I - A legitimidade conferida legalmente ao comproprietário (artigo 1405, n.º 2 do CC), que lhe permite o exercício do direito por si só (artigo 32, n.º 2 do CPC) só se aplica, como decorre daquele primeiro preceito, à ação de reivindicação e, esta, além do reconhecimento do direito do reivindicante, implica a pretensão à condenação do reivindicado à restituição da coisa reivindicada.
II – Não sendo esse o caso e pretendendo-se o reconhecimento da compropriedade de vários consortes, além do autor, e a repartição por alguns deles de rendas recebidas, todos os alegados consortes têm de estar na ação, pois só o litisconsórcio necessário permite que a decisão produza o efeito útil normal (artigo 33, n.º 2 do CPC).
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Recorrente – AA
Recorrida – BB
Relator – José Eusébio Almeida
Adjuntos – António Mendes Coelho e Carlos Gil
Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
AA instaurou, a 22.04.24, a presente ação comum e, demandando BB, pediu, a final, a condenação da ré “a) Reconhecer que o autor bem como os restantes filhos do falecido CC (DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ) são proprietários plenos do prédio urbano composto por casa com sete pavimentos com uma divisão na cave, uma loja, três no armazém, rés-do-chão, seis no 1.º andar, seis no 2.º e uma no sótão, uma sobreloja (armazém) e uma galeria (armazém), com a área total de 380 m2 sito na rua ..., freguesia ..., concelho do Porto o qual faz parte da descrição n.º ...27, ...39, a fls. 86, atualmente n.º ...37 da Conservatória do Registo Predial do Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00; b) Pagar ao autor e à sua irmã DD, na qualidade de filhos do falecido CC, a quantia que vier a ser fixada em execução de sentença, se o Tribunal não detiver os elementos necessários para quantificar a quota parte pertencente àqueles, nas rendas que a ré recebeu e que receberá desde do dia 7 de fevereiro de 2021 até ao trânsito em julgado dos presentes autos, acrescida de juros de mora até integral pagamento; c) Abster-se de quaisquer atos ofensivos ao direito de propriedade dos filhos do falecido CC identificados na alínea a)”.
Em síntese, na fundamentação das suas pretensões, o autor invocou ser filho de CC, falecido a ../../2021, o qual, por sua vez, era filho de KK, por ter sido perfilhado. O referido CC foi casado com a ré e divorciou-se desta, por sentença de 18.12.977. Correu termos um inventário por óbito do avô e do tio-avô do autor, KK e LL, respetivamente. Nas declarações prestadas nesse inventário pelo referido CC, este referiu que o KK faleceu no estado de solteiro, mas “com disposição testamentária” e o LL faleceu no estado de viúvo e sem filhos e, ainda que o primeiro (KK) deixou um filho perfilhado (CC, ali declarante), casado com BB (ora ré) e um testamento “em que são contemplados todos os filhos legítimos do declarante e de sua mulher sendo existentes os seguintes, que do inventariado KK são netos: - EE, de seis anos de idade; - FF, de quatro anos; - GG, de três anos; - HH, de dois anos de idade”. Do acervo hereditário faziam parte vários imóveis, designadamente os descritos nas verbas n.ºs 17 e 18. A verba n.º 17 veio a ser adjudicada ao CC e a n.º 18 aos seus filhos legítimos, nascidos ou que viessem a nascer. Aquando da instauração do inventário, o CC tinha quatro filhos (EE, FF, GG e HH) e na pendência do inventário nasceu o quarto filho (II) e nasceu ainda, do seu casamento com a ré, um sexto filho (JJ). Mais tarde, o CC teve outros dois filhos legítimos: o autor e a irmã DD. A ré intentou contra o marido, a 28.06.975, uma ação de separação de pessoas e bens, tendo este sido citado em julho desse ano. O autor nasceu em ../../....76 e a sua irmã DD a ../../...79, ambos muito depois dos 300 dias posteriores à citação do CC nessa ação, sendo ambos seus filhos legítimos. Naquele inventário a verba n.º 17 foi adjudicada ao CC e a verba n.º 18 aos filhos EE, FF, GG, HH, II e outros. O autor, a irmã DD, e os meios-irmãos, EE, FF, GG, HH, II e JJ são legítimos proprietários do urbano sito na rua ..., Campanhã, com os números ...37 a ...39, o qual faz parte da descrição, atualmente, n.º ...37 da CRP do Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00. Em vida do pai do autor e até ao seu falecimento deste, quer este quer a ré usufruíram do prédio e, desde o falecimento, a ré tem-se assumido sua usufrutuária. O autor entende que a ré não é usufrutuária do prédio, nem tem qualquer título que legitime estar na sua posse. Sucede que o prédio está arrendado e a ré recebe as respetivas rendas.
Sem prescindir – prossegue o autor -, em data anterior à instauração do inventário, o pai do CC fez um testamento no qual instituiu “herdeiros da quota disponível de todos os bens mobiliários e imobiliários, direitos e ações, que constituírem a sua herança, todos os seus netos, legítimos filhos do referido seu filho CC” e reservou o usufruto da sua quota disponível a favor do filho CC e da ré, então sua esposa, por inteiro até à morte do último “caducando, todavia, em relação à sua nora, no caso de ela, enviuvando, contrair segundo núpcias ou o seu comportamento ser indecoroso”. Quando celebraram o casamento católico (1955), o pai do autor e a ré, vigorava a concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, de 7 de Maio de 1940, que proibia os tribunais do Estado de decretarem a dissolução dos casamentos católicos. O testador, profundamente católico, não previu nem fez constar do testamento de ../../1961, o divórcio. Ora, após a entrada em vigor do Código Civil em 1967, veio a ser decretada, por sentença de maio de 1976, a separação judicial de pessoas e bens entre o pai do autor e a ré, tendo ambos sido declarados culpados e, posteriormente, a 8 de dezembro de 1977, decretado o divórcio. Atento ao seu comportamento, a ré não tem direito a beneficiar da disposição testamentária, ou seja, a ser contemplada com o usufruto do prédio. Assim, o autor, juntamente com a irmã germana e os seus irmãos consanguíneos são os únicos e exclusivos proprietários do prédio urbano já identificado. Quer o urbano adjudicado à ré quer o urbano do qual são proprietários os filhos legítimos do falecido CC são contíguos e têm a mesma composição, mas o urbano do qual os filhos do falecido CC são proprietários tem uma área total superior. O autor, juntamente com a sua irmã germana e os seus irmãos consanguíneos, independentemente do título que possuem, vêm exercendo por si, por antepossuidores e por terceiros, a sua posse sobre o prédio urbano já identificado, há mais de 20, 30 e 40 anos, pacífica e publicamente, de forma contínua e de boa-fé.
Na sequência da citação da ré, a filha desta, GG, veio dar conta aos autos que a mãe, de 89 anos de idade, sofria de Alzheimer em estado avançado e não tinha capacidade de entendimento do que quer que seja, e o autor, a 6.06.24, requereu que a ré fosse representada por curador especial, propondo a nomeação do seu filho mais velho, filho esse, EE, que veio a ser nomeado como curador especial, conforme despacho proferido a 13.06.24.
Através do curador nomeado, a ré contestou a 2.09.24. Na contestação, invoca a falta de mandato, pelo facto de o autor formular um pedido a favor de terceiras pessoas, sem que as represente; sustenta ser inepta a petição inicial, uma vez que o demandante formula um pedido para liquidação em execução de sentença, que se não mostra factualmente suportado, e defende a ilegitimidade do autor, por estar sozinho na ação, havendo, no caso, uma situação de litisconsórcio necessário ativo. Refere, ainda, a falta de posse por parte do autor e sustenta que o mesmo atua em abuso do direito, uma vez que, “apesar de ter pleno conhecimento que já foi beneficiado pelo pai na Partilha que este fez em vida, ignora propositadamente esse facto, apresentando-se como se fosse uma pessoa ostracizada e prejudicada”. A ré ainda imputa ao autor litigância de má-fé e impugna a generalidade dos factos articulados na petição.
A ré, igualmente, veio reconvir, invocando o usufruto de que é titular e a posse que vem exercendo. No final, concretiza o sentido da contestação e a pretensão reconvencional, pretendendo: “I – Devem julgar-se procedentes as exceções invocadas, quanto à Falta de Mandato; à Ineptidão da Petição Inicial; à Ilegitimidade e à Falta de Posse do Autor, AA, com as devidas consequências legais. Caso assim não se entenda, o que não se concede: II – Deve julgar-se a presente ação totalmente improcedente por não provada, e ser a aqui Ré BB, absolvida dos pedidos formulados, tudo com as legais consequências; III - Deve julgar-se procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido, e, em consequência: a) deve declarar-se que a Ré/Reconvinte, BB, é titular do usufruto sobre o prédio urbano sito na rua ..., freguesia ..., concelho do Porto com os n.ºs ...37 a ...39 a confrontar do nascente com a rua ..., sul com bens de herança, poente com A... e do norte com MM, o qual faz parte da mesma descrição n.º ...37/Campanhã e inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo ...00; b) deve declarar-se que a Ré/Reconvinte, BB, é legítima proprietária do armazém na cave, porque o mesmo faz parte do prédio urbano sito na rua ..., freguesia ..., concelho do Porto com os n.ºs ...29 a ...35 para habitação e armazéns a confrontar do norte e sul com bens da herança, poente com A... e do nascente com a rua ... o qual faz parte da descrição n.º ...37/Campanhã e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ...99, que lhe pertence”.
O autor, a 8.10.24, replicou. Quanto à reconvenção, impugnou a generalidade dos factos que a suportam e alegou a sua ineptidão. A ré, a 21.10.24, impugnou os documentos juntos com a réplica e, a 14.11.24, foi proferido despacho a notificar “o autor para se pronunciar, em 10 dias, quanto à matéria de exceção deduzida na contestação – artigo 3º, n.º 3 do CPC”.
O autor pronunciou-se, através do articulado apresentado a 28.11.24 e, em síntese, sustentou: - Impugnam-se todos os factos vertidos na contestação; - No que concerne à alegada falta de mandato, julgamos que a invocada exceção será a da ilegitimidade do autor por litisconsórcio necessário ativo; - O n.º 2 do artigo 1405 do CC demonstra de forma clara que o autor é parte legitima; - Quanto alegada ineptidão da petição, estabelece o n.º 2 do artigo 609 do CPC (...) e os artigos 48 e 49 da p.i. não são “mera dedução, uma suposição ou um juízo conclusivo” mas sim, afirmações; - O autor reclama da ré o pagamento das rendas que esta recebeu em virtude do prédio estar arrendado: foi formulado um pedido que tem subjacente uma causa de pedir, pelo que também não se verifica a ineptidão; - Contrariamente ao afirmado pela ré, os autos não versam sobre “alegados direitos sobre heranças e legados”, dado que no inventário por óbito do avô do autor e do seu tio avô paterno, KK e II, foi adjudicado aos filhos do falecido pai do autor, CC, em comum e partes iguais, o prédio urbano (...) e cada um dos filhos do falecido CC é, assim, proprietário de uma parte indivisa do referido prédio urbano; - Mesmo que, hipoteticamente, estivéssemos perante uma comunhão hereditária, o acórdão do STJ de 14.12.994 defende que “I – A legitimidade processual não depende necessariamente de se ser titular ou só em parte se ser titular da relação material cuja proteção se procura alcançar com a propositura da acção. II – É o que acontece com a herança em que se faculta ao herdeiro ou co-herdeiro a faculdade de propor certas ações de defesa do seu direito” (Relator Cura Mariano, dgsi.pt); - Quanto à invocada posse do autor, atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 1252 do Cód. Civil, “a posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem”; - O testamento que a ré refere no artigo 89 da contestação deixou de ter qualquer valor após a instauração do processo de inventário bem como com a adjudicação do imóvel inscrito sob o artigo ...00: deixou, assim, de haver usufruto tendo passado a haver direito de propriedade; - A ré não pode adquirir por aquisição originária, uma parte de um prédio urbano que não está constituído em propriedade horizontal.
A 7.01.25 foi proferido despacho ao abrigo do disposto no artigo 590, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC): “a) Quanto ao valor da reconvenção, a ré atribui o de 8.000,00€ sem, contudo, o justificar, estando em causa o pedido de reconhecimento de direito de uso e de propriedade sobre imóveis, valendo as regras previstas no artigo 302.º, n.º 1 e 4 do CPC. Assim, e nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC, notifique a ré para vir justificar o valor atribuído aos pedidos reconvencionais. b) No que se refere à invocada exceção da ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário, importa recordar que, nos pedidos formulados em a) e c) o autor peticiona o reconhecimento do direito de propriedade do autor, da sua irmã DD e dos seus meios irmãos, EE, FF, GG, HH, II e JJ do prédio urbano sito na rua ..., freguesia ..., concelho do Porto com os números ...37 a ...39 o qual faz parte da descrição n.º ...27, Lo B-139, a fls. 86, atualmente n.º ...37 da Conservatória do Registo Predial do Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00, como herdeiros do falecido pai. Ora não se retira da petição inicial se a herança aberta por óbito do mesmo ainda se encontra indivisa – o que implicará uma situação de litisconsórcio necessário ativo, nos termos do artigo 2091.º, n.º 1 do C. Civil – conforme tem sido entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, de que é exemplo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/06/2022, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador, Dr. Carlos Portela, e disponível em dgsi.pt, onde se escreveu que “(...) Como vem sendo desde há muito aceite, a atuação em juízo de uma herança indivisa pressupõe a intervenção de todos os herdeiros, correspondendo a uma situação de litisconsórcio necessário, decorrente do artigo 2091.º, n.º 1 do CC” Assim, notifique o autor para, em 10 dias, esclarecer se a herança aberta por óbito do seu pai se mantém indivisa e, na afirmativa, venha suprir a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário, com pedido de intervenção dos demais herdeiros com a cominação de, nada dizendo, ser a ré absolvida da instância. c) Tendo em conta o alegado pelo autor no seu artigo 32.º da réplica, notifique ainda o autor para juntar certidão com a decisão que tenha sido proferida no processo ali identificado, com nota do trânsito em julgado”.
O autor pronunciou-se a 13.01.25, referindo, no que ora importa: “1 - Conforme alegado na p.i., mais precisamente no artigo 28.º, a verba no 18 da relação de bens do inventário foi adjudicada aos filhos legítimos do falecido CC sendo estes, EE, FF, GG, HH, II, JJ, DD e o autor. 2 - Após a adjudicação, estes passaram a ser proprietários, em compropriedade, de “Uma casa sita na mesma rua ..., freguesia ... da cidade do Porto, com os números ...37 a ...39, a confrontar do nascente com a dita rua, do sul com bens da herança, do poente com A... e do norte com MM, fazendo parte da descrição numero quarenta e nove mil cento e vinte e sete do livro B cento e trinta e nove a folhas oitenta e seis da Primeira Conservatória, Terceira Secção do Registo Predial do Porto e inscrita na matriz Predial Urbana no artigo ...”. 3 - As rendas eram, no entanto, divididas em parte iguais, metade para o falecido CC e metade para a ré. 4 - Na alínea a) do pedido formulado na p.i., o autor pediu o reconhecimento de que “o autor bem como os restantes filhos do falecido CC (DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ são proprietários plenos do prédio urbano composto por casa com sete pavimentos com uma divisão na cave, uma loja, três no armazém, rés-do-chão, seis no 1.º andar, seis no 2.º e uma no sótão, uma sobreloja (armazém) e uma galeria (armazém), com a área total de 380 m2 sito na rua ..., freguesia ..., concelho do Porto o qual faz parte da descrição n.º ...27, Lo B-139, a fls. 86, atualmente n.º ...37 da Conservatória do Registo Predial do Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00”. 5 - Existe, assim, relativamente ao prédio urbano identificado no artigo anterior, entre o autor, a sua irmã DD e os seus meios-irmãos, uma situação de compropriedade. Razão pela qual, 6 - Ao exercer o seu direito de contraditório, o autor respondeu à exceção suscitada pela ré, de “ilegitimidade do autor por litisconsórcio necessário ativo” com o n.º 2 do artigo 1405 do Cód. Civil segundo o qual “cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro”. Assim sendo, 7 - O prédio urbano aqui em causa não é parte integrante do acervo hereditário do falecido CC. Além disso, 8 - Este doou em vida, a todos os seus filhos, os bens imóveis de que era proprietário tendo celebrado a escritura de partilha em vida em 28 de setembro de 2000 que foi junta pela ré, à contestação. Consequentemente, 9 - À data do óbito do pai do autor não havia nem há nada a partilhar”.
A 23.01.25, a ré pronunciou-se sobre o valor da reconvenção.
A 25.03.25, o tribunal recorrido proferiu a decisão que é objeto do presente recurso: “Nos termos do artigo 266.º n.º 1 e 2, a) do CPC, admito o pedido reconvencional. Em consequência, e nos termos dos artigos 299.º, n.º 1 e 2, e 302.º, n.º 1 e 4 do mesmo CPC, tendo em conta o requerimento da ré de 23/01/2025, em resposta ao despacho de 07/01, fixo à ação o valor de 136.391,76 €.
Nos termos do artigo 595.º, n.º 1, b) do CPC, iremos proferir sentença sendo que, por terem sido já discutidas em sede de articulados, as questões de facto e de direito relevantes, e tendo sido proferido despacho pré-saneador, com convite à sanação da exceção de ilegitimidade ativa, dispenso a realização de audiência prévia, nos termos do artigo 591.º, n.º 1, d) e 593.º, n.º 1, também do CPC.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, e do território. Na sua contestação a ré veio arguir a exceção da falta de mandato, uma vez que são formulados pedidos em nome de terceiros, que não são parte na ação. Salvo o devido respeito, a invocada falta de mandato não pode colher uma vez que não alega a Ilustre Mandatária do autor que os irmãos deste pretendam formular qualquer pedido nos autos. Assim, julgo improcedente a exceção da falta de mandato.
A ré veio depois invocar a nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, alegando que, quanto ao segundo pedido, já não prevê a lei processual a “liquidação em execução de sentença” e, por outro lado, que “não alegou factos concretos, suscetíveis de consubstanciar uma causa de pedir quanto à Ré, limitando-se a proferir uma mera dedução, uma suposição ou um juízo conclusivo.”
Também o autor invocou a nulidade do pedido reconvencional, por ineptidão do mesmo. (...) Analisada a petição inicial, retiramos, quando ao segundo pedido, que o facto de um dos pedidos poder não ter sido formulado de acordo com a lei processual em vigor, tal não implica qualquer nulidade, até porque o Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica feita pelas partes. No que se refere ao segundo argumento, o que parece estar em causa é a questão do mérito da ação, o que não implica qualquer omissão do núcleo essência da causa de pedir, valendo esta consideração também para o pedido reconvencional, uma vez que, no mesmo, estão alegados os factos relativos à essência dos direitos cujo reconhecimento se pretende, retirando-se da réplica que o autor não concorda com os mesmos, o que tem a ver com o mérito da ação. Pelo exposto, julgo também improcedentes as exceções da nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial e da reconvenção.
Depois do despacho de 07/01, veio o autor esclarecer que formula os pedidos na qualidade de comproprietário do imóvel objeto da ação pelo que, nos termos do artigo 1405.º, n.º 2 do C. Civil, está legitimidade a fazê-lo sem estar acompanhado pelos demais comproprietários, não tendo formulado qualquer pedido de intervenção principal provocada.
Na sua petição inicial o autor não veio alegar que os demais irmãos aceitem que o mesmo é comproprietário do imóvel descrito no pedido formulado sob a alínea a).
O artigo 1405.º, n.º 2 do C: Civil faz aplicar a regra prevista no artigo 32.º do CPC (litisconsórcio voluntário), conforme se escreveu no acórdão do STJ de 11/04/2019, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro, Dr. António Piçarra, e disponível em dgsi.pt, onde se escreveu que “O artigo 1405.º, n.º 2 do Cód. Civil é bem claro quando estabelece que cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este lhe seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro. Consagrou-se naquela norma a legitimidade de cada comproprietário para a acção de reivindicação, numa situação manifesta de litisconsórcio voluntário ativo, pelo que os autores, desacompanhados dos demais comproprietários, são parte legítima (artigos 30.º e 32.º, n.º 2 do C.P.C)”.
Porém, no caso dos autos, não está em causa uma situação de litisconsórcio voluntário, mas sim necessário, uma vez que é necessário estarem em juízo todos os alegados comproprietários, por forma a que a decisão resolva, de forma definitiva, a questão controvertida uma vez que, nos autos, se discute, claramente, o direito de propriedade do autor sobre o prédio descrito (até pela posição assumida pela ré, nomeadamente no artigo 85.º da sua contestação).
Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/12/2016, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador, Dr. Carvalho Guerra, e disponível em dgsi.pt, “(...) parece-nos evidente que, estando-se perante ação em que se pretende a afirmação de direitos determinados em relação a imóvel em compropriedade, a ação só produzirá o seu efeito útil normal, só regulará definitivamente as situações concretas das partes relativamente aos pedidos formulados se estiverem na ação todos os comproprietários uma vez que, caso contrário, qualquer decisão não será oponível àqueles que não intervierem na acção pelo que, para que a legitimidade das partes seja assegurada é mister que todos estejam na ação.”
O autor não veio requerer a intervenção dos irmãos, do lado ativo, no seguimento do despacho de 07/01/2025, pelo que nos parece ser parte ilegítima nos autos, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, nos termos do artigo 33.º, n.º 2 e 3 do CPC.
Por todo o exposto, julgo verificada a exceção da ilegitimidade, nos termos dos artigos 33.º, n.º 2 e 3, 278.º, n.º 1, d), 576.º, n.º 1, e 2, 577.º, e) e 578.º, todos do CPC e, em consequência, absolvo a ré e o autor dos pedidos formulados nos autos.”
II – Do Recurso
Discordando do decidido, o autor veio apelar. Pretende a revogação do despacho proferido e o consequente prosseguimento dos autos. Para tanto, formula as Conclusões que – com omissão de repetições e transcrições de despachos e requerimentos que já constam do relatório – ora seguem:
1 - Na sentença recorrida foi decidido julgar “verificada a exceção da ilegitimidade, nos termos dos artigos 33.º, n.º 2 e 3, 278.º, n.º 1, d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, e) e 578.º, todos do CPC e, em consequência, absolvo a ré e o autor dos pedidos formulados nos autos”.
2 - Como fundamento de que (...)
3 - Na ação de reivindicação, incumbe ao autor, a prova de que é proprietário e que o réu é possuidor ou detentor.
4 - O recorrente intentou, na qualidade de comproprietário, contra a recorrida, uma ação de reivindicação do prédio urbano composto por casa com sete pavimentos com uma divisão na cave, uma loja, três no armazém, rés-do-chão, seis no 1.º andar, seis no 2.º e uma no sótão, uma sobreloja (armazém) e uma galeria (armazém), com a área total de 380 m2 sito na rua ..., freguesia ..., concelho do Porto o qual faz parte da descrição n.º ...27, Lo B-139, a fls. 86, atualmente n.º ...37 da Conservatória do Registo Predial do Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00.
5 - Formulou como pedido que a recorrida fosse condenada a (...)
6 - Alegou na p.i. que (...)
7 – Juntou sob o documento n.º 4, certidão do inventário por óbito do seu avô, KK, e do seu tio-avô paterno, II, que correu seus termos pela 3.ª Secção do extinto Tribunal Judicial de Barcelos sob o n.º 43/1961.
8 - Demonstrou por documentos, de que é proprietário juntamente com os restantes filhos do falecido CC, do prédio urbano (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00.
9 - A referida propriedade do imóvel foi adjudicada a todos os filhos do falecido CC no inventário que correu seus termos sob o n.º 43/1961.
10 - Esta adjudicação não está dependente da aceitação dos restantes comproprietários.
11 - A recorrida não é comproprietária do prédio urbano em causa, ocupa sim, a posição de “terceiro”.
12 - Qualquer um dos comproprietários pode exigir, judicialmente, neste caso, o prédio urbano (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00, de terceiro, estamos perante um litisconsórcio voluntário.
13 - Situação diferente é a da recorrida relativamente ao pedido reconvencional formulado apenas e somente contra o recorrente, bem sabendo que este não é o único e exclusivo proprietário do imóvel. A falta de um dos interessados na relação controvertida, em caso de litisconsórcio necessário passivo, é motivo de ilegitimidade.
14 - Por despacho de 7 de janeiro de 2025, foi decidido que (...)
15 - No dia 13 de janeiro de 2025, o recorrente esclareceu que (...)
16 - O recorrente deu a saber que o prédio urbano (...) inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00 nunca integrou o acervo hereditário do seu falecido pai não havendo por isso nenhuma comunhão hereditária.
17 - No caso dos autos, o recorrente e os restantes filhos do seu falecido pai são proprietários do referido prédio urbano, em compropriedade, podendo qualquer um dos comproprietários reivindicar o aludido prédio urbano, da recorrida conforme o prevê o n.º 2 do artigo 1405 do CC.
18 - Facto que determinou não ter aceite o convite que lhe foi dirigido no despacho proferido em 7 de janeiro de 2025, ou seja, não ter requerido a “intervenção dos irmãos, do lado ativo”.
19 - A presente acção tal como foi configurada pelo recorrente não deixa de poder produzir os seus efeitos uma vez que estão presentes como partes, o recorrente e a recorrida.
20 - Têm legitimidade o recorrente (legitimidade ativa) e a recorrida (legitimidade passiva).
21 - A sentença constitui uma clara violação do n.º 2 do artigo 1405 do CC.
O Ministério Público, “reclamando intervenção acessória nos autos nos termos do art. 325.º do CPC, em representação da ré”, veio responder. Sustenta a improcedência do recurso e conclui:
1 - O autor recorre da decisão que julgou verificada a exceção da ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário e, em consequência, absolveu a ré do pedido formulado (absolveu igualmente o autor, pelo mesmo fundamento, do pedido reconvencional).
2 - O direito de propriedade reclamado pelo autor, assenta numa causa de pedir complexa, em que o objeto do litígio é a propriedade reclamada quer pelo autor, quer pela ré, que surge como questão prévia à própria ação de reivindicação.
3 - Esta situação é diferente daquela em que o réu não reivindica qualquer direito de propriedade, ou outro direito real sobre a coisa - nesse caso estaremos perante uma situação de litisconsórcio voluntário, nos termos previstos no art. 1405, n.º2, do CC.
4 - No caso, está em causa a existência do próprio direito de propriedade também reclamado pela ré, pelo que o disposto no art. 1405 do CC terá de ser conciliado com o disposto no n.º 2 e 3 do art. 33 do CPC, motivo pelo qual é afastada a norma do n.º 2, do art. 1405, e se aplica a regra geral da 1.ª parte do n.º 1, deste artigo, a qual determina que os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular.
5 - A própria natureza da relação jurídica exige a intervenção de todos os comproprietários para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
6 - Caso fosse proferida sentença sem a intervenção dos demais proprietários, a mesma não os poderia vincular, não regulando por isso definitivamente a questão, ou seja, a decisão não produziria o seu efeito útil normal, porque não vincularia os restantes interessados (irmãos do autor) nem permitiria regular definitivamente a situação concreta submetida a apreciação.
7 - Acresce que, sendo notificado na sequência do despacho de 07.01.2025 para suprir a exceção de ilegitimidade do lado ativo, por preterição de litisconsórcio necessário, com pedido de intervenção dos demais herdeiros com a cominação de, nada dizendo, ser a ré absolvida da instância, o autor nada requereu nesse sentido.
8 - O reconhecimento da ilegitimidade do autor por preterição de litisconsórcio necessário do lado ativo, está em conformidade com a lei, assentando desde logo na conjugação do disposto nos arts. 33, n.º 2 e 3, do CPC e 1311 e 1405, n.º 1, 1.ª parte, ambos do CC, pelo que não merece qualquer reparo.
Igualmente a ré respondeu e sustentou a improcedência da apelação. Para tanto, concluiu:
1 – Nas suas alegações, o recorrente violou os termos do artigo 639 do CPC, porque não as apresentou de forma sintética, sendo deficientes, obscuras, complexas - o que, em última instância, na falta de correção, deverá levar ao não conhecimento do recurso.
2 – Por outro lado, o recorrente veio qualificar a ação que intentou como de reivindicação, o que não é verdade pois o mesmo limitou-se a pedir que se reconheça que ele e os restantes filhos do falecido CC são proprietários plenos de um determinado prédio urbano, não formulando nenhum pedido quanto à restituição da coisa, que é condição imperativa para um tipo de ação como o de reivindicação.
3 – Também alegou que formulou os pedidos na qualidade de comproprietário do imóvel, pelo que, nos termos do artigo 1405, n.º 2 do CC, e que, como tal, tem legitimidade para fazê-lo desacompanhado pelos demais comproprietários – prescindindo de formular um pedido de intervenção principal provocada.
4 - Porém, não estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário, mas sim necessário, uma vez que é imperativo estarem em juízo todos os alegados comproprietários, por forma a que a decisão resolva, de forma definitiva, a questão controvertida uma vez que, nos autos, se discute, claramente, o direito de propriedade do autor sobre o prédio descrito.
5 – Até porque o autor não alegou na sua petição que os demais irmãos aceitam que o mesmo é comproprietário do imóvel objeto do pedido.
6 – A própria natureza da relação jurídica determina que para que se produza o seu efeito útil normal - e a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado - O efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando caso julgado material.
7 – Pelo que não restam dúvidas de que estamos na presença dum caso de litisconsórcio necessário ativo.
8 - Findos os articulados o tribunal interpelou e advertiu o autor no sentido da necessidade de suscitar a intervenção dos restantes interessados, mas o mesmo, de forma consciente, declinou e prescindiu desse convite, optando por não sanar essa potencial situação de ilegitimidade, pois sabia que os seus irmãos consanguíneos não o reconhecem como comproprietário.
O recurso foi recebido nos termos legais e, neste Tribunal da Relação, considerando a natureza da questão objeto de recurso, dispensaram-se os Vistos. O objeto do recurso, atentas as conclusões do apelante – mas sem prejuízo da pronúncia prévia sobre a questão suscitada na primeira conclusão da apelada – traduz-se em saber se a decisão da primeira instância, porque violadora do disposto no n.º 2 do artigo 1405 do Código Civil (CC) deve ser revogada, uma vez que autor e ré, só por si, têm legitimidade.
III – Fundamentação
III.I – Fundamentação de facto
Os factos trazidos pelo antecedente relatório (onde se inclui as posições tomadas pelas partes ao longo do processo e a decisão apelada) mostram-se bastantes ao conhecimento do objeto do recurso.
III.I – Fundamentação de Direito
Na sua primeira conclusão, a apelada suscita a questão – que aqui trataremos como questão prévia - do incumprimento, pelo apelante, do disposto no artigo 639 do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que não apresentou as alegações “de forma sintética, sendo deficientes, obscuras, complexas - o que, em última instância, na falta de correção, deverá levar ao não conhecimento do recurso”.
O artigo 639 do CPC, logo no seu n.º 1, determina que o recorrente deve concluir a sua alegação “de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” e o n.º 3 do mesmo normativo esclarece que “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior[1], o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.
No caso presente, e se bem vemos, as conclusões apresentadas pelo apelante – e é das conclusões que trata o preceito já citado – mostram-se complexas, no sentido em que o refere António Santos Abrantes Geraldes[2]: “As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências se sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituam mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos ou referências doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação. Ou, ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões. Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou alteração do julgado” (sublinhado nosso).
Efetivamente, o apelante reproduz nas suas conclusões requerimentos e despachos, transcreve a fundamentação de uns e de outros, como se estivéssemos perante o relato do processualmente ocorrido em primeira instância. Tais repetições são inócuas ou desnecessárias e, salvo o devido respeito, dispensam-se com a transcrição, apenas, do que verdadeiramente constitui o objeto do recurso. É que, por um lado, o tribunal de recurso não tem de transcrever integralmente as conclusões do recorrente, ainda que tenha de definir, através delas, o objeto do recurso; por outro lado, o eventual despacho, a proferir nos termos do n.º 3 do artigo 639 do CPC, há de apenas proferir-se se corresponder a um juízo de utilidade e pertinência, sendo certo que nem se vê, perante umas conclusões desnecessárias ou inócuas, que “parte afetada” (artigo 639, n.º 3, parte final) ficaria sujeita a não ser conhecida, uma vez incumprido o convite ao aperfeiçoamento.
Prosseguindo.
A questão que o recurso suscita, como se suscitou no despacho que vem censurado, prende-se com a legitimidade do autor e legitimidade da ré, para sozinhos, poderem demandar e contradizer: demandar, nos termos em que o autor demandou, isto é, tendo em consideração os concretos pedidos por este formulados e contradizer exatamente esses pedidos. Não está em causa, esclareça-se a ilegitimidade da ré/recorrida relativamente ao seu pedido reconvencional, pois, nessa parte a reconvinte aceitou o decidido, não tendo recorrido.
O relevante (ou único) argumento em que o recorrente sustenta a discordância com o decidido resulta do disposto no artigo 1405, n.º 2 do CC: “Cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro”.
O preceito citado permite a propositura da ação apenas “por um só dos interessados” (artigo 32, n.º 2 do CPC), mas exatamente quando essa ação é uma ação de reivindicação.
Mas a ação de reivindicação é uma ação de defesa do direito de propriedade, pela qual o proprietário (ou comproprietário) de um determinado bem, que está na posse ou detenção de outrem, intenta reavê-lo, através do reconhecimento do seu direito de propriedade e da condenação do atual possuidor ou detentor à sua entrega. A ação de reivindicação pressupõe a petição do direito de propriedade do reivindicante, mas também a condenação do reivindicado a restituir-lhe a coisa reivindicada.
Não estamos, no caso presente – e olhando aos pedidos formulados – perante uma ação de reivindicação, o que abala o préstimo legitimador da previsão do n.º 2 do artigo 1405 do CC. Efetivamente, os pedidos formulados pelo autor são (a) do reconhecimento que o autor e os restantes filhos do falecido CC “são proprietários plenos do prédio urbano (...) e (b) que a ré seja condenada a pagar ao autor e a uma outra (alegada) comproprietária “a quantia que vier a ser fixada em execução de sentença, se o Tribunal não detiver os elementos necessários para quantificar a quota parte pertencente àqueles, nas rendas que a ré recebeu e que receberá desde do dia 7 de fevereiro de 2021”. E, por tais pedidos, nenhum bem na posse de terceiro (no caso a ré) se mostra reivindicado, se pretende que seja restituído.
Assim, não estando em causa a ação de reivindicação, deve valer a regra processual que impõe o litisconsórcio, ou seja, estamos perante um caso de litisconsórcio necessário. Quer quanto ao primeiro pedido, pois os demais (reconhecidos) comproprietários têm de estar na lide, do lado ativo, para que a compropriedade fique definitivamente resolvida e quantificada e, porque, em relação ao segundo pedido, também os restantes comproprietários devem estar na lide, do lado ativo, pois só assim é possível apurar (e dividir) o valor (rendas) que a cada qual é devido.
A decisão só produz o seu efeito útil normal, ou seja, o caso julgado só todos abrange (e só o caso julgado define em definitivo a situação jurídica) se todos (os comproprietários) foram chamados à causa. Estamos perante uma situação que impõe o litisconsórcio necessário, nos termos do n.º 2 do artigo 33 do CPC, como, aliás, bem decidiu o tribunal recorrido.
Em conformidade, é de manter a decisão recorrida.
Sem embargo, cumpre esclarecer que da própria fundamentação do dispositivo da sentença se retira que a absolvição, quer da ré, quer do autor, foi pensada como absolvição da instância – consequência legal da ilegitimidade – e que, por claro lapso que do contexto se retira, declarou-se a absolvição de ambos do pedido.
Assim, sendo a consequência da ilegitimidade a absolvição da instância e não a do pedido e resultando do decidido e sua fundamentação que a referência à absolvição do pedido resulta de lapso, corrige-se, nessa parte a sentença, declarando-se a absolvição da instância do autor e da ré reconvinte.
Da improcedência do recurso resulta a responsabilidade do apelante pelo pagamento das custas (artigo 527 do CPC), sem embargo do concedido benefício do apoio judiciário.
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a sentença recorrida, salvo quando declara a absolvição do pedido de autor e ré/reconvinte, o que se corrige declarando, isso sim e no lugar daquela absolvição do pedido, a absolvição de autor e ré/reconvinte da instância.
Custas pelo apelante.
Porto, 10.07.2025
José Eusébio Almeida
Mendes Coelho
Carlos Gil
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[1] “2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
[2] Recursos em Processo Civil, 8.ª Edição Atualizada, Almedina, 2024, pág. 215.