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DECISÃO ARBITRAL
ANULAÇÃO DA DECISÃO
FALTA DE CITAÇÃO
SANAÇÃO DA NULIDADE
Sumário
1 – A falta de citação do demandado no processo de arbitragem constitui fundamento de anulação da sentença arbitral, de harmonia com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 46.º, n.º 2, alínea f), ii, da Lei n.º 63/2011, de 14.12 e do artigo 30.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal. 2 – Ao processo arbitral aplica-se subsidiariamente a lei processual civil (artigo 30.º, n.º 3, da LA). 3 - A falta de citação é uma nulidade de conhecimento oficioso, a menos que deva considerar-se sanada (artigo 196.º do CPC) e de harmonia com o disposto no artigo 189.º do mesmo diploma legal se o R. ou o M.º P.º intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade. 4 – Resultando dos autos que o mandatário da autora (demandada no processo arbitral) esteve presente na audiência de julgamento e não arguiu a falta de citação da autora, deve considerar-se sanada a nulidade processual decorrente de uma eventual falta de citação daquela no processo arbitral. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Apelação n.º 56/25.3YREVR.E1
(2.ª Secção)
Relatora: Cristina Dá Mesquita
1.ª Adjunta: Isabel de Matos Peixoto Imaginário
2.º Adjunto: Mário João Canelas Brás
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO I.1.
(…), Unipessoal, Lda. veio requerer contra (…), a presente ação de anulação de decisão arbitral, nos termos conjugados dos artigos 59.º/1, alínea g), 46.º/3, alínea a), ii) e 30.º/1, alínea a), todos da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro.
Alegou para tal desiderato e em síntese, o seguinte: no dia 16 de outubro de 2024, foi notificada de uma sentença proferida pelo Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem de Conflitos do Algarve, no âmbito do processo n.º 545/2024; uma vez que nunca fora citada para aquele processo, a requerente, em 19 de novembro de 2024, enviou requerimento e procuração àquele processo, solicitando a anulação de todo o processado e que fosse ordenada a citação da demandada para contestar; em 25 de novembro, o demandado e ora requerente foi notificado de uma decisão proferida pelo tribunal arbitral dando-lhe razão e que anulava a sentença que havia sido proferida a 16.10.2024 e ordenava a reabertura do processo para regularização do processo, marcando, desde logo, nova audiência de julgamento para o dia 17 de dezembro de 2024; em 6 de janeiro de 2025, a autora, por intermédio do seu mandatário, é notificada de uma sentença datada de 30 de dezembro de 2024 proferida no âmbito daquele processo que condenou a demandada nos precisos termos da condenação anterior; a autora, ali demandada, não foi citada para poder contestar pois que a regularização da citação ordenada por despacho de 25 de novembro de 2024 não foi efetuada; não consta do processo acima referido qualquer despacho a ordenar a citação da ali demandada. Aduziu a autora que a reclamação do requerido deu entrada no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo no dia 1 de agosto de 2024, o processo foi distribuído para arbitragem a 29 de agosto de 2024 e que a sentença foi notificada à autora em 6 de janeiro de 2025, pelo que, em face do disposto no artigo 14.º do Regulamento do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Algarve, à data da prolação da sentença o processo n.º 545/2024 já havia caducado.
Notificado para deduzir oposição, o requerido alegou, em síntese, o seguinte: ambas as partes foram notificadas do despacho proferido em 25 de novembro de 2024 pelo tribunal arbitral designando para a realização da audiência de julgamento o dia 17.12.2024, pelas 9:30; na data agendada para a realização do julgamento, o ilustre mandatário da aqui autora esteve presente e até se fez acompanhar de uma testemunha, e foi-lhe dada a palavra para se pronunciar sobre a decisão a proferir, nada tendo requerido quanto à alegada “falta de citação”, que, assim, ficou sanada. A requerente tinha conhecimento do teor da reclamação do requerido, foi notificada regularmente através do seu mandatário da data de audiência de julgamento, o seu mandatário compareceu no tribunal na data designada para o julgamento e podia ter ali alegado a falta de citação ou apresentado contestação oralmente, mas nada fez. A falta de citação não teve qualquer influência decisiva na falta de resolução do litígio e a decisão, ainda que com citação, manter-se-ia exatamente a mesma. Quanto à alegada caducidade, referiu que a sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual com os fundamentos previstos no artigo 46.º, n.º 3, da Lei n.º 63/2011 e que a (eventual) caducidade do processo de arbitragem não está prevista aquele preceito legal; aduz que o Regulamento do Centro de Arbitragem de Conflitos do Algarve não estabelece qualquer consequência para a ultrapassagem do prazo a que alude o seu artigo 17.º, o qual é um prazo meramente regulador ou disciplinador do procedimento que tem por objetivo imprimir celeridade ao procedimento.
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Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir. I.2. FACTOS
Resulta dos autos a seguinte factualidade:
1 – A Reclamação apresentada por Luís (…) contra (…), Unipessoal, Lda. deu entrada no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Algarve no dia 1 de agosto de 2024.
2 – O processo foi distribuído para arbitragem a 29 de agosto de 2024.
3 - Mediante sentença proferida em 14 de outubro de 2024, no âmbito do processo n.º 545/2024, em que são partes (…), na qualidade de reclamante/demandante, e (…), Unipessoal, Lda., na qualidade de reclamada/demandada, o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Algarve, Tribunal Arbitral: i. declarou a rescisão do contrato de compra e venda celebrado entre o demandante e a demandada e condenou a segunda a devolver ao primeiro o valor por ele pago de € 3.361,80, «devendo o demandante devolver a bomba de calor à demandada, sendo os custos suportados por esta última»; ii. Condenou a demandada (…), Unipessoal, Lda. no pagamento ao demandante do valor de € 40,00 referente à taxa de arbitragem paga por este.
4 – Na sequência da notificação daquela sentença à demandada, veio esta, através de mandatário constituído e de email datado de 25 de outubro de 2024, invocar a sua falta de citação para o processo de arbitragem supra referido e requerer a anulação de todo o processado após a petição inicial, invocando o disposto no artigo 187.º, alínea a), do CPC.
5 – Em 25 de novembro de 2024, a senhora Juíza árbitro proferiu decisão com o seguinte teor:
«Nos presentes autos, após sentença arbitral e notificada às partes, veio a demandada solicitar que fosse anulado todo o processado posterior à entrada da reclamação de folhas … nestes autos e ser ordenada a citação da demandada para a contestar e para ser notificada de todos os documentos, factos e pressupostos que este Centro de Arbitragem pretenda dar dos mesmos conhecimento à Demandada. Posto isto, cumpre decidir. Nos presentes autos, constatou-se um lapso no processo, em que foi dado como provado que a citação tinha sido realizada, quando, na verdade, tal citação não foi efetuada. Face a esta situação e em conformidade com os princípios de justiça e imparcialidade previstos na legislação portuguesa, nomeadamente o Código de Processo Civil, artigo 187.º, n.º 1, alínea c), decide o Tribunal anular a sentença proferida, uma vez que a ausência de citação impede a formação válida da relação jurídica processual. Determina-se, assim, a reabertura do processo para regularização da citação, garantindo, desta forma, o direito ao contraditório e ao devido processo legal. Designa-se, desde já, o dia 17 de dezembro de 2024, às 9,30h, para a realização da audiência de julgamento. Notifique-se as partes.»
6 – (…), Unipessoal, Lda. foi notificada do despacho referido em 5) através de email dirigido ao seu mandatário constituído datado de 25 de novembro de 2024 e através de carta expedida em 27.11.2024 para o endereço Rua (…), 19, (…), a qual foi recebida a 29.11.2024.
7 – No dia 17 de dezembro de 2024, procedeu-se à realização da audiência de julgamento, na qual esteve presente o mandatário da ora requerente e uma testemunha apresentada pela demandada, que foi ouvida. De seguida, foi dada a palavra às partes para se pronunciarem sobre a decisão a tomar.
8 - Em 30 de dezembro de 2024, foi proferida nova sentença cujo dispositivo é idêntico ao da primeira sentença (anulada).
9 – A sentença foi notificada à demandada mediante carta registada expedida em 10 de dezembro de 2024 para a seguinte morada: “Rua (…), 19, (…)”. II.4. Apreciação do mérito da ação
A requerente (…), Unipessoal, Lda. pretende ver anulada a sentença proferida pelo Centro de Arbitragem de Conflitos do Consumo do Algarve datada de 30 de dezembro de 2024, invocando, a título principal, a sua falta de citação para contestar o processo e, subsidiariamente, invoca a caducidade do processo de arbitragem.
De acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 2, alínea f), ii, da Lei n.º 63/2011, de 14.12 (diploma que aprovou a Lei da Arbitragem Voluntária), a sentença arbitral pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se a parte que faz o pedido demonstrar que houve no processo violação de algum dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio.
Por sua vez, dispõe o artigo 30.º, n.º 1, daquele diploma legal que o processo arbitral deve sempre respeitar os princípios fundamentais ali previstos, designadamente, que o demandado é citado para se defender [alínea a)].
Por conseguinte a falta de citação do demandado no processo de arbitragem constitui fundamento de anulação da sentença arbitral, o que não vem posto em causa no presente recurso.
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que contra ele foi proposta uma determinada ação e se chama o mesmo ao processo para se defender (artigo 219.º/1, do CPC) sendo, por excelência, a expressão do princípio do contraditório e do direito de defesa (artigo 3.º/2, do CPC).
Aplicando-se subsidiariamente ao processo de arbitragem a lei processual civil (artigo 30.º, n.º 3, da LA), importa notar que aquela distingue duas modalidades de nulidade (latu sensu) da citação: a sua falta e a sua nulidade (stricto sensu)[1].
A denominada “falta de citação” encontra-se prevista no artigo 188.º do Código de Processo Civil, abrangendo a pura inexistência do ato [artigo 188.º/1, alínea a)] – situação em causa nos autos – e situações que, pela sua gravidade, lhe são equiparadas [artigo 188.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e)].
A falta de citação gera uma nulidade processual que, por sua vez, implica a anulação de tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta [artigo 187.º, alínea a), do CPC].
A falta de citação é uma nulidade de conhecimento oficioso, a menos que deva considerar-se sanada (artigo 196.º do CPC)[2]. Por sua vez dispõe o artigo 189.º do mesmo diploma legal que se o réu ou o Ministério público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade. Explicam Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa[3]que “arguir logo a falta de citação” deve interpretar-se como «fazê-lo na primeira intervenção processual».
Aqui chegados, cumpre aferir se a alegada nulidade por falta de citação do aqui autor – e independentemente da sua influência decisiva na resolução do litígio (artigo 46.º, n.º 3, alínea ii), da Lei da Arbitragem Voluntária) - deve, ou não, considerar-se sanada, nos termos do disposto no artigo 189.º do Código de Processo Civil.
Resulta da factualidade enunciada supra que o mandatário da aqui autora (demandada no processo arbitral acima identificado) esteve presente na audiência de julgamento realizada no dia 17 de dezembro de 2024 e não arguiu a falta de citação da autora. Pelo que, em face do exposto, deve considerar-se sanada a nulidade processual decorrente de uma eventual falta de citação da demandada no processo arbitral.
Improcede, assim, este fundamento da ação de anulação.
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A autora na presente ação invoca também, a título subsidiário, a caducidadedo processo arbitral, dizendo que a Reclamação deu entrada no Centro de Arbitragem no dia 1 de agosto de 2024 e que a sentença só lhe foi notificada em 6 de janeiro de 2025, pelo que se mostra decorrido o prazo previsto no artigo 14.º do Regulamento do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Algarve[4].
O artigo 17.º do Regulamento do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Algarve, dispõe o seguinte:
«Os processos de reclamação não podem ter duração superior a 90 dias, a não ser que o litígio revele especial complexidade, podendo então ser prorrogado no máximo por duas vezes, por iguais períodos, nos termos do n.º 5 e 6 do artigo 10.º da Lei RAL.»
Como ponto prévio, dir-se-á que o prazo previsto no citado artigo 17.º não é um prazo cujo desrespeito implique qualquer preclusão ou invalidade. Ele visa disciplinar o prazo para o encerramento do processo de arbitragem, estabelecendo um limite para o encerramento do processo, mas, nem por isso os atos praticados após esse limite perdem a sua validade. Tem, portanto, uma natureza meramente ordinatória/funcional.
Porém, o artigo 46.º, n.º 3, alínea a), VII, da Lei da Arbitragem Voluntária dispõe que a sentença arbitral pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se a sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º.
O artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária, epigrafado Prazo para proferir sentença, dispõe o seguinte:
«1 – Salvo se as partes, até à aceitação do primeiro árbitro, tiverem acordado prazo diferente, os árbitros devem notificar às partes a sentença final proferida sobre o litígio que por elas lhes foi submetido, dentro do prazo de 12 meses a contar da data da aceitação do último árbitro.
2 – Os prazos definidos de acordo com o n.º 1 podem ser livremente prorrogados por acordo das partes ou, em alternativa, por decisão do tribunal arbitral, por uma ou mais vezes, por sucessivos períodos de 12 meses, devendo tais prorrogações ser devidamente fundamentadas, Fica, porém, ressalvada a possibilidade de as partes, de comum acordo, se oporem à prorrogação.
3 – A falta de notificação da sentença final dentro do prazo máximo determinado de acordo com os números anteriores do presente artigo, põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido, sem prejuízo de a convenção de arbitragem manter a sua eficácia, nomeadamente para efeito de com base nela ser constituído novo tribunal arbitral e ter início nova arbitragem.
4 – (…)».
Regressando ao caso em análise, resulta dos autos queentre a data da apresentação da reclamação por (…) contra (…), Unipessoal, Lda., no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Algarve, e a data de notificação da sentença final – a sentença sob recurso – não decorreram sequer 12 meses. Por conseguinte, não se verifica o fundamento de anulação previsto no artigo 46.º, n.º 3, alínea vii), da Lei da Arbitragem Voluntária, não se verificando, portanto, este fundamento de anulação da sentença arbitral.
Sumário: (…)
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em julgar improcedente a ação de anulação da decisão arbitral.
As custas são da responsabilidade da requerente, sendo que a esse título apenas é devido o pagamento de custas de parte porquanto o requerente procedeu já ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e não houve encargos.
Notifique.
DN.
Évora, 25 de junho de 2025
Cristina Dá Mesquita
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Mário João Canelas Brás
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[1] Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 364 e ss.
[2] E que pode ser arguida pelos interessados em qualquer estado do processo, mas também apenas enquanto não dever considerar-se sanada – artigo 198.º/2, do CPC.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, Almedina, pág. 252.
[4] Certamente por lapso, a requerente refere o artigo 14.º quando a disposição legal em causa é o artigo 17.º.