RELATÓRIO PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
REQUISITOS
Sumário

1. O fundamento legal da segunda perícia não é a falta de fundamentação das respostas dos peritos às questões colocadas ou a obscuridade ou contradições dessas respostas, mas sim a “discordância relativamente ao relatório apresentado”, visando “corrigir a eventual inexatidão” da primeira perícia, conforme enunciado nos n.ºs 1 e 3 do artigo 487.º do Código de Processo Civil.
2. Assim, a utilidade da segunda perícia para a boa decisão da causa reside na circunstância da sua realização poder conduzir a um resultado pericial diverso.
3. Se se depreende do requerimento de segunda perícia que a parte pretende, através da mesma, sufragar as opiniões do seu perito vertidas na perícia realizada nos autos, as quais não foram acompanhadas pelos peritos da parte contrária e do tribunal, a segunda perícia não é útil, porquanto o parecer técnico que a parte considera correto já está contido nos autos.
4. Acresce que a circunstância de uma opinião técnica ser adotada por maioria e de, nessa maioria, se encontrar o perito do tribunal, não determina que o tribunal deva automaticamente adotar essa solução, porquanto a prova pericial deve ser sempre apreciada de forma crítica, segundo parâmetros adequados a essa finalidade, aplicando ainda as regras da experiência comum.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 3164/23.1T8STB-B.E1
(1ª Secção)

Sumário: (…)

(Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)


***

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


I - Relatório
1. (…) – Unipessoal, Lda. intentou a presente ação declarativa, sob forma de processo comum, contra (…) e (…), pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 138.535,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, a partir da citação e até efetivo e integral pagamento.

Invocam, para tanto, o incumprimento do contrato de empreitada que celebraram com os RR..

2. Os RR. contestaram, pugnando pela improcedência da ação, bem como deduziram reconvenção, pedindo a condenação da A. no pagamento de € 126.633,34, acrescidos de juros à taxa legal em vigor desde a sua notificação.

3. Foi apresentada réplica e, subsequentemente, foi proferido despacho saneador, com fixação do objeto do litígio e dos temas da prova, estes últimos com o seguinte teor:

Temas da Prova:

1 – Trabalhos executados na sequência do contrato celebrado entre a Autora e os RR. e trabalhos a mais, assim como o respetivo preço.

2 – Valores pagos pelos RR. à A. por conta dos trabalhos realizados por esta no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre as partes e datas em que foram efetuados tais pagamentos.

3 – Alteração unilateral, pela A., das condições do contrato celebrado entre as partes, mormente no que se refere ao preço de execução da obra.

4 – Expulsão da A. da obra e proibição de acesso à mesma, por parte dos RR.”

Mais foi ordenada a realização de prova pericial, tendo sido posteriormente fixado o seu objeto nos termos seguintes:

1. Que trabalhos foram realizados pela Autora e em que percentagem?

2. Esses trabalhos efetivamente executados equivalem a que itens do contrato de empreitada, condições de pagamento e orçamento, que dele fazem parte?

4. Apresentado relatório pericial, veio a A. dele reclamar, tendo sido ordenada a prestação de esclarecimentos pelos peritos, na sequência do que a A. apresentou nova reclamação e requereu segunda perícia.

5. Sobre aquele requerimento foi proferido o seguinte despacho:

Notificada dos esclarecimentos que os Srs. Peritos vieram prestar por escrito ao Relatório Pericial por eles elaborado, veio “reclamar desses esclarecimentos à perícia” e requerer a realização de uma segunda perícia “para em novo colégio de peritos, esclarecerem estes novos peritos, em concreto seguinte, por não estarem os quesitos constantes da perícia devidamente respondidos e as partes, nomeadamente a A. devidamente elucidada:

1 – a execução de cobertura em placas de XPS, telas asfálticas e acabamento em seixo rolado, na qual falte a aplicação de seixo rolado e tele asfáltica corresponde a que percentagem do trabalho orçamentado?

2 - as cassetes das portas interiores com as dimensões 1200x2500 e (1100+1000)*2500 executadas correspondem a que percentagem de trabalhos orçamentados quanto a este item (entenda-se trabalho executado tal qual está na obra)?

3 - o reboco do revestimento final para assentamento do revestimento da piscina no fundo (53.92 m2) e parede mais alta da piscina (8.32 m2), considerando o valor unitário para o reboco do fundo e paredes de 10€/m2, sabendo-se que a valorização dos trabalhos que faltam concluir neste artigo se pode fixar em € 922,04, a que percentagem executada deste item corresponde o orçamentado?

4 - a realização do estaleiro, da estrutura de betão da moradia e da piscina correspondem a 60% dos trabalhados realizados de acordo com o orçamento e o plano de pagamento?

5 – que construção e trabalhos estão efetivamente realizados no terreno propriedade dos RR e que correspondência têm com o orçamento e plano de pagamentos?

Segundo o disposto no artigo 487.º, n.º 1, do CPC “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.”

E, segundo o disposto no nº 3 da mesma disposição legal, “A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.”

O requerimento para realização de segunda perícia tem de ser fundamentado, mediante a indicação das razões pelas quais a parte discorda do resultado da primeira perícia, devendo, nos termos do artigo 487.º do NCPC, em primeiro lugar, especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objeto da segunda e de seguida, indicar os motivos pelos quais discorda.

“Atento o actual quadro legal – designadamente o disposto no artigo 487.º do NCPC – constitui condição de deferimento do pedido de realização de segunda perícia a alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da primeira perícia, sendo tal alegação especificada o único requisito legal do requerimento em causa a formular, nos termos da supra citada disposição legal” (Ac. TRC de 26/01/2019 in http://www.dgsi.pt)

Como se refere no Acórdão do STJ de 25/11/2004, processo n.º 04B3648, consultável em http://www.dgsi.pt: “Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira…É, no fundo, como decorre do artigo 591.º do Cód. Proc. Civil, «uma prova a mais, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos» ou seja uma prova adicional facultada pela lei às partes”.

Também no Ac. do TRE de 28/09/2023, foi defendido que: “não é de admitir a realização de segunda perícia se, em face dos fundamentos apresentados, os mesmos evidenciam sobretudo uma discordância em relação aos resultados da primeira perícia, e não sérias dúvidas sobre a inexatidão dos resultados alcançados de modo a suscitar no julgador a necessidade da sua realização para o apuramento da verdade. Este tem sido o entendimento jurisprudencial que se colhe de vários arestos sobre esta questão, nomeadamente nos seguintes: Ac. STJ, de 25/11/2004, proferido no proc. n.º 04B3648; Ac. RG, de 15-12-2016, proc. 3422/15.9T8GMR-A.G1; Ac. RG, de 25-05-2023, proc. n.º 349/20.6T8CBT-B.G1, em www.dgsi.pt”.

Ora, no caso dos autos, foi realizada a perícia por três peritos: um nomeado pelo tribunal e os restantes por cada uma das partes, para averiguarem que trabalhos foram realizados pela Autora e em que percentagem; a que itens do contrato de empreitada equivalem esses trabalhos efetivamente executados, condições de pagamento e orçamento, que dele fazem parte, tal como determinado pelo despacho de 08/03/2024.

Tal relatório de perícia foi junto aos autos em 05/08/2024 e depois de reclamações apresentadas pelas partes, foram pedidos esclarecimentos aos senhores peritos, tendo tais esclarecimentos sido juntos aos autos no passado dia 08/10/2024. Devidamente analisado o relatório pericial e esclarecimentos prestados a requerimento das partes, não se vislumbra que o mesmo enferme de inexatidões que importe corrigir ou de deficiências de avaliação dos resultados a que os senhores peritos tenham chegado, pese embora relativamente a alguns dos pontos não tenha havido unanimidade das respostas dadas, por discordância do Sr. perito indicado pela A. com as conclusões a que chegaram, nesses pontos, os peritos indicados pelo tribunal e pelos Réus, o que está devidamente explicado no relatório pericial e respetivos esclarecimentos.

A verdade, é que a A. não invoca, verdadeiramente de forma fundamentada, inexatidões, incoerências ou insuficiência da perícia, antes nos parecendo que o que invocou se prende sobretudo com a sua discordância em relação aos resultados da mesma, na parte em que há discordância entre o perito indicado por si e as conclusões dos outros dois peritos (dos RR. e do tribunal) e não propriamente com a inexatidão dos resultados alcançados em tal perícia, vindo agora a A. no seu requerimento para realização de segunda perícia, introduzir novos quesitos, para além daqueles que já tinham sido respondidos na perícia realizada. Não se vê fundamento legal para um tal procedimento, pelo que se indefere a realização de segunda perícia.”

6. Inconformada com o sobredito despacho, a A. veio dele interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com as seguintes conclusões:

“a) Mostram-se violadas as normas constantes do artigo 487.º, n.ºs 1 e 3, do CPC devendo ser interpretadas no sentido de que não resultando da perícia e dos esclarecimentos complementares resposta para a falta de fundamentação da perícia e para a obscuridade justificativa da mesma, deve partir-se para uma segunda perícia.

b) Se os 2 peritos que não fundamentam a perícia nada mais têm a acrescentar à falta de fundamentação da perícia, porque justificam que juntaram à perícia fotografias elucidativas, então torna-se necessário que peritos terceiros, em substituição destes, nos venham explicar afinal que percentagem está executada em obra quanto ao item piscinas e afins por referência ao contrato de empreitada, ao plano de pagamentos e ao orçamento observando as fotografias elucidativas ou caso assim se entenda, observando a obra pessoal e presencialmente. Justificar a perícia com a junção de fotografias elucidativas não cumpre com o instituto da prova pericial nem sustenta a perícia ou é justificação para esclarecimentos complementares!

c) O quesito 1 consistia no seguinte: “1. Que trabalhos foram realizados pela Autora e em que percentagem?” A perícia não responde a este quesito na sua totalidade, porque para além de não se identificarem os trabalhos realizados pela recorrente por referência à percentagem fixada no contrato de empreitada, nas condições de pagamento e no orçamento, não se identificam todos os trabalhos que estão realizados em obra e não correspondem a qualquer item da empreitada, do orçamento e do plano de pagamento.

d) A recorrente insurgiu-se, sempre, contra a falta de justificação da perícia e dos esclarecimentos porque havendo maioria de peritos que não justificaram a perícia, havia que procurar perceber as razões para este fenómeno.

Pelo exposto deve ser dado provimento a este recurso e ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que determine a realização de uma segunda perícia com substituição de todos os peritos com vista à obtenção de respostas fundamentadas e justificadas e não obscuras e contraditórias, para os quesitos fixados na douta decisão que a determinou (a perícia).

7. Não foram apresentadas contra-alegações.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questões a Decidir

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

No caso em apreço importa apreciar se deve ser revogado o despacho sindicado, ou seja, se o relatório pericial se mostra insuficientemente fundamentado e se deve ser ordenada a realização de segunda perícia.

III – Fundamentação

1. Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os que constam do relatório.

2. Compulsado o relatório pericial junto aos autos verificamos que, como se aduz no despacho sindicado, todas as questões colocadas pelas partes foram respondidas por todos os peritos, verificando-se que algumas respostas são assumidas por todos os peritos e outras não encontraram acolhimento unânime, sendo então dada uma resposta conjunta pelo perito do tribunal e pelo perito dos RR., e uma outra resposta, de sentido diferente, subscrita apenas pelo perito da A..

Trata-se de um procedimento previsto no artigo 484.º do Código de Processo Civil, em cujo n.º 1 se estabelece o dever de fundamentação do relatório pericial, dispondo-se no respetivo n.º 2 que “se não houver unanimidade, o discordante apresenta as suas razões”.

Passamos, então, a percorrer as questões da falta de fundamentação do relatório pericial abordadas no recurso.

a) No que tange à questão das percentagens de execução dos trabalhos realizados, os peritos do tribunal e dos RR. esclareceram que “foram estimadas confrontando os trabalhos descriminados no contrato de empreitada e respetivos custos com os trabalhos identificados na obra e validados pelas partes como tendo sido executados pela Autora.

Salienta-se que, o orçamento é pouco discriminativo, pois apresenta unicamente o custo total para cada item que inclui diversos trabalhos (não diferencia o custo de cada trabalho nem as respetivas quantidades) o que implicou a estimativa do custo percentual associado a cada trabalho tendo por referência o custo total apresentado.” (pág. 3 dos esclarecimentos).

Está, pois, devidamente identificado o método de cálculo dessas percentagens, não se vislumbrando a invocada falta de fundamentação da resposta.

b) A A. insurge-se também contra o facto de não terem sido ponderados os trabalhos extras ou a mais executados em obra, aludindo, em particular, às cassetes de estore.

Os peritos do tribunal e dos RR. explicaram as razões que presidiram a esta opção: “analisaram e avaliaram unicamente a documentação autorizada disponibilizar aos peritos, que nada refere quanto a trabalhos a mais ou extras, como tal consideraram-se como trabalhos realizados e por realizar pela Autora somente os constantes nos referidos documentos, o que conduziu à percentagem de 12% por apenas estarem instaladas duas “cassetes” (parte do fornecimento da porta) de um total de dez portas previstas no contrato.”

A este propósito, o perito da A. manifestou no relatório a sua divergência e explicou-a: “De acordo com o perito indicado pela Autora, não foram executados os trabalhos orçamentados para o assentamento das portas interiores 700x2000 por ordem do Dono de Obra, tendo estas sido substituídas para a sala e cozinha por portas de correr de dimensões não convencionais com 1200x2500 e (1100+1000)*2500. Este trabalho de natureza diferente da que consta no contrato da empreitada é para ser avaliado como trabalho a mais. Aparece descriminado e valorizado na lista de trabalhos a mais. Para aferir o valor deste trabalho a mais podemos avaliá-lo por comparação com o acréscimo de custo da aquisição das cassetes das portas instaladas relativamente às que estavam previstas. Considerando que o preço do fornecimento da cassete de portas de correr com o respetivo assentamento corresponde a metade do custo da porta de correr e que uma cassete de porta de correr com 0.70x2.00 custa cerca de 100€, podemos valorizar que as instaladas correspondem a 950€/2*358/100=1700€ e 950€/2*647,92/100=3078€, o que totaliza o valor de 4778€ (50% do artigo relacionado com as portas de correr).” (pág. 4 do relatório).

Ora, ambas as respostas estão fundamentadas, porque delas constam as respetivas razões, pelo que o problema que se coloca é, diversamente, o de saber qual das respostas é a tecnicamente mais correta.

Com efeito, o primeiro ponto dos temas da prova inclui os trabalhos a mais e no primeiro ponto do objeto da perícia alude-se aos trabalhos realizados, pelo que a resposta dos peritos do tribunal e dos RR., quando confrontada com a resposta do perito da A., levanta a dúvida sobre se aqueles peritos avaliaram trabalhos que na realidade não foram executados, em lugar de avaliarem os trabalhos que efetivamente foram realizados na obra.

c) Alega ainda a A. que os peritos do tribunal e dos RR. não justificam a percentagem de execução que indicam relativamente ao trabalho referido no contrato como execução de cobertura em placas de XPS para isolamento térmico, com isolamento de telas asfálticas como impermeabilizante e acabamento de seixo rolado em branco, incluindo execução de cumeeiras, algerozes e todos os materiais e trabalhos necessários à sua perfeita execução.

Os peritos referidos esclareceram que “verificaram estar apenas aplicadas as placas de XPS, faltando a aplicação de telas asfálticas e seixo rolado, estimando que da totalidade dos trabalhos incluídos neste item estavam executados 50%, por considerarem que em termos percentuais os custos associados ao trabalho de aplicação de placas de XPS (materiais, mão-de-obra e equipamentos), representam 50% dos custos associados aos restantes trabalhos incluídos no mesmo item.” (pág. 4 dos esclarecimentos).

Também aqui o perito da A. manifestou no relatório a sua divergência e explicou-a: “De acordo com o perito indicado pela Autora, deveriam ser considerados 75,5% por considerar que apenas falta a aplicação das telas de impermeabilização e aplicação de calhau rolado. Para dedução dos trabalhos que ficaram por executar considerou-se o valor de 10€/m 2 para aplicação das telas de impermeabilização e de 2 €/m 2 para aplicação do calhau rolado (367.59*€ 12 = € 4.411.08), o que corresponde a 24.5% do artigo.” (pág. 4 do relatório).

Também aqui ambas as respostas estão fundamentadas, situando-se a divergência na forma de estimativa do custo.

d) A A. considera, de igual modo, não estar justificada a resposta relativa ao fornecimento e execução de reboco de regularização em todas as paredes, fundo da piscina e tanque de compensação a argamassa de cimento e areia ao traço 1:4 incluindo todos os materiais, execução de impermeabilização de paredes, fundo da piscina e tanque de compensação, com argamassa impermeabilizante comentícia tipo Webber Dry KF, aplicada em duas demãos cruzadas num total de 2mm de espessura, aramada com rede de fibra de vidro, incluindo todos os trabalhos, materiais e acessórios necessários a um perfeito acabamento.

Os peritos do tribunal e dos RR. esclarecem que no relatório “também foram incluídas fotografias ilustrativas do exposto”, mantendo a resposta aí dada à questão: “Atendendo ao estado das paredes, fundo da piscina e escadas, os peritos indicados pelos Réus e Tribunal consideram que se encontram executados cerca de 40% dos trabalhos.” (p. 4 dos esclarecimentos).

De novo, o perito da A. manifestou no relatório a sua divergência e explicou-a: “refere que para a conclusão dos trabalhos deste artigo falta o reboco do revestimento final para assentamento do revestimento da piscina no fundo (53.92 m2) e parede mais alta da piscina (8.32 m2). Considerando o valor unitário para o reboco do fundo e paredes de 10€/m2, a valorização dos trabalhos que faltam concluir neste artigo são valorizados em € 922.04. A percentagem executada deste artigo corresponde, pois, a 90% da totalidade do artigo. (p. 5 do relatório).

A função do perito é a de interpretar a realidade à luz de conhecimentos especializados, assim filtrando a complexidade técnica para que o juiz e os advogados que representam as partes possam enquadrá-la juridicamente.

Do exposto decorre que os peritos do tribunal e dos RR. se limitaram a aludir ao “estado” da piscina, que não descrevem, para de seguida concluírem que estão executados 40% desses trabalhos, o que estaria comprovado pelas fotografias que juntaram aos autos.

Ora, a análise das fotografias só é concludente para os peritos, que possuem os aludidos conhecimentos técnicos especializados, pois para os demais sujeitos a mera observação de fotografias da piscina apenas permitirá dizer que esta não foi acabada, mas nunca concluir que percentagem se mostra executada.

É aos peritos que compete descrever o que foi executado e identificar, com base nessa descrição, que percentagem se mostra executada, o que, deste modo, não foi feito pelos peritos do tribunal e dos RR., concluindo-se, por isso, que esta resposta não está fundamentada.

e) Quanto à percentagem global de execução da obra indicada pelos peritos do tribunal e dos RR., a A. alega, no recurso, não se encontrar ainda esclarecida: “Tendo como referência o Orçamento, nomeadamente o valor global da obra € 455.378,00 e o valor total (€ 153.258,00) dos itens referentes ao estaleiro (€ 7.856,00) e estrutura de betão da moradia (€ 133.902,00) e piscina (€ 11.500,00), a % de trabalhos incluída nos 3 primeiros itens das Condições de Pagamento representa, aproximadamente, 34% da totalidade dos trabalhos”. Ora desconhece-se a que se reporta o valor dos € 153.258,00, porque não é explicado, sendo que os restantes valores mencionados tem uma ligeira menção sem qualquer correspondência com percentagem de execução e muito menos referência ao contrato de empreitada, plano de pagamento e orçamento, pelo que nada justifica ou suporta”.

Os valores referidos constam de um quadro inserido no relatório pericial e que, de acordo com o que se mostra aí vertido pelos peritos do tribunal e dos RR., correspondem ao contrato.

Antes de mais, constata-se que o valor total de € 153.258,00 corresponde ao resultado da soma dos itens referentes ao estaleiro (€ 7.856,00), estrutura de betão da moradia (€ 133.902,00) e piscina (€ 11.500,00).

Compulsado, depois, o contrato junto com a p.i. verificamos que daí consta:

- estaleiro: € 5.856,00 + € 2.000,00, ou seja, € 7.856,00 (1.1 e 1.2);

- estrutura de betão da moradia: € 5.902,00 + € 128.000,00, ou seja, € 133.902,00 (2 e 2.1);

O que confirma os valores indicados a esse título no referido quadro.

Não consta, todavia, do contrato, o valor indicado pelos peritos para a estrutura de betão da piscina, pelo que nesta parte não está devidamente fundamentada a resposta.

De todo o modo, como salienta o perito da A. em sede de esclarecimentos, a divergência entre os peritos a este respeito não é, a final, significativa, porquanto os peritos do tribunal e dos RR. apontam uma percentagem de execução da obra de 44,97% e o perito da A. aponta uma percentagem de 46,90% (p. 6 do relatório).

3. No que tange depois, especificamente, à questão da segunda perícia, como bem aponta o Tribunal a quo, o fundamento legal da mesma não é a falta de fundamentação das respostas dos peritos às questões colocadas ou a obscuridade ou contradições dessas respostas, mas sim a “discordância relativamente ao relatório apresentado”, visando “corrigir a eventual inexatidão” da primeira perícia (respetivamente, n.ºs 1 e 3 do artigo 487.º do Código de Processo Civil).

É certo que a reação da A. revela que discorda das respostas dos peritos do Tribunal e dos RR., porém, esta situação concreta da existência de um relatório subscrito por um colégio de peritos sem decisão unânime é distinta da situação típica subjacente à previsão da norma citada.

Com efeito, quando um relatório é subscrito por um único perito ou, sendo a perícia colegial, o colégio de peritos é unânime na apreciação do caso, é apresentada ao tribunal uma única perspetiva sobre a matéria objeto da perícia, ou seja, existe a possibilidade de, numa segunda perícia, se fazer uma diferente apreciação da mesma matéria.

Já numa situação como a dos autos, a perícia reflete, desde logo, duas diferentes perspetivas sobre a mesma matéria, estando em discussão saber qual delas é a tecnicamente mais correta.

Por outro lado, ressalta do requerimento de realização de segunda perícia e das alegações de recurso da A. que esta já identificou as respostas certas, exatas, relativamente ao objeto da perícia, as quais estão dentro do processo, correspondendo às respostas dadas pelo seu próprio perito.

Isto é, com a segunda perícia a A. não pretende trazer aos autos uma nova e distinta solução para o problema, mas antes sufragar a opinião do seu próprio perito sobre a matéria.

Ora, a utilidade da segunda perícia para a boa decisão da causa reside na circunstância da sua realização poder “conduzir a um resultado pericial diverso” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Coimbra, 2017, pág. 342).

Aliás, a realização de segunda perícia não implica para o tribunal a obrigação de adotar as conclusões do respetivo relatório, uma vez que a segunda perícia tem tanto valor probatório quanto a primeira, estando ambas sujeitas à livre apreciação do julgador (artigo 489.º do Código de Processo Civil), ou seja, a segunda perícia não invalida a primeira, nem prevalece sobre ela.

Adicionalmente, não é a simples circunstância de uma das perspetivas ter sido subscrita por maioria e de, nessa maioria, se encontrar o perito do tribunal, que impõe inexoravelmente ao tribunal que, na sentença, perfilhe essa perspetiva, pois a apreciação da prova pericial deve ser sempre efetuada de forma crítica, apontando Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., Coimbra, 2024, págs. 586-587), os seguintes critérios gerais de aferição da credibilidade do laudo pericial:

- profissão do perito;

- requisitos internos do laudo pericial;

- observância de parâmetros científicos de qualidade na elaboração do laudo e uso de resultados estatísticos.

Como assinalam os mesmos Autores, “este conjunto de critérios objetivos permite ao juiz, na ausência de conhecimentos científicos equiparáveis aos do perito, formular um juízo sobre o mérito intrínseco e o grau de convencimento a atribuir ao laudo pericial” (ibidem).

Assim, “no caso da coexistência de relatórios periciais contraditórios, o juiz deve recorrer aos critérios ora enunciados para graduar o valor dos laudos e escolher o que será mais convincente(idem, pág. 588).

A apreciação efetuada pelo juiz convoca, de igual modo, a aplicação de regras da experiência comum, isto é, “o juiz valora as máximas de experiência especializadas trazidas pelo perito aplicando máximas de experiência comuns para o que não são necessários conhecimentos especializados nas apenas capacidade crítica de entendimento e apreciação” (Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material, 2ª ed., Coimbra, 2021, pág. 197).

Em última linha, a questão será decidida em conformidade com as regras da distribuição do ónus da prova (Abrantes Geraldes…, pág. 588).

No caso em apreço identificámos uma questão que não foi cabalmente explicada pelos peritos do tribunal e dos RR., mas a esse respeito há uma resposta fundamentada dada pelo perito da A., e nas demais questões acima indicadas constata-se existirem divergências de apreciação técnica entre os diversos peritos.

Em conclusão, tendo presente que a falta de fundamentação das respostas dos peritos não integra o fundamento legal de realização de segunda perícia, e ponderando ainda que o perito da A. verteu no relatório pericial as suas opiniões de forma fundamentada, as quais correspondem às respostas que para a A. se mostram corretas, a segunda perícia não encontra também por esta via justificação, na medida em que não produziria qualquer resultado novo e distinto, isto é, não seria útil.

Esta segunda conclusão surge reforçada pela ideia acima exposta de que a mera circunstância de existir uma opinião maioritária e de nesta se integrar o perito do tribunal não determina automaticamente que deva ser seguida essa opinião, antes devendo apreciar-se criticamente todas as respostas dadas pelos peritos, segundo parâmetros adequados a essa finalidade, em ordem a optar pelas respostas que se apresentem como mais corretas.

Tendo, assim, presente o objetivo legalmente definido para a segunda perícia, constata-se que no caso em apreço inexiste justificação para a sua realização, pelo que deve ser mantido o despacho recorrido.

4. As custas são da responsabilidade da A., por ter ficado vencida (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), mas encontra-se a Autora dispensada do seu pagamento, por virtude do apoio judiciário de que beneficia.

IV - Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela A., que se encontra dispensada do seu pagamento.
Notifique e registe.
Sónia Moura (Relatora)

Ricardo Miranda Peixoto (1º Adjunto)

Filipe Aveiro Marques (2º Adjunto)