Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
OBJECTO
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
INDEFERIMENTO LIMINAR DA EXECUÇÃO
Sumário
I - O procedimento de injunção só pode ter por objeto o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, não comportando cumprimento de obrigações emergentes de outra fonte, designadamente derivada de responsabilidade civil. II - A injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução. III - Não viola o princípio do contraditório e, como tal, não fere de nulidade a decisão que rejeita liminarmente a execução por ocorrer exceção dilatória inominada insuprível sem prévia audição da exequente quando, a antes da instauração da execução, a questão da validade do título executivo apreciada pelo tribunal recorrido já havia sido objeto de várias decisões judiciais nos tribunais superiores em processos em que a apelante foi parte e nessa medida, cabia à exequente aduzir desde logo argumentação no sentido de pugnar pela sua validade, tratando-se de uma questão jurídica sobre a qual estava mais do que alertada, não sendo necessário facultar-lhe um contraditório ad hoc antes do indeferimento liminar.
Texto Integral
Processo nº 739/25.8T8VLG.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Execução de Valongo-J2
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr.ª Ana Olívia Loureiro
2º Adjunto Des. Dr. José Eusébio Almeida
A..., S.A. veio interpor a presente ação executiva contra AAcom vista ao pagamento da quantia de € 11.133,00 dando à execução um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória e no qual alega que alega que “Requerente e Requerida celebraram em 27/04/2022 e 20/01/2022 dois contratos de concessão de crédito, aos quais foram atribuídos os n.º ...19 e ...87, por força do qual a Requerente disponibilizou à Requerida um financiamento de € 7000 e € 5000, valores esses que teriam de ser reembolsado em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 123,85 para o contrato n.º...19 e em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 86,84 para o contrato n.º ...87.
Acontece que, a Requerida não procedeu à regularização dos valores em divida apesar de interpelada para o efeito, pelo que face ao incumprimento verificado a Requerente procedeu à resolução dos contratos em 26/09/2024 e 26/09/2024.
*
Conclusos os autos foi lavrado despacho que rejeitou liminarmente a execução.
*
Não se conformando com o assim decidido veio a exequente interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões: A. Por sentença notificada à Recorrente em 10/03/2025 a M.ª Juiz a quo rejeitou a execução intentada por considerar que o procedimento de injunção que constitui título executivo da execução não é um procedimento admissível para reconhecimento dos pedidos efetuados pela Exequente/Recorrente porquanto considera que os mesmos não são subsumíveis ao conceito de cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de um contrato. B. Salvo o devido respeito não pode a Recorrente concordar com tal entendimento. C. Efetivamente o requerimento de injunção intentado pela aqui Recorrente peticionava o pagamento da quantia de €10.783,79 adveniente do incumprimento de dois contratos de crédito ao consumo, bem como de juros de mora vencidos no valor de €310,36. D. É, pressuposto objetivo genérico do procedimento da injunção, a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato, ou seja, por um negócio jurídico plurilateral de natureza onerosa, e apenas aquelas que tenham por objeto uma prestação em dinheiro destinada a proporcionar ao credor o valor de uma quantia devida em virtude daquele contrato. E. Deste modo, o procedimento de injunção apenas poderá ter objeto obrigações pecuniárias em que a quantia (pecuniária) é o próprio objeto da prestação. F. Ora, conforme suprarreferido o peticionado pela Autora no procedimento de injunção diz respeito a prestações vencidas e não pagas pela Requerida, capital vencido com a resolução do contrato e respetivos juros de mora, que resultam de forma direta do contrato em análise pelo que, G. Todos eles quantificáveis e admissíveis, atento o estipulado o n.º 2, do artigo 10.º do DL n.º 268/98, de 01/09. H. Não tendo sido peticionado qualquer valor a titulo de indemnização ou responsabilidade civil contratual. I. Facto este que a ora Recorrente poderia facilmente ter esclarecido caso lhe tivesse sido dada oportunidade de se pronunciar quanto á alegada exceção inominada, o que não sucedeu. J. Nos termos do DL n.º 269/98 de 1 de setembro para que o procedimento de injunção possa ser utilizado, que se encontrem preenchidos dois requisitos: a existência de um contrato prévio e uma obrigação pecuniária não superior a 15.000,00€ emergente desse contrato. K. Requisitos esses, que não há qualquer dúvida, que se encontram preenchidos no caso em análise. L. De facto, o valor peticionado só existe porque a Requerida, ora Executada, incumpriu as obrigações emergentes dos contratos celebrados, sendo essas obrigações de caráter pecuniário inferior a 15.000,00€. M. Em momento algum da exposição dos factos do requerimento de injunção a aqui Recorrente fez referência ou peticionou qualquer indemnização pelo incumprimento contratual. N. Pelo que não se compreende como pode a M.ª Juiz a quo ter considerando, sem que previamente tivesse ouvido a Exequente que os valores peticionados respeitavam a “(…) efetivação das consequências da sua extinção por efeito da resolução, ou seja, fazer valer direitos indemnizatórios concernentes à responsabilidade contratual inerente ao incumprimento do referido contrato”…”. O. Salvo melhor entendimento, o procedimento de injunção apenas seria inadmissível se tivesse sido peticionada alguma indemnização a título de responsabilidade civil contratual, o que no caso em apreço não sucedeu–veja-se neste sentido Ac. do TR de Lisboa de 19/12/2024 proferido no âmbito do processo 7563/23.5YIPRT.L1- P. Não sendo o simples facto de um contrato se encontrar resolvido por incumprimento que invalida o recuso ao procedimento de injunção, considerando que tal esvaziaria por completo a utilidade do referido procedimento, mas sim o facto de serem peticionados valores a titulo de indemnização contratual, o que entraria com campo da responsabilidade civil contratual. Q. Considerando o exposto, e salvo o devido respeito, baseando-se o procedimento de injunção no incumprimento de contratos de crédito ao consumo não pode simplesmente o M. Juiz a quo presumir que é peticionada qualquer valor a título de responsabilidade civil contratual quando não existe qualquer referência tal facto no requerimento de injunção e sem sequer questionar o Requerente/Exequente para esclarecimento dessa circunstância. R. Refira-se que não foi dada oportunidade à ora Recorrente de se pronunciar quanto à alegada exceção que levou à rejeição da execução, violando-se assim o disposto no artigo n.º 3, do artigo 3.º do CPC, e conforme douto Acórdão do TRL, proferido no âmbito do processo 286/09.5T2AMD-B.L1-1 S. O que no entender da Recorrente determina a nulidade da sentença recorrida, por violação do princípio do Contraditório. T. Face ao exposto, não tendo a aqui Recorrente peticionado qualquer indemnização pela resolução contratual, o procedimento de injunção é o meio processual adequado para exigir à Requerida, ora Recorrida, o cumprimento das obrigações assumidas aquando da celebração dos contratos de crédito celebrados com a Recorrente. U. A Apelante está, pois, convicta que Vossas Excelências, analisando as normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão recorrida, ou caso assim não se entenda ordenando a sua substituição por outra notifique a Recorrente para se pronunciar quanto à alegada exceção.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Corridos os vistos legais cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil.
*
No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir: a)- saber se o título dado à execução é ou não ilegal; b)- saber se foi ou não violado o princípio do contraditório.
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A materialidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
*
III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que no recurso vem colocada: a)- saber se o título dado à execução é ou não legal.
Como se evidencia do despacho recorrido aí se propendeu para o entendimento de que o procedimento de injunção requerido pela exequente é um expediente processual impróprio para obter a satisfação dos pedidos “já que estes não são subsumíveis ao conceito de cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de um contrato”, sendo que este uso indevido do procedimento de injunção, constitui uma exceção dilatória inominada que afeta “todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressuposto legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção) não permitindo o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento.
Deste entendimento dissente a apelante alegando que ainda que fundado no incumprimento contratual, o crédito sobre a executada tem a sua origem no capital por esta devido, sendo que a cobrança de valores a título de capital e juros pode ser efetuada através do procedimento especial de injunção.
Que dizer?
Como se extrai do requerimento executivo a apelante visa, com a presente execução, ser ressarcida do pagamento da quantia que se encontra em dívida de € 10.783,79 adveniente do incumprimento dos dois contratos de crédito ao consumo, bem como de juros de mora vencidos no valor de € 310,36.
Invoca, para tanto, que celebrou com a executada, em 27/04/2022 e 20/01/2022 dois contratos de concessão de crédito, aos quais foram atribuídos os n.º ...19 e ...87, por força do qual lhe disponibilizou um financiamento de € 7000 e € 5000, valores esses que teriam de ser reembolsado em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 123,85 para o contrato n.º...19 e em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 86,84 para o contrato n.º ...87.
Acontece que, a executada não procedeu à regularização dos valores em divida apesar de interpelada para o efeito, tendo então procedido, face ao incumprimento verificado, à resolução dos contratos em 26/09/2024.
*
A injunção constitui procedimento especial destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.[1]
Como resulta do artigo 7.º do anexo ao mencionado diploma, tem aquele procedimento por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000€, ou das obrigações emergentes das transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, independentemente do seu valor.
O procedimento de injunção começou por se aplicar ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (artigo 1.º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1.09, diploma preambular do Regime Anexo-Regime dos Procedimentos para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos - a que se refere esse mesmo artigo 1.º).
Posteriormente, o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17.02, procedeu à alteração do artigo 7.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, que passou a dispor “[C]onsidera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro”.
O artigo 3.º do citado Decreto-Lei nº 32/2003, de 17.02, dispunha, por sua vez, que, para efeitos do mesmo diploma, se entendia por “transação comercial qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”.
Na sequência da alteração introduzida pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1.07, o n.º 1 do artigo 7.º do mencionado Decreto-Lei n.º 32/2003 passou a dispor que “[O] atraso de pagamento em transações comerciais nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”, sendo que, nos termos do seu n.º 2, “[P]ara valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum”, enquanto, de acordo com o seu nº 4, “[A]s ações destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos”.
Portanto, pressupõe a providência de injunção, para que possa ser decretada mediante a aposição da fórmula executória a reclamação de cumprimento de obrigações emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000 ou, independentemente desse valor, créditos de natureza contratual emergentes de transações comerciais que deram origem ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços.
O procedimento de injunção só pode, assim, ter por objeto o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, não comportando cumprimento de obrigações emergentes de outra fonte, designadamente derivada de responsabilidade civil.
O pedido processualmente admissível no procedimento de injunção será, pois, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro.
Tal entendimento é defendido, entre outros, por Salvador da Costa[2] quando explica que “o regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil […]”.
É, por conseguinte, em função da contraposição destas obrigações pecuniárias às obrigações de valor que se obtém o conceito operante na matéria em causa, e que é, afinal, o de obrigação pecuniária em sentido estrito.
Na verdade, enquanto que obrigação pecuniária em sentido estrito é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objeto da prestação[3], já as obrigações de valor não têm originariamente por objeto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação.
Será pois o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito o que está pressuposto nos diplomas referidos [Decretos–Leis nºs 404/93, 269/98, 32/2003, 107/2005 e 62/2013], de tal modo que se poderá dizer que “quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objetivo de admissibilidade do processo de injunção”.[4]
No caso em apreço, como já supra se referiu, a apelante a pedido da executada disponibilizou–lhe um financiamento de € 7000 e € 5000, valores esses que teriam de ser reembolsado em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 123,85 para o contrato n.º ...19 e em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 86,84 para o contrato n.º ...87.
Acontece que, a Requerida não procedeu à regularização dos valores em divida apesar de interpelada para o efeito, tendo então a apelante, face ao incumprimento verificado, procedido à resolução dos contratos em 26/09/2024.
Daqui resulta que o pedido formulado pela requerente através do procedimento injuntivo de que lançou mão não se subordina ao cumprimento de uma obrigação pecuniária stricto sensu, mas antes ao exercício da responsabilidade civil contratualsubsequente à resolução de um contrato por incumprimento, com todas as consequências dele resultantes.
Não pretende, pois, a apelante/exequente com o procedimento processual instaurado reclamar o cumprimento de uma obrigação, mas antes exercer contra a requerida a responsabilidade contratual decorrente do seu incumprimento que conduziu à resolução dos contratos de crédito ao consumo celebrados entre as partes, ao vencimento imediato de todas as prestações em dívida, e à contabilização de juros moratórios.
Ora, nestas circunstâncias o procedimento de injunção não é o meio processual adequado a dar guarida à pretensão da requerente considerando, para o efeito, a causa de pedir que lhe serve de fundamento.[5]
Obtempera a apelante que o procedimento de injunção apenas seria inadmissível se tivesse sido peticionada alguma indemnização a título de responsabilidade civil contratual, o que no caso em apreço não sucedeu, não sendo o simples facto de um contrato se encontrar resolvido por incumprimento que invalida o recuso ao procedimento de injunção.
Mas então, o valor peticionado não se estriba na operada resolução dos contratos em causa?
E com isso não está a apelante a exercer contra a requerida a responsabilidade contratual decorrente do incumprimento dos citados contratos?
Acaso não tivesse ocorrido essa resolução, a apelante podia exigir o referido valor?
Portanto, a apelante não está a reclamar o cumprimento de uma obrigação derivada “tout court” dos contratos em causa.
Conclui-se, deste modo, à semelhança do que defendeu a 1.ª instância, que a requerente usou, de forma indevida, o procedimento de injunção, situação que configura uma exceção dilatória inominada[6] que inquina o requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, já que tal documento, por disposição especial, não lhe pode ser atribuída força executiva.
E, assim sendo, estamos perante a falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é, a falta de título executivo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo que, embora ao arrepio da lei, lhe tenha sido atribuída força executória, acarreta, pelo que acima se deixou consignado, necessariamente o indeferimento liminar da execução, nos termos dos art.ºs 726.º n.ºs 2 al. a) e 5 e 734.º, ambos do CPCivil.[7]
Indeferimento que, como é evidente, abrange todo a execução uma vez que à totalidade da quantia exequenda esta subjacente a resolução contratual operada pela apelante, isto é, toda ela se move no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento.
*
A segunda questão que vem colocada no recurso prende-se com: b)- saber se foi violado ou não o princípio do contraditório.
Alega a apelante que não lhe foi dada oportunidade de se pronunciar quanto à alegada exceção que levou à rejeição da execução, violando-se assim o disposto no artigo n.º 3, do artigo 3.º do CPC, o que determina a nulidade da sentença recorrida, por violação do princípio do contraditório.
Que dizer?
Dispõe o artigo 3.º nº 3 do CPCivil que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Por sua vez, de acordo com o preceituado no artigo 590.º nº 1 do mesmo diploma legal, sendo a petição apresentada a despacho liminar ao juiz, indefere o mesmo liminarmente a petição quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente [no âmbito da execução cf. artigo 726.º, nºs 1 e 2 al. b) do CPCivil].
Ou seja, é o próprio legislador a impor o dever de indeferimento liminar da petição quando esta lhe é apresentada a despacho liminar e verifique uma das duas situações acima mencionadas.
O princípio da contradição ou do contraditório, consagrado no citado artigo 3.º é um dos princípios gerais estruturantes do processo civil, intimamente ligado ao princípio da igualdade das partes e com uma matriz constitucional, assente nos princípios de acesso ao direito e aos tribunais e da igualdade.
Não obstante, e conforme consta deste mesmo inciso está o juiz dispensado de previamente ouvir as partes em caso de manifesta desnecessidade.
Sendo os autos conclusos ao juiz e concluindo o mesmo pela verificação de uma exceção dilatória insuprível de conhecimento oficioso ou pela manifesta improcedência do pedido, recai sobre o mesmo o dever de indeferir liminarmente a petição inicial.
Embora na jurisprudência se encontrem decisões que seguem o entendimento de, mesmo no caso de indeferimento liminar, dever este ser precedido de prévio despacho de audição da parte [neste sentido, entre outros, vide Acs. RC 05/12/2017, de 29/01/2018–ainda da RL de 09/03/2017, todos consultáveis www.dgsi.pt], ainda aqui se salvaguardam os casos de manifesta desnecessidade.
Entendemos ser de seguir a corrente que defende ser admissível o indeferimento liminar sem que a inexistência de despacho prévio para exercício do contraditório configure nulidade por violação do princípio do contraditório, precisamente por esse indeferimento liminar ter como pressuposto que o fundamento decisório foi considerado ou não poderia ser ignorado pelas partes–nessa medida afastando o argumento da decisão surpresa.
Tal como afirmado no Ac. STJ de 12/07/2018[8], “A decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspetivavam de decisões que já eram esperadas.”
*
No caso em apreço, poder-se-á argumentar que não se verificava a “manifesta desnecessidade” a que se refere o citado artigo 3.º, nº 3, (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma perspetiva objetiva) e sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa-fé (cf. artigo 8.º do Código de Processo Civil), alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências.
É certo que para haver lugar a indeferimento liminar por verificação de exceção dilatória insuprível, forçoso é que esta seja evidente, que decorra dos próprios termos da petição, sem necessidade de produção de qualquer tipo de prova sobre tal questão, ou seja, uma exceção dilatória insuprível de que o juiz deva conhecer oficiosamente só é evidente se, face ao alegado na petição inicial, for absolutamente indiscutível, não suscitar qualquer dúvida e dispensar, por manifesta desnecessidade, a audição da parte que, a ter lugar, seria uma diligência sem utilidade.
Precisamente porque o indeferimento liminar da petição é excecional e só deve ter lugar quando os seus fundamentos são tão evidentes que o autor tem o dever de se aperceber das consequências jurídicas da sua apresentação é que se torna possível conciliar o despacho liminar com a observância do princípio do contraditório, pois que, em sintonia com o disposto no citado art.º 3.º, n.º 3, para haver lugar a indeferimento liminar é necessário que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade, que permita considerar dispensável a audição das partes, e que torne inútil qualquer instrução e discussão posterior.
O que seria o caso dos autos.
Acontece que, à data da instauração desta execução a questão da validade do título executivo apreciada pelo tribunal recorrido já foi objeto de várias decisões judiciais nos tribunais superiores como se dá nota supra (nota 5) e em processos em que a apelante foi parte.[9]
Todos estes acórdãos estão publicitados em www.dgsi.pt, o que aqui se invoca para observância do disposto no artigo 412.º, nº 2, do CPCivil.
Daqui decorre que a exequente estava mais do que ciente que a instauração da execução nos moldes em que o fez não era líquida, tanto mais que todos os acórdãos indicados (e anteriores à propositura desta execução) foram em sentido oposto.
Ou seja, em termos objetivos e segundo a boa fé, a exequente não podia ignorar– aquando da instauração da execução–que se colocava, com toda a acuidade, a questão da validade do título executivo.
Nessa medida, cabia à exequente aduzir desde logo argumentação no sentido de pugnar pela sua validade, tratando-se de uma questão jurídica sobre a qual estava mais do que alertada.
*
Diante do exposto entende-se que a decisão recorrida não padece do arguido vício de nulidade por violação do princípio do contraditório.
*
Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respetivo recurso.
*
IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pela apelante (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
*
Porto, 10 de julho de 2025.
Des. Dr. Manuel Fernandes
Des. Dr.ª Ana Olívia Loureiro
Des. Dr. José Eusébio Almeida
______________________________ [1] Com as sucessivas alterações que lhe forma introduzidas. [2] In Injunções e as Conexas Ação e Execução, 5.ª ed. atualizada e ampliada, 2005, pág. 41. [3] Cf. João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, «Injunções e Ações de Cobranças», 2012, p 15, que aqui citam o Ac. RL 27/5/2010 que a refere como aquela em que “a prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro que se toma pelo seu valor propriamente monetário”. [4] Cf. Paulo Duarte Teixeira, “Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção», em “Themis”, VII, nº 13, pág. 184. [5] Neste sentido, cf., entre outros, os acórdãos desta Relação de 15/01/2019, proc. nº 141613/14.0YIPRT.P1; de 24/5/2021, proc. nº 2495/19.0T8VLG-A.P1 (onde foi 2º adjunto o aqui relator), de 25/5/2021, proc. nº 113862/19.2YIPRT.L1-7, de 15/12/2021, processo n.º 17463/20.0YIPRT.P1 e de 14/09/2023, Processo nº 109743/21.8YIPRT.P1, e de 10/02/2025 processo nº 3501/24.1T8VLG.P1por nós relatado, todos consultáveis em www.dgsi.pt. [6] Neste sentido, cf. Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acão e Execução”, 6ª edição, págs. 171 e, entre outros, os acórdãos do STJ de 14.02.2012, proc. 319937/10.3YIPRT.L1.S1, da Relação do Porto de 26.9.2005, proc. 0554261, 18.12.2013, proc. 32895/12.0YIPRT.P1, de 15.1.2019, proc. 141613/14.0YIPRT.P1, da Relação de Lisboa de 07.6.2011, proc. 319937/10.3YIPRT.L1-1 e de 29.3.2012, proc. 227640/10.4UIPRT.L1-2 e da Relação de Coimbra de 24.01.2012, proc. 546/07.0TBCBR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [7] Cf. neste sentido, entre outros, Acs. desta Relação de 15/09/2019, 13/07/2022, 08/11/2022, 27/02/2023 (relatado pela aqui 1ª adjunta) 14/09/2023, 22/04/2024 (onde 1º adjunto o aqui relator), 11/12/2024 e 18/06/2024 e da Relação de Lisboa de 07/11/2024, 21/11/2024, todos consultáveis em www.dgsi.pt.. [8] Processo nº de processo 177/15.0T8CPV-A.P1.S1 in www.dgsi.pt.. [9] Processo nº 3501/24.1T8VLG.P1 por nós relatado.