PRESTAÇÃO DE CONTAS
CONTRATO DE MANDATO
Sumário

Inexiste erro na apreciação das contas prestadas pelo Autor/mandante, na sequência da não apresentação das contas pela Ré/mandatária, quando são especificadas como receitas os produtos das vendas dos bens do Autor, vendas estas efetuadas pela Ré, na qualidade de Procuradora do Autor.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Sumário: (…)

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
1. Relatório:
(…) propôs a presente ação especial de prestação de contas contra (…), pedindo a citação da Ré para apresentar contas, quanto à sua atuação como procuradora do Autor.
Citada, a Ré contestou a obrigação de prestar contas, defendendo, em síntese, que a procuração se destinava a dividir o património comum.
Foi proferida sentença, confirmada por este Tribunal da Relação de Évora, que decidiu que a Ré estava obrigada a prestar contas pelo exercício de funções de mandatária do Autor e, em consequência, determinou a notificação da Ré para apresentar as contas quanto à sua atuação, na qualidade de procuradora do Autor.
Como a Ré não o fez, foi o Autor que apresentou as contas.
Realizadas as averiguações convenientes e após obter as informações necessárias, nos termos do artigo 943.º do CPC, o Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença tendo decidido, a final:
A. Aprovar as contas apresentadas pelo Autor (…) através do requerimento de 28-06-2024 com a referência Citius 8107519, apenas no que concerne à receita da venda da quota parte do Autor na casa da Lourinhã e no que concerne à receita correspondente à metade do valor de € 15.919,18 referente à venda do veículo automóvel Jaguar;
B. Condenar a Ré (…) a proceder ao pagamento ao Autor da quantia de € 38.959,59 (trinta e oito mil e novecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e nove cêntimos);
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Inconformada com esta sentença, interpôs a Ré o presente recurso, concluindo que:
A) A decisão, ora recorrida, enferma de erro ao aprovar as contas apresentadas uma vez que, o M.º Juiz já tinha despachado no sentido da não inclusão, da casa sita na Lourinhã, o que o Autor, ora Recorrido, aceitou.
B) A sentença foi, assim, contra uma decisão por si tomada e já transitada em julgado.
C) Acresce que, o bem em causa, a “casa da Lourinhã”, também foi objeto de adjudicação à Ré/ora Recorrente na ação com o n.º 3720/22.5T8STB que correu termos no Juiz 3 dos Juízos Locais de Setúbal, sem quaisquer montantes a pagar ao Autor/ora Recorrido.
D) Tal decisão está transitada em julgado.
E) A condenação da Ré no montante do pagamento de metade da casa da Lourinhã, constante da escritura, originará uma ação para condenação do Autor/ora Recorrido no pagamento de metade da casa de Penela, que a si foi adjudicada. Caso contrário, haverá enriquecimento sem causa por parte do Autor, porquanto está dado como assente, na Petição Inicial que a Ré/ora Recorrente sempre trabalhou e contribuiu para a economia doméstica.
F) Quanto ao valor remanescente, do veículo que foi entregue à mãe da Ré/ora Recorrente, por via de um mútuo por esta efetuado, não faz sentido o Autor/ora Recorrido receber metade, uma vez que a divida era de ambos.
G) Ao condenar a Ré/ora Recorrente a devolver metade, fará com que apenas esta cumpra os compromissos assumidos com terceiros (neste caso, a sua mãe).
H) Ficou provado que a Ré/ora recorrente apenas efetuou com a procuração aquilo que combinou com o Autor/ora Recorrido: colocou a casa da Lourinhã em seu nome deixando a casa de Penela para o Autor/ora Recorrido.
I) Tanto assim foi, que é o que resulta inequívoco da transação efetuada no processo n.º 3720/22.5T8STB que correu termos no Juiz 3 dos Juízos Locais de Setúbal, em que as adjudicações dos bens espelham isso mesmo.
J) Pelo que a sentença, ora recorrida, sobrepôs-se à transação efetuada, em processo transitado em julgado, beneficiando o Autor/ora Recorrente de forma injusta e inexplicável.
K) A Ré, ora Recorrente, apenas efetuou com a procuração o que havia previamente combinado com o Autor, ora Recorrido.
L) O Autor/ora Recorrido, aceitou tal mandato que concedeu à Recorrente, e sabia que o automóvel havia sido vendido em 2016 e a casa da Lourinhã vendida a si própria como constava da procuração outorgada, desde 1 de Setembro de 2016.
M) Quanto ao carro resulta claro, da mensagem enviada por si e junta com a PI da ação proposta pelo Autor/Recorrido, também da casa da Lourinhã resulta claro que não voltou a pagar IMI, condomínio, luz ou água (embora lá residisse) após a escritura aqui em apreço.
N) Nunca pediu contas à Ré/ora Recorrente porque bem sabia que isso decorria do acordo efetuado e para o qual havia mandatado a mesma.
O) Só passados 5 anos e 6 anos, por razão que se desconhece, mas que nada têm a ver com o mandato concedido veio o Autor propor ações para prestação de contas e condenação, procurando obter vantagens que sabia não lhe serem devidas.
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O Autor/Recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso por considerar que a decisão proferida espelha a prova produzida nos autos e não merece qualquer reparo.
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O objeto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões da recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:
i. Se há erro na apreciação das contas, por não ser devido ao autor nem o valor da venda da quota parte deste no imóvel que a Ré, como sua procuradora, vendeu a si própria, nem o valor da venda do veículo, que pertencia ao autor e à Ré e que esta, também no âmbito do contrato de mandato, vendeu a terceiro;
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2. Fundamentação
2.1. O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1) Em 23 de junho de 2016, no cartório notarial da (…), através de documento autenticado, (…) constituiu sua bastante procuradora (…), conferindo-lhe os poderes necessários e suficientes para, com a faculdade de substabelecer e com a faculdade de fazer negócio consigo mesma, praticar os seguintes atos:
e) prometer vender e vender, prometer comprar e comprar no todo ou em parte, bens móveis e imóveis em qualquer freguesia e concelho, pelo preço e condições que entender por convenientes, receber e/ou pagar o preço, dar/receber quitação, podendo outorgar e assinar a respetiva escritura, e/ou documento particular, bem como proceder a quaisquer retificações, caso se mostrar necessário;
f) Proceder a divisão de coisa comum e assunção de dívida pelo preço e condições que entender convenientes de qualquer imóvel de que seja comproprietário, outorgando a respectiva escritura, receber ou pagar preço, acordar na composição de quinhões, dar ou receber tornas, das mesmas prescindir ou renunciar, conferindo quitações, pagar imposto municipal de transmissões onerosas de imóveis ou solicitar a sua isenção;
j) Para junto de qualquer entidade competente vender veículos automóveis, podendo extinguir reservas, assim como vender, assinar os respectivos requerimentos assim como antecipar no todo ou em parte o pagamento do financiamento concedido para aquisição do identificado veículo, podendo usar ou desistir da preferência que lhe pertença em quaisquer contratos, podendo incluindo fazer cedência de posição.
2) No dia 1 de setembro de 2016, perante (…), notária, compareceu (…), que outorgou por si e na qualidade de procuradora de (…), escritura de compra e venda, tendo declarado em nome de (…) vender à própria Ré, pelo preço de € 31.000,00, o direito a: “metade indivisa da fração autónoma, designada pela letra “J” que corresponde ao primeiro andar esquerdo no Bloco C, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (…), (…), freguesia e concelho da Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lourinhã, sob o n.º (…), da dita freguesia, com a aquisição do mencionado direito registada a favor do seu representado pela apresentação (…), de onze de novembro de dois mil e treze, com a constituição da propriedade horizontal registada pela apresentação (…), de 22 de setembro de 2009, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da União das Freguesias de (…) e (…), com o valor patrimonial correspondente à referida metade indivisa de € 30.144,57”.
3) Na escritura referida no número anterior, a Ré mais declarou, por si, que aceitava a venda.
4) Apesar da Ré ter declarado na escritura referida em 2, que o Autor tenha recebido a quantia de € 31.000,00, o Autor não recebeu tal quantia.
5) O veículo automóvel Jaguar de matrícula (…) foi adquirido conjuntamente pelo Autor e pela Ré.
6) A Ré, por si e em representação do Autor, ao abrigo do contrato de mandato, vendeu o veículo de matrícula (…), Marca Jaguar, pelo preço de € 42.110,60.
7) A quantia de € 26.191,42 do produto da venda destinou-se ao pagamento do valor para cessação do contrato de locação financeira, subscrito para aquisição do veículo automóvel Jaguar.
8) A Ré recebeu da venda a quantia de € 15.919,18.
9) Em 03-06-2022, o Autor apresentou petição inicial, que deu origem ao processo n.º 3720/22.5T8STB, que correu termos no Juiz 3 dos Juízos Locais Cíveis de Setúbal, onde peticionou que: “A) ordenar a anulação da escritura de compra e venda, outorgada no dia um de Setembro de 2016, no Cartório Notarial de Setúbal de (…), exarada a fls. vinte e duas a folhas vinte e quatro do Livro de Escrituras diversas número trinta e três- A, daquele Cartório, outorgada pela Ré por si e enquanto procuradora do Autor em que vende a si própria metade indivisa da fracção autónoma designada pela letra “J”, que corresponde ao 1º andar, Esq., no Bloco C, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (…), (…), freguesia e concelho da Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lourinhã sob o n.º (…), da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da União de Freguesias de (…) e (…). B) Ordenar, em consequência a anulação de todos os Registos e inscrições prediais efectuadas na sequência da Outorga da supra identificada escritura. Nomeadamente o registo de aquisição a favor da Ré, registada sob a Ap. (…), de 2016/10/31 da Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis da Figueira da Foz. C) Condenar a Ré, a reconhecer o Autor como proprietário de metade indivisa do prédio identificado em A)”.
10) Em 11-09-2023, no âmbito do processo n.º 3720/22.5T8STB, que correu termos no Juiz 3 dos Juízos Locais Cíveis de Setúbal, as partes chegaram a acordo, que foi homologado, nos seguintes termos:
“1. A ré compromete-se a efetuar, no prazo de 90 dias, todas as diligências necessárias junto da entidade bancária, que é detentora da hipoteca que impede sobre a Fração autónoma designada pela letra “J”, que corresponde ao 1º andar, esquerdo no Bloco C, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (…), (…), freguesia e concelho da Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lourinhã sob o n.º (…), da dita freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da União de Freguesias de (…) e (…), no sentido de obter a exoneração do autor do crédito à habitação.
2. A ré compromete-se a diligenciar, no prazo de 90 dias, junto da entidade bancária no sentido de deixar de ser co-titular da conta bancária co-titulada por si e pelo autor.
3. O autor e a ré acordam que o recheio existente na fração autónoma descrita no ponto 1, é propriedade do autor.
4. O autor compromete-se a retirar o referido recheio da fração autónoma, até ao dia 30 de setembro de 2023.
5. Para o efeito a ré compromete-se a permitir que o autor aceda à fração autónoma, em data e hora que deve ser comunicada pelo autor com antecedência razoável.
6. O autor e a ré acordam que seja adjudicada ao autor a metade indivisa de que é proprietária a Ré sobre a Fracção autónoma designada por letra “D”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no lugar de (…), moradia D - 540 (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Penela, sob o n.º (…), da União de Freguesias de (…), (…) e (…), Concelho de Penela, Distrito de Coimbra, e está inscrito na respectiva matriz predial.
7. O autor compromete-se a diligenciar, no prazo de 90 dias, junto da entidade bancária que detém a hipoteca que impende sobre o imóvel descrito no ponto 6, pela exoneração da ré do crédito à habitação.
8. O autor e a ré acordam que esta retirará do imóvel referido no ponto 6 supra, os bens que já eram sua propriedade antes de viverem em união de facto.
9. A ré compromete-se a diligenciar junto da entidade bancária, no prazo de 90 dias, pela exoneração do autor da fiança prestada para aquisição do imóvel de que é única proprietária, sito em (...).
10. O autor e a ré acordam que ambos suportarão as custas processuais na proporção de metade, prescindindo, mutuamente, das de parte”.
11. O Autor apresentou as contas através do requerimento de 22-01-2024, tendo retificado as contas apresentadas através dos requerimentos de 20-06-2024 e 28-06-2024.
12. A última versão das contas foi apresentada pelo Autor através do requerimento de 28-06-2024 com a referência Citius 8107519, onde o Autor se considera credor da Ré da quantia de € 134.513,10, sendo as contas apresentadas as seguintes:
(…)
13. Nas contas apresentadas pelo Autor em 28-06-2024, através do requerimento com a referência Citius 8107519 (constantes no n.º anterior) todas as verbas inscritas referem-se a despesas pagas exclusivamente pelo Autor, com exceção das verbas referentes à venda da casa da Lourinhã (€ 31.000,00) e à quantia de € 15.919,18, referente à venda do veículo automóvel, que constituem receitas.
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2.2. O Tribunal deu como não provados os seguintes factos:
a. A mãe da Ré, (…), emprestou às partes a quantia de € 30.000,00.
b. A Ré entregou à sua mãe a quantia de € 15.919,18, para solver a parte da dívida do Autor perante a mãe da Ré.
c. O Autor conferiu a procuração à Ré para esta dividir o património das partes entre as partes, acordando que competia ao Autor a casa da … /Penela e à Ré a casa da Lourinhã, não havendo lugar ao pagamento de tornas.
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2.3. Do mérito do recurso:
2.3.1. Do erro na apreciação das contas
Conforme resulta da sentença proferida nos presentes autos e confirmada por este Tribunal da Relação de Évora, a Ré estava obrigada a prestar contas pelo exercício de funções de mandatária do Autor e, por isso, foi notificada para apresentar as contas quanto à sua atuação, na qualidade de procuradora do Autor.
A presente prestação de contas radica, assim, num contrato de mandato celebrado entre as partes e versa sobre as vendas efetuadas pela Ré com a procuração que lhe foi outorgada pelo Autor, que lhe conferiu poderes, além do mais, com vista à venda do seu património.
O Tribunal, a final, na sentença recorrida, aprovou parte das contas apresentadas pelo Autor e condenou a Ré a pagar ao Autor o valor de € 38.959,59, correspondendo: € 31.000,00 ao valor pelo qual a Ré vendeu (a si própria e em representação do Autor) metade indivisa da fração autónoma sita na Lourinhã, pertencente ao Autor e € 7.959,59 ao valor que a Ré recebeu pela venda da viatura que pertencia ao autor e à Ré, em compropriedade, após ter pago ao locatário financeiro o valor ainda em falta do contrato com este celebrado.
A Ré sustenta que a apreciação que o tribunal fez sobre as contas está errada, sem, invocar a violação de qualquer norma jurídica. Por outro lado, não obstante a Ré/Recorrente referir, no corpo das alegações, que a sentença recorrida incorre em erro notório na apreciação da prova, a recorrente, não indica, nem nas conclusões, nem nas alegações, qualquer concreto ponto da matéria de facto que considere incorretamente julgado, tal como não concretiza qualquer decisão que no seu entender devesse ser proferida quanto a determinado facto. Ou seja, a recorrente, embora afirme que há erro notório na apreciação da prova, não impugna a decisão da matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, do CPC.
Pelo exposto, assentes que estão os factos dados como provados e não provados vejamos cada um dos argumentos apresentados pela Ré, a fim de aferir se há erro do Tribunal na apreciação das contas.
No que à “casa da Lourinhã” se refere, entende a Ré não dever o valor supra referido, de trinta e um mil euros, constar como receita das contas aprovadas, porquanto:
a) O Mmo. Juiz já tinha despachado no sentido da não inclusão do referido valor como receita devida ao Autor;
Na motivação do Recurso, a Ré/recorrente concretiza que “o Mmo. Juiz já havia na audiência anterior, datada de 27-05-2024 determinado que as contas deveriam ser apresentadas sem a verba “Casa da Lourinhã”, o que foi aceite pelo Autor ora recorrido, que do mesmo não recorreu e, em conformidade apresentou o requerimento datado de 21-06-2024 com o n.º 100339775”.
Analisada a “Ata de Audiência de Discussão e Julgamento” de 27 de maio de 2024, verifica-se que na referida audiência foi pedida e dada a palavra à ilustre mandatária do Autor, que no seu uso, disse que: "por ter verificado existir um lapso da signatária que se penitencia na junção do quadro explicativo da junção contas pelo Autor, em 22-01-2024, e por entender que se mostra absolutamente imprescindível à compreensão das contas e consequentemente à boa resolução da causa, requer-se a V. Exa. que se seja concedido o prazo de 5 (cinco) dias para junção da versão correta aos autos". Este requerimento, na sequência da Ré nada ter oposto, foi deferido, pelo tribunal, nos termos do artigo 411.º do CPC.
Não consta do despacho que o Tribunal se tenha pronunciado sobre a inclusão ou não da verba relativa à “Casa da Lourinhã”, limitando-se o mesmo a permitir que o Autor retificasse as contas apresentadas. Aliás, tal despacho seria, nessa fase do processo, inoportuno e desadequado porquanto, nos termos dos artigos 941.º e 943.º, n.º 1 e 2, do CPC, só depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes é que o tribunal julga as contas segundo o prudente arbítrio do julgador.
Por outro lado, da análise da matéria dada como provada, designadamente dos factos 11 e 12 resulta que o Autor apresentou contas no dia 22-01-2024, as quais foram retificadas sendo a última versão, apresentada através do requerimento de 28-06-2024, a versão que o tribunal, a final e em sede de sentença recorrida, aprovou, em parte.
Do exposto, resulta que inexistiu qualquer decisão do Tribunal prévia à sentença recorrida, sobre a inclusão ou exclusão de verbas nas contas apresentadas pelo Autor, sendo que nos termos dos artigos 941.º e 943.º do CPC, bem andou o Tribunal em julgar as contas apenas, a final, em sede de sentença. Improcede, assim este argumento da Ré/Recorrente.
Para além deste argumento, invoca também a Ré que:
b) A atribuição da propriedade da “Casa da Lourinhã” à Ré foi o resultado do combinado entre as partes aquando da outorga da procuração: a “Casa da Lourinhã” ficava para a Ré e a “Casa de Penela” para o Autor;
Analisados os factos provados e não provados, desde logo resulta que, embora tendo sido alegado, não ficou provado o invocado acordo – cfr. o facto c) dos factos dados como não provados. Aliás, do facto b) dado como provado o que decorre é que a Ré, em representação do Autor, vendeu a si própria a metade indivisa do prédio em causa, compra e venda esta que foi realizada pelo preço de 31.000,00 euros.
O terceiro argumento, invocado pela Ré:
c) Nos termos da transação efetuada no Processo n.º 3720/22.5T8STB, a referida fração autónoma, sita na Lourinhã, foi adjudicada à autora, pelo que tal rubrica deveria ser excluída e não ser considerada nas contas.
Resulta dos factos provados 9 e 10 que, já estando a presente ação de prestação de contas pendente, o Autor intentou contra a Ré, uma ação pedindo a anulação da referida escritura de compra e venda do imóvel “Casa da Lourinhã”, ação esta a que foi atribuído o n.º 3720/22.5T8STB. Essa ação terminou por transação entre as partes, conforme resulta do facto 10. Na referida transação não é feita qualquer alusão à presente ação. No entanto, deixando o Autor cair o pedido de anulação da escritura de compra e venda, o autor reconhece a aquisição pela Ré do prédio que esta comprou àquele por trinta e um mil euros.
Ou seja, caso tivesse sido declarada a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre as partes, o preço não era devido, pelo que o valor de 31 mil euros não poderia constar como receita nas contas. Assim não sucedendo, mantendo-se o contrato de compra e venda do imóvel celebrado entre o autor (ainda que representado pela Ré) como vendedor, e a Ré, como compradora, o mesmo produziu os seus efeitos, nos termos do artigo 879.º do Código Civil, a saber: a propriedade transmitiu-se para a Ré e esta tem a obrigação de entregar o preço pelo qual o bem foi vendido, ao Autor/Mandante.
Finalmente, o último argumento invocado pela Ré:
d) A condenação da Ré a entregar ao autor o preço da “Casa da Lourinhã” corresponderá a um enriquecimento do Autor sem qualquer causa que o legitime.
Ora, como já se viu a receita de trinta e um mil euros corresponde ao preço pelo qual a Ré, em representação do Autor vendeu a si própria a metade indivisa da “Casa da Lourinhã”, que àquele pertencia.
Por conseguinte, existe um facto que justifica/legitima o enriquecimento, ou seja, a entrega do referido valor ao Autor, que, no caso, é o contrato de compra e venda realizado e que teve como objeto a metade indivisa da casa da Lourinhã.
Por todo o exposto, bem andou a sentença em aprovar a referida receita, relativa à venda do imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 941.º e 943.º do Código de Processo Civil
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No que se refere ao valor da venda do automóvel: resulta dos factos provados que a Ré efetuou a venda de um veículo, que pertencia, em compropriedade, ao autor e à Ré (cfr. facto 4). Esta venda foi efetuada a terceiro, tendo a Ré obtido uma receita de € 15.919,18 (factos 5 a 8), sendo metade uma receita que a Ré recebeu, em representação do Autor.
Para obstar à entrega desse valor ao Autor, a Ré invocou que a sua mãe tinha emprestado trinta mil euros ao Autor e à Ré, pelo que o valor da venda do veículo teria servido precisamente para solver essa dívida.
Tais factos, conforme resulta da decisão quanto à matéria de facto, resultaram não provados – cfr. factos b) e c) dados como não provados.
Por conseguinte, constituindo o referido valor uma receita que a Ré recebeu como procuradora do autor, bem andou o Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 342.º, n.º 1, do CC e 941.º e 943.º do CPC, em aprovar também essa receita e, a final, nos termos do artigo 1161.º, alínea e), do CC, em condenar a Ré a entregar o saldo total ao Autor.
De todo o exposto resulta que ao contrário, do invocado pela recorrente, inexiste qualquer erro na apreciação das contas, devendo manter-se a sentença, nos seus exatos termos.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da Recorrente, atento o seu total decaimento (artigo 527.º do CPC).
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3. Decisão
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas do Recurso de apelação a cargo da Recorrente.
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Évora, 25 de junho de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1ª Adjunta)
Ana Pessoa (2ª Adjunta)