PERSI
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
Sumário

I. Da comunicação da extinção do PERSI a enviar pela instituição de crédito ao devedor, devem constar, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, nos termos previstos pelo Aviso n.º 17/2012 do BdP, ex vi do n.º 3 do artigo 17.º do DL n.º 227/2012, a descrição dos factos em que se sustenta e a indicação do respetivo fundamento legal.
II. Por omitir a informação de qualquer diligência realizada pela instituição credora para avaliar a capacidade financeira do cliente bancário e se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito reflecte a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações, objectivo central da criação do PERSI, a comunicação em que o motivo invocado é apenas “terem decorrido 91 dias após o seu início”, não cumpre suficientemente o aludido requisito da descrição dos factos;
III. Porque cada uma das alíneas a) a d) do n.º 1 e a) a g) do n.º 2 do artigo 17.º do DL 277/2012 prevê uma causa diferente para a extinção do PERSI, não satisfaz cabalmente a aludida obrigação de indicação do fundamento legal, a mera referência ao diploma legal, impondo-se que a instituição de crédito identifique expressamente o artigo, o número e a alínea, ao abrigo dos quais está contemplada tal faculdade.
IV. Verificado o incumprimento das obrigações mencionadas no ponto I., é ineficaz a comunicação da extinção do PERSI realizada pela instituição de crédito, o que impede a instauração de acção de execução contra o devedor.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Apelação 3760/24.0T8ENT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento-Juiz 3

*
***
SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)
*
Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto;
1º Adjunto: José António Moita;
2º Adjunto: Manuel Bargado.
*
I. RELATÓRIO
*
A.
“(…), STC” instaurou a execução para pagamento de quantia certa, contra (…), fundada no incumprimento de contratos de mútuo bancário celebrados entre as partes.
No requerimento executivo alegou, entre outras coisas, o seguinte:
“(…)
1. Por contrato de cessão de créditos, em 27 de janeiro de 2021 o Banco (…), SA cedeu à Sociedade (…), SARL, uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos que se junta como Doc. 1 (…).
2. Por contrato de cessão de créditos celebrado a 19 de abril de 2021, (…), S.A.R.L., cedeu à ora Exequente (…) – STC, S.A., os créditos que detinha sobre a ora Executada, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas, conforme Doc. 2 (…).
3. (…) foi a Executada notificada da celebração dos contratos de cessão – Doc. 3 e Doc. 4. (…).
8. A mutuária deixou de cumprir as obrigações decorrente do empréstimo identificado (…) a partir de 04/08/2014 e 04/07/2014, respetivamente, pelo que o Banco (…), SA deu entrada de ação executiva, em 15/03/2015 no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Entroncamento - Juízo de Execução - Juiz 2 - Processo n.º 1283/15.7T8ENT (…).
9. O imóvel hipotecado em garantia veio a ser vendido em 07/02/2019 no âmbito do processo de insolvência 1989/15.0T8STR sendo que o Banco Cedente recebeu o montante de € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros) (…).
11. (…) constata-se que o valor de aquisição do imóvel pelo Banco (…), S.A. não permitiu o pagamento da totalidade da dívida reclamada no processo judicial 1283/15.7T8ENT.
12. Após, não foram recuperadas até à presente data, extra ou judicialmente outras quantias para recuperação do remanescente em dívida além das supra discriminadas. (…)
14. Face ao exposto, mantém-se, atualmente, em aberto, e contabilizando a atualização de juros à taxa contratual até à presente data, a quantia de € 95.001,56 (noventa e cinco mil e um euros e cinquenta e seis cêntimos).
15. A este valor acrescem juros de mora vincendos à taxa legal de 4,00%. (…).”
B.
Notificada do despacho proferido a 08.01.2025 (ref.ª Citius 98535230), convidando-a a vir esclarecer o enquadramento do caso no PERSI e, em caso afirmativo, comprovar o cumprimento do mesmo, a Exequente juntou com o requerimento de 27.01.2025, quatro documentos, constituídos por:
- duas cartas datadas de 03.02.2014, tendo por destinatária a Executada e por remetente o “Banco (…), S.A.”, uma tendo por referência o contrato de mútuo n.º (…), outra o contrato de mútuo n.º (…), contendo, entre outro, o seguinte teor:
“(…)
Informamos V. Exa. que, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o contrato de crédito acima indicado foi integrado, na presente data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), sobre o qual pode encontrar informação detalhada no Anexo a esta carta.
Para que possamos avaliar a capacidade financeira de V. Exa. e propor-lhe, quando tal seja viável, uma solução para a regularização da situação de incumprimento, solicitamos que, no prazo máximo de 10 dias a contar da recepção desta carta, contacte o seu Balcão, prestando-lhe as seguintes informações actualizadas:
- situação profissional;
- dimensão do agregado familiar;
- rendimentos líquidos mensais do agregado familiar (incluindo prestações sociais);
- e encargos mensais com operações em outras instituições de crédito.
Para qualquer esclarecimento adicional, poderá contactar o seu Balcão. (…)”.
- duas cartas datadas de 05.05.2014, tendo por destinatária a Executada e por remetente o “Banco (…), SA”, uma por referência o contrato de mútuo n.º (…), outra o contrato de mútuo n.º (…), contendo, entre outro, o seguinte teor:
“(…)
Informamos V. Exa. que, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) associado ao contrato de crédito acima indicado, por terem decorrido 91 dias após o seu início.
Para qualquer esclarecimento adicional ou para analisar soluções com vista à regularização da situação de incumprimento, poderá contactar:
- o seu Balcão, caso o contrato de crédito registe menos de 100 dias consecutivos de incumprimento,
- ou a nossa Área de Recuperação Pré-Judicial, através do telefone … (atendimento personalizado das 8h30 às 16h30 nos dias úteis), caso o contrato de crédito registe 100 ou mais dias consecutivos de incumprimento.
Caso o contrato de crédito atinja 140 dias consecutivos de incumprimento sem que seja alcançado um acordo entre as partes com vista à regularização do valor em incumprimento, poderá o Banco … resolver ou denunciar o mesmo, e intentar acção judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Nos termos legais, cumpre-nos prestar as seguintes informações gerais:
- O Cliente bancário que esteja a incumprir um contrato de crédito à habitação e seja mutuário de contratos de crédito celebrados com mais do que uma instituição de crédito, pode beneficiar, por um período adicional de 30 dias, da garantia de que o contrato de crédito à habitação não será objecto de resolução ou acção judicial, desde que solicite a intervenção do Mediador do Crédito no prazo de 5 dias a contar da recepção desta carta.
- Até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca do contrato de crédito à habitação, caso não tenha havido reclamações de créditos por outros credores, tem o mutuário direito à retoma do contrato, considerando-se sem efeito a sua resolução e não se verificando qualquer novação do contrato ou das respectivas garantias, desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como dos juros de mora e dos encargos de cobrança e despesas em que a instituição de crédito incorreu.
Com os melhores cumprimentos, (…).”
C.
Por despacho proferido a 18.02.2025 (ref.ª Citius 98880965) foi a Exequente notificada “…para se pronunciar quanto à suficiência das razões invocadas para a extinção do PERSI.”.
D.
Não tendo a Exequente junto outro requerimento, foi proferido com data de 19.03.2025 (ref.ª Citius 99277094) despacho com o seguinte dispositivo (transcrição parcial, sem negrito e sublinhado da origem):
“(…)
Face ao exposto, declara-se evidenciada a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aos executados, e, subsequentemente, absolve-se os mesmos da instância, determinando a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).”
E.
Inconformada com o assim decidido, a Exequente interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações nos seguintes termos (transcrição parcial, sem negrito e sublinhado da origem):
“(…)
C. Dispõe o artigo 17.º/1, c), do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro que o PERSI extingue-se “No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação.
D. O procedimento do PERSI comporta várias fases, sendo que o cliente bancário deverá demonstrar e ter uma conduta de colaboração e cooperação com a entidade bancária na procura de uma solução concertada para a sua situação de incumprimento.
E. No caso sub judice, o cliente bancário remeteu-se ao silêncio total e absoluto, não fornecendo quaisquer informações ou pedidos, tendo facilmente chegado o 91º dia após a sua integração no PERSI;
F. Aqui chegado, foi-lhe enviada uma comunicação em suporte duradouro comunicando-lhe a extinção do PERSI pelo facto de terem decorrido mais de 91 dias;
G. Tanto do que decorre do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro como também das orientações do Banco de Portugal, o fundamento é o decurso do prazo, operando este de forma automática, ope legis;
H. O Banco (…), SA cumpriu integralmente com os ditames do DL do PERSI bem como do Aviso do Banco de Portugal: comunicou que após terem decorridos 91 dias o procedimento se considerava extinto;
I. Existem 4 formas automáticas de operar a extinção do PERSI, segundo o Banco de Portugal: o pagamento, o acordo para a regularização, o decurso do prazo de 91 dias e a insolvência;
J. Formas automáticas estas que não dependem de mais nenhuma circunstância;
K. Não estamos perante nenhuma das situações de extinção do PERSI elencadas no n.º 2 do artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, estas sim que deverão ser acompanhadas das razões pelas quais se considera inviável a manutenção do procedimento.
L. Estamos, sim, perante uma das alíneas do n.º 1 do mesmo artigo 17.º, alíneas essas que operam de forma automática, não carecendo de qualquer fundamentação, porquanto por si só constituem já a própria fundamentação: o pagamento, o acordo, o decurso do prazo, a insolvência.
M. A Recorrida estava informada, desde o início, que o PERSI se extinguiria após 91 dias;
N. Em todo o processado, a Recorrida remeteu-se ao silêncio, não colaborando em nada com a instituição bancária, em claro desinteresse com o que tinha plena consciência do que lhe poderia vir a acontecer;
O. Considerar que estamos perante uma exceção dilatória inominada insanável é, com todo o respeito e excelsa consideração que nos merece o douto Tribunal a quo, manifestamente desproporcional e excessiva;
P. Neste sentido, atenta a prova documental já produzida, forçoso é concluir que a instituição bancária, Banco (…), SA, cumpriu escrupulosamente o disposto no DL 227/2012, de 25 de Outubro. (…)”
Pediu a revogação da decisão recorrida, prosseguindo a acção executiva seus ulteriores termos.
F.
Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
*
G.
Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, sem prejuízo da sua ampliação a requerimento dos Recorridos (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
Assim, são as seguintes, as questões exclusivamente jurídicas em apreciação no presente recurso:
1. Se a comunicação de extinção de PERSI remetida pelo credor originário à Executada cumpriu todos os requisitos previstos pelo n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10.
2. Se, no caso de resposta negativa à questão anterior, ocorre excepção dilatória inominada insanável, determinante do indeferimento liminar da acção executiva fundada em crédito abrangido pelo referido PERSI.
*
***
II. FUNDAMENTAÇÃO
*
A. De facto
*
O recurso é exclusivamente de direito e os elementos relevantes para a decisão constam do relatório antecedente.
*
B. De direito
*
Vem o presente recurso interposto de decisão que absolveu a Executada da instância por considerar verificada excepção dilatória inominada decorrente de falta de cumprimento do PERSI.
Nela se entendeu que a carta de comunicação de extinção do PERSI, remetida à Executada, não constitui cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não esclarecer devidamente as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
*
Do PERSI
*
O acrónimo PERSI refere-se ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, [1] depois da crise financeira dos anos de 2008/2009 e da constatada necessidade de estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criar a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações”. [2]
O PERSI surge, em tal contexto, como um instrumento “…no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”. [3]
Como se refere na cuidada análise do diploma legal em apreço, feita no acórdão de 24.11.2022 desta secção do Tribunal da Relação de Évora, relatado pela Juíza Desembargadora Maria Adelaide Domingos no processo n.º 824/22.8T8ENT.E1, “…o início do procedimento é imposto obrigatoriamente desde que se verifique uma de três situações:
(i) manutenção do incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre o 31º e 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa - artigo 14.º, n.º 1;
(ii) solicitação por parte do cliente bancário em mora, da sua integração no PERSI, considerando-se que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação – artigo 14.º, n.º 2, alínea a); e
(iii) constituição em mora por parte do cliente bancário que antecipadamente alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, considerando-se a integração no PERSI na data do referido incumprimento – artigo 14.º, n.º 2, alínea b).
Tal procedimento desenrola-se em três fases distintas: (i) uma fase inicial – artigo 14.º, alínea b); (ii) uma fase de avaliação e proposta – artigo 15.º, e (iii) uma fase de negociação – artigo 16.º” [4]
Para tanto, de acordo com o número 4 do artigo 14.º do DL n.º 227/2012, no prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos referidos eventos, “…a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.”.
Deste modo, por força do diploma legal em apreço, passou a ser obrigatório que, havendo incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, as instituições mutuantes integrem o devedor no PERSI, no decurso do qual, de acordo com o disposto nos números 1, 2 e 4 do artigo 15.º do DL 227/2012, devem avaliar a “…capacidade financeira do cliente bancário…”, desenvolvendo para o efeito “…as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito (…)” e, no prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, “comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida…” caso se mostre “…inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI” ou “apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira…” para o efeito.
O objectivo é, assim, evitar o recurso à via judicial quando seja viável uma renegociação do crédito adequada à capacidade económica do devedor. [5]
Na situação vertente, face ao alegado incumprimento pela mutuária / Executada dos contratos de mútuo bancário celebrados com o “Banco …, S.A.”, este remeteu-lhe as cartas datadas 03.02.2014, comunicando-lhe a sua integração no procedimento PERSI e solicitando-lhe a prestação de informações sobre a sua situação profissional, a dimensão do seu agregado familiar, os rendimentos líquidos mensais do agregado familiar (incluindo prestações sociais) e os encargos mensais com operações em outras instituições de crédito.
*
Da extinção do PERSI
*
Depois de remetida a supra aludida carta datada de 03.02.2014, o Banco (…) enviou à devedora, com data de 05.05.2014, novas cartas a comunicar a extinção do procedimento PERSI, contendo, entre outro, o seguinte teor:
“(…)
Informamos V. Exa. que, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) associado ao contrato de crédito acima indicado, por terem decorrido 91 dias após o seu início.”
A questão está, por isso, em saber se a mera referência ao decurso do prazo de 91 dias após o seu início, é suficiente para se considerar cumprida a explicitação das razões que levaram à extinção do PERSI.
*
Sobre a extinção do PERSI, rege o artigo 17.º do DL 227/2012, de que destacamos, por relevantes à decisão do recurso, os n.ºs 1, parte do 2, 3, 4 e 5:
“1. O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;
c) No 91º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou
d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.
2. A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que (…)
3. A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4. A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5. O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3” (sublinhados nossos).
Em conformidade com a previsão do n.º 5 do artigo 17.º vinda de transcrever, o Banco de Portugal publicou o Aviso n.º 17/2012, estabelecendo os deveres a observar pelas instituições de crédito no âmbito da prevenção e da regularização extrajudicial de situações de incumprimento de contratos de crédito, regulamentando o disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, em vigor desde 01.01.2013 (cfr. respectivo artigo 11º).
O Aviso n.º 17/2012 foi, entretanto, revogado pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021 [6], vigente desde 01.01.2022 (cfr. respectivo artigo 13º), mas este não é aplicável à situação em análise no presente recurso porque a inclusão da Executada em PERSI é anterior à entrada em vigor Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06.08. [7]
Rege o artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, na parte que aqui nos interessa:
A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal; (…)” (sublinhados nossos).
Ora, no caso vertente, como decorre do supratranscrito teor da missiva datada de 05.05.2014, remetida pela credora à devedora, declarando extinto o PERSI:
a)
Os factos indicados pela Exequente como motivo da extinção do procedimento são: “…por terem decorrido 91 dias após o seu início.”
b)
O respectivo fundamento legal é: “…nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (…)”.
*
Será que a comunicação assim elaborada não cumpriu, como entende a decisão recorrida, as obrigações impostas pelo n.º 3 do artigo 17.º do DL 227/2012 e pela alínea a) do artigo 8.º do Aviso do BdP 17/2012?
Na resposta a dar à questão decidenda, impõe-se ter presente o contorno característico do caso que reside na causa de extinção do PERSI pelo decurso do prazo de 91 dias após o seu início.
Trata-se da situação objectiva descrita na alínea c) do n.º 1 do supratranscrito artigo 17.º do DL 227/2012 cujo preenchimento resulta do decurso do tempo.
Na verdade, a alínea c) do n.º 1 do art.º 17º em apreço prevê que o PERSI se extingue “no 91º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação.” (sublinhado nosso).
Aqui, a extinção do procedimento não é da iniciativa da instituição credora, sendo uma consequência do esgotamento do prazo aí previsto, contrariamente às causas de extinção previstas pelo n.º 2 do mesmo artigo, de cuja redacção “a instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que (…)” decorre a atribuição ao credor de mera faculdade de extinguir o PERSI, dependente de decisão devidamente fundamentada e reveladora do preenchimento de uma das circunstâncias descritas nas alíneas a) a e) daquele número.
Eximirá, esta particularidade da causa de extinção da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º, a instituição de crédito de, na comunicação de extinção do PERSI, apresentar qualquer outra justificação de facto ao devedor para além do decurso do prazo de 91 dias?
A resposta não se afigura simples.
O argumento literal da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º parece sugerir que estamos perante uma condição extintiva de funcionamento automático e que, assim, será supérfluo transmitir outra justificação que não o esgotamento do prazo.
Nesta linha de entendimento, uma corrente jurisprudencial vem trilhando caminho considerando que a comunicação de extinção do PERSI se bastará com a referência ao decurso do prazo de 91 dias. Assim se pronunciaram, entre outros, os arestos do Tribunal da Relação de Évora de 26.05.2022 e 23.05.2024, relatados pelo Desembargador Mário Coelho nos processos n.ºs 18/22.2T8ENT.E1 e 2578/23.1T8ENT.E1, 09.02.2023 e 09.04.2025, relatados pela Desembargadora Maria João Sousa e Faro nos processos n.ºs 3358/20.1T8ENT.E1 e 47842/24.8YIPRT.E1, 11.05.2023, relatado pelo Desembargador José Manuel Barata no processo n.º 3309/20.3T8ENT.E1, 07.11.2023, relatado pela Juíza Desembargadora Isabel de Matos Peixoto Imaginário no processo n.º 543/23.8T8ENT.E1 e 16.01.2025, relatado pelo Juiz Desembargador Manuel Bargado no processo n.º 532/24.5T8ENT.E1. [8]
Mas também é verdade que este posicionamento apresenta o risco de, no limite, o PERSI se transformar apenas numa moratória de 91 dias, findos os quais, ainda que nada faça, a instituição de crédito pode extinguir o procedimento sem necessidade de invocar qualquer outra razão para além do decurso daquele lapso temporal.
Isto conduziria a que, na prática, decorrido o prazo de 91 dias, não houvesse como sindicar se a instituição de crédito cumpriu ou omitiu a realização das diligências razoáveis tendentes a “…aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.
Pelo que ficou já expresso sobre a função do PERSI, não nos parece que essa tenha sido a intenção do legislador.
Se fosse, bastar-lhe-ia criar uma moratória de três meses e um dia, aplicável ao cumprimento dos contratos de mútuo, sem necessidade de instituir um procedimento obrigatório de maior complexidade, do qual decorre para as instituições de crédito um conjunto de deveres e objectivos a cumprir.
Por isso, com o respeito que é devido por mais douta opinião, estamos em crer que, pese embora dependente do decurso do prazo de 91 dias e, por consequência, menos exigente do que nos casos previstos pelo n.º 2 em que a extinção depende da iniciativa do credor, a comunicação de extinção do procedimento não deverá deixar de informar, ainda que de forma breve, quais as diligências que o credor fez ou procurou fazer durante o prazo de vigência do PERSI e os respectivos resultados.
Esta parece-nos ser a melhor leitura da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º em apreço, à luz da intenção declarada pelo legislador com elaboração do regime jurídico do PERSI e em conjugação com os n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo que fazem depender a produção de efeitos da extinção (ainda que pelo decurso do prazo de 91 dias) da comunicação em suporte duradouro, “descrevendo o fundamento legal (…) e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento”, sendo idêntica a exigência feita no supracitado artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (sublinhados nossos).
As considerações tecidas encontram-se próximas de outro posicionamento da jurisprudência sobre o tema em análise, de que são exemplos os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 25.11.2021, 24.11.2022 e 12.09.2024, relatados pela Juíza Desembargadora Maria Adelaide Domingos nos processos n.ºs 17026/20.0T8PRT.E1, 824/22.8T8ENT.E1 e 1160/16.4T8ENT-A.E1, 07.04.2022, relatado pela Juíza Desembargadora Maria da Graça Araújo no proc. n.º 451/21.7T8ENT.E1, 12.07.2023, relatado pela Desembargadora Ana Pessoa no processo n.º 2723/22.5T8ENT.E1, 12.07.2023, relatado pela Desembargadora Elisabete Valente no proc. 4859/15.9T8ENT.E1, 20.02.2024, relatado pela Juíza Desembargadora Emília Ramos Costa no processo n.º 2597/23.8T8ENT.E1, 30.01.2025, relatado pelo Desembargador José António Moita no processo n.º 69/24.2T8ENT.E1 e de 27.03.2025, relatado pela Desembargadora Susana da Costa Cabral no processo n.º 177/24.0T8ENT.E1. [9]
No caso vertente:
i.
A comunicação de extinção do PERSI remetida à devedora limita-se a aludir ao decurso do prazo de 91 dias, sem qualquer explicação sobre se, nesse mesmo prazo, logrou, ou não, “aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado e avaliar a capacidade financeira do consumidor” e, na negativa, as razões pelas quais tal não aconteceu, nomeadamente sobre se o devedor satisfez os pedidos de elementos que lhe foram dirigidos com a abertura do PERSI.
ii.
O requerimento executivo e os documentos que o acompanham, também nada referem sobre o assunto.
Só depois de proferida a decisão recorrida vem a Recorrente aflorar o tema nas alegações de recurso (cfr. artigos 15º e 16º).
Note-se que a norma em apreço é perfeitamente explícita quanto ao momento em que tais factos têm de ser comunicados ao devedor, reportando-os ao instrumento de comunicação de “extinção” do PERSI.
Isto significa que o conteúdo da primeira carta, datada de 03.02.2014, não permite suprir as omissões da carta de 05.05.2014, já que naquela se declarou o início e não a extinção do PERSI.
Só no momento da extinção poderá ser feita a exposição dos factos subsequentes àquele início, de modo permitir a conclusão de que o credor cumpriu os deveres de diligência e averiguação que lhe estão impostos.
Acresce que, se não foram cumpridos os pressupostos necessários à extinção do PERSI no momento da sua declaração, também não poderá a instituição de crédito fazê-lo no decurso do processo de execução, seja no requerimento inicial, seja por via complementar e menos ainda em alegações de recurso.
É que enquanto não for validamente extinto o PERSI, através de instrumento que cumpra o necessário formalismo legal, tampouco pode a instituição de crédito resolver o contrato de mútuo com fundamento em incumprimento e intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito (cfr. alíneas a) e b) do artigo 18.º do DL 277/2012).
iii.
A comunicação de extinção do PERSI enviada pelo Banco (…) à devedora, não faz referência à alínea c), ao n.º 1 ou, sequer, ao artigo 17.º do DL n.º 227/2012, remetendo apenas para o Decreto-Lei aplicável, o que nos parece incumprir claramente o dever de “indicação do respetivo fundamento legal” imposto quer pelo n.º 4 do artigo 17.º em apreço, quer pelo artigo 8.º do Aviso do BdP n.º 17/2012.
Estamos perante uma obrigação imposta à comunicação de extinção, quer esta resulte das causas objectivas reguladas pelo n.º 1, quer das previstas pelo n.º 2, do artigo 17.º do DL 277/2012, já que nem o n.º 3 do mesmo artigo, nem o artigo 8.º do Aviso do BdP, distinguem a razão subjacente.
Como se fez notar no supracitado acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12.09.2024, o n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 exige que a comunicação, pela instituição de crédito, da extinção do procedimento, deve descrever o fundamento legal dessa extinção, o que só pode significar a obrigatoriedade de indicação da norma legal ao abrigo da qual a mesma ocorreu. Ora, essa indicação não se pode bastar, de modo algum, com uma genérica menção aos “termos do previsto no artigo 17.º do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento”, sabendo-se, como se sabe, que os n.ºs 1 e 2 do aludido preceito acolhem uma plêiade diversificada de alíneas onde estão espelhados inúmeros fundamentos de extinção do PERSI. (…)” (sublinhados nossos).
A fundamentação do também citado acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14.07.2021, acrescenta uma razão ponderosa: “…tratando-se da extinção do PERSI, só conhecendo os concretos motivos que levaram à decisão da instituição bancária se podem, efectivamente, defender, seja no plano factual, seja em sede de cabimento legal. Neste conspecto, invocar, simplesmente, o artigo 17.º do DL 227/2021 (…) é praticamente o mesmo que nada dizer, já que tal preceito cobre todas as situações de extinção do PERSI.”
Posição seguida também, neste Tribunal da Relação de Évora pelo aqui relator, no acórdão proferido a 30.01.2025, no processo n.º 1481/23.0T8ENT.E1, e por Susana da Costa Cabral no supracitado acórdão de 27.03.2025, cujo sumário refere: «porque cada uma das alíneas a) a d) do n.º 1 e a) a g) do n.º 2 do artigo 17.º do DL n.º 277/2012 prevê uma causa diferente para a extinção do PERSI, não satisfaz cabalmente a aludida obrigação de indicação do fundamento legal, a mera referência ao “artigo 17.º do PERSI”, impondo-se que a instituição de crédito identifique expressamente a alínea e o número ao abrigo dos quais está contemplada tal faculdade.»
Assim, no caso vertente, não foi indicada a concreta base legal de suporte da extinção, o que constitui violação dos artigos 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012 e 8.º do Aviso do BdP n.º 17/2012 em aplicação.
Termos em que também não foi cumprido este requisito imposto por lei à comunicação da extinção.
*
Da consequência do incumprimento do artigo 8.º do Aviso 17/2011 do BdP
*
Aqui chegados, resta avaliar qual a consequência jurídica do incumprimento, pelo credor, das imposições que recaem sobre a comunicação a extinção do PERSI ao devedor.
Como a comunicação de extinção do PERSI, remetida pelo banco credor ao devedor no dia 03.02.2014, não cumpre os pressupostos legalmente previstos, é inapta a produzir o efeito a que se propunha.
No mesmo sentido se pronuncia o supracitado acórdão do TRE 24.11.2022, cujo sumário refere “a violação do no n.º 3 do artigo 17.º do PERSI nos termos sobreditos, determina a ineficácia da comunicação da extinção do PERSI (n.º 4 do artigo mesmo artigo 17.º), mantendo-se o impedimento de instauração da ação executiva.”
Deste modo, não se encontra extinto o PERSI, o que tem as consequências legais previstas pelo artigo 18.º do DL 277/2012, entre as quais o impedimento de a instituição bancária resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento e de intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito (cfr. alíneas a) e b) do mencionado artigo).
Enquanto não extinguir validamente o PERSI, está a instituição credora impedida de fazer uso de acção executiva contra o devedor.
*
Por todo o exposto, não merecem atendimento os argumentos vertidos pela Recorrente nas suas alegações, devendo manter-se a decisão recorrida.
*
***
Custas
*
Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º, n.º 6, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito.
No caso vertente, apenas a Recorrente / Exequente da acção recorreu, não tendo obtido vencimento no recurso.
Assim, deve a Recorrente ser condenada nas custas do presente recurso.
*
***
III. DECISÃO
*
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em:
1. Julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
2. Condenar a Recorrente no pagamento das custas do presente recurso.
*
Notifique.
*
Évora, 25 de Junho de 2025
Ricardo Miranda Peixoto (Relator)
José António Moita (1º Adjunto)
Manuel Bargado (2º Adjunto – vencido, conforme declaração de voto que junto).
Declaração de voto:
Vencido. Revogaria a decisão recorrida, pois entendo, ressalvado o devido respeito pelo entendimento que fez vencimento, que a solução mais curial é a que resulta, entre outros, do Acórdão desta Relação de 23.05.2024, proc. n.º 2578/23.1T8ENT.E1, in www.dgsi.pt, que subscrevi como 1º adjunto, no qual se pode ler:
«(…), notamos que o DL 272/2012 prevê, nos sues artigos 14.º, 15.º e 16.º, diversas fases procedimentais, com uma fase inicial, seguida de uma fase de avaliação e proposta, e outra de negociação. Estas fases exigem também a colaboração do cliente bancário – maxime, prestando certas informações sobre a sua capacidade financeira ou propondo alterações às propostas apresentadas pela instituição de crédito, como resulta do artigo 15.º, n.ºs 2 e 3 e do artigo 16.º, n.º 2 e 3 – não se podendo assim afirmar que o PERSI é um procedimento unilateral da instituição de crédito.
E daí possa suceder que, sem a colaboração do cliente bancário, todo o procedimento fique votado ao insucesso, decorrendo os 91 dias apenas com a proposta inicial da instituição de crédito, sem qualquer resposta do cliente.
Por outro lado, os documentos apresentados devem ser interpretados no seu contexto, e certo é que foi remetida informação adicional aos executados, nomeadamente o documento informativo elaborado de acordo com o Anexo II do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal, esclarecendo que o PERSI se extinguia “no 91º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo das partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.”
Neste aspecto, a decisão recorrida não podia ignorar que os deveres de informação do Recorrente, no âmbito da comunicação de início do PERSI, foram cumpridos nos exactos termos exigidos pelo artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do mencionado Aviso do Banco de Portugal, ainda em vigor à data dos factos.
Neste quadro, ao enviar as cartas de extinção do PERSI invocando o decurso do prazo referido no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), não se pode afirmar, sem mais, que os executados não estavam informados que o decurso do aludido prazo era causa de extinção do procedimento.
Ademais, interpretando o artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal, a comunicação de extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respectivo fundamento legal, o que é compatível com os n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do DL 272/2012, que incluem factos que automaticamente extinguem o procedimento – o pagamento, o acordo, o decurso do prazo legal ou a declaração de insolvência do cliente bancário – e outros que envolvem um processo decisório da instituição de crédito.
Nestes termos, não se pode dizer que as cartas que comunicaram a extinção do PERSI por decurso do prazo estipulado no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), não sejam suficientemente claras, rigorosas e legíveis, em especial quando o cliente já estava devidamente informado das consequências do decurso do prazo de 91 dias, através do envio, logo no início do procedimento, do documento informativo a que se refere o supra-referido Anexo II.
Acompanha-se, pois, a jurisprudência que esta Relação de Évora manifestou nos seus Acórdãos de 26.05.2022 (Proc. n.º 18/22.2T8ENT.E1, com o mesmo Relator do presente), de 15.06.2023 (Proc. 93/23.2T8ENT.E1), de 07.11.2023 (Proc. 543/23.8T8ENT.E1), e de 23.11.2023 (Proc. n.º 1195/22.8T8ENT.E1), todos publicados em www.dgsi.pt.
Reafirmando a ideia principal que norteia o primeiro dos arestos citados, repetimos o que se afirma no aresto de 15.06.2023: «Se o procedimento bancário ficar votado ao insucesso por falta de colaboração do cliente bancário e se este estava já informado que o PERSI se extinguia no 91º dia após o seu início, pode a carta de extinção do procedimento limitar-se a invocar o decurso de tal prazo.»
Ponderando, finalmente, que nos encontramos perante um despacho liminar de indeferimento, que deve ser reservado para situações de manifesta e indiscutível improcedência do pedido, mesmo que subsistam dúvidas sobre a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, a execução deve prosseguir, tanto mais que o processo admite aos executados a oportunidade de deduzir a sua oposição, podendo invocar todos os fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração – artigo 731.º do Código de Processo Civil.».
Manuel Bargado

__________________________________________________
[1] Em vigor desde 01.01.2013 e objecto de alterações introduzidas pelo DL n.º 70-B/2021 de 06.08.
[2] No respectivo preâmbulo pode ler-se que “[a] concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril. (…) Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas (…)”.
[3] Citação do preâmbulo do DL 227/2012 de 25.10.
[4] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d7fc7ff4f84d54d7802589190034ca5a?OpenDocument
[5] Razão pela qual, o artigo 18.º do diploma em apreço, veda à instituição de crédito, durante o período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a possibilidade de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
[6] Publicado no Diário da República 2.ª Série, n.º 244, Parte E, de 20.12.2021.
[7] Vigente a partir do dia seguinte à sua publicação, ou seja, de 07.08.2021.
[8] Disponíveis, respectivamente, nas ligações:
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/8340cc6d78efc5f780258859002f7a01?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7667ee3750911af380258bea0033f0ed?OpenDocumenthttps://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/0b71cb0ae7ab81b28025896a003472b2?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7f5bf951b6a2031c80258c7c0034cd2e?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f3a54eb47171389b802589d0002dac90?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/fc837b2745af163180258a69004ec815?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/b66fcdc38980393280258c1c00585b91?OpenDocument
[9] Disponíveis, respectivamente, nas ligações:
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/fe91eb87f561477a802587ad003aebbf?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d7fc7ff4f84d54d7802589190034ca5a?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/efb65feb2551fbf480258ba80030dc7f?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/79100da5ce4eb4f680258828003007c2?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/e682ea93845fdc7d80258a4600301317?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/a26ff3098730434480258a27002f5116?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/c5b673acbac2111980258ad2003b2675?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/8157cdd3ecd89fbf80258c2800385241?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/6cfc11a57eccff2a80258c69002ea8aa?OpenDocument