SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
DISPENSA
Sumário

1. A suspensão da execução sem prestação de caução, no caso previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil, depende da demonstração sumária, mas suficientemente convincente, de que a obrigação exequenda é inexigível ou ilíquida, conclusão a extrair da apreciação crítica do título executivo.
2. Sendo excecional a suspensão da execução e, ainda mais excecional, a suspensão sem prestação de caução, para esse efeito deverá o tribunal concluir que existe a elevada probabilidade de se estar em presença de uma execução infundada.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 2624/24.1T8STB-B.E1
(1ª Secção)

Sumário: (…)

(Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)


***

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


I - Relatório
1. (…) – Empreendimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda., deduziu oposição mediante embargos de executado contra a execução que lhe foi movida por (…) – Sociedade Construtora de (…), S.A., pedindo que:

a) seja suspensa a execução sem prestação de caução ou, se assim não se entender, seja suspensa a execução mediante prestação de caução em prazo a fixar pelo Tribunal;

b) seja a oposição julgada procedente e, em consequência, seja extinta a execução.

Nos embargos a Executada arguiu as seguintes exceções:

i) inexistência do crédito exequendo;

ii) falta de título executivo;

iii) inexequibilidade do título executivo;

iv) incerteza, iliquidez e inexigibilidade da obrigação exequenda;

v) compensação de créditos.

No que respeita à peticionada suspensão da execução, alegou a Executada, em síntese, que a Exequente renunciou ao alegado direito que tinha a um futuro crédito, vendendo os prédios a terceiro; que não foi notificada da emissão do alvará de loteamento, porque já não era, à data, dona dos prédios; que o loteamento único que foi aprovado nada tem a ver com os anteriores prédios, nomeadamente áreas e localização; que do alvará não consta qualquer área de construção aprovada para os prédios vendidos pela Executada, porquanto os mesmos deixaram de existir com o novo loteamento.

2. Foi proferido despacho liminar de recebimento dos embargos, no qual foi ordenada a notificação da Exequente para contestar e para se pronunciar sobre o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução.

3. Na contestação, a Exequente pugnou pela improcedência dos embargos e do pedido de suspensão da execução sem prestação de caução, aduzindo, em síntese, que o contrato celebrado com a Executada não se subsume na categoria dos contratos intuitu personae, pelo que a venda dos prédios em nada influencia o direito da Exequente; que a obrigação exequenda não é futura, tratando-se antes de uma obrigação sujeita a condição suspensiva, pelo que existe desde a outorga da escritura e o seu conteúdo é determinável, estando apenas parte dos efeitos dependente da verificação de um facto futuro.

4. A 17.11.2024 foi proferido o seguinte despacho:

A embargante requereu a suspensão da instância executiva sem prestação de caução, ao abrigo do disposto no artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, por ter alegado, em suma, a inexistência do direito da exequente, a inexistência de título executivo e a inexigibilidade da obrigação.

Nos termos do artigo 733.º do Código de Processo Civil o recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução nos diversos casos elencados nas suas alíneas e, designadamente, «c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;».

“In casu”, o título dado à execução é constituído por uma escritura pública de compra e venda e um Alvará de Licenciamento de Operação de Loteamento.

A obrigação exequenda resulta da cláusula contratual constante da referida escritura dada à execução onde, grosso modo, se prevê que “caso a Câmara Municipal de Lisboa viesse a conceder uma autorização ou licenciamento para construção para a área dos prédios supra referidos, que permitisse a construção de uma área bruta de construção acima do solo inferior a 16.980,30 m2 (que é o valor previsível em função do Índice de Utilização Bruta de Referência, estabelecido pelo Plano Director Municipal de Lisboa), o preço da compra e venda realizada seria reduzido, à razão de EUR 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) por cada metro quadrado de área bruta de construção acima do solo autorizada ou licenciada a menos, relativamente aos 16.980,30 m2 previstos.”.

Alega a exequente que o índice de edificabilidade aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa pelo Alvará n.º (…) foi de 1,70 metro quadrado de área bruta de construção acima do solo autorizada ou licenciada a menos, relativamente aos 16.980,30 m2 previstos, juntando cópia do respectivo alvará.

Compulsado o referido alvará verifica-se que o mesmo foi emitido, em conjunto, em nome de quatro entidades, que não a exequente, e se refere a loteamento de um conjunto de terrenos e não, apenas, aos que foram objecto da escritura dada à execução.

Em face disso, a embargante alega, em suma e para além do mais, que a exequente/embargada não tem direito à devolução do preço nos termos acordados, quer porque já não é a proprietária dos terrenos em causa, nem titular do alvará, quer porque, referindo-se o alvará a um conjunto de terrenos (onde estão englobados os que são objecto da escritura dada à execução), não é possível aferir se uma área bruta de construção acima do solo é inferior ao inicialmente previsto, ou seja, desconhece-se qual o índice de edificabilidade que seria aprovado caso fossem apenas considerados os terrenos objecto da escritura dada à execução.

Ora, considerando o alegado pelo embargante e o que consta dos títulos dados à execução, e tendo presente que a liquidez e exigibilidade é aferida em função do título e não em função da obrigação que lhe subjaz, entendo que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução.

Pelo exposto, determino a suspensão da execução até à decisão dos presentes embargos de executado, sem prestação de caução, ao abrigo do disposto no artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

Notifique e comunique ao A.E..

5. Inconformado com este despacho, a Exequente interpôs recurso do mesmo, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

i. O despacho recorrido não expôs os motivos para entender que os elementos já existentes nos autos indiciam a razão da Executada em matéria de exigibilidade e de liquidação da obrigação exequenda, incorrendo assim na falta de fundamentação que conduz à sua nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

ii. Ao omitir os fundamentos do decidido, o despacho recorrido não tem como sustentar que, nos termos exigidos pelo artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC, a consistência e a verosimilhança extraída dos elementos existentes nos autos e da versão factual apresentada pela Executada, permitem concluir, de forma manifesta e em moldes difíceis de superar em sede de julgamento, pela falta de requisitos da obrigação exequenda sub judice.

iii. A escritura pública de compra e venda dada à execução não impõe requisitos que condicionem a aptidão do futuro licenciamento para o efeito da determinação da área bruta de construção permitida para os prédios vendidos, nomeadamente não o sujeitou a ser concedido à adquirente dos prédios, e/ou a incidir apenas sobre os prédios objeto da compra e venda.

iv. O Alvará de Licenciamento emitido determina a área bruta de construção permitida para os prédios vendidos pela Executada em termos que não suscitam dúvidas quanto à sua adequação para a finalidade prevista na escritura pública de compra e venda.

v. É de considerar feita a prova de exequibilidade e de liquidez de obrigação condicional, quando o exequente demonstra documentalmente, no próprio requerimento executivo, a verificação da condição (cfr. artigo 715.º do CPC), exigindo o cumprimento da obrigação exequenda em rigorosa conformidade com as cláusulas da escritura pública de compra e venda dada à execução.

vi. Os critérios fixados para o ajuste de preço estipulado na escritura pública de compra e venda, nada impõem no sentido de o licenciamento para construção, a conceder pela Câmara Municipal de Lisboa, ter de abranger apenas e só os prédios ali vendidos, sendo certo que os mecanismos públicos de gestão e ordenamento do território aplicáveis àqueles prédios, em função da sua localização, não permitem um licenciamento para obra de construção não inserido em loteamento.

vii. Ao decidir em sentido diverso ao supra preconizado, o despacho recorrido incorreu na violação do disposto nos artigos 713.º, 715.º, 716.º e 733.º, n.º 1, alínea c), todos do CPC.

viii. A correta apreciação dos elementos do processo, bem como a adequada interpretação e aplicação das normas indicadas, impõem a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que indefira o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução.”

6. Foram apresentadas contra-alegações, nas quais a Executada pugnou pela improcedência do recurso.

7. O Tribunal a quo pronunciou-se no sentido de que não se verifica a nulidade arguida pela Recorrente.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questões a Decidir

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

No caso em apreço importa apreciar se o despacho de suspensão da instância é nulo; caso assim se não entenda, deve indagar-se se o mesmo deve ser revogado.

III – Fundamentação

A) Da nulidade

Invoca a Exequente a nulidade do despacho sindicado, com fundamento na violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, onde afirma a nulidade da decisão que “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Por força do disposto no artigo 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a norma acima citada é aplicável aos despachos, “com as necessárias adaptações”.

Ora, é entendimento pacífico na jurisprudência que apenas os casos de absoluta falta de fundamentação de facto e de direito são suscetíveis de gerar a nulidade em apreço (neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.05.2020 (Nuno Pinto Oliveira), Processo n.º 58025/17.3YIPRT.E1.S1, e de 28.10.2020 (Chambel Mourisco), Processo n.º 2375/18.6T8VFX.L1.S3, ambos in http://www.dgsi.pt/).

Atendendo, adicionalmente, a que não se cura aqui de uma sentença, mas antes de um despacho, a enunciação de fundamentos de facto e de direito deve efetuar-se na medida necessária e nos termos adequados à finalidade em causa, cumprindo-lhe revelar as razões determinantes da decisão proferida.

O limite a ter presente é aquele que se mostra traçado pelo artigo 154.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, onde se estabelece que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”

No caso em apreço verifica-se que o Tribunal a quo enunciou, ainda que de forma sumária, as razões para proferir a decisão sindicada, indicando os factos que considerou relevantes para a suspensão da execução, a saber, o alvará não foi emitido em nome da Exequente, mas antes de outras quatro entidades, referindo-se a um conjunto de terrenos, e não apenas aos que foram objeto da escritura dada à execução. De seguida, o Tribunal a quo adota a leitura destes factos que é apresentada pela Executada, isto é, extrai dos mesmos a conclusão de que se desconhece o índice de edificabilidade que seria aprovado caso fossem apenas considerados os terrenos objeto da escritura dada à execução.

Sobressai, aliás, das alegações de recurso que a Exequente identificou as razões subjacentes à decisão, mas que delas discorda, esgrimindo no recurso a sua diferente perspetiva sobre as mesmas, o que nos situa no plano do mérito do recurso, realidade distinta das nulidades da decisão.

Constatamos, pois, que o despacho sindicado não padece do vício que lhe é assacado, pelo que improcede a nulidade invocada.

B) Do mérito do recurso

1. Os factos relevantes no caso são os que constam do relatório e ainda os seguintes, extraídos do sistema informático Citius:

a) A Exequente alegou, no requerimento executivo, os seguintes factos:

“1. A Exequente celebrou com a sociedade Executada (…) – Empreendimentos Imobiliários, S.A., em 06.01.2003, por escritura pública, um Contrato de Compra e Venda e Mútuo com hipoteca (“Contrato”) conforme cópia que ora se junta como Documento n.º 1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

2. Ao abrigo deste Contrato, a Executada vendeu à Exequente, pelo preço global de EUR 7.726.778,24 (sete milhões, setecentos e vinte e seis mil, setecentos e setenta e oito euros e cinte e quatro cêntimos) os seguintes bens imóveis:

i. Prédio urbano sito em (…), na Rua (…), n.º 95- C e Rua (…), n.º um da (…), freguesia de (…), concelho de Lisboa, descrito na 6.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (…);

ii. Prédio urbano constituído por um lote de terreno para construção com a área 1968 m2, sito em (…), na Rua da (…), freguesia de (…), concelho de Lisboa, descrito na 6.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (…).

3. O preço foi integralmente pago pela Exequente à Executada aquando da celebração da escritura.

4. Conforme estipulado no Contrato, caso a Câmara Municipal de Lisboa viesse a conceder uma autorização ou licenciamento para construção para a área dos prédios supra referidos, que permitisse a construção de uma área bruta de construção acima do solo superior a 16.980,30 m2, o preço da compra e venda realizada seria acrescido, à razão de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) por cada metro quadrado de área bruta de construção acima do solo autorizada ou licenciadas em excesso, relativamente aos 16.980,30 m2.

5. Por sua vez, e tal como acordado no Contrato, caso a Câmara Municipal de Lisboa viesse a conceder uma autorização ou licenciamento para construção para a área dos prédios supra referidos, que permitisse a construção de uma área bruta de construção acima do solo inferior a 16.980,30 m2 (que é o valor previsível em função do Índice de Utilização Bruta de Referência, estabelecido pelo Plano Director Municipal de Lisboa), o preço da compra e venda realizada seria reduzido, à razão de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) por cada metro quadrado de área bruta de construção acima do solo autorizada ou licenciada a menos, relativamente aos 16.980,30 m2 previstos.

6. A 22.07.2019 a Exequente foi notificada de deferimento e emissão do Alvará de licenciamento de operação de loteamento, ao qual foi atribuído o n.º (…), conforme cópia que ora se junta como Documento n.º 2 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

7. Sucede que, o índice de edificabilidade aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa pelo citado Alvará n.º (…), foi de 1,70 conforme Planta Síntese, que ora se junta como Documento n.º 3 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e que constitui o Anexo I do Alvará já junto como Documento n.º 2.

8. Ora, tendo em conta o índice de edificabilidade aprovado, só é possível construir acima do solo 16.036,95 m2, ou seja, menos 943,35 m2 face à área inicialmente prevista (de 16.980,30 m2).

9. De acordo com o Contrato, caso a Câmara Municipal de Lisboa viesse a conceder, como se veio a verificar, uma autorização ou licenciamento para construção para a área dos prédios supra referidos, que permitisse a construção de uma área bruta de construção acima do solo inferior a 16.980,30 m2 o preço da compra e venda realizada seria reduzido, à razão de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) por cada metro quadrado de área bruta de construção acima do solo autorizada ou licenciada a menos, relativamente aos 16.980,30 m2 previstos.

10. Assim, face ao índice de edificabilidade aprovado, o preço da compra a venda (integralmente pago, aquando da outorga da Escritura) terá de ser reduzido, à razão € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) por cada metro quadrado de área bruta de construção acima do solo autorizada ou licenciada a menos, o que perfaz a quantia de € 424.507,50 (quatrocentos e vinte e quatro mil e quinhentos e sete euros e cinquenta cêntimos).

11. Pese embora as reuniões realizadas e a interpelação que lhe foi dirigida pela Exequente, a Executada não procedeu à devolução/pagamento do preço pago em excesso à Exequente, no montante de € 424.507,50 (quatrocentos e vinte e quatro mil e quinhentos e sete euros e cinquenta cêntimos) – cfr. Documento n.º 4 que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”

b) Do doc. 1 junto com o requerimento executivo (escritura de “compra e venda e mútuo com hipoteca”), do doc. 2 junto com o requerimento executivo (“alvará de licenciamento de operação de loteamento n.º …”) e do doc. 1 junto com o requerimento de embargos (certidão de registo predial) extraem-se os seguintes factos:

i) Exequente e Executada celebraram entre si o contrato de compra e venda alegado no requerimento executivo, com o teor que daí consta no que tange ao preço acordado (doc. 1 junto com o requerimento executivo);

ii) a emissão do alvará de loteamento não foi comunicada à Exequente, mas antes a uma outra empresa denominada (…), SA (doc. 2 junto com o requerimento executivo);

iii) esta empresa (…), S.A., é uma das quatro entidades a quem foi feita a adjudicação, sendo as outras três a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, (…) – Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda., e (…), Sociedade Imobiliária, Lda. (doc. 2 junto com o requerimento executivo e doc. 1 junto com o requerimento de embargos);

iv) a operação de loteamento envolveu catorze prédios urbanos com descrições autónomas no registo predial, entre os quais se encontram os dois prédios vendidos pela Executada à Exequente (doc. 2 junto com o requerimento executivo);

v) nos termos dessa operação, os catorze prédios foram transformados em doze lotes, não existindo correspondência direta entre cada um dos prédios urbanos e cada um dos lotes - aliás sempre seria aritmeticamente impossível a correspondência -, tendo a operação sido inscrita no registo predial como um “reparcelamento” (doc. 2 junto com o requerimento executivo e doc. 1 junto com o requerimento de embargos);

vi) a área de construção não se mostra definida por reporte a cada um dos catorze prédios, mas antes a cada um dos doze lotes, não estando descritos, com respeito a cada um dos lotes, os prédios que integram a sua área (doc. 1 junto com o requerimento de embargos);

vii) existiram cedências para domínio público (doc. 2 junto com o requerimento executivo);

viii) o índice de edificabilidade indicado no “Quadro síntese” da “Planta de síntese”, que constitui o Anexo I do alvará, é de 1,70 (doc. 2 junto com o requerimento executivo).

2. A norma aqui em causa é o artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, enunciando-se, sob a epígrafe “Efeito do recebimento dos embargos”, que:

“1 - O recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se:

a) O embargante prestar caução;

b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;

c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;

d) A oposição tiver por fundamento qualquer das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º”.

A exigibilidade e a liquidez são requisitos indispensáveis da obrigação exequenda, podendo, em regra, a sua falta ser suprida, a requerimento do exequente, no início da execução (artigo 713.º do Código de Processo Civil).

A exigibilidade prende-se com o vencimento da obrigação, só não sendo suscetível de suprimento a falta de exigibilidade que não esteja dependente de mera interpelação, como sucede com as obrigações com prazo certo (artigo 779.º do Código Civil); as obrigações com prazo incerto, que deva ser fixado pelo Tribunal (artigo 777.º, n.º 2, do Código Civil); e as obrigações sujeitas a condição suspensiva, quando a condição ainda não se verificou (artigos 270.º do Código Civil e 715.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) (Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, 3ª ed., Coimbra, 2022, pág. 374).

A liquidez respeita à definição do quantitativo da obrigação, não podendo, contudo, ser suprida a sua falta na execução quando a mesma deva ser efetuada em prévio incidente de liquidação na ação declarativa (artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) (ibidem).

Nos demais casos, quando a liquidação não dependa de mero cálculo aritmético, pode a sua liquidação efetuada pelo exequente no requerimento executivo e ser contestada por meio de embargos (artigo 716.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil) (ibidem).

Como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª ed., Coimbra, 2024, págs. 95-96), com respeito à transcrita alínea c), que constitui o arrimo legal da decisão em recurso, “(…) havendo alguma divergência séria em torno da exigibilidade da obrigação ou do montante da quantia exequenda, o prosseguimento da execução, sem a certificação dessas condições de procedência, é suscetível de expor o executado a um risco significativo, justificando, em face das concretas circunstâncias, a suspensão da instância executiva.

(…) Para efeitos de aplicação desta previsão, exige-se que o embargante suporte a alegação numa versão factual verosímil, conforme às regras da experiência, apresentando logo meios de prova com forte valor probatório, sob pena de não se poder afastar a regra de que a suspensão da execução apenas se pode obter mediante a prévia prestação de caução.”

Na jurisprudência localizam-se, nomeadamente, os seguintes arestos sobre esta norma (todos in http://www.dgsi.pt/):

- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.07.2019 (Florbela Moreira Lança) (Processo n.º 3447/18.2T8STB-A.E1):

“I. A previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 733.º do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda; justificar-se a suspensão sem prestação de caução.

II. O primeiro dos dois pressupostos é puramente factual e depende apenas da configuração que os executados deram à sua oposição à execução. Já quanto ao segundo pressuposto é de exigir que dos termos da impugnação da exigibilidade e/ou da liquidação da obrigação exequenda, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva ou do empreendimento de manobras delapidatórias por parte dos executados.

III. O critério da justificação não é o critério individual do juiz do processo, caso em que a decisão seria discricionária, mas é verdadeiramente um critério normativo, ou seja, depende estritamente da interacção entre os fundamentos e finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo (obter o cumprimento do direito) que naturalmente decorre de se prescindir da caução.

IV. A conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-se exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento.

V. Cuidando-se de saber se deverá ser suspensa a execução sem necessidade de prestação de caução, não está obviamente em causa apreciar o mérito dos embargos mas, exclusivamente, se perante os elementos disponíveis ao julgador em primeira instância, e sendo tais elementos, exclusivamente, o teor dos articulados e os documentos juntos, é razoável, por justificado, determinar a suspensão da execução sem prestação de caução, sendo que para emitir este juízo, não se realiza nenhuma produção de prova, fazendo-se incidir a análise na observação exterior dos elementos aludidos, à luz das regras que regem disciplinam o processado da execução.”

- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.02.2022 (Maria dos Anjos Nogueira) (Proc. n.º 5242/20.0T8VNF-C.G1, in http://www.dgsi.pt/):

“I – A suspensão da execução sem prestação de caução, está orientada para que se ponderem interesses conflituantes – o interesse do executado/embargante em evitar o ataque ao seu património em processo executivo que não cumpre requisitos legalmente exigidos (exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda – artigo 713.º do CPC) e o interesse do exequente/embargado em não ver paralisada a execução em consequência de uma gratuita e não consistentemente sustentada arguição da inexigibilidade e/ou iliquidez da obrigação exequenda.

II - Justificar-se-á, pois, suspender a execução (trazendo justo equilíbrio à relação de interesses opostos e conflituantes), ao abrigo da alínea c), do n.º 1 do artigo 733.º do CPC, quando os elementos carreados aos autos (conjugando os que constem do processo executivo com os carreados aos embargos) permitam concluir (num juízo forçosamente sumário e não definitivo – prévio ao que a contraditoriedade da audiência permitirá formular a final), pela consistência da argumentação, ou seja, quando os elementos existentes nos autos imponham concluir estar abalada (pelo menos consistentemente questionada) a exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda.

III – Não se verificando esses elementos, não deve a execução ser suspensa sem se prestar caução” (no mesmo sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.11.2018 (Fonte Ramos), Processo n.º 35664/15.1T8LSB-C.C1; do Tribunal da Relação do Porto de 10.03.2022 (Judite Pires), Processo n.º 8778/21.1T8PRT-B.P1; e do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.10.2022 (António Moreira) (Processo n.º 28190/21.1T8LSB-J.L1-2).

Em síntese, a suspensão da execução sem prestação de caução depende da demonstração sumária, mas suficientemente convincente, de que a obrigação exequenda é inexigível ou ilíquida, atentos os termos do título executivo apresentado pelo exequente e os demais documentos existentes nos autos, ou seja, deverá o tribunal concluir que existe uma elevada probabilidade de se estar em presença de uma execução infundada.

Com efeito, sendo a suspensão da execução a exceção, e sendo ainda mais excecionais os casos de suspensão sem prestação de caução, os indícios da inverosimilhança da exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda devem ser fortes, só assim se justificando a compressão da posição do credor, cujo direito na aparência se apresenta como dotado de exequibilidade.

Por outro lado, atenta a fase liminar dos embargos em que é proferida a decisão sobre a suspensão da execução, apenas é possível uma análise perfunctória das questões da exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda e estritamente com base nos documentos juntos aos autos.

3. Revertendo ao caso dos autos, os argumentos vertidos pela Executada para obter a suspensão da execução sem prestação de caução e para fundamentar a falta de exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda são os seguintes:

- a Exequente já não é a proprietária dos imóveis, pelo que o alvará não foi emitido em seu nome, nem a respetiva emissão lhe foi comunicada, devendo concluir-se que a transmissão dos prédios implicou a renúncia ao seu direito;

- a razão de ser da previsão do pagamento do valor em causa é o prejuízo decorrente para o Exequente da menor possibilidade de edificação, o que já não a afeta, uma vez que vendeu os imóveis, pelo que incorre a Exequente em abuso de direito por estar a pretender obter um enriquecimento ilegítimo;

- o apuramento do valor devido nos termos do contrato não é suscetível de ser feito com base apenas no alvará, porquanto a operação de loteamento envolveu outros prédios, o que inviabiliza o cálculo da área de construção dos imóveis;

- sendo esta uma obrigação futura, seria necessária a apresentação de um documento complementar com a mesma força probatória do contrato, pelo que o alvará não é adequado para o efeito.

Antes de mais não há dúvidas, em face do teor do alvará, que a Exequente não é parte na operação urbanística em causa, mas ainda assim a Exequente refuta a invocada renúncia, sustentando o seu direito com base no contrato celebrado entre as partes.

Compulsada a escritura, verifica-se que não foi aí estipulada qualquer obrigação da Exequente proceder ela própria à urbanização desses prédios, tendo simplesmente declarado que destina tais prédios à revenda.

Assim, quanto a saber qual o sentido e alcance da cláusula em apreço, em particular se se aplica nas circunstâncias descritas nos autos, atenta a divergência de entendimento entre as partes, terá tal matéria de facto de ser fixada com base na prova a produzir nos embargos, não podendo entender-se ser conclusiva num ou noutro sentido a prova existente nos autos.

Relativamente ao cálculo do valor devido é, de igual modo, inquestionável que foi feito um loteamento onde se incluíram, para além dos dois prédios aqui em causa, outros doze prédios, reorganizados nos termos de uma operação de “reparcelamento”. Em termos práticos, deixaram de ser considerados os prédios aglomerados na operação, para passarem os lotes a ser a referência.

No entanto, advoga a Exequente que do contrato nada consta que obste a esse procedimento, isto é, não existe no contrato qualquer cláusula que vede a urbanização dos prédios vendidos através de uma operação de loteamento.

Acresce que a cláusula de preço que se cura não se reporta à área efetivamente construída (a construir), mas antes à área de construção autorizada, referindo-se expressamente o “Índice de utilização bruta de referência, estabelecido pelo Plano Diretor Municipal de Lisboa”. Ou seja, retira-se do teor literal do contrato que não releva a identificação da concreta área dos prédios onde foram implantadas construções (ou vão ser), mas antes o índice de edificabilidade para a área onde os prédios se localizam, aprovado pela autoridade administrativa competente.

Consequentemente, em termos aritméticos é igual calcular o índice de edificabilidade com respeito à área de cada um dos prédios individualmente considerados, ou com respeito ao resultado da soma das áreas de todos os prédios, uma vez que se trata sempre de aplicar o índice 1,70.

A Executada dissente, todavia, deste entendimento, por considerar que a obrigação em causa é uma obrigação futura, pelo que o alvará não constitui documento adequado para demonstrar o facto em apreço.

Esta tese não é acompanhada pela Exequente, a qual sustenta, diversamente, que se trata de uma obrigação sujeita a condição suspensiva.

O enquadramento destas duas situações no âmbito da ação executiva é, efetivamente, distinto, sendo-nos dado pelo disposto nos artigos 707.º e 715.º do Código de Processo Civil, respetivamente.

Têm sido apontados como exemplos de obrigações futuras aquelas que resultam de contratos de abertura de crédito e de contratos promessa (Lebre de Freitas…, pág. 360; Abrantes Geraldes…, pág. 37).

A ideia subjacente é a de que os factos constitutivos da obrigação ainda não ocorreram, como sucede com os contratos promessa no que tange às obrigações que nascem com a celebração do contrato definitivo.

O instituto a respeito do qual se trata mais amiúde das obrigações futuras é a fiança (artigos 628.º, n.º 2 e 657.º do Código Civil), entendendo-se precisamente que para esse efeito a obrigação futura “é a obrigação que não existe, que ainda não nasceu, ou seja, que não se encontra constituída” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2023 (Rijo Ferreira), P. 8882/20.3T8VNG.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/).

Já a condição suspensiva consiste na sujeição dos efeitos do contrato à verificação de um evento futuro e incerto (artigo 270.º do Código Civil), pelo que a obrigação existe e o seu conteúdo se mostra integralmente delimitado, porém, permanece ineficaz até à verificação do evento, quando se trate de condição suspensiva.

Nas palavras de Ana Afonso (Comentário ao Código Civil : parte geral, coord. Luís de Carvalho Fernandes, José Brandão Proença, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014, pág. 661), “o mecanismo condicional caracteriza-se então por estabelecer uma relação de dependência entre a eficácia de um negócio jurídico, perfeito e válido, e um evento futuro e incerto, originando uma dissociação entre o momento de assunção de um vínculo jurídico-negocial, irrevogável e intangível, e o momento da respetiva eficácia.”

Por outro lado, a condição não tem necessariamente de implicar que todo o negócio jurídico permaneça ineficaz, podendo tal cláusula acessória típica afetar apenas uma parte do negócio.

É este, afigura-se-nos, o caso dos autos, pois está concretizado no contrato o preço acordado, bem como as circunstâncias em que poderá haver lugar à sua redução ou acréscimo e a forma de cálculo dessa alteração ao preço, o mesmo é dizer, está descrita a obrigação e identificado o facto futuro e incerto que determinará a produção de efeitos da cláusula correspondente.

Deste modo, o alvará é adequado para demonstrar o preenchimento da condição suspensiva, nos termos do artigo 715.º, n.º 1, do Código de Processo Civil: “Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efetuou ou ofereceu a prestação.”

Com efeito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, alínea i), 4.º, n.ºs 1 e 2 e 74.º, n.º 1, do RJUE (na redação vigente na data da emissão do alvará), as operações de loteamento são “as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento”, e a sua realização depende de licença administrativa, sendo “tituladas por alvará, cuja emissão é condição de eficácia da licença.”

O alvará deve conter, entre outras menções, a área de construção (alínea e) do n.º 1 do artigo 77.º do RJUE).

Em conclusão, à luz de todo o exposto afigura-se não estar suficientemente demonstrada a alegada inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, pelo que deve ser revogado o despacho sindicado, indeferindo-se a suspensão da execução com este fundamento.

Atendendo a que a Executada requereu, subsidiariamente, a suspensão da execução mediante prestação de caução, deverá o Tribunal a quo apreciar esta pretensão da Executada.

4. Ficando a Executada vencida, deve suportar as custas do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV – Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, e indeferindo, em conformidade, a suspensão da execução com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil.

Custas pela Executada.
Notifique e registe.
Sónia Moura (Relatora)

Manuel Bargado (1º Adjunto)

Susana Ferrão da Costa Cabral (2ª Adjunta)