).


*


A situação dos autos resume-se assim:

A recorrente e o recorrido celebraram, entre si, um contrato de mediação imobiliária (CMI), visando a celebração de um contrato de compra e venda (CCV) de um imóvel de que o segundo é proprietário;

No CMI, estipulou-se que:

O preço pretendido seria de € 225.000,00;

A comissão a que a recorrente teria direito seria de 3% do preço estipulado no CCV, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;

A recorrente receberia a comissão aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda (CPCV);

A recorrente encontrou um casal interessado em comprar o imóvel pelo preço de € 212.500,00;

O recorrido e os interessados celebraram um CPCV do imóvel, pelo preço em € 212.500,00;

No CPCV, estipulou-se que o sinal seria entregue à recorrente e que, desse valor, esta reteria o valor da sua comissão, entregando o remanescente ao recorrido;

A recorrente reteve a quantia de € 7.841,25, correspondente aos 3% do preço estipulado no CPCV, a título de comissão;

Posteriormente, os promitentes compradores desistiram do CCV, resolvendo o CPCV;

Em face disso, o recorrido interpelou a recorrente para lhe entregar a quantia que retivera a título de comissão;

A recorrente não o fez.

O tribunal a quo julgou procedente a pretensão do recorrido de que a recorrente seja condenada a entregar-lhe a quantia retida a título de comissão, com fundamentação que assim se resume:

Tendo sido estipulado, no CMI, o regime de não exclusividade, e tendo-se frustrado a celebração do CCV, a recorrente não tem direito à comissão estipulada;

A recorrente e o recorrido não estipularam uma remuneração pela actividade desenvolvida com a simples angariação, mas, meramente, a antecipação do pagamento da comissão devida pela celebração do CCV para o momento da celebração do CPCV;

Consequentemente, a recorrente encontra-se obrigada a restituir, ao recorrido, a quantia que reteve a título de comissão.

A esta fundamentação, a recorrente opõe, nas suas alegações, a seguinte:

A recorrente tem direito à remuneração que lhe foi paga, não obstante a não celebração do CCV, porque isso foi estipulado no CPCV, em derrogação do estipulado no CMI;

Esse direito nasceu com a celebração do CPCV;

«Tal determinação no CPCV consubstanciou-se num pacto superveniente, legal, valido, eficaz e aceite de boa-fé que introduziu um desvio aceite pelas partes ao paradigma normal dos contratos de mediação em geral»;

«Consequentemente o valor da comissão paga no CPCV (facto provado n.º 7) tinha de ser obrigatoriamente respeitada pelo tribunal a quo»;

Acresce que se encontra pendente uma acção, proposta pelos promitentes compradores contra a recorrente e o recorrido, na qual é pedida a resolução do CPCV e a devolução do sinal, pelo que a sentença recorrida condenou a recorrente a entregar, ao recorrido, um valor que não há a certeza de ser deste;

- A sentença recorrida «desrespeita a liberdade contratual das partes por via da qual, acertaram posterior e verbalmente um pacto que consubstancia um desvio ao regime legal dos contratos de mediação imobiliária»;

- A sentença recorrida é ilegal, injusta e nula porquanto condena a recorrente a restituir, ao recorrido, a totalidade de uma importância que este «reconheceu e assinou no CPCV, ainda que não se tivesse concluído o projetado negócio de compra e venda».

Apreciando:

A recorrente sustenta que o regime estipulado no CMI sobre a comissão a que tem direito foi afastado por um contrato posterior, no qual se estipulou que esse direito nasceria com a mera celebração do CPCV. Contudo, a recorrente não é coerente na identificação desse contrato, pois, ora afirma que se trata do próprio CPCV, ora afirma que se trata de um outro contrato, verbalmente celebrado entre ela e o recorrido.

Em qualquer caso, a recorrente não tem razão.

O CPCV foi celebrado entre o recorrido, na qualidade de promitente vendedor, e os promitentes compradores. Como mediadora imobiliária que é, a recorrente não foi, nem faria sentido que o fosse, parte no CPCV. Consequentemente, o CPCV nunca poderia modificar o CMI. Um contrato que visasse produzir tal efeito teria de ser celebrado entre as partes do CMI, não bastando que o fosse entre uma delas e terceiro. Estamos perante um princípio básico em matéria contratual, que decorre do n.º 1 do artigo 406.º do CC.

Independentemente da questão da falta de coincidência dos sujeitos do CMI e do CPCV, a tese da recorrente não encontra suporte no conteúdo deste último. A recorrente tem em vista o teor da cláusula 2.ª do CPCV, em cujo n.º 2 se estipulou o seguinte: «A título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado, a promitente compradora entrega aos promitentes vendedores, o valor de € 18.750,00 (…), por meio de transferência bancária, para a conta bancária da mediadora imobiliária (…) que o recebe e se compromete a transferir para o promitente vendedor para o Iban (…), retirando a comissão acordada».

Aqui se estipulou, meramente, que o sinal era constituído através da transferência do correspondente valor para a conta bancária de um terceiro (a recorrente) e que esse terceiro retiraria «a comissão acordada» no CMI, transferindo o remanescente para o promitente comprador (recorrido).

Ou seja, de forma deslocada, pois a recorrente não é parte no CPCV, estipulou-se sobre a forma de pagamento, pelo recorrido, da comissão acordada no CMI. Em vez de o recorrido receber o sinal e entregar parte deste à recorrente para pagamento da comissão, seria esta a receber o sinal directamente dos promitentes compradores e a fazer-se pagar à custa desse valor, entregando ao recorrido apenas o remanescente.

Nada se estipulou acerca da natureza e pressupostos dessa comissão, concretamente que esta deixava de ser devida pela angariação de um cliente que celebrasse um CCV e passava a sê-lo pela mera angariação de um cliente que celebrasse um CPCV. Muito pelo contrário, a cláusula do CPCV que vimos analisando reporta-se expressamente à «comissão acordada», sinal evidente de que foi exclusivamente a forma de pagamento desta que se pretendeu regular, sem qualquer alteração da sua natureza e pressupostos.

Noutro ponto das suas alegações, a recorrente invoca, como fonte da alteração da natureza e pressupostos da comissão estipulada no CMI, não já o CPCV, mas um outro contrato, verbalmente celebrado entre ela e o recorrido.

Porém, nem na contestação, nem nas alegações que produziu na 1.ª instância, nem nas alegações de recurso, a recorrente conseguiu ir além de alusões vagas à existência desse suposto contrato, nunca concretizando em que data o mesmo foi celebrado e qual foi o seu exacto conteúdo.

Seja como for, a existência e o conteúdo desse suposto contrato não consta do EFP e a recorrente não impugnou a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, pelo que teremos de considerar que ele nunca existiu.

A ter sido celebrado, a compatibilidade desse suposto contrato verbal com o regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 15/2013, de 08.02, seria muito problemática, por razões de ordem substancial e formal. Não tendo ficado provada essa celebração, a discussão dessas questões, hipotizando a situação inversa, redundaria em pura inutilidade, pelo que a ela não procederemos.

Impõe-se, assim, concluir que o direito da recorrente à comissão nunca deixou de ser regulado pelo CMI.

Neste pressuposto, cuja correcção acabamos de demonstrar, o tribunal a quo concluiu que, tendo sido estipulado, no CMI, o regime de não exclusividade, e tendo-se frustrado a celebração do CCV, a recorrente não tem direito à comissão estipulada. Isto porque a recorrente e o recorrido não estipularam uma remuneração pela actividade desenvolvida com a simples angariação, mas, meramente, a antecipação do pagamento da comissão, devida pela celebração do CCV, para o momento da celebração do CPCV.

A recorrente não pôs em causa o acerto desta conclusão. Como vimos, o seu inconformismo teve, como alvo, o seu pressuposto, ou seja, a ideia de que o seu direito à comissão se mantinha regulado pelo CMI. Vimos também que a argumentação com base na qual a recorrente o fez não procede.

Seja como for, a conclusão do tribunal a quo é correcta. Resulta do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013 que o direito da empresa mediadora à comissão só nasce se e quando for celebrado o contrato visado pela mediação. Quando se estipule, no CMI, que a comissão deve ser paga no momento da celebração do CPCV, estar-se-á perante uma mera antecipação do pagamento da comissão, que continuará a ter a celebração do CCV como causa. Logo, nesta última hipótese, não chegando a celebrar-se o CCV, a entrega da comissão à empresa mediadora carecerá de causa, pelo que a mesma comissão deverá ser restituída ao cliente com fundamento no disposto nos artigos 473.º a 482.º do CC. Neste ponto reside a nossa única discordância relativamente à sentença recorrida, que prescindiu do recurso ao instituto do enriquecimento sem causa para fundamentar a condenação da recorrente na restituição da comissão.

É irrelevante a circunstância de se encontrar pendente uma acção, proposta pelos promitentes compradores contra a recorrente e o recorrido, na qual é pedida a resolução do CPCV e a devolução do sinal. Aquilo que se discute neste processo é unicamente a relação bilateral, entre a recorrente e o recorrido, decorrente da celebração do CMI. No âmbito desta relação, é fora de dúvida que, neste momento, a recorrente tem, no seu património, um valor a que não tem direito, e que isso acontece em prejuízo do recorrido, em cujo património esse valor devia estar, em consequência de não se ter verificado a causa que justificaria tal deslocação patrimonial. É quanto basta para fazer actuar o instituto do enriquecimento sem causa, eliminando a deslocação patrimonial indevida e, dessa forma, repondo o equilíbrio patrimonial entre a recorrente e o recorrido. Outras questões, entre estes dois sujeitos e os promitentes compradores, apenas poderão relevar no processo acima referido.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.

25.06.2025

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Ana Margarida Leite (1.ª adjunta)

Cristina Dá Mesquita (2.ª adjunta)