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AUTONOMIA PRIVADA
CONTRATO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
FACTOS NOVOS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Sumário
I. Tendo a sentença especificado os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e que são coerentes com esta, sem que ocorra ambiguidade ou obscuridade e apreciado as questões suscitadas pelas partes, não ocorre a nulidade da sentença nos termos e para efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 , alíneas b), c) e d), do CPC. II. O princípio da autonomia privada traduz o poder das partes de estipularem, nos contratos que negoceiam, as cláusulas que, do ponto de vista de cada parte, correspondem aos seus interesses. Como contrapartida, as partes ficam obrigadas ao seu cumprimento. III. Os princípios da concentração da defesa e da preclusão, consagrados no artigo 573.º do Código de Processo Civil, impõem que o Réu deduza todos os meios de defesa de que pretende lançar mão, na contestação, não podendo introduzi-los em momento posterior, designadamente em sede de recurso. IV. Os recursos têm por finalidade modificar decisões sobre questões já apreciadas e não se destinam a discutir e decidir questões novas. Por isso, as matérias que não tenham sido articuladas pelas partes e não sejam de conhecimento oficioso, não podem ser conhecidas, em sede de recurso. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Sumário: (…)
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Acordam na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Évora,
1. Relatório:
(…) – Importação, Comércio e Indústria, Sociedade Unipessoal, Lda. e (…) intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra (…), pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de 44.720,87 Euros, acrescida dos juros de mora vencidos, no valor de 626,27 Euros, e vincendos até efetivo e integral pagamento, respeitante a dívidas da primeira, anteriores ao contrato de cessão de quotas celebrado entre o 2.º A. e o Réu.
O Réu contestou, pedindo a sua absolvição do pedido,
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Após a realização da audiência final, foi proferida sentença, tendo o Tribunal decidido:
a) Condenar o réu a pagar à 1ª autora a quantia de 16.769,68 Euros (dezasseis mil e setecentos e sessenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos);
b) Condenar o réu a pagar à 1ª autora os montantes correspondentes às prestações pagas pela 1ª autora após 21-03-2024, no âmbito do plano acordado com os serviços de finanças de Cabo Verde para pagamento de IURPC e de adicional de IVA respeitantes ao ano económico de 2016 [plano esse, mencionado nos factos provados das alíneas 14) a 17)], mediante apresentação, ao réu, pela 1ª autora ou pelo 2ª autor dos respetivos comprovativos de pagamento;
c) Condenar o réu a pagar à 1ª autora o montante correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) das quantias referidas nas alíneas a) e b) supra, a título de cláusula penal, e que até 21-03-2024, perfaz a quantia de 4.192,42 Euros (quatro mil, cento e noventa e dois euros e quarenta e dois cêntimos);
d) Condenar o réu a pagar à 1ª autora juros de mora vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, sobre as quantias aludidas nas alíneas a), b) e c) anteriores (mas sem prejuízo do prazo quanto às prestações vincendas), calculados à taxa legal aplicável às operações civis, e que até à data é de 4%, perfazendo os juros vencidos a quantia de 714,43 Euros (setecentos e catorze euros e quarenta e três cêntimos);
e) Absolver o réu do pedido de condenação como litigante de má-fé; e
f) Condenar o réu no pagamento das custas processuais.
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O Réu (…), por não se conformar com a sentença, interpôs o presente recurso, apresentando as 42 conclusões com vários pontos que aqui se dão por reproduzidas, referindo em síntese que:
A) foram incorretamente julgados como provados os pontos 7), 8) e 18) e foram incorretamente julgados como não provados os pontos g), h) e i);
B) (…) Não se consegue compreender que o Tribunal a quo tenha julgado como não provados os factos de que o negócio da cessão da quota societária em causa ocorreu, ainda que inicialmente de uma forma não formalizada, no ano de 2016 e que, desde essa data, o Réu deixara de gerir de facto a empresa Autora, sendo que, quem passou a gerir desde essa data, foi o 2º Autor e ainda que, à data da celebração desse negócio entre o Réu e o 2º Autor, a empresa Autora Cabo Verdiana não tinha quaisquer dívidas, designadamente fiscais, nem notificadas, nem por liquidar (determinação do valor), nem por pagar;
C) Foram relevantes as declarações de parte do A. … (depoimento gravado no sistema informático cujo nome do ficheiro é Diligência_544-23.6T8BNV_2024-03- 21_16-44-49, começando às 00:00:50 e terminou às 00:13:49), dúvidas não existindo que:
a. O Réu laborou na empresa Autora até 2016;
b. O ano de 2016 foi o ano da venda da quota societária da empresa Autora ao sr. … (2º Autor);
c. O valor fixado contratualmente para a cessão de quotas não foi pago na altura da celebração do contrato, tendo demorado cerca de um ano a realização do pagamento, através de cheques pré-datados (no mínimo, foram 12 cheques pré-datados);
d. Previamente ao pagamento realizado através dos cheques, foi pago pelo 2º Autor um sinal pela compra da quota societária, e esse pagamento foi realizado em Cabo Verde;
e. Foi aquando da entrega do sinal (e ainda antes da realização dos pagamentos através dos cheques pré-datados), que se procedeu à entrega, pela filha do Réu (…) ao 2.º Autor, dos materiais da sociedade, as chaves, as carrinhas, os frios, as arcas e tudo isto ocorreu em Cabo Verde;
f. A partir da data dessa entrega, o Réu nunca mais teve qualquer intervenção na empresa Autora;
g. Não havia qualquer ligação entre os trabalhadores que laboravam na empresa antes da entrega da gestão e materiais da mesma e os trabalhadores que passaram a laborar na empresa após a entrega da gestão e materiais da mesma;
h. Desde o negócio acordado da compra e venda da quota societária (2016) que a gestão da empresa foi entregue ao comprador 2º Autor e pessoas da sua confiança que começaram a trabalhar na empresa, determinando o seu funcionamento;
i. A escritura foi realizada no na ode 2018, depois de 2016, após a boa cobrança de todos os cheques;
j. No escritório terá sido recebida uma primeira comunicação referente a uma primeira notificação das Finanças, relativamente a um valor insignificante a pagar a essa entidade, mas depois dessa comunicação, não foi avisado de nada, nem lhe foram solicitadas informações ou documentos, nem lhe foi dada a oportunidade para contribuir para uma efetiva defesa junto das Finanças ou de qualquer outra entidade. Só teve esse conhecimento com a instauração da presente ação, ao receber a PI;
k. O Réu nunca foi notificado ou informado de qualquer inspeção tributária que tenha ocorrido na empresa Autora;
l. A Autora e 2º Autor nunca se poderiam queixar ou reclamar (como fizeram junto das Finanças de Cabo Verde) de o Réu ter extraviado ou ocultado ou bloqueado o acesso a documentação contabilística da empresa, uma vez que quem tratava da contabilidade da empresa Autora era o mesmo contabilista que ainda hoje presta os serviços de contabilidade para essa empresa, sendo certo que os documentos eram todos entregues na contabilidade e os respetivos dossiers sempre se encontraram no escritório da empresa de contabilidade;
m. Consequentemente, todos os documentos contabilísticos se encontravam à livre disposição dos Autores;
n. Nunca foi dada a possibilidade ao Réu de saber, efetivamente, sobre que bens é que estava a ser tributado esse imposto à empresa Autora;
o. Quando o Réu se dirigiu às Finanças para obter a Certidão de não dívida, à data necessária para o contrato de cessão de quotas, inexistia qualquer procedimento iniciado pelas Finanças.
D) O Réu relatou ao Tribunal todos estes factos, com prontidão, clareza, espontaneidade e sem qualquer contradição ou obscuridade que motivasse o seu descrédito, sendo indubitável que as declarações de parte prestadas pelo Réu têm valor probatório e merecem credibilidade;
E) Analisado depoimento supratranscrito da testemunha (…), motorista e empregado de armazém por muitos anos na empresa Autora (prestou depoimento gravado no sistema informático, cujo nome do ficheiro é Diligência_544-23.6T8BNV_2024-03-21_16-11-27, começando às 00:00:03 e terminou às 00:13:49), dúvidas não existem de que:
a. A testemunha é motorista/empregado de Armazém;
b. Trabalha para o Réu há cerca de 32/33 anos para o Réu e a sua então empresa (ora Autora);
c. O trabalho para a empresa Autora consistia no carregamento, com a empilhadora, das paletes, da mercadoria, dos contentores de frio com os frescos, as frutas e no envio desse mesmo material para Cabo Verde;
d. Esse trabalho era realizado não só pela testemunha, mas também juntamente com o Réu e a ex-mulher do Réu, com quem trabalhava diretamente, no armazém do Réu, em (…);
e. Os trabalhos de carregamento e de envio de material para Cabo Verde que realizavam terminaram todos em 2016 (sem a testemunha conseguir precisar o mês): “Nunca mais carregámos mais nada”, porque foi nessa altura que o Réu vendeu a empresa Autora, conforme informação prestada pelo Réu à testemunha na altura;
F) A testemunha relatou ao Tribunal todos estes factos, com prontidão, clareza, espontaneidade e sem qualquer contradição ou obscuridade que motivasse o seu descrédito;
G) Analisado o relevante depoimento da testemunha (…), empregado do Réu desde os 16 anos de idade aos 27 anos, que se tornou “amigo de casa” (prestou depoimento gravado no sistema informático, cujo nome do ficheiro é Diligência_544- 23.6T8BNV_2024-03-21_15-57-28, começando às 00:00:04 e terminou às 00:07:35), dúvidas não existem de que:
a. A testemunha foi empregada do Réu cerca de 11 anos: dos 16 aos 27 anos;
b. A testemunha trata-se de um “amigo de casa”: tem bom conhecimento da vida de negócios do seu amigo, ora Réu, pelo acompanhamento pessoal que tem com ele;
c. A testemunha conhece e conhecia os negócios do Réu e sua empresa, referentes ao carregamento e envio para Cabo Verde de frescos, como frutas que tinha, à data, plantadas em alguns pomares, em … (pomares que se encontram ao abandono atualmente), pomares, esses, que conhecia;
d. A testemunha conhece que o Réu foi sócio da empresa Autora até 2016, há cerca, portanto, de 7/8 anos e afirmou o ano de 2016 com certeza, porque foi nesse ano que o Réu realizou com a testemunha também um negócio;
e. Em 2016 a testemunha afirmou, com toda a segurança e coerência, que o Réu ficou com mais disponibilidade em Samora Correia (Portugal), pelo facto de se ter desvinculado, nessa altura, da empresa de exportação de frescos para Cabo Verde, passando a residir em permanência em Samora Correia, porque até então o Réu “passava muito tempo na ilha do Sal, em Cabo Verde”;
f. A testemunha, interrogada novamente em instâncias da mandatária dos Autores, reafirmou, novamente, com toda a segurança, que sabe que o Réu, a partir de 2016 deixou de ir para Cabo Verde e de laborar na empresa que até então laborava porque “fui eu que vi com os meus olhos”;
g. Foi também em virtude do facto de ter uma relação próxima com o Réu que lhe é possível afirmar com segurança que foi realmente em 2016 que o Réu se desvinculara da empresa de exportação de frescos para Cabo Verde e que só em 2018 terá realizado a respetiva escritura, data em que se encontram pagos todos os cheques pré-datados, sendo esta uma atitude consentânea com a personalidade cautelosa do Réu que a testemunha bem conhece;
h. Após o ano de 2016, a testemunha afirmou que, em virtude do seu conhecimento próximo com a matéria factual sub judice, teve conhecimento que quem ficou a gerir a empresa Autora foi o comprador da quota societária, o 2º Autor;
H) A testemunha relatou ao Tribunal todos estes factos, com prontidão, clareza, espontaneidade e sem qualquer contradição ou obscuridade que motivasse o seu descrédito;
I) O Tribunal a quo desconsiderou a prova testemunhal e as declarações de parte do Réu produzidas e supratranscritas, e considerado como “provados” os pontos de facto consignados na Sentença recorrida, sob os números 7), 8) e 18), e como “não provados” os pontos g), h) e i), supratranscritos, pelo que deverá a Sentença, nestas partes recorridas, ser revogada e substituída por outra que determine a alteração dos referidos pontos de facto, julgando-os corretamente como “não provados” e como “provados”, respetivamente;
J) Desde o início do ano de 2016, quem geria de facto a empresa 1ª Autora era o 2º Autor e não o Réu, não podendo ser assacada ao Réu qualquer responsabilidade pela gestão da sociedade no período identificado na Petição Inicial , sendo certo que foi o 2º Autor quem passou efetivamente a exercer a gerência de facto da 1ª Autora no início do ano de 2016, data em que foi feito o negócio verbal da venda da quota da sociedade, e indício claro desse facto são precisamente os factos julgados como provados, a partir dos quais se conclui que os Autores não comunicaram ao Réu a Inspeção Tributária realizada à empresa Autora referente ao ano de 2016;
K) A prova produzida nos autos não foi analisada na sua globalidade, nem de forma crítica, como o legislador prevê no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, pelo que também se requer a V. Exas. a reapreciação destes factos;
L) Na Sentença recorrida não se procedeu a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, sofrendo, a Sentença recorrida, de nulidade por violação do disposto nas alíneas c) e d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, nulidade que aqui se invoca;
M) Detecta-se, na Sentença recorrida, a existência erro no julgamento quanto à matéria de facto em causa, tendo ocorrido, salvo devido respeito, uma visível falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, sendo o texto da decisão em crise revelador de incoerência e desrespeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida, pelo que deverá ser revogada, também nesta parte, a Sentença recorrida;
N) (…) Dos factos que foram dados como “provados” (constantes nos pontos números 7), 8) e 18), da Sentença recorrida, deverão ser considerados como não provados e os factos dados como não “provados” (constantes nos pontos g), h) e i) da Sentença recorrida), deverão ser dados como totalmente provados, impondo-se uma decisão diversa da recorrida, o que se requer;
O) III – Do Recurso sobre matéria de direito: o Réu não pode ser responsabilizado por alegadas dívidas tributárias, relativamente às quais não lhe foi conferida uma qualquer oportunidade para apresentar ou colaborar com a competente defesa junto da entidade tributária, nos termos já supra impugnados;
P) Resulta das declarações do Réu que, aquando da realização do contrato verbal de cessão de quota, foram emitidos e juntos documentos fiscais comprovativos de que a empresa 1ª Autora tinha a sua situação contributiva regularizada e que não havia quaisquer dívidas, sendo certo que, caso existisse dívidas fiscais pela por parte da empresa 1ª Autora, teria sido recusada a outorga do contrato, o que não sucedeu;
Q) Resulta provado que os Autores/Recorridos se limitaram a peticionar os alegados valores ao Réu / Recorrente, nunca lhe tendo sido comunicado: a) a alegada inspeção tributária efetuada; b) e o projeto de relatório de procedimento de inspeção, de forma que o Réu pudesse apresentar / colaborar na elaboração e apresentação de uma efetiva defesa, demonstrando que não havia fundamento para tal;
R) Ficou bem patente, através do documento junto pelos Autores (doc. 4 junto à P.I.), que a empresa Autora, tendo já como sócio e gestor o 2º Autor, o que fez foi pura e simplesmente “assumir” eventuais erros desconhecidos (ponto 3 do direito de audição), alegar “divergências internas” na empresa Autora no ano de 2016 (ponto 6 do direito de audição), alegar a falsa dificuldade e falsa impossibilidade em “recuperar a documentação extraviada pelos antigos representantes” (pontos 11 e 15 do direito de audição), quando resultou provado, através de prova de declaração do Réu e depoimentos testemunhais supratranscritos, que os Autores nunca se poderiam queixar ou reclamar (como fizeram, junto das Finanças de Cabo Verde) de o Réu ter extraviado ou ocultado ou bloqueado o acesso a documentação contabilística da empresa;
S) Ficou claro que quem tratava da contabilidade da empresa Autora era o mesmo contabilista que ainda hoje presta os serviços de contabilidade para essa empresa, sendo certo que os documentos eram todos entregues na contabilidade e os respetivos dossiers sempre se encontravam no escritório da empresa de contabilidade, pelo que, consequentemente, todos os documentos contabilísticos se encontravam à livre disposição dos Autores;
T) É falsa a alegação do extravio ou destruição de documentos da contabilidade da empresa Autora, visto que os mesmos existiam aquando da entrega da empresa ao Autor (2016), e se alguma coisa sucedeu com a sua documentação contabilística, não pode ser imputado ao Réu, visto que o mesmo nessa data nada tinha a ver com a gestão da sociedade e o direito de audição efetuado pela empresa Autora às Finanças de Cabo Verde é praticamente uma confissão, e lamentavelmente com conteúdo falso;
U) Ao Réu sem nunca foi dada a possibilidade de demonstrar e provar que não havia fundamento para que o Serviço de Inspeção procedesse a uma qualquer correção tributária, pois da prova documental junta pela própria empresa Autora, que esta, ao ser notificada pelas Finanças de Cabo Verde, tinha legalmente o prazo de 15 a 30 dias para responder à notificação das Finanças (artigo 57.º do RIT), sucedendo, porém, que a mesma se bastou enviar uma carta de interpelação ao Réu no 11.º dia do prazo, dando-lhe apenas o prazo de 5 dias para pagar (em vez de procurar colaboração na elaboração de uma efetiva defesa ou solicitar uma qualquer documentação alegadamente extraviada ou de difícil disponibilização);
V) A carta de interpelação enviada ao Réu pelos Autores consistiu na pura e simples concessão de um estreitíssimo prazo de 5 dias para pagar, não tendo sido utilizada para os efeitos já suprarreferidos, em contradição com o conteúdo do direito de audição efetuado pela empresa Autora às Finanças de Cabo Verde;
W) Os Autores nunca comunicaram ao Réu as notificações realizadas pelo Serviço de Finanças de Cabo Verde no sentido de elaborar uma efetiva defesa da empresa Autora, porque, na realidade, o Réu não era seu gerente já no ano de 2016, logo, a existir alguma irregularidade nas Finanças tal deve-se à responsabilidade do 2.º Autor;
X) Quanto à notificação, de 2019, da empresa Autora pela Repartição de Finanças do Sal (ano económico de 2014), a mesma tinha o prazo de 60 dias para reclamar (artigos 119.º a 126.º do CGT cabo-verdiano) ou o prazo de 90 dias para impugnar (artigo 31.º e seguintes do CPT cabo-verdiano), o que não foi realizado pela empresa Autora, de forma negligente, nem foi dada hipótese ao Réu de o fazer;
Y) Relativamente à notificação, de fevereiro de 2021, da empresa Autora pela Repartição de Finanças do Sal (ano económico de 2014), esta nem foi sequer comunicada ao Réu;
Z) Quanto à notificação, de dezembro de 2021, da empresa Autora, do Relatório de Procedimento de Inspeção Tributária, por parte do SITA, a mesma tinha o prazo de 15 dias para exercer o direito de audição (artigo 57.º RIT cabo-verdiano), o que não foi realizado pela empresa Autora, de forma negligente, nem foi dada hipótese ao Réu de o fazer, sucedendo, porém, que, só passado cerca de um ano e meio, é que foi enviada comunicação ao Réu para pura e simplesmente pagar, muito fora do prazo para reclamar ou impugnar;
AA) O direito de o Réu participar num efetivo direito de audiência no âmbito dos procedimentos administrativos em causa foi-lhe cerceado, em violação dos mais elementares direitos consagrados no CPA e na CRP, violação que não foi objeto de decisão de mérito pelo Tribunal a quo, tendo, este princípio de mover-se na órbita do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), e no respeito pelo princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, in fine, consagrado a propósito do processo penal, embora extensivo, por paridade de razões, a todas as formas de processo);
BB) O Réu não pode ser responsabilizado por alegadas dívidas referentes à prestação de serviços de contabilidade, relativamente às quais também não lhe foi conferida uma qualquer oportunidade para apresentar a competente defesa, pois relativamente à Fatura n.º 2017/194, de 05.05.2017, no valor de 17.250,00 CVE, esta foi paga duas vezes, constando de dois documentos de recebimento (Documento de Recebimento de 23.11.2018, referente a de janeiro a abril 2017, no valor de 100.000.00 CVE e o Documento de Recebimento de 22.01.2020, no valor de 106.000.00 CVE, cujo alegado crédito de 2017, inclusive, já se encontrava prescrito no ano de 2020, data do segundo pagamento repetido, nos termos da alínea c) do artigo 317.º do Código Civil de Cabo Verde);
CC) O tribunal português sempre seria incompetente para 1) aferir da validade e eficácia do Contrato de Cessão de Quotas de empresa cabo-verdiana; 2) interpretar as cláusulas contratuais e cláusulas penais referentes a quotas societárias de empresa cabo-verdiana; 3) proferir decisão de mérito sobre os pedidos (responsabilidade pelo pagamento das dívidas de empresa cabo-verdiana), nos termos dispostos no artigo 67.º, alínea c), do CPC cabo-verdiano, sendo certo que a sentença recorrida e seu respetivo dispositivo se pronunciam apenas relativamente à empresa Autora, a qual tem a sua sede em Cabo Verde;
DD) Não é aplicável o artigo 62.º do CPC português, não sendo o tribunal português internacionalmente competente, lendo tal normativo a contrario, razão pela qual deve ser o tribunal português declarado incompetente, face à sua incompetência absoluta, nos termos do disposto no artigo 96.º, alínea a), do CPC (infração das regras de competência internacional), o que se requer;
EE) Não se poderá escamotear o teor abusivo e extravasado dos limites da lei das cláusulas contratuais de responsabilização e de desoneração em causa, em violação dos artigos 405.º e 227.º do CC, e ainda em violação das normas já supra invocadas que sempre determinariam a justa concessão ao Réu de uma efetiva hipótese de apresentar defesa relativamente às alegadas dívidas civis e dívidas tributárias (atente-se nas expressões “sob qualquer forma e por qualquer motivo” da cláusula 4ª, n.º 3, do contrato em causa);
FF) As normas e princípios supra invocados foram violados pela Sentença recorrida, não tendo os mesmos sido aplicadas, razão pela qual se impõe uma decisão diversa da recorrida, devendo a Sentença recorrida ser revogada;
GG) A Sentença não indica factos concretos suscetíveis de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão do Réu / Recorrente, não tendo a Mma. Juiz a quo fundamentado de facto e de direito a sua decisão e a Lei proíbe tal comportamento, violando o disposto nas alíneas b), c) e d), do artigo 615.º do CPC, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nula, tanto mais que o direito do Recorrente é um direito legal e constitucional;
HH) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 205.º da CRP, uma vez que segundo esta disposição constitucional, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”, sendo certo que a decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada, violando também o disposto no artigo 204.º da CRP, uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”;
II) A decisão recorrida viola os princípios consignados na CRP, nos seus artigos 13.º e 20.º, pois o Recorrente não foi tratado de forma justa e igualitária perante a lei nos termos supra expostos, violando ainda o disposto no artigo 202.º da CRP, nomeadamente o n.º 2, uma vez que: “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, sendo que neste caso essa circunstância não se verifica;
JJ) O Tribunal a quo, com a Sentença recorrida, não assegurou a defesa dos direitos do Réu / Recorrente, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto, limitando-se a emitir uma Sentença, na qual, apenas de uma forma simplificada e omissiva, foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta: a) Toda a prova testemunhal produzida em Julgamento; b) toda a prova produzida em sede de declarações do Réu; c) Todos os elementos constantes no processo, deixando a Mma. Juiz a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa;
KK) A Sentença recorrida não está fundamentada, tanto de facto como de direito, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 154.º do C.P.C.: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e nos termos do n.º 2 da mesma norma legal/processual: “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”, uma vez que a Mma. Juiz a quo não fundamentou de facto e de direito a sua decisão, cometendo uma nulidade;
LL) Impõe-se a revogação da Sentença proferida na parte recorrida, e a alteração da mesma nos exatos termos supra expostos, e em virtude de todos os fundamentos apresentados, o que se requer, com todas as consequências daí resultantes;
MM) A Sentença sob recurso, na parte recorrida, violou:
a. O disposto nos artigos 405.º e 227.º, ambos do Código Civil português;
b. O disposto nos artigos 62.º, 96.º, alínea a), 607.º, n.º 4 e 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), todos do CPC português;
c. O disposto nos artigos 57.º do RIT cabo-verdiano;
d. O disposto nos artigos 119.º a 126.º do CGT cabo-verdiano;
e. O disposto nos artigos 31.º e seguintes do CPT cabo-verdiano;
f. O disposto na alínea c) do artigo 317.º do CC cabo-verdiano;
g. O disposto no artigo 67.º, alínea c), do CPC cabo-verdiano;
h. O disposto nos artigos 13.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 5, in fine, 202.º, 204.º e 205.º da CRP.
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Os AA apresentaram contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida, apresentando 86 alegações e 77 conclusões que aqui se dão por reproduzidas, nas quais dizem em síntese que:
A) O Recorrente não individualiza, em relação a cada ponto de facto impugnado, os meios de prova que sustentam a sua pretensa alteração,
B) Nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C., a delimitação do âmbito probatório de qualquer recurso deve efetuar-se de forma individualizada em relação a cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, ou seja, incumbe ao Recorrente indicar, circunstanciadamente, os concretos meios de prova que considere relevantes em relação a cada um dos factos impugnados.
C) O Recorrente, incasu, não cumpriu o ónus de delimitar os meios de prova aplicáveis a cada facto. Faz a impugnação “em bloco”,
D) O Recorrente não individualiza, quer nas alegações, quer nas conclusões, os meios probatórios suscetíveis de alterar os factos dados como provados dos factos dados como não provados!
E) Ou seja, o Recorrente estriba todas as alegações e conclusões numa extensa transcrição das declarações que prestou e dos depoimentos que evoca, sem, pelo menos, esclarecer e especificar sobre que factos é que concretos elementos de prova ou concretas passagens das gravações impunham decisão diversa.
F) Todos os seis factos impugnados são totalmente distintos e autónomos uns dos outros.
G) Razões pelas quais deve o recurso apresentado pelo Recorrente ser rejeitado, abstendo-se V. Exas. de reapreciar a matéria de facto estabelecida pelo Tribunal a quo.
H) Ainda que se entenda que a matéria de facto impugnada pelo Recorrente deve, efetivamente, ser reapreciada, o que não se aceita e só por mera hipótese académica se admite, cumpre aos Recorridos expor o seguinte:
I) No que concerne aos factos provados sob as alíneas 7) e 8), os Recorridos têm dificuldade em compreender com base em quê é que o Recorrente os impugna e com base em quê é que entende que a decisão proferida deveria ser alterada.
J) Tais factos foram dados como provados porquanto decorrem da existência de um verdadeiro contrato de promessa reduzido a escrito e assinado pelo Recorrente.
K) E, conforme o Tribunal a quo referiu, e muito bem, o Recorrente, em relação ao sobredito contrato de promessa, “não impugnou quanto à sua genuinidade, pelo contrário, reconhecendo a sua existência, apesar de arguir a nulidade de tal contrato por desconformidade com a realidade dos seus termos escritos (concretamente o preço da cessão de quota)”.
L) Ademais, da prova carreada para as alegações nada se extrai que comprometa a tão acertada decisão da Mm.ª Juiz a quo no que a estes factos provados se refere.
M) Sobre o facto dado como provado sob a alínea 18), o Recorrente não apresentou prova que contrarie o sentido do Tribunal a quo ao considerá-lo como provado.
N) Aliás, a fundamentação da sentença é muito objetiva a este respeito, ao reportar que “o Tribunal valeu-se das facturas e recibos de pagamento juntos à petição inicial como documentos 52 a 58, conjugados com as declarações do sócio e gerente daquela sociedade, a testemunha (…), que de forma serena, espontânea e convincente corroborou de forma assaz suficiente a existência dessa dívida da 1ª autora e o seu pagamento já no período da gerência do 2º autor”.
O) Pelo que, na ausência de alegação de qualquer meio probatório que imponha entendimento diverso, não pode o Tribunal ad quem distanciar-se de manter como provado o facto em apreço, o que se requer.
P) No que tange à impugnação dos factos dados como não provados sob as alíneas g) e h), o Recorrente apoia-se na transcrição integral das suas declarações e em alguns trechos dos depoimentos prestados por testemunhas que arrolou.
Q) Ora, o Recorrido (…), apesar da sua posição nos presentes autos, prestou declarações com toda a sobriedade, clareza e indubitável objetividade, conforme passagens da gravação que se indicaram expressamente no artigo 29º das Contra-Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
R) Como é bom de ver, as declarações prestadas pelo Recorrido (…), para além sensatas e objetivas, assumem vasta coerência com toda a restante prova documental junto aos autos, bem como com toda a produzida em julgamento.
S) É relevante, também, atentar ao depoimento prestado pelas testemunhas (…), que, desde 2010 até à presente data, sempre foi contabilista da sociedade (…), ora 1ª Autora, cujas passagens da gravação que se indicaram expressamente no artigo 31º das Contra-Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado, (…), que trabalhava, e ainda trabalha, para a (…), 1ª Autora, cujas passagens da gravação que se indicaram expressamente no artigo 32º das Contra-Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado, (…), sócio e gerente da sociedade (…), 1ª Autora, referiu, cujas passagens da gravação que constituem o teor do artigo 33º das Contra-Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado, (…), e que também foi gerente da 1ª Autora, afirmou, cujas passagens da gravação se indicaram expressamente no artigo 34º das Alegações e cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado.
T) Em síntese, o Recorrido (…) não exerceu quaisquer funções de gerência, nem de direito, nem de facto, na Recorrida (…) no ano de 2016, tendo, de igual modo, inexistido qualquer negócio de cessão de quota verbal em 2016, conforme declarações do Recorrido, bem como os transparentes e credíveis depoimentos das sobreditas testemunhas.
U) A contabilista da Recorrida (…), o gerente da sociedade que prestava serviços de contabilidade a essa empresa e os funcionários da mesma não conheciam em absoluto o Recorrido (…) até à celebração do efetivo contrato de cessão de quota, in casu, até, no mínimo, março de 2018, nunca o tendo visto ou sequer falado com ele em momento anterior a esta data.
V) Só em março de 2017 é que a, então, gerente, (…), procedeu ao despedimento de todos os trabalhadores que se encontravam vinculados á sociedade.
W) A prova documental carreada para os autos também é consentânea no sentido de que a gerência, mesmo a de facto, foi unicamente exercida por quem efetivamente figura na certidão comercial como tal no ano de 2016, ou seja, pelo Réu/Recorrente e pela testemunha (…).
X) Motivos pelos quais da sentença consta que “o Tribunal julgou não provado que o contrato de cessão de quotas dos autos foi celebrado verbalmente entre o 2º autor e o réu em 2016, apesar de só ter sido formalizado mais tarde, e também que quem geriu de facto a 1ª autora a partir de início do ano de 2016 foi o 2º autor, conforme factos das alíneas g) e h), justamente por não ter sido produzida prova suficiente a esse respeito, antes pelo contrário, tendo sido produzida prova assaz forte em sentido contrário”.
Y) Até o próprio Recorrente, aquando das suas declarações, não conseguiu precisar o ano até quando teve a Recorrida (…), respondendo “se não me falha…2016, dentro desses anos, mais ou menos”!!!
Z) As testemunhas por si arroladas, (…), (…) e (…), afirmaram incisivamente em sede julgamento que o Recorrente deixou de gerir a (…) em 2016!!!
AA) As testemunhas foram forçosamente ensaiadas e instruídas.
BB) Neste segmento, bem andou o Tribunal a quo ao fundamentar que “o conhecimento que (as testemunhas) revelaram é meramente perfunctório, avulso e disperso, adquirido em contexto de reuniões de amigos tanto quanto percebemos”, ao acrescentar “estamos perante testemunhas que não participaram em qualquer negociação e que, directamente, só conseguem atestar, digamos, um abrandamento do desempenho do réu na actividade da 1ª autora em Cabo Verde” e ao concluir que “o próprio réu, quando questionado sobre até quando foi dono da empresa 1ª autora, deu uma resposta titubeante, expressando laconicamente até 2016 mais ou menos, e sendo assim, não se podem tomar com certas e garantidas as declarações das referidas testemunhas seus amigos e empregado de logística, no sentido de que este vendeu a empresa em 2016, quando nem o próprio conseguiu responder tão perentoriamente”.
CC) Como facilmente se conclui, o Recorrente esforça-se por tentar demonstrar que, no ano de 2016, era o Recorrido (…) que exercia as funções de gerência, porquanto a dívida mais avultada aqui reclamada nos presentes anos diz precisamente respeito ao exercício económico de 2016, pretendendo, com isso, eximir-se ilegitimamente à responsabilidade que assumiu com o Recorrido (…), quer em sede de contrato de promessa, quer em sede de contrato definitivo de cessão de quota.
DD) Na senda da sua estratégia, o Recorrente elenca uma vasta doutrina e jurisprudência que defende que as declarações de parte, apesar da alegada parcialidade desta, devem ser convenientemente valoradas na formação da convicção do julgador.
EE) Relativamente ao facto dado como não provado sob a alínea i), as alegações do recurso são totalmente omissas quanto a esta matéria, desconhecendo-se, por isso, que prova é que o Recorrente entende existir que permita considerar tal facto como provado.
FF) O Recorrente anuiu no pagamento das dívidas.
GG) O Recorrente parece esquecer-se que a dívida era da sociedade, ora Recorrida (…), pelo que não se compreende como é que ele, pessoa totalmente alheia, na altura, à sociedade e, portanto, parte ilegítima nos processos tributários, pretendia fazer o que quer que seja para tentar reverter a situação.
HH) Atendendo ao consagrado no artigo 59.º, nas alíneas a) e b) do artigo 62.º e no artigo 71.º, n.º 1, do nosso CPC, os tribunais portugueses são competentes.
II) A sentença encontra-se fundamentada,
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Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, atento o disposto artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:
1) Da incompetência absoluta do Tribunal;
2) Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos e a decisão;
3) Da admissão do recurso da matéria de facto;
4) Da impugnação da decisão de facto;
5) Da responsabilidade do Réu/recorrente pelas dívidas da 1ª Autora.
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2. Fundamentação:
2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. À data de 05-02-2018, o réu era o único sócio da sociedade 1ª autora, com sede na Cidade dos Espargos, Ilha do Sal, em Cabo Verde, sendo titular de uma quota no valor nominal de cinco milhões de escudos cabo-verdianos, e a essa data estando registados na matrícula dessa sociedade como seus gerentes o réu e as suas duas filhas (…) e de (…), obrigando-se a sociedade com a assinatura de um único gerente.
2. Por escrito particular, intitulado “Contrato de Cessão de Quota, Renúncia e Nomeação da Gerência e Alteração do Contrato de Sociedade”, outorgado no dia 05-02-2018, o réu, aí figurando como primeiro outorgante, cedeu ao 2º autor, que aí figura como segundo outorgante, e este adquiriu àquele, a quota que detinha na sociedade 1ª autora, pelo preço de 30.000 Euros.
3. No mesmo escrito, o réu declarou renunciar à gerência e o 2º autor declarou nomear como gerentes, ele próprio e também (…) e (…), passando desde então o 2º autor a ser o único e actual sócio da 1ª autora.
4. Na cláusula quarta do escrito referido em 2), as partes consignaram o seguinte: «1 - O 1º Outorgante declara que a situação contributiva e tributária da sociedade perante a Segurança Social e as Finanças, respectivamente, se encontra regularizada, assumindo pelo presente contrato toda e qualquer responsabilidade pelo pagamento de qualquer dívida que seja devida até à presente data, ainda que vencida posteriormente, bem como pelo pagamento de quaisquer taxas, multas, coimas, encargos sociais e outros idênticos ou similares contraídas igualmente até à data deste contrato. 2 – Acordam, ainda, expressamente os Outorgantes que todo o passivo existente à data da (…) – Importação, Comércio e Indústria, Lda. será integralmente assumido pelo 1º Outorgante, obrigando-se este a liquidar e pagar todas as quantias integrantes do mesmo, desonerando, consequentemente, a sociedade e/ou o 2º Outorgante do pagamento de qualquer montante. 3 - Na sequência do acordado nos n.os antecedentes, se, porventura, a sociedade proceder, sob qualquer forma e por qualquer motivo, ao pagamento de qualquer quantia, o 1º Outorgante obriga-se a restituir de imediato à sociedade os valores em causa, acrescidos de uma penalização correspondente a 25% do valor, após apresentação pela mesma e/ou 2º Outorgante dos documentos comprovativos do pagamento.».
5. Mostra-se registada, sob Av.18 – 3, de 08-03-2018, a renúncia à gerência da sociedade 1ª autora, por parte do réu e das suas duas filhas (…) e (…).
6. Mostra-se registada, sob a Av. 19 – 3, de 08-03-2018, a nomeação, como gerentes da 1ª autora, do 2º autor e também de (…) e de (…), passando desde aí a sociedade a vincular-se com a intervenção do sócio único ou dos dois outros gerentes nomeados.
7. Em momento anterior ao acordo referido em 2), concretamente em 26-05-2017, o 2º autor e o réu outorgaram escrito intitulado “Contrato-Promessa de Cessão de Quota”, através do qual o réu prometeu vender e o 2º autor prometeu adquirir a quota societária referida em 1) e 2).
8. Nesse contrato-promessa, ficou consignado, na respectiva cláusula nona, que «acordam expressamente os Outorgantes que o Promitente Cedente assumirá pessoal, integral e solidariamente a responsabilidade por todas e quaisquer dívidas da sociedade de cuja quota se promete ceder, contraídas quer em Portugal, quer em Cabo Verde, quer em qualquer outro País, desonerando desse encargo o Promitente Cessionário, contraídas e/ou vencidas até à data da celebração do prometido Contrato ou Escritura, independentemente de ela ocorrer a curto, médio ou longo prazo».
9. Sucede que, em 14-11-2019, a 1ª autora foi notificada pela Repartição de Finanças do Sal para que procedesse ao pagamento da quantia de 310.135 ECV, relativa ao imposto devido no ano económico de 2014, por ofício da mesma data, com o seguinte teor na parte relevante:
10. Por carta expedida em 26-11-2019, que o réu recebeu em 05-12-2019, os autores, através de Mandatário, deram conhecimento ao réu da obrigação de a sociedade ter de pagar o imposto referido em 9), juntando cópia da decisão da Repartição das Finanças do Sal, e solicitando o pagamento desse imposto, no prazo de 5 dias, sendo que o réu nada pagou a esse título.
11. Face à ausência do pagamento por parte do réu, a 1ª autora procedeu ao pagamento da dívida fiscal mencionada em 9) em prestações, a última das quais em 14-08-2020, tudo no montante global de 310.921 ECV.
12. Acresce que, no dia 05-11-2021, a 1ª autora foi notificada pelo Serviço de Inspecção Tributária e Aduaneira de Cabo Verde do Projecto de Relatório de Procedimento de Inspecção, propondo a correcção da situação tributária da 1ª autora referente ao exercício económico de 2016 mediante a alteração da matéria colectável para o valor de 5.697.684 ECV, com isso gerando uma liquidação de IURPC (imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas) no montante de 1.424.421 ECV, e mediante a liquidação adicional de IVA no montante de 769.743 ECV, com os seguintes fundamentos em síntese:
13. No âmbito do exercício do seu direito de audição, em resposta ao ofício referido em 12), a 1ª autora apresentou defesa por escrito, elaborada por advogado que mandatou, requerendo a não aplicação de qualquer correcção.
14. Porém, tal tentativa revelou-se infrutífera, tendo a 1ª autora sido notificada, em Fevereiro de 2021, da decisão do Serviço de Inspecção Tributária e Aduaneira de Cabo Verde, que homologou as conclusões do projecto referido em 12), no sentido da obrigação da 1ª autora pagar a quantia de 769.743 ECV, a título de liquidação adicional de IVA, acrescida de juros compensatórios no montante de 461.846 ECV, assim como a quantia de 1.424.421 ECV, a título de IURPC, acrescido de juros compensatórios no montante de 854.653 ECV, tudo no valor global correspondente a 31.838,42 Euros.
15. Nessa sequência, a 1ª autora requereu à Repartição de Finanças do Sal o pagamento das quantias referidas em 14) em prestações, assim como a dispensa do pagamento de juros compensatórios.
16. Por decisão comunicada à 1ª autora em Abril de 2022, a Repartição de Finanças do Sal indeferiu a dispensa de pagamento dos juros compensatórios e deferiu o pagamento das quantias referidas em 14) em 48 prestações mensais e consecutivas, com vencimento no dia 11 de cada mês, a primeira das quais com vencimento em 11-04-2022 e a última com vencimento em 11-03-2026, de acordo com plano de pagamento que apresentou à 1ª autora.
17. A autora tem cumprido com o plano de pagamento das prestações referidas em 16), sendo que, em 21-03-2024, já tinha pago 24 prestações, perfazendo um total de 1.183.929 CVE, a título de IURPC e um total de 230.928 CVE, a título de adicional de IVA.
18. Acresce ainda, que, com referência ao dia 05-02-2018, a 1ª autora devia à sociedade “(…) – Contabilidade e Serviços Empresariais, Lda.”, empresa que presta serviços de contabilidade à 1ª autora, a quantia de 123.333,33 ECV, referente aos serviços prestados no ano de 2017 e em Janeiro de 2018.
19. A 1ª autora procedeu ao pagamento da dívida referida em 18), respeitante ao ano de 2017, 23-11-2018, e a respeitante a 2018, em 22-01-2020.
20. Os autores interpelaram o réu para pagar as quantias monetárias referidas em 14) e em 18), através de Mandatário, por carta expedida em 26-04-2023, recebida pelo réu em 28-04-2023, porém o réu nada pagou aos autores a esse título.
21. Os autores não impugnaram judicialmente as decisões dos serviços de finanças cabo-verdianos referidas em 9) e 14), nem interpelaram o réu para que este o fizesse.
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2.2. Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a) As responsabilidades assumidas pelo réu nos termos da cláusula quarta transcrita em 4) foi essencial para a formação da vontade do 2º autor de celebrar o acordo referido em 2).
b) O réu estava ciente, à data da outorga do escrito referido em 2), que as declarações fiscais que apresentara não continham informação correcta e exacta.
c) Ademais, o réu estava ciente de que a grande maioria da documentação contabilística da sociedade 1ª autora se tinha extraviado ou destruído, e que tal circunstância poderia vir a causar prejuízos elevados à 1ª autora.
d) Não obstante, o réu ocultou ao 2º autor todas as informações nesse sentido e, pelo contrário, assegurou-lhe que a 1ª autora se encontrava em boa situação financeira e económica, bem sabendo que tal não correspondia à verdade.
e) Os autores solicitaram a colaboração do réu para a preparação da defesa da 1ª autora, apresentada no âmbito do procedimento de inspecção tributária referido nas alíneas 12) a 14), mas este nada fez.
f) Em virtude dessa falta de colaboração do réu, os autores ficaram impedidos de apresentar defesa adequada a impedir a correcção da matéria colectável decidida nos termos referidos na alínea 14).
g) O negócio da cessão de quota aludido em 2) foi celebrado verbalmente, pelo 2º autor e pelo réu em 2016, porém só o formalizaram por escrito em 2018, por meio de outorga de escritura pública, no Notário de Espargos, sito na Capital da Ilha do Sal.
h) Desde o início do ano de 2016 que quem geria de facto a 1ª autora era o 2º autor.
i) Aquando da assinatura da escritura pública de cessão de quota, foi emitida pelos serviços de finanças de Cabo Verde certidão de inexistência de dívidas fiscais pela 1ª autora, sem o que o Notário que outorgou essa escritura não a teria celebrado.
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2.3. Apreciação das questões a decidir:
2.3.1. Da incompetência absoluta do Tribunal
Pede o recorrente que seja o tribunal português declarado incompetente para a presente ação nos termos do disposto no artigo 62.º do CPC.
Invoca, para tanto, que, ao abrigo do artigo 67.º do Código de Processo Civil cabo-verdiano, “as ações referentes à apreciação da validade do ato constitutivo ou o decretamento da dissolução de pessoas coletivas ou sociedades que tenham a sua sede em território cabo-verdiano, bem como as destinadas a apreciar a validade das deliberações dos respetivos órgãos”.
Os recorridos pugnam pela improcedência da exceção alegando que os tribunais portugueses são perfeitamente competentes para a ação em análise, quer porque, segundo as regras de competência territorial, a ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações deve ser proposta no tribunal do domicílio do réu, in casu, no de Benavente, quer porque a celebração do contrato de cessão de quota, renúncia e nomeação da gerência e alteração do contrato de sociedade em análise, foi assinado em território português. Além disso, o Recorrente reside em Portugal, o Recorrido (…) reside em Portugal e, como já se expôs, o contrato celebrado entre ambos foi outorgado em Portugal.
Cumpre apreciar e decidir:
A infração das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal, nos termos do disposto no artigo 96.º, alínea a), do CPC e pode ser arguida pelas partes e conhecida pelo Tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferido sobre o fundo da causa, pelo que importa apreciar a questão agora suscitada pelo Recorrente.
O artigo 62.º do CPC enuncia os fatores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses, estabelecendo como primeiro fator “Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa”.
Dispõe o artigo 71.º do CPC que “A ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa coletiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana”.
Com a presente ação os AA pretendem precisamente que o Réu cumpra as obrigações a que se comprometeu no âmbito de um contrato de cessão de quotas que ambos celebraram. Assim, estando, na presente ação, em causa, exigir o cumprimento de uma obrigação é competente o Tribunal do domicílio do Réu.
Ora, o Réu reside em Samora Correia. Por conseguinte, bem andaram os AA. ao intentarem a presente ação no Juízo local Cível de Benavente que integra o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém.
Não tem aqui cabimento o citado artigo 67.º, alínea c), do CPC de Cabo verde, de acordo com o qual os tribunais cabo-verdianos têm competência exclusiva para “as ações referentes à apreciação da validade do ato constitutivo ou o decretamento da dissolução de pessoas coletivas ou sociedades que tenham a sua sede em território cabo-verdiano, bem como as destinadas a apreciar a validade das deliberações dos respetivos órgãos”, pois que a presente ação não se subsume neste artigo, já que está em causa responsabilidade obrigacional do réu para com os Autores.
Inexiste, assim, como defendido pelo recorrente, qualquer violação do disposto nos artigos 62.º e 96.º, alínea a), do CPC português ou do artigo 67.º, alínea c), do CPC de Cabo Verde.
Pelo exposto, importa julgar improcede a exceção de incompetência absoluta dos tribunais portugueses para apreciarem a presente ação.
Os Tribunais portugueses são assim competente em razão da nacionalidade para apreciar e decidir as questões suscitadas no presente processo.
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2.3.2. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
Invoca o recorrente que “a Mma. Juiz do Tribunal a quo não fundamentou de facto e de direito a sua decisão e a Lei proíbe tal comportamento, violando, ainda, o disposto nas alíneas b), c) e d), do artigo 615.º do CPC, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nula, tanto mais que o direito do Recorrente é um direito legal e constitucional.
Acresce que a decisão recorrida viola o disposto no artigo 205.º da CRP, uma vez que segundo esta disposição constitucional, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”, sendo certo que a decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada. E a decisão recorrida viola o disposto no artigo 204.º da CRP, uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”.
A decisão recorrida viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13.º e 20.º, pois o Recorrente não foi tratado de forma justa e igualitária perante a lei nos termos supra expostos, (…)
Violando a decisão recorrida o disposto no artigo 202.º da CRP, nomeadamente o n.º 2, uma vez que: “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, sendo que neste caso essa circunstância não se verifica.”
É jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil. Neste sentido os Acórdãos do STJ de 09/12/2021, Proc. 7129/18.7T8BRG.G1.S1 e de 01-06-2023, Proc. 18905/19.3T8LSB.L1.S1.
No caso concreto, resulta da análise da sentença recorrida que o Tribunal de 1ª instância especificou, na sentença, os fundamentos de facto e de direito, que explicam a decisão, elencando os factos julgados provados e não provados, apreciando as questões suscitadas pelas partes de modo exaustivo e preciso, não existindo por isso qualquer omissão de pronúncia.
Por outro lado, é percetível e lógica da decisão alcançada tendo em consideração os fundamentos referidos, sendo os mesmos coerentes com a decisão, sem que exista ambiguidade ou obscuridade.
Concorda-se, assim, inteiramente com a pronúncia sobre a nulidade arguida, proferida pelo Exmo. Sr. Juiz que, admitiu o recurso e ordenou a sua subida:
“Da leitura da sentença constata-se que a fundamentação da decisão da matéria de facto dada por provada e não provada se estende ao longo de seis páginas, nas quais se analisam os depoimentos testemunhais, eventuais discrepâncias verificadas entre eles, e se fundamenta a opção pelas versões apresentadas por certas testemunhas e se afasta a versão apresentadas por outras, num processo de exposição claro, lógico e percetível.
Quanto à matéria de Direito, encontra-se a mesma explanada ao longo de cinco páginas, com indicação das normas jurídicas aplicáveis e sua interpretação, não se vislumbrando qualquer omissão ou obscuridade que justifique reparo.
Assim, independentemente da discordância do réu sobre o conteúdo da decisão, entendemos que a mesma se encontra fundamentada nos termos exigidos pelo Código de Processo Civil, pelo que não se vislumbra a nulidade invocada.
Termos em que, salvo melhor entendimento, nada há a suprir ou reformar na decisão recorrida”.
Pelo exposto, não ocorre a nulidade da sentença nos termos e para efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC, nem existe qualquer motivo para repetir o julgamento. Foram respeitados todos os preceitos que impõem o dever de fundamentação das decisões, designadamente os citados artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 5, 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
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2.3.3. Da admissão do recurso da matéria de facto;
Pretende o recorrente a alteração da decisão relativa à matéria de facto fixada na sentença.
Os recorrentes invocam que o recurso apresentado deve ser revogado porque a impugnação foi feita de forma genérica e confusa sem que relativamente aos factos impugnados o recorrente concretize quais os elementos probatórios que impunham decisão diversa.
Cumpre apreciar e decidir se é de admitir ou rejeitar o recurso da matéria de facto.
Nos termos do artigo 640.º do CPC, que estabelece os requisitos que o recorrente tem que cumprir para que o Tribunal de Recurso reaprecie a decisão quanto à matéria de facto, sob pena de rejeição, “por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed., pág. 198), deve o recorrente:
a) Especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Indicar os meios probatórios que imponham decisão diversa e, no caso de prova gravada, a indicação exata das passagens da gravação relevantes.
c) Deixar expressa a decisão que deve ser proferida.
Analisado o teor do recurso, no que se refere à mencionada alínea a), verificamos, que os recorrentes especificam os seguintes concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados:
· Pontos 7), 8) e 18) dos factos dados como provados;
· Pontos g) , h) e i) dos factos não provados;
No que se refere à alínea b), os recorrentes indicaram as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas especificando em concreto as passagens da gravação que consideram relevantes.
É certo que o recorrente não concretiza exatamente para cada facto o meio de prova, fazendo-o em bloco para os seis pontos de facto que impugna, o que fragiliza a impugnação, mas ainda assim é possível fazer a análise pretendida. Apurar, depois, se os meios de prova conduzem ou não a uma decisão diversa, já é questão de mérito.
Finalmente quanto à alínea c), os Recorrentes deixaram expresso que:
· Os referidos pontos dados como provados devem ser considerados não provados;
· Os factos não provados mencionados devem ser julgados provados.
Face ao exposto, não é de rejeitar a impugnação da matéria de facto.
* 2.3.4. Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto:
O recorrente pretende que sejam dados como não provados os factos 7) e 8) que foram considerados como provados:
7) Em momento anterior ao acordo referido em 2), concretamente em 26-05-2017, o 2º Autor e o Réu outorgaram escrito intitulado “Contrato-Promessa de Cessão de Quota”, através do qual o réu prometeu vender e o 2º Autor prometeu adquirir a quota societária referida em 1) e 2).
8) Nesse contrato-promessa, ficou consignado, na respectiva cláusula nona, que «acordam expressamente os Outorgantes que o Promitente Cedente assumirá pessoal, integral e solidariamente a responsabilidade por todas e quaisquer dívidas da sociedade de cuja quota se promete ceder, contraídas quer em Portugal, quer em Cabo Verde, quer em qualquer outro País, desonerando desse encargo o Promitente Cessionário, contraídas e/ou vencidas até à data da celebração do prometido Contrato ou Escritura, independentemente de ela ocorrer a curto, médio ou longo prazo».
É a seguinte a motivação da sentença quantos aos factos 7) e 8):
“Os factos provados das alíneas 7) e 8), por seu turno, ressumam do “Contrato Promessa de Cessão de Quota” de 26-05-2017 junto com o requerimento dos autores de 03-10-2023, e que o réu, no seu requerimento de resposta de 16-10-2023, não impugnou quanto à sua genuinidade, pelo contrário, reconhecendo a sua existência, apesar de arguir a nulidade de tal contrato por desconformidade com a realidade dos seus termos escritos (concretamente o preço da cessão de quota). (…).
Já o recorrente considera que os mesmos devem ser não provados invocando as declarações de parte do Réu/Recorrente e os depoimentos das testemunhas (…) e (…), transcrevendo para os efeitos as passagens que considera relevantes. Ora, da leitura dos depoimentos transcritos não resulta que alguém tenha posto em causa o documento que foi junto e cuja genuidade não foi impugnada, pelo exposto, bem andou o tribunal em considerar provados estes factos, nada havendo a alterar.
Finalmente quanto ao facto 18) que tem o seguinte teor:
18) Acresce ainda, que, com referência ao dia 05-02-2018, a 1ª autora devia à sociedade “(…) – Contabilidade e Serviços Empresariais, Lda.”, empresa que presta serviços de contabilidade à 1ª Autora, a quantia de 123.333,33 ECV, referente aos serviços prestados no ano de 2017 e em Janeiro de 2018”.
O Tribunal motivou a decisão deste facto no seguinte: “No que tange aos factos respeitantes à dívida da 1ª Autora à empresa de contabilidade (…) – Contabilidade e Serviços Empresariais, Lda. e ao seu pagamento, conforme julgado provado nas alíneas 18) e 19), o Tribunal valeu-se das facturas e recibos de pagamento juntos à petição inicial como documentos 52 a 58, conjugados com as declarações do sócio e gerente daquela sociedade, a testemunha (…), que de forma serena, espontânea e convincente corroborou de forma assaz suficiente a existência dessa dívida da 1ª Autora e o seu pagamento já no período da gerência do 2º Autor”.
O recorrente considera que também este facto deve ser como não provado invocando as declarações de parte do Réu/Recorrente e os depoimentos das testemunhas (…) e (…), transcrevendo para os efeitos as passagens que considera relevantes.
Porém, estes depoimentos não contrariam o sentido do Tribunal a quo ao considerá-lo como provado. Quanto ao Réu, conforme resulta do depoimento transcrito, nas suas declarações limitou-se a referir que havia um senhor que tratava da contabilidade, mas que nem se recordava do nome dele. Não disse que estivesse tudo pago e que o valor da fatura não fosse devido.
De todo o exposto, resulta que os referidos factos 7), 8) e 18) devem manter-se no elenco dos factos dados como provados.
Relativamente aos factos dados como não provados em g), h) e i) que o Recorrente pretende que sejam julgados provados. Consta destas alíneas que:
g) O negócio da cessão de quota aludido em 2) foi celebrado verbalmente, pelo 2º Autor e pelo Réu em 2016, porém só o formalizaram por escrito em 2018, por meio de outorga de escritura pública, no Notário de Espargos, sito na Capital da Ilha do Sal.
h) Desde o início do ano de 2016 que quem geria de facto a 1ª Autora era o 2º Autor.
i) Aquando da assinatura da escritura pública de cessão de quota, foi emitida pelos serviços de finanças de Cabo Verde certidão de inexistência de dívidas fiscais pela 1ª Autora, sem o que o Notário que outorgou essa escritura não a teria celebrado.
Analisadas as transcritas declarações de parte do Réu (…) verifica-se que relativamente ao facto i) nada disse. Quanto aos factos g) e h), efetivamente mencionou que após a entrega dos materiais, em Cabo Verde, já não teve mais nada a ver com a empresa. No entanto, perguntado quanto às suas filhas referiu que, daquilo que sabia, a filha não tinha continuado na empresa, mas era, de facto, a filha (…) quem, nessa altura, estava na empresa e que ainda ficou em Cabo Verde.
Ou seja, do depoimento da parte não resulta qualquer dos factos mencionados.
Quanto à testemunha (…), motorista e empregado do Réu há mais de 30 anos, também não mostrou conhecimento dos factos. Disse que não tinha qualquer relação com a empresa autora, trabalhando para o réu ou outra empresa do Réu há mais de 30 anos, mas que ouviu dizer que a empresa Autora, que pertencia ao seu empregador teria sido vendida, no ano de 2016. Referiu ainda que até essa data carregava fruta e mercadoria para irem para Cabo Verde e que o deixou de fazer, mas não sendo trabalhador da Autora desconhecia qual o negócio celebrado entre AA. e Réu.
Finalmente, do depoimento da testemunha (…) também não resultam provados os factos mencionados já que esta testemunha apenas sabia por ser amigo do Réu que este em 2006 passava muito tempo em Cabo Verde o que deixou de suceder a partir de 2016, sendo que até referiu que o seu amigo por ser muito cauteloso só em 2018, depois de ter os cheques todos pagos é que fez a escritura de venda da empresa.
De todo o exposto, resulta que improcede totalmente a impugnação da decisão de facto da sentença, mantendo-se a mesma, nos seus exatos termos.
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2.3.5. Da responsabilidade do réu pelas dívidas da 1ª Autora:
Conforme resulta dos factos provados e foi verificado na sentença recorrida, o 1º Autor, na qualidade de cessionário e o Réu, na qualidade de cedente e sócio único da 1ª Autora, foi celebrado no dia 05-02-2018, um contrato de cessão de quota, pelo qual o primeiro adquiriu e o segundo cedeu a totalidade do capital social da sociedade 1.ª autora, mediante o pagamento / recebimento de € 30.000,00.
Resultou ainda provado que, ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do Código Civil de Cabo Verde as partes estipularam a cláusula 4ª com o seguinte teor: «1 - O Primeiro Outorgante declara que a situação contributiva e tributária da sociedade perante a Segurança Social e as Finanças, respetivamente, se encontra regularizada, assumindo pelo presente contrato toda e qualquer responsabilidade pelo pagamento de qualquer dívida que seja devida até à presente data, ainda que vencida posteriormente, bem como pelo pagamento de quaisquer taxas, multas, coimas, encargos sociais e outros idênticos ou similares contraídas igualmente até à data deste contrato. 2 – Acordam, ainda, expressamente os Outorgantes que todo o passivo existente à data da (…) – Importação, Comércio e Indústria, Lda. será integralmente assumido pelo 1º Outorgante, obrigando-se este a liquidar e pagar todas as quantias integrantes do mesmo, desonerando, consequentemente, a sociedade e/ou o 2º Outorgante do pagamento de qualquer montante. 3- Na sequência do acordado nos números antecedentes, se, porventura, a sociedade proceder, sob qualquer forma e por qualquer motivo, ao pagamento de qualquer quantia, o 1º Outorgante obriga-se a restituir de imediato à sociedade os valores em causa, acrescidos de uma penalização correspondente a 25% do valor, após apresentação pela mesma e/ou 2º Outorgante dos documentos comprovativos do pagamento».
E ainda a cláusula 9ª com o seguinte teor: “acordam expressamente os Outorgantes que o Promitente Cedente assumirá pessoal, integral e solidariamente a responsabilidade por todas e quaisquer dívidas da sociedade de cuja quota se promete ceder, contraídas quer em Portugal, quer em Cabo Verde, quer em qualquer outro País, desonerando desse encargo o Promitente Cessionário, contraídas e/ou vencidas até à data da celebração do prometido Contrato ou Escritura, independentemente de ela ocorrer a curto, médio ou longo prazo».
Com fundamento na referida cláusula n.º 4 a sentença condenou o Réu a pagar à 1ª Autora:
- o valor de € 167.969,68;
- o montante que a Autora comprovar ter pago às finanças, no âmbito do plano acordado com os serviços de finanças de Cabo Verde;
- 25% dos montantes referidos em a) e b) a título de cláusula penal, que na data da sentença já ascendia a € 4.192,42;
- Tudo acrescido de juros de mora.
O Réu pretende a revogação desta decisão e a consequente absolvição dos pedidos, invocando o teor abusivo da cláusula 4ª, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 405.º e 227.º do CC, quando refere “sob qualquer forma e por qualquer motivo” e, por não ter sido dada oportunidade ao réu de apresentar ou colaborar com a competente defesa quer relativamente à entidade tributária, quer à prestadora de serviços de contabilidade, violando-se assim o disposto nos artigos 57.º do RIT Cabo Verdiano, 119.º a 126.º do CGT Cabo Verdiano e 31.º e seguintes do CPT Cabo Verdiano, 31.º, alínea c), do artigo 317.º do Código Civil Cabo Verdiano. Vejamos:
Dispõe o artigo 227.º (Culpa na formação dos contratos) do CC de Cabo Verde que:
2.4. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
2.5.2. A responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498º.
E o artigo 405.º (Liberdade contratual) do CC de Cabo Verde, que:
1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
O Tribunal a quo, relativamente à cláusula 4ª do contrato, considerou que:
“Estamos perante uma cláusula contratual estipulada pelas partes, dentro dos limites da lei, ao abrigo da sua liberdade contratual, cfr. artigo 405.º do Código Civil.
Procedendo-se a uma interpretação dessa cláusula quarta conforme com o critério aplicável do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, da mesma decorrem as seguintes ideias estruturais:
- O réu assumiu a responsabilidade pelo pagamento de qualquer dívida com origem em facto anterior a 05-02-2018, ainda que vencida posteriormente, incluindo taxas, multas, coimas, encargos sociais e outros idênticos ou similares (cláusula quarta, n.º 1).
- O réu assumiu a responsabilidade por todas as dívidas da 1ª autora já existentes em 05-02-2018, obrigando-se a pagá-las e, consequentemente, desonerando a sociedade 1ª autora e o 2º autor do pagamento das mesmas (cláusula quarta, n.º 2).
- Se a sociedade 1ª autora procedesse, sob qualquer forma e por qualquer motivo, ao pagamento das dívidas abrangidas pela responsabilidade do réu, este obrigou-se a restituir de imediato a essa sociedade os valores em causa, acrescidos de uma penalização correspondente a 25% do valor de tais dívidas, após apresentação pela mesma e/ou pelo 2º autor dos documentos comprovativos do pagamento (cláusula quarta, n.º 3).”. (…)
Apesar de o réu sugerir, na sua contestação, que não lhe é devido o pagamento de tais dívidas fiscais, porque os autores não lhe deram a oportunidade de se defender, para além desta circunstância não ter resultado provada, afigura-se que, nos termos acordados, a responsabilidade assumida pelo réu não ficou dependente de uma tal condição [esta, a leitura que nos merece a expressão “sob qualquer forma e por qualquer motivo”, inserta na cláusula quarta, n.º 3].”
Se bem compreendemos a posição do Réu, este defende que a cláusula supra citada para não violar o disposto nos referidos artigos 227.º e 405.º do CC tem de ser interpretada no sentido de que sempre determinaria a justa concessão ao réu de uma efetiva hipótese de apresentar defesa relativamente às alegadas dívidas.
Vejamos.
O princípio da autonomia privada, expressamente previsto no artigo 405.º do Código Civil “exprime a liberdade de constituir e de conformar situações jurídicas, de acordo com a livre vontade do sujeito, sem necessidade de fundamentar ou de explicar as suas opções. Constitui um dado básico estrutural de qualquer sociedade livre” (Menezes Cordeiro, António, Código Civil Comentado, Vol. II, Almedina, pág. 100).
Ou seja, está em causa o poder das partes de estipularem nos contratos que negoceiam as cláusulas que, do ponto de vista de cada parte, corresponde aos seus interesses. Em contrapartida as partes ficam obrigadas ao seu cumprimento.
Ora, no caso concreto, não se alegou, nem se provou que as partes não tenham querido as cláusulas a que se obrigaram ou que tenham atuado com má-fé nas negociações (isto é de forma reprovável, violando deveres de legalidade, boa-fé e lealdade).
Da análise da cláusula referida resulta, como aliás entendeu e bem o Tribunal de 1ª instância, que o Réu se obrigou a pagar os valores correspondentes às dívidas da sociedade de que era único sócio-gerente, sem a referida condição de ter a oportunidade de se defender diretamente perante a autoridade tributária ou qualquer credor que viesse reclamar um valor da Sociedade, relativamente a dívida anterior a 05-02-2018.
Porém, obviamente que apenas as dívidas que eram devidas têm que ser pagas e não as que não fossem devidas. Com efeito, o recorrente não o invoca, mas se assim fosse a obrigação poderia ser considerada ilegal, nos termos e para os efeitos do artigo 280.º do CC. No entanto, assim não sucede já que nada impedia o recorrente de, nesta ação, demonstrar que embora tendo sido pagas pela autora as dívidas tributárias e relativas à empresa de contabilidade não eram devidas e por isso a sua responsabilidade não poderia ser assacada ao réu.
Em suma, a cláusula em causa não impede o Réu de se defender, comprovando a inexigibilidade da dívida, não impondo porém, porque não foi estabelecida essa condição de o réu ser chamado diretamente para responder à autoridade tributária, até porque a responsabilidade perante esta autoridade é da sociedade autora e não do réu.
Assim, o facto de os AA. não terem interpelado o Réu para impugnar judicialmente as decisões dos serviços de finanças cabo-verdianas, não conduz nem à nulidade das cláusulas, nem à irresponsabilidade do réu pelos valores peticionados.
Em suma, inexiste qualquer violação do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, 280.º ou do artigo 405.º do Código Civil.
Por outro lado, não se justifica a invocação do artigo 57.º do Regime de Inspeção Tributária (RIT), aprovado pelo DL n.º 41/2015, de 27 de agosto, que tem como epígrafe “Audiência Prévia” e que prevê no n.º 1, que a entidade inspecionada dever ser notificada “do projeto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação”, no n.º 2, que “A notificação deve fixar um prazo entre 15 a 30 dias para a entidade inspecionada se pronunciar sobre o referido projeto de conclusões”, e ainda no n.º 3, que “A entidade inspecionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo”. Ou os artigos 119.º a 126.º do Código Geral Tributário de Cabo Verde ou os artigos 31.º e seguintes do CPT, já que aqui não está em causa a relação da sociedade ou do réu com a autoridade tributária, mas tão só a relação entre os AA. e a Ré. Ora, como é manifesto o referido preceito, diz respeito ao processo tributário, à autoridade tributária e à entidade inspecionada. Ora, o recorrente não é entidade inspecionada.
Finalmente, quanto à invocada violação do disposto na alínea c) do artigo 317.º do CC cabo-verdiano que tem como epígrafe (Prescrição de dois anos), referindo-se na referida alínea c) que Prescrevem no prazo de dois anos “Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes”.
A invocação da prescrição do direito de crédito consubstancia uma exceção perentória, cuja procedência importa a absolvição total ou parcial do pedido já que o devedor tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo ao exercício do direito prescrito.
No caso concreto, o Réu poderia, em sede de contestação, invocar não ser devida a dívida por já estar prescrita no momento em que foi exigida pela empresa de contabilidade à Sociedade Autora. Tal alegação imporia que a discussão da causa ocorresse sobre esse fundamento.
Porém, o certo é que o Réu não apresentou essa defesa em sede de contestação e, por conseguinte, os AA não se pronunciaram sobre uma eventual prescrição da dívida, nem sequer a sentença aludiu a tal questão que não foi suscitada e de que não podia conhecer oficiosamente (cfr. artigo 303.º do Código Civil).
Ora, não tendo apresentado em sua defesa tal fundamentação, não o pode fazer agora, em sede de recurso, atento o disposto no artigo 489.º do CPC, que consagra os princípios da concentração da defesa na contestação e da preclusão (neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-05-2004, proferido no Processo 642/04, o Acórdão do STJ de 08-10-2020 (Processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1) e ambos publicados in www.dgsi.pt).
“I - Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido.
II - As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida.”
Improcede, também, mais este ponto do recurso.
Em suma, ao contrário do invocado pelo Recorrente, a sentença não padece dos erros de facto ou de direito invocados pela Recorrente e não viola qualquer dos preceitos supra referidos, pelo que deve ser mantida na íntegra.
*
As custas são suportadas pela Recorrente, atenta a improcedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
3. Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
*
Évora, 25 de junho de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1ª Adjunto)
José António Moita (2º Adjunto)