COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
OBRIGAÇÕES RECÍPROCAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I. O instituto da compensação, previsto no artigo 847.º do Código Civil, pressupõe a reciprocidade de créditos, ou seja, que cada uma das partes seja simultaneamente credora e devedora uma da outra;
II. Não demonstrando a Ré, no caso concreto, a existência de um crédito sobre a Autora, não se verifica a reciprocidade de créditos exigida pelo referido artigo, pelo que a compensação não opera, subsistindo, assim, a obrigação da Ré de pagar à Autora, o valor remanescente do preço, em falta, devido pela aquisição, a esta, de uma máquina de vindimar.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Sumário: (…)

*
Acordam na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Évora,
1. Relatório:
(…), Unipessoal, Lda., apresentou requerimento de injunção, contra (…) – Sociedade Agro-Pecuária, Lda., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe, pela venda de uma máquina de vindimar, a quantia de € 9.950,00, acrescida de juros vencidos no valor de € 1.094,36, os vincendos, € 102,00, a título de “outras quantias” e, ainda € 51,00, a título de taxa de justiça.
A Ré deduziu oposição reconhecendo o contrato de compra e venda mas invocando que nada deve à autora porquanto prestou um serviço à autora no valor de € 10.949,00, que a autora não pagou. Termina, pedindo que se considere a compensação de créditos e, em consequência, a sua absolvição do pedido.
A autora respondeu que não assiste qualquer razão à Ré na exceção de compensação que sustentou porque nunca houve qualquer outra relação comercial entre as partes, para além da venda da máquina de vindimar.
Após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré, (…) – Sociedade Agro-Pecuária Lda., a pagar à Autora, (…), Unipessoal, Lda., a quantia de € 9.950,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, e absolveu a Ré do demais peticionado.
*
A Ré (…) – Sociedade Agro-Pecuária Lda., por não se conformar com esta sentença, interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões, em síntese:
A) A Recorrente discorda da apreciação da prova efetuada pelo tribunal a quo e que motivou a considerar provados os factos n.ºs 7 e, consequentemente o ponto 8 com a redação constante da douta sentença recorrida, bem como a considerar não provado o facto b) de 3.2, ou seja, a exclusão do acordo entre as partes, relativamente à compra da máquina do valor devido à Recorrente pela plantação de 33 hectares de olival intensivo para o proprietário (…), com fundamento em erro na apreciação das provas, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC.
B) Na fundamentação de facto relativamente ao ponto 7 dos factos provados e b) dos factos não provados, o Tribunal apreciou alguns dos documentos juntos aos autos e atendeu ao depoimento de parte do legal representante da Recorrida, ao depoimento da testemunha da Recorrida (…), prova que considerou seguras, sinceras, espontâneas e lógicas/coerentes, consequentemente credíveis em detrimento do depoimento prestado pela testemunha, (…), considerado pouco credível.
C) O depoimento do legal representante da Recorrida (10:05 a 10:55), poderá ter sido tudo menos sincero, lógico e coerente, antes pelo contrário, está repleto de imprecisões sobre matéria que não podia desconhecer e de imprecisões, que só podemos julgar de intencionais de forma a construir uma versão dos factos que lhe fosse mais favorável.
D) A testemunha da Recorrida, … (11:36 a 12:47), empregado de escritório da Recorrida, no seu depoimento, que segundo a sentença recorrida mereceu toda a credibilidade, disse que na altura falava-se numa dívida da Recorrida para com a Recorrente que tinha um “valor redondo, assim num apanhado por alto, 20 mil”.
E) Para empregado de escritório que trabalha com a faturação, pouco esclarecedor e, consequentemente, pouco credível.
F) O depoimento da testemunha … (14:48 a 15:16), não foi considerado credível porque disse só se ter lembrado do serviço de plantação do olival após a realização do negócio da máquina, desprezando o tribunal a quo todos os esclarecimentos que prestou sobre o preço de compra e venda da máquina de vindimar, € 38.000,00, sobre o valor dos serviços prestados em regime de subcontratação, € 300,00/ha ou ainda que o acordo foi o de “abater” o valor do trabalho de plantação do amendoal, quando esta afirmação está de acordo com a prova documental e com as declarações do legal representante da Recorrida, já que tem um valor de € 23.000,00, logo entre os 20 e os 25 mil euros que definiu como valor da dívida a abater ao preço da máquina.
G) Relativamente à prova documental, a sentença recorrida omite a apreciação de duas faturas juntas aos autos pela Recorrida, uma emitida a (…), no montante de € 9 760,16, tendo o custo do serviço sido de € 400,00 por hectare, conforme documento Citius 3468129, fatura n.º (…), e outra emitida a CBH (…), no valor de € 25.250,00, tendo o custo do serviço sido de € 330,00 por hectare, referência Citius 34680125, fatura n.º (…).
H) O valor total da dívida da Recorrida à Recorrente pela execução dos dois trabalhos é de € 30.630,00 e não 20 a 25 mil euros, como sem qualquer grau de certeza, por mero palpite ou conveniência, afirmou o legal representante da Recorrida e a testemunha (…), tendo a sentença recorrida aceitado o valor de € 25.000,00, valor com que não podemos concordar, senão vejamos:
I) Pelo serviço prestado a (…), pela plantação do olival, a Recorrida devia à Recorrente a quantia de 23,09 ha x € 300,00 = € 7.170,00 + 430,20 (IVA 6%) = € 7.630,20.
J) Pelo serviço prestado a CBH (…), pela plantação do amendoal, 75 ha x € 300,00 = € 22.500,00 + € 500,00 (jornas e arranjo de mangueiras) = € 23.500,00.
K) Para acerto de contas a Recorrida vendeu à Recorrente uma máquina de vendimar pelo preço de € 40.000,00, segundo a Recorrida e € 38.000,00, segundo a Recorrente, sendo que a sentença recorrida considerou o valor de € 40.000,00, quanto a nós em erro porque o próprio representante legal da Recorrida admitiu que o valor da máquina de vindimar seria entre € 35.000,00 e € 40.000,00, ter a testemunha (…) afirmado que o valor final negociado fixou o preço em € 38.000,00, o que, de acordo com as regras da experiência comum nos parece plausível, houve uma negociação e o valor fixou-se no intervalo de preço definido pela Recorrida.
L) Entendeu o Tribunal a quo considerar liquidada pela Recorrida a totalidade da dívida da Recorrida para com a Recorrente por considerar facto não provado que o valor relativo à plantação de 33 hectares de olival tivesse sido excluído do acordo da compra da máquina de vindimar.
M) Na nossa opinião, erradamente porque, como resulta desde logo da prova documental junta aos autos pela Recorrida, que o valor da dívida era de € 30.630,00.
N) Sendo o valor acordado para a venda da máquina de vindimar de € 38.000,00, a soma do valor da fatura emitida pela Recorrida, € 16.950,00 com o montante de € 23.000,00 devidos pela plantação do amendoal, totaliza € 39.500,00.
O) Pelo que, a compensação no preço da máquina de vindimar, contrariamente ao facto dado como provado na douta sentença recorrida, abrangeu apenas o montante em dívida pela plantação do amendoal, € 23.000,00, ficando excluído do acordo o montante em dívida devido pela plantação do olival no valor de € 7.630,20.
P) Admite a Recorrente erro quanto à plantação de olival em Moura emitiu o documento faturando 33 ha ao preço de € 300,00/ha, porque a fatura emitida pela Recorrida a (…), junta aos autos com a referência Citius 3468029 prova ter a plantação a área de 23,09 ha.
Q) Consequentemente o crédito da Recorrente sobre a Recorrida não tem o valor de € 10.494,00, mas sim de € 7.630,20.
R) A alteração da matéria de facto no ponto 7 implica alteração da matéria de facto constante do ponto 8.
S) Pretende-se que os pontos 7 e 8 dos factos provados, passem a ter a seguinte redação:
7 – O acordo verbal referido em 2 (em particular, o valor da máquina de vindimar, € 15.000,00, quando o valor real acordado foi de € 38.000,00) teve o propósito de acertar quantias pendentes, desde data não concretamente apurada situada no ano de 2017, entre as duas empresas geridas anteriormente pelas partes, referentes à plantação de um amendoal, sito em … (…), com a área de 75 hectares, com o custo de € 300,00/ha (trezentos euros, o hectare) no valor de € 22.500,00; acrescidos de € 500,00 relativos a jornas e arranjo de mangueiras, totalizando € 23.000,00 (vinte e três mil euros).
8 – Que o serviço prestado pela Ré de plantação de 23,09 ha de olival intensivo, para o proprietário (…), em Moura, com o custo de € 300,00/ha (trezentos euros o hectare), no valor de € 7.630,20 (sete mil, seiscentos e trinta euros e vinte cêntimos) ficou excluído do acordo verbal referido em 2.
E, em 3.2) Factos não provados, o facto b) passe a ter a seguinte redação:
b) O montante de € 10.494,00 (dez mil e quatrocentos e noventa e quatro euros), constante da Fatura n.º (…), referente à prestação de serviços de plantação de um olival intensivo em Moura, com a área de 33 Hectares, não corresponde ao valor do serviço prestado pela Recorrente à Recorrida.
A recorrente termina, pugnando pela alteração da matéria de facto formulada e, em consequência, pela condenação da Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 369,80, acrescidos de juros de mora comerciais, desde a data da emissão da fatura até efetivo e integral pagamento.
*
A Autora/Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da factualidade fixada e consequentemente pela confirmação da sentença recorrida.
*
Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, atento o disposto artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:
i. Da admissão do recurso da matéria de facto;
ii. Da impugnação da decisão de facto;
iii. Da compensação de créditos.
*
2. Fundamentação:
2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A Autora dedica-se à atividade de prestação de serviços agrícolas, manuais e mecanizados e de compra e venda de aluguer de máquinas, alfaias e equipamentos agrícolas com e sem condutor;
2. No mês de agosto de 2022, no exercício da sua atividade, por acordo verbal, a Autora vendeu à Ré uma máquina de vindimar «New Holland VL 5080», pelo valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), o qual, acrescido de IVA à taxa legal de 13%, perfaz o montante total de € 16.950,00 (dezasseis mil e novecentos e cinquenta euros);
3. Em virtude do referido em 2, a Autora emitiu, em 01.09.2022, a Fatura n.º (…), no valor de € 16.950,00 (dezasseis mil e novecentos e cinquenta euros), vencida em 01.09.2022;
4. A Autora entregou a máquina de vindimar «New Holland VL 5080» à Ré;
5. No dia 13 de março de 2023, a Ré procedeu ao pagamento do montante de € 7.000,00 (sete mil euros), tendo a Autora emitido o correspondente Recibo n.º (…);
6. A Fatura n.º (…), referida em 3, foi remetida à Ré, após a sua data de emissão;
7. O acordo verbal referido em 2 (em particular, o valor da máquina de vindimar) teve o propósito de acertar quantias pendentes, desde data não concretamente apurada situada no ano de 2017, entre as duas empresas geridas anteriormente pelas partes, referentes à plantação de um amendoal, sito em … (…), e de um olival intensivo em Moura, de 33 Hectares, para o proprietário (…), com o custo de € 3.000,00/ha (três mil euros, o hectare);
8. No dia 27 de novembro de 2023, pela plantação do olival referida em 7, a Ré emitiu a Fatura n.º (…), no valor de € 10.494,00 (dez mil e quatrocentos e noventa e quatro euros), que não foi aceite pela Autora.
*
2.2. O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a) A Autora tenha despendido o montante de € 102,00 (cento e dois euros), a título de «outras quantias»;
b) O montante de € 10.494,00 (dez mil e quatrocentos e noventa e quatro euros), constante da Fatura n.º (…), referente à plantação de um olival intensivo em Moura, de 33 Hectares, para o proprietário (…), com o custo de € 3.000,00/ha (três mil euros, o hectare) estivesse excluído do acordo verbal referido em 2.
*
2.3. Apreciação das questões a decidir:
2.3.1. Da admissão do recurso da matéria de facto;
Cumpre, antes do mais, apreciar e decidir se é de admitir ou rejeitar o recurso da decisão relativa à matéria de facto.
Nos termos do artigo 640.º do CPC, que estabelece os requisitos que o recorrente tem que cumprir para que o Tribunal de Recurso reaprecie a decisão quanto à matéria de facto, sob pena de não o fazendo ser rejeitada a impugnação, “por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina – 7ª edição, pág. 198)”, o recorrente deve especificar:
a. os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b. os meios probatórios que imponham decisão diversa e, no caso de prova gravada, com indicação exata das passagens da gravação relevantes.
c. a decisão que deve ser proferida.
Analisado o teor do recurso, no que se refere ao mencionada em a., verificamos, que a recorrente especifica os seguintes concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados:
· Pontos 7), 8) dos factos dados como provados;
· Ponto b) dos factos não provados;
No que se refere ao requisito referido em b., a recorrente indica as declarações do sócio gerente da autora, das testemunhas (…) e (…), especificando em concreto as passagens da gravação que considera pertinentes e refere também os documentos que entende relevantes, para a alteração pretendida.
Finalmente, quanto ao pressuposto constante em c., a Recorrente expressa a redação que os pontos impugnados devem passar a ter.
Face ao exposto, admite-se a impugnação da matéria de facto, procedendo-se, assim, de imediato à sua apreciação.
*
2.3.2. Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto:
Estão em causa os factos 7 e 8 dados como provados e o facto constante da alínea b) considerado não provado, sendo que todos estes factos estão interligados.
A recorrente pretende que os referidos factos 7 e 8 e alínea b), passem a ter as seguintes redações (realçando-se a negrito as alterações efetivamente pretendida):
“7 – O acordo verbal referido em 2 (em particular, o valor da máquina de vindimar, € 15.000,00, quando o valor real acordado foi de € 38.000,00) teve o propósito de acertar quantias pendentes, desde data não concretamente apurada situada no ano de 2017, entre as duas empresas geridas anteriormente pelas partes, referentes à plantação de um amendoal, sito em … (…), com a área de 75 hectares, com o custo de € 300,00/ha, (trezentos euros o hectare) no valor de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros); acrescidos de € 500,00 relativos a jornas e arranjo de mangueiras, totalizando € 23.000,00 (vinte e três mil euros).
8 – Que o serviço prestado pela Ré de plantação de 23,09 ha de olival intensivo, para o proprietário (…), em Moura, com o custo de € 300,00/ha (trezentos euros o hectare) no valor de € € 7.630,20 (sete mil e seiscentos e trinta euros e vinte cêntimos) ficou excluído do acordo verbal referido em 2”.
b) O montante de € 10.494,00 (dez mil e quatrocentos e noventa quatro euros), constante da Fatura nº …, referente à prestação de serviços de plantação de um olival intensivo em Moura, com a área de 33 Hectares, não corresponde ao valor do serviço prestado pela Recorrente à Recorrida.”
Relativamente aos factos 7 e 8:
A recorrente pretende a alteração do facto 7, nos seguintes termos:
- acrescentar que o valor real acordado entre as partes para a compra e venda da máquina foi de 38 mil euros e que a plantação do amendoal sito em (…) tinha a área de 75 hectares, com o custo de € 300,00/ha, (trezentos euros o hectare) no valor de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros); acrescidos de € 500,00 relativos a jornas e arranjo de mangueiras, totalizando € 23.000,00 (vinte e três mil euros).
- eliminar a parte final que inclui no acordo o serviço prestado de plantação de olival, em Moura.
E pretende que no facto 8 passe a constar expressamente que está excluído do acordo referido em 2, o serviço prestado pela Ré de plantação de 23,09 ha de olival intensivo, para o proprietário (…), em Moura, com o custo de € 300,00/ha (trezentos euros o hectare) no valor de € 7.630,20 (sete mil e seiscentos e trinta euros e vinte cêntimos).
Em primeiro lugar, importa referir que o mencionado valor acordado quanto à máquina de 38 mil euros, não foi invocado nem pela autora, nem pela Ré, nos articulados. Depois, que tal valor também não resulta com a certeza necessária à sua demonstração dos depoimentos prestados, nem de qualquer documento junto, designadamente da factura da venda da máquina de vindimar. Designadamente não se extrai nem das declarações de parte, nem do depoimento da testemunha (…), nem tão pouco da testemunha (…).
Com efeito, da audição das declarações do legal representante da autora e do depoimento da testemunha … (companheiro da sócia gerente da Ré e que negociou em nome da Ré) resultou que ambos atribuíam à máquina o valor de 35 mil a 40 mil, mas não concretizaram um valor em concreto, porque, na verdade, também desconheciam o valor exato dos créditos das empresas representadas pela testemunha (…), apontando para um valor que se situava entre 20 a 25 mil euros. Por outro lado a testemunha (…) disse expressamente não ter presenciado as negociações pelo que embora não tivesse dúvidas em afirmar que a máquina tinha um valor superior ao valor faturado, desconhecia o valor exato que tinha sido acordado entre as partes para a venda da máquina.
Pelo exposto, improcede, nesta parte a impugnação.
No que se refere à concretização relativa à plantação do amendoal, tal também não foi alegado pelas partes e não se vislumbra qualquer necessidade de concretização mais profunda do que a que foi efetuada na sentença, para a economia da ação, pelo que improcede também nesta parte o recurso (note-se que também ninguém o referiu com a certeza necessária à sua demonstração e inexistem documentos – designadamente contemporâneos da prestação do serviço, ou seja, de 2017 – de onde resulte qual foi, à data, o valor acordado (já que não foi faturado) entre a (…) e a prestadora do serviço representada pela testemunha (…), para a realização dos trabalhos.
No que concerne à exclusão no ponto 7 da referência ao olival intensivo em Moura, de 23,09 hectares para o proprietário (…):
No referido facto 7 ficou provado que o acordo teve o propósito de acertar quantias pendentes, entre as duas empresas geridas anteriormente pelos legais representantes das partes, relativas à plantação de um amendoal e de um olival.
A recorrente entende que a Mma. Juíza, na sentença, não deveria ter considerado as declarações do sócio gerente da autora em detrimento do depoimento da testemunha ... (companheiro da legal representante da Ré) e por isso não deveria incluir no acordo referente à venda da máquina, o serviço de plantação de olival, prestado em Moura. Vejamos:
Mais uma vez, em primeiro lugar, importa consignar que a autora nunca alegou, em sede de articulados, que o valor acordado para a faturação da máquina de vindimar tivesse o propósito de acertar quantias pendentes entre as duas empresas geridas anteriormente pelos legais representantes das partes, designadamente o serviço de plantação de olival intensivo em Moura.
Aliás, a defesa da autora quanto à exceção de compensação foi no sentido de dizer que, para além da compra e venda da máquina dos autos, não houve qualquer outra relação entre as partes, isto é, entre a (…) e a (…) – SAP, Lda., o que, diga-se, aliás, resultou demonstrado. Com efeito, o serviço alegado pela Ré na oposição, designadamente nos artigos 11º a 15º, ou seja, o serviço de plantação de olival intensivo, em Moura, foi subcontratado e prestado em 2017 (conforme resulta da fatura junta em audiência pela autora, Ref.ª 34680129), que não foi impugnada: o Serviço de Plantação prestado pela Sociedade (…), SPA, Lda. a (…) ocorreu em 2017). Ora, em 2017 a Autora ainda não tinha sido constituída, conforme certidão permanente junta aos autos que comprova a constituição da sociedade em 26.12.2018.
Porém, tal como o legal representante da autora, (…), esclareceu, em sede de declarações de parte, o negócio da máquina foi estruturado tendo em vista pagar as dívidas que a … (de que aquele era sócio gerente) contraiu às empresas representadas pela testemunha … e que ficaram por pagar, dívidas estas que diziam respeito à subcontratação relacionada com os serviços referidos nas duas faturas juntas aos autos pela Autora/Recorrida:
- uma emitida a (…), no montante de € 9.760,16, tendo o custo do serviço sido de € 400,00 por hectare, conforme documento Citius 3468129, fatura n.º (…), e
- outra emitida a CBH (…), no valor de € 25.250,00, tendo o custo do serviço sido de € 330,00 por hectare, referência Citius 34680125, fatura n.º (…).
O legal representante da autora confirmou ter recebido, enquanto sócio gerente da (…), estes valores e esclareceu que não pagou às empresas da testemunha (…) porquanto à data, em 2017, a (…) tinha outras dívidas, mais antigas, para pagar.
Porém, lidas as transcrições, analisados os documentos e ouvidos os depoimentos designadamente do legal representante da autora e da testemunha (…) concluímos, que aquando da celebração do negócio, no início de agosto de 2022, nenhuma das partes referiu ao certo quanto é que (…), PSA, Lda., devia às sociedades que o (…) representava.
Com efeito, a testemunha (…) disse que não chegou a emitir as faturas referentes aos serviços subcontratados, quando os serviços foram prestados, porque o (…) lhe pediu porque a sociedade estava em dificuldades (o que foi confirmado por este) e por isso pediu para faturar mais tarde. Mais disse que, quando celebrou o acordo, nem se lembrou do serviço de Moura.
O legal representante da A., que era também o legal representante da (…), também não disse que o referido serviço prestado em Moura por subcontratação da (…), tivesse sido especificamente incluído na negociação. Com efeito, foi o próprio (…) que assumiu que já não se recordava desse serviço de Moura, pelo que após receber a fatura emitida pela Ré ligou para o filho do referido (…), (…), e foi este que confirmou que “o … andou lá a prestar um serviço”, o que aconteceu em 2017.
Por conseguinte, assiste razão ao recorrente quando pretende a alteração do facto 7 de modo a que não fique a constar expressamente que o acordo verbal teve o propósito de pagar o montante devido pelo serviço prestado em Moura.
Assim, altera-se o facto 7, que deverá quedar com a seguinte redação:
“7 – O acordo verbal referido em 2 (em particular, o valor da máquina de vindimar) teve o propósito de acertar quantias pendentes, desde data não concretamente apurada situada no ano de 2017, entre as duas empresas geridas anteriormente pelos sócios gerentes das partes, nomeadamente a dívida da (…) – prestação de Serviços Agrícolas, Lda., relativa à plantação de um amendoal, sito em … (…).
No que se refere ao facto 8:
Que tem a seguinte redação:
8. No dia 27 de novembro de 2023, pela plantação do olival referida em 7, a Ré emitiu a Fatura n.º (…), no valor de € 10.494,00 (dez mil e quatrocentos e noventa e quatro euros), que não foi aceite pela Autora.
Pretende o recorrente que o mesmo passe a ter a seguinte redação:
8 – Que o serviço prestado pela Ré de plantação de 23,09 ha de olival intensivo, para o proprietário (…), em Moura, com o custo de € 300,00/ha (trezentos euros o hectare) no valor de € 7.630,20 (sete mil e seiscentos e trinta euros e vinte cêntimos) ficou excluído do acordo verbal referido em 2”.
Diz o recorrente que a alteração da matéria de facto no ponto 7 implica a alteração da matéria de facto constante do ponto 8. Ora, o facto 7 não ficou exatamente como propugnado pela recorrente, atenta a prova produzida designadamente o depoimento do legal representante da autora, que se mostrou credível e coerente, em conjugação com as faturas referentes à máquina, quanto ao facto de pretender com o negócio da máquina pagar todos os valores que tinha em dívida, ainda da Sociedade (…). Esclareceu o legal representante da autora que o negócio da máquina teve em vista acertar as contas entre ambos (legal representante do autor e a testemunha …), ou mais propriamente, pagar o devido pela (…) pelos serviços prestados pelas empresas que o (…) representava.
Assim, o valor faturado pela Autora à Ré, relativo à máquina (15 mil euros, acrescido de IVA), dizia respeito ao remanescente do valor real da máquina (cerca de 40 mil euros) após o valor que ambos consideraram ser devido para liquidação das dívidas que a (…), PSA, SA teria para as empresa que o (…) representava, designadamente a (…) e que atingiria o valor de 20 mil ou 25 mil euros.
Por conseguinte, o legal representante da autora não disse que o valor de 20 a 25 mil euros serviria para pagar apenas o serviço prestado à CBH (…), SL, relativo à plantação de Amendoeiras, mas antes para fazer um acerto de todas as dívidas , ainda que não tivessem acertado o valor exato das mesmas. Com efeito, desconhecendo-se o valor pago pelo serviço prestado referente à plantação do amendoal, não é possível aferir se efetivamente o acordo excluía, cobria em parte ou cobria totalmente a dívida da (…) às empresas representadas pelo (…).
E, diga-se que, nesta ação, tal também não se mostra relevante, pois a Sociedade (…), SPA, Lda. que subcontratou os serviços, em 2017, e é por isso a responsável pelo pagamento desses serviços, não é parte nesta ação.
Por outro lado, o depoimento da Testemunha (…) também não foi suficientemente consistente para se considerar excluído do acordo a dívida relativa ao olival, em Moura e apenas se considerar o valor do serviço prestado de plantação de amendoal. Na verdade, a Ré, primeiro, alegou que o serviço prestado em Moura tinha sido efetuado pela Ré por ter sido subcontratada pela autora, quando se demonstrou que a Autora nem existia na data em que o serviço foi prestado. De seguida, foi alegado uma dívida de € 10.494,00, para finalmente ter sido, no recurso, reduzida para € 7.630,20. Finalmente, incumbia à Ré apresentar, o que não fez, a fatura ou recibo do pagamento dos valores que recebeu pelos serviços que prestou e de que alega que foi paga (plantação de amendoal), o que também não fez.
Assim, não procede a impugnação pelo que não se dá como provado que o serviço prestado pela Ré no valor de € 7.630,20 ficou excluído do acordo verbal, em 2. No entanto, considerando a referência ao referido olival é retirada do facto 7, importa reformular o facto 8, passando o mesmo a ter a seguinte redação:
8. No dia 27 de novembro de 2023, pela plantação do olival para o proprietário (…), em Moura, a Ré emitiu a Fatura n.º (…), no valor de € 10.494,00 (dez mil, quatrocentos e noventa e quatro euros), que não foi aceite pela Autora.
*
Quanto ao facto b) dado como não provado:
Pretende a recorrente que se altere a redação deste facto de modo a que seja dado como não provado que a fatura não corresponda a um serviço prestado pela Recorrente à Recorrida, em Moura.
Resulta da fatura junta em audiência (Ref.ª 34680129), que não foi impugnada, que o Serviço de Plantação prestado pela Sociedade (…), SPA, Lda. a (…) ocorreu em 2017.
Ora, conforme resulta da certidão permanente da Autora/Recorrida, junta aos autos, a Autora, ora recorrida (…), Unipessoal, Lda. foi constituída em 26 de dezembro de 2018. Por conseguinte, em 2017, ano em que foram prestados os referidos serviços de plantação pela (…) que depois subcontratou uma das empresas representadas pela testemunha (…), jamais a autora, que ainda nem existia, requereu e/ou beneficiou de um serviço prestado pela requerida. Ou seja, a única relação entre os serviços de plantação realizados em 2017 e a autora está relacionado com o facto de o sócio gerente da autora ser à data do serviço , em 2017, o sócio gerente da empresa (…). Com efeito, o legal representante da autora confirmou que, à data da subcontratação e plantação, em 2017, era sócio gerente da (…), Prestação de Serviços Agrícolas, Lda. e disse, o que se conjuga com as facturas juntas, que foi esta empresa que subcontratou a empresa da testemunha (…), que, aliás, lhe prestou os dois serviços identificados. Mais reconheceu, aliás, que a (…), embora tendo recebido do seu cliente, não pagou ao … (ou mais propriamente a uma das empresas que este representava). Assim, jamais tal facto nos exatos termos propostos pela Recorrente poderia ser dado como não provado.
No entanto, sempre se dirá, que do facto não provado não resulta o seu contrário, ou seja, que o referido valor estivesse incluído no acordo. Aliás importa referir que o que foi alegado mas não demonstrado foi o facto alegado em 11 da oposição: Que a requerida (…) tenha prestado à (…), Unipessoal, Lda. serviços agrícolas para cuja execução foi por ela subcontratada, designadamente a plantação de 33 há de olival intensivo em Moura, para (…), com o custo de € 3.000,00/ha, no valor de € 9.900,00, acrescido de IVA, à taxa de 6%, totalizando € 10.494,00. Com efeito, como já supra se referiu, o serviço agrícola em causa foi prestado em 2017 e a sociedade autora só foi constituída em dezembro de 2018, sendo que quem contratou o referido serviço a uma das sociedades representadas pelo Roberto, como afirmado pelo legal representante da Autora foi a Sociedade (…), de que era sócio gerente à data.
Em suma, improcede também nesta parte o recurso da impugnação de facto.
Assim, as alterações da matéria de facto, são ao ponto 7 e 8, passando os mesmos a ter a seguinte redação:
“7 – O acordo verbal referido em 2 (em particular, o valor da máquina de vindimar) teve o propósito de acertar quantias pendentes, desde data não concretamente apurada situada no ano de 2017, entre as duas empresas geridas anteriormente pelos sócios gerentes das partes, nomeadamente a dívida da (…) – prestação de Serviços Agrícolas, Lda. relativa à plantação de um amendoal, sito em … (…).
8 - No dia 27 de novembro de 2023, pela plantação do olival para o proprietário (…), em Moura, a Ré emitiu a Fatura n.º (…), no valor de € 10.494,00 (dez mil e quatrocentos e noventa e quatro euros), que não foi aceite pela Autora.
*
2.3.3. Da compensação
Resulta dos factos provados que entre a Autora/Recorrida e a Ré/Recorrente foi celebrado um contrato de compra e venda, ao abrigo do qual a Autora transmitiu à Ré a propriedade de uma máquina de vindimar, obrigando-se esta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 874.º do CC, ao pagamento do respetivo preço no montante de € 15.000,00, acrescido de IVA, num total de € 16.950,00.
Ficou igualmente demonstrado que a Ré procedeu ao pagamento à Autora, por conta do referido preço, da quantia de € 7.000,00.
Perante a verificação da celebração do contrato, considerou-se na sentença que:
“(…) apesar de a Ré ter provado os factos que consubstanciam a exceção de compensação que alegou (em particular, que é detentora de um crédito no valor de € 10.494,00, referente à plantação de um olival intensivo em Moura), a Autora, no exercício do seu direito ao contraditório (cfr. artigo 3.º n.º 3, do Código de Processo Civil), logrou provar uma «contra-exceção»: que tal montante (que apesar de faturado no ano de 2023, respeita a quantias pendentes desde o ano de 2017) encontra-se incluído no acordo verbal celebrado entre as partes, o qual foi cumprido, e que determinou a compra e venda da máquina de vindimar pelo valor de € 16.950,00, muito inferior ao seu valor de mercado)”, e, por conseguinte, na sentença recorrida condenou-se a Ré no pagamento do valor do preço que ainda se encontrava em dívida, correspondente a € 9.950,00, quantia esta acrescida dos respetivos juros.
A absolvição agora pretendida pela Ré, ora recorrente, estava ancorada na alteração da matéria de facto, designadamente, na existência da compensação e exclusão do acordo do referido serviço referente à plantação de um olival, em Moura.
Vejamos.
A compensação de créditos constitui uma forma de extinção das obrigações, encontra-se prevista no referido artigo 847.º do Código Civil e pressupõe, além do mais, a reciprocidade de créditos, ou seja, que cada uma das partes seja simultaneamente credora e devedora uma da outra; A compensação permite equilibrar obrigações recíprocas e evita litígios desnecessários quando existem dívidas cruzadas.
A quem invoca a compensação, como sucedeu no caso concreto com a Ré, incumbe, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do CC, conjugado com o referido artigo 847.º do mesmo diploma, demonstrar a existência de um crédito sobre a outra parte para lograr extinguir a obrigação que lhe é exigida.
Na sentença recorrida, considerou-se ter a Ré demonstrado ser detentora de um crédito no valor de € 10.494,00, referente à plantação de um olival intensivo em Mora. No entanto, não se refere na sentença sobre quem é esse crédito. E compreende-se, pois, não obstante a Ré ter, no artigo 11º da oposição, invocado ter prestado esse serviço à Autora, tal facto não resultou demonstrado, porque conforme já supra se referiu, em 2017 a Autora ainda nem existia, pelo que nunca poderia ter celebrado qualquer contrato com a Ré.
Com efeito, relativamente a este assunto apenas se demonstrou que:
“No dia 27 de novembro de 2023, pela plantação do olival para o proprietário (…), em Moura, a Ré emitiu a Fatura n.º (…), no valor de € 10.494,00 (dez mil e quatrocentos e noventa e quatro euros), que não foi aceite pela Autora”.
Ora, manifestamente da mera emissão de uma factura não resulta qualquer crédito e designadamente quando, como sucedeu no caso concreto, a Autora não aceitou a referida factura, por não se considerar devedora da mesma.
Em suma, da análise dos factos provados é manifesto que não ficou demonstrado que a Ré tenha um crédito sobre a autora. Conforme resulta do supra exposto, o artigo 847.º do CC exige a reciprocidade de créditos, ou seja, que a dívida que se pretende compensar seja da credora, o que da matéria factual dada como provada, não se conclui. Embora a Ré tenha alegado que essa dívida do olival fosse da autora tal facto não resultou provado.
Acrescente-se aliás, que embora o sócio gerente possa coincidir em várias sociedades, estas não se confundem, entre si, sendo cada uma responsável pelos contratos que celebra.
Por conseguinte, não se verificando a alegada reciprocidade de créditos, inexiste fundamento para operar a compensação, como pretendido pela Recorrente e, por conseguinte, mantém-se a obrigação da Ré/Recorrente de proceder ao pagamento à Autora do remanescente do preço acordado na compra e venda da máquina de vindimar.
Deve, por conseguinte, confirmar-se a sentença recorrida.
*
As custas são suportadas pela Recorrente, atenta a improcedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
3. Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo-se a Sentença recorrida, embora com as alterações da matéria de facto, supra referidas.
Custas pela Recorrente.
*
Évora, 25 de junho de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
António Marques da Silva (1.ª Adjunto)
José António Moita (2.º Adjunto)