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COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
CONCESSÃO ADMINISTRATIVA
PARQUE DE ESTACIONAMENTO
Sumário
Cabe aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a competência para a apreciação de ação proposta por entidade concessionária da exploração particular de zonas de estacionamento em espaços públicos, que demanda um particular, visando a cobrança coerciva do pagamento de quantias devidas pela utilização dessas zonas de estacionamento. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 1278/24.0T8BJA.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Juízo Local Cível de Beja
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
(…) – Sistemas de Dados e Comunicações, S.A. intentou, no Juízo Local Cível de Beja, execução para pagamento de quantia certa contra (…), apresentando, como título executivo, requerimento de injunção com fórmula executória.
Por despacho de 05-09-2024, foi considerada verificada a exceção de incompetência em razão da matéria, por se ter entendido que cabe aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a competência para a apreciação da presente execução, em consequência do que se indeferiu liminarmente o requerimento executivo, condenando-se a exequente nas custas.
Inconformada, a exequente interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que considere o Juízo Local Cível de Beja competente em razão da matéria para o litígio, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«a) Vem o presente recurso apresentado contra o Douto Despacho a quo, que decidiu julgar a incompetência material do Juízo Local Cível de Beja, para cobrança dos créditos da Autora e Exequente (…), SA, indeferindo consequentemente de forma liminar o requerimento executivo.
b) No âmbito da sua atividade, a Exequente celebrou um contrato de concessão com a Câmara Municipal de Beja, através do qual lhe foi cedida a exploração particular de zonas de estacionamento automóvel na cidade sem cedência de quaisquer poderes de autoridade, ou de disciplina.
c) No seguimento deste contrato de concessão, a Data Rede adquiriu e instalou em vários locais da cidade de Beja, onerosas máquinas para pagamento dos tempos de estacionamento automóvel, para as quais desenvolveu o necessário software informático.
d) A Executada é proprietária do veículo automóvel com a matrícula (…).
e) Enquanto utilizadora do referido veículo automóvel, estacionou o mesmo em diversos Parques de Estacionamento que a Autora explora comercialmente na cidade de Beja, sem, contudo, proceder ao pagamento dos tempos de utilização, num total em dívida de € 2.520,80 que a Executada recusa pagar.
f) Para cobrança deste valor, a Recorrente viu-se obrigada a recorrer aos tribunais comuns, peticionando o seu pagamento, pois a sua nota de cobrança está desprovida de força executiva, não podendo, portanto, dar lugar a um imediato processo de execução, seja administrativo ou fiscal.
g) A natureza jurídica da quantia paga pelos utentes em contrapartida da prestação do serviço de parqueamento é a de um preço e não de um encargo ou contrapartida com natureza fiscal ou tributária.
h) As ações intentadas pela Exequente contra os proprietários de veículos automóveis inadimplentes, que não tenham procedido ao pagamento dos montantes devidos, por outro lado, não se inserem em prorrogativas de autoridade pública, mas sim no âmbito da gestão que lhe compete fazer enquanto entidade privada.
i) Por outras palavras, a Câmara Municipal de Beja celebrou com a (…), aqui recorrente, um contrato de fornecimento, instalação e exploração de parquímetros na Cidade de Beja.
j) O contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida não se confunde com os contratos de natureza pública, celebrados entre uma entidade privada e uma entidade pública, munida de poderes de autoridade.
k) A recorrente ao atuar perante terceiros, não se encontra munida de poderes de entidade pública, e sim com poderes de entidade privada, pelo que, e contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o contrato estabelecido entre si e os automobilistas, relativo à utilização dos parqueamentos explorados, é de direito privado, cuja violação é suscetível de fazer o utilizador incorrer em responsabilidade contratual por incumprimento do contrato.
l) A doutrina qualifica este tipo de contrato como uma relação contratual de facto – em virtude de não nascer de negócio jurídico – assente em puras atuações de facto, em que se verifica uma subordinação da situação criada pelo comportamento do utente ao regime jurídico das relações contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptações.
m) O estacionamento remunerado, apresenta-se como uma afloração clara da relevância das relações contratuais de facto e a relação entre o concessionário e o utente resulta de um comportamento típico de confiança.
n) Comportamento de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, e sim uma proposta tácita temporária de um espaço de estacionamento, mediante retribuição.
o) Proposta tácita temporária da A., que se transforma num verdadeiro contrato obrigacional, mediante aceitação pura e simples do automobilista, o qual, ao estacionar o seu automóvel nos parques explorados pela A., concorda com os termos de utilização propostos pela A., amplamente publicitados no local.
p) Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é, a existência de uma relação jurídica administrativa.
q) Sabendo-se que a concretização de tal conceito constitui tarefa difícil, podemos, no entanto, definir a relação jurídica administrativa como aquela que «por via de regra confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração».
r) A (…), ao contrário o que vem referido na douta sentença, nunca atuou em substituição da autarquia, munida de poderes concessionados.
s) Fundamental é que a Recorrente carece, em absoluto, de poderes de autoridade, fiscalização ou ordenação efetiva, apenas podendo registar os incumprimentos de pagamento e tentar recuperar judicialmente, sem acesso direto a um título executivo, os valores que tiverem sido sonegados, em violação da relação contratual de confiança, pelos utentes.
t) Por tudo o que se alegou, mal andou o Tribunal a quo ao declarar-se incompetente em razão da matéria, pois, o Tribunal recorrido é o competente, motivo pelo qual foram violados, entre outros, os artigos erradamente citados pela Sentença a quo, quer os artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 577.º, alínea a) e 578.º do CPC, quer o artigo 4.º, n.º 1, alínea e), do ETAF, quer ainda o artigo 40.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.»
Citada para os termos da execução e notificada do recurso, a executada não apresentou contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre decidir se cabe aos tribunais judiciais ou aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a competência em razão da matéria para a apreciação do presente litígio
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Tramitação processual
Com interesse para a apreciação do objeto da apelação, extraem-se dos autos, além dos elementos indicados no relatório supra, ainda os seguintes:
i) a exequente apresentou, como título executivo, requerimento de injunção provido de fórmula executória, do qual consta a alegação o seguinte:
«1. A Requerente é uma sociedade que se dedica, além do mais, à exploração e prestação de serviços na área do parqueamento automóvel.
2. No âmbito da referida exploração, a Requerente adquiriu e colocou, em vários locais da cidade de BEJA, máquinas para pagamento de estacionamento automóvel, com a indicação dos preços e condições de utilização dos mesmos.
3. A Requerida foi, até 13/09/2023, proprietária do veículo automóvel com a matrícula (…).
4. Enquanto utilizadora do referido veículo, a Requerida estacionou o referido veículo, nos vários parques de estacionamento que a Requerente explora na cidade de BEJA, sem se dignar a proceder ao pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local.
5. Assim sucedeu, nomeadamente nos seguintes locais, que se discriminam:
(…)
6. O total do valor em dívida ascende a € 2.520,80 que a Requerida, apesar das inúmeras insistências da Requerente, se vem recusando a pagar até hoje.
7. Os juros de mora vencidos, somam € 194,32 calculados à taxa legal em vigor desde a data do vencimento dos respetivos avisos de pagamento até à presente data.
8. Deste modo, tem a Requerente o direito de receber da Requerida o crédito no montante global de € 2.715,12 e ainda o direito a executar o património da devedora nos termos do disposto no artigo 817.º do Código Civil.»
ii) o despacho recorrido tem o seguinte teor: Da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria: (…) – Sistemas de Dados e Comunicações, SA intentou a presente execução contra (…), apresentando como título executivo requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória e onde peticiona o pagamento da quantia global de € 2.766,12. A exequente alega que se dedica à exploração e prestação de serviços na área do parqueamento automóvel, que colocou em vários locais da cidade de Beja máquinas para pagamento da utilização dos parqueamentos e que o executado, proprietário do veículo com a matrícula (…), não procedeu aos pagamentos devidos pelo respectivo uso. Cumpre apreciar. A competência material determina-se pelo pedido formulado pelo exequente e pela respectiva causa de pedir, tal como se encontram configurados no requerimento inicial. Resulta do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – Lei n.º 13/2002, de 19/02) que compete à jurisdição administrativa julgar os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. Uma relação jurídica administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante particulares. Sob um diferente prisma, uma relação jurídica administrativa será também aquela que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração. No presente caso, impõe atentar no disposto no artigo 4.º, n.º 1, e), do ETAF, segundo o qual compete à jurisdição administrativa conhecer de questões relativas à “validade de actos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”. Ora, sendo a exequente concessionária de um serviço público, por via de contrato de concessão celebrado necessariamente com o Município de Beja, e assistindo-lhe o direito de cobrar um determinado montante pela utilização dos parques de estacionamento que explora, entendemos que está em causa uma questão de interesse público subjacente a um contrato de natureza administrativa. Os montantes devidos pela utilização dos parqueamentos consubstanciam verdadeiras taxas municipais, como decorre do Regulamento de Trânsito do Município de Beja, aprovado em reunião de Câmara de 03.07.2013 e em reunião da Assembleia Municipal de 16.09.2013 (cfr. artigos 48.º, n.º 2 e 62.º). A exequente exerce funções de carácter e interesse público que o Município de Beja decidiu concessionar, pelo que a cobrança de créditos apenas é possível pelos poderes de autoridade em que aquela está investida, caso contrário nunca seria possível cobrar uma taxa pela ocupação de um espaço público. Os actos da exequente são praticados no exercício de um poder público, isto é, na realização de funções públicas e no domínio de actos de gestão pública. Por seu turno, o cidadão que utiliza o espaço de parqueamento sabe necessariamente que existe a concessão e aceita tacitamente as respectivas condições, as quais constam de um Regulamento Municipal. Assim, o contrato subjacente ao crédito exequendo insere-se no perímetro do disposto no artigo 4.º, n.º 1, e), do ETAF. Consequentemente, para conhecer do presente litígio é competente a jurisdição administrativa e fiscal. Neste sentido, entre muitos outros, vide o acórdão do STJ de 12/10/2010, o acórdão do TRL de 24/06/2010 e acórdãos do Tribunal de Conflitos de 25/11/2010, 02/03/2011 e 15/05/2014, todos acessíveis in.www.dgsi.pt. A infracção das regras de competência em razão da matéria determina, nos termos do artigo 96.º, a), do Código de Processo Civil, a incompetência absoluta do tribunal, excepção dilatória, de conhecimento oficioso (cfr. artigos 97.º, n.º 1 e 99.º do mesmo diploma). Determina o artigo 726.º, n.º 2, alínea b), que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso. Face ao exposto: Indefiro liminarmente o requerimento executivo deduzido por (…) – Sistemas de Dados e Comunicações, SA. Custas pela exequente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posta em causa na apelação a decisão que considerou verificada a exceção de incompetência em razão da matéria, por se ter entendido que o litígio respeita a uma relação jurídica parcialmente regulada por normas de direito público, constantes de um regulamento municipal – Regulamento de Trânsito do Município de Beja, aprovado em reunião de Câmara de 03-07-2013 e em reunião da Assembleia Municipal de 16-09-2013 –, encontrando-se a respetiva apreciação abrangida pela competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em consequência do que se indeferiu liminarmente o requerimento executivo, condenando-se a exequente nas custas.
Discordando de tal entendimento, defende a recorrente a competência em razão da matéria dos tribunais judiciais, sustentando que a presente ação tem por objeto uma relação jurídica regulada pelo direito privado, estabelecida entre a apelante e a utente executada.
Vejamos se lhe assiste razão.
Os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada, enquanto os outros tribunais, de outras ordens jurisdicionais, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas, conforme se extrai do disposto no artigo 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 64.º do Código de Processo Civil e do artigo 40.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto).
Daqui resulta que a competência dos tribunais judiciais só se verifica quando as regras reguladoras de outra ordem jurisdicional não abranjam a apreciação da questão submetida a tribunal.
Impõe-se, assim, analisar o objeto da ação e averiguar da existência de norma específica atributiva de competência a jurisdição especial, no caso, aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal administrar a justiça nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais, conforme dispõe o artigo 212.º, n.º 3, da CRP, e o artigo 144.º, n.º 1, da LOSJ, esclarecendo o artigo 1.º, n.º 1, do ETAF, que tal competência se reporta aos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto. Dispõe este preceito, no seu n.º 1, que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas às matérias elencadas nas alíneas a) a n), bem como, conforme consta da alínea o), às relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nessas alíneas.
Nos termos da invocada alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.
É sabido que a competência do tribunal deve ser aferida em função da forma como o autor estrutura o pedido e a respetiva causa de pedir, bem como pela natureza das partes.
Está em causa, nos presentes autos, uma ação proposta por entidade concessionária da exploração particular de zonas de estacionamento em espaços públicos, que demanda um particular, visando a cobrança coerciva do pagamento de quantias devidas pela utilização dessas zonas de estacionamento.
Estas obrigações, cujo cumprimento coercivo vem peticionado na ação, decorrem da prestação pela apelante, na qualidade de concessionária, de serviços de interesse público, em cumprimento de contrato de concessão celebrado com a Câmara Municipal de Beja, cuja execução se encontra regulada por normas de direito público constantes de regulamento municipal, pelo que se mostra preenchida a previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, conforme considerou a 1.ª instância.
A questão em apreciação foi objeto de diversas decisões do Tribunal dos Conflitos, podendo indicar-se, a título exemplificativo, o acórdão de 02-03-2011 (publicado em www.dgsi.pt), proferido no processo n.º 024/10 (relator: Maia Costa), no qual se entendeu o seguinte: Como é uniformemente entendido na doutrina e na jurisprudência, a competência material dos tribunais determina-se segundo os termos em que foi posta a acção, ou, por outras palavras, de acordo com o pedido e a causa de pedir da acção (…) Analisada a petição, constata-se que a A. pretende que o R. seja condenado a pagar-lhe certa importância, acrescida de juros de mora, com o fundamento em que, sendo detentora da exploração, gestão e manutenção de espaços de estacionamento para veículos na cidade de Ponta Delgada, mediante vários contratos de concessão celebrados com o respectivo Município, segundo os quais os utilizadores daqueles espaços de estacionamento ficam obrigados ao pagamento de uma determinada quantia, o R. utilizou por diversas vezes aqueles espaços de estacionamento sem que haja procedido ao pagamento das quantias devidas. Os tribunais judiciais gozam de competência genérica ou residual, o que significa que são competentes para o conhecimento de todas as causas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais – artigos 211.º, n.º 1, da Constituição e 18.° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais. Ao invés, os tribunais administrativos têm a sua competência limitada aos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais – artigos 212.°, n.° 3, da Constituição e 1.º, n.° 1, do ETAF. No caso dos autos, o Município de Ponta Delgada celebrou com a A. contratos de concessão da exploração do estacionamento em lugares públicos daquela cidade. As condições de exploração desses locais de estacionamento, incluindo o tarifário e o regime sancionatório, civil e contra-ordenacional, bem como a sua fiscalização, encontram-se definidos no Regulamento aprovado pela Assembleia Municipal de Ponta Delgada, publicado através do Aviso n.° 4118/2004, no DR, II Série, de 1.6.2004. Ficou, assim, a A. investida de poderes para gerir e fiscalizar os locais de estacionamento em locais pertencentes ao domínio público, e para cobrar as respectivas taxas aos utentes. As quantias peticionadas nesta acção respeitam a taxas alegadamente não pagas pelo R. pelo estacionamento nesses locais de dois veículos. O contrato de concessão celebrado entre a A. e a Câmara Municipal de Ponta Delgada, ao abrigo do artigo 9.° do dito Regulamento cujo texto é o seguinte: “Nos termos da lei geral pode o município decidir concessionar o estacionamento de duração limitada a empresa pública ou privada, bem como pode ainda concessionar a fiscalização do cumprimento do estatuído no presente Regulamento.” investiu a primeira de poderes próprios de um sujeito de direito público, na medida em que pode cobrar taxas pelo estacionamento, fiscalizar a regularidade do mesmo e aplicar taxas sancionatórias pelo não pagamento da taxa devida, exercendo, assim, os poderes que o Município originariamente detinha sobre o espaço público. A relação jurídica estabelecida entre a A. e o R. tem, pois, natureza administrativa, já que a A. agiu no exercício de um poder público e na prossecução de um interesse também público. Não procede, pois, a argumentação aduzida pela A., que reconhece a natureza administrativa do contrato de concessão, mas defende que ela não se comunica às relações entre ela e os utentes, que seriam relações de direito privado, tendo a quantia devida pelo estacionamento a natureza de preço pelo serviço prestado, e não de taxa. Mas não é assim, como já se afirmou atrás. O contrato de concessão confere à A. os poderes que a Câmara Municipal detinha sobre o espaço público afectado ao estacionamento de veículos. A concessão envolve a transferência desses poderes para a concessionária, que intervém afinal como gestora do espaço público, não propriamente no seu interesse próprio, mas na prossecução do interesse público na administração daquele espaço segundo os preceitos estabelecidos no Regulamento Municipal. A relação entre a A. e o R., tem, pois, natureza administrativa, e, consequentemente, a competência para o julgamento da presente acção cabe aos tribunais administrativos, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do ETAF.
No mesmo sentido decidiu o Tribunal dos Conflitos, entre outros, nos acórdãos (publicados em www.dgsi.pt) seguintes:
- acórdão de 09-06-2010, proferido no processo n.º 5/10 (relator: Oliveira Mendes), em que se entendeu o seguinte: I - É contrato administrativo um contrato através do qual uma município de concede uma empresa provada a exploração, gestão e manutenção de espaços públicos destinados ao estacionamento de veículos, bem como a instalação e exploração de parquímetros, contrato segundo o qual os utilizadores daqueles espaços de estacionamento ficam obrigados ao pagamento de taxa, cujo montante varia em função do tempo de utilização. II - Cabe aos tribunais administrativos conhecer de acção em que se pretende obter o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes desse contrato.
- acórdão de 25-11-2010, proferido no processo n.º 21/10 (relator: Adérito Santos), em que se entendeu o seguinte: I - A competência material do tribunal afere-se pela relação jurídica controvertida, tal como é configurada na petição inicial. II - Nos termos do artigo 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, os tribunais administrativos são os competentes para o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de ralações jurídicas administrativas. III - Por relações jurídicas administrativas devem entender-se aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de interesse público legalmente definido. IV - Assim, compete à jurisdição administrativa conhecer de uma acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato, na qual a autora, concessionária da exploração e manutenção de parques de estacionamento em espaços públicos, em conformidade com determinado regulamento municipal, pede a condenação da ré no pagamento de quantias, devidas pela utilização desses parques.
No mesmo sentido tem decidido esta Relação de Évora, apreciando casos análogos ao dos presentes autos, no âmbito de recursos interpostos pela mesma apelante, podendo indicar-se, a título exemplificativo, os acórdãos seguintes (publicados em www.dgsi.pt):
- o acórdão de 16-12-2024, proferido no processo n.º 42536/24.7YIPRT.E1 (relatora: Maria João Sousa e Faro), em que se entendeu o seguinte: O requerimento de injunção para cobrança de taxas ou tarifas apresentado pelos concessionários municipais ao qual haja sido deduzida oposição, consubstancia-se, nos termos da lei, numa acção cujo conhecimento é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais ( cfr. alínea o) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF).
- o acórdão de 30-01-2025, proferido no processo n.º 42537/24.5YIPRT.E1 (relator: José António Moita), em que se entendeu o seguinte: I. Colocada na posição de concessionária da exploração do estacionamento tarifado de superfície em via pública e equiparada num município, a Apelante prossegue finalidades de interesse público estando, assim, munida de poderes de autoridade para tal, o que configura a existência de uma relação jurídica administrativa/tributária. II. Os tribunais judiciais não são materialmente competentes para apreciação de procedimento de injunção com vista ao pagamento de quantias monetárias relativas ao estacionamento de viatura particular em zonas abrangidas pela concessão de exploração do estacionamento tarifado por parte de uma Câmara Municipal.
No mesmo sentido decidiu diversas vezes a Relação de Lisboa, apreciando casos análogos ao dos presentes autos, no âmbito de recursos interpostos pela mesma apelante, podendo indicar-se, a título exemplificativo, os acórdãos seguintes (publicados em www.dgsi.pt):
- o acórdão de 04-02-2025, proferido no processo n.º 118032/24.5YIPRT.L1-7 (relatora: Ana Rodrigues da Silva), em que se entendeu o seguinte: A acção proposta por entidade concessionária da exploração particular de zonas de estacionamento automóvel em espaços públicos pedindo a condenação no pagamento de quantias devidas pela utilização desses estacionamentos é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
- o acórdão de 20-03-2025, proferido no processo n.º 86424/24.7YIPRT.L1-6 (relator: Eduardo Peterson Silva), em que entendeu o seguinte: Os tribunais judiciais não são materialmente competentes para apreciação de procedimento de injunção em que se pedem quantias não pagas, devidas por estacionamento de viatura particular em zonas abrangidas por concessão de exploração do estacionamento tarifado por parte de uma Câmara Municipal.
- o acórdão de 10-04-2025, proferido no processo n.º 143397/23.2YIPRT.L1-6 (relatora: Cláudia Barata), em que se entendeu o seguinte: I. - Compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais conhecer do mérito da injunção, transmutada em acção por força da dedução de oposição, proposta pela empresa, a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, com vista à obtenção do pagamento das quantias devidas por particular decorrentes da utilização da zona de estacionamento (artigo 4.º, n.º 1, do ETAF). II- Os Tribunais Cíveis são incompetentes em razão da matéria para conhecer do mérito de tais injunções/acções.
Aderindo à indicada jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, bem como das Relações, cujos fundamentos são transponíveis para a situação a que respeitam os presentes autos, não se vislumbrando motivo para deles divergir, cumpre considerar que as regras reguladoras da jurisdição administrativa e fiscal abrangem a apreciação da questão submetida a tribunal, o que afasta a competência residual dos tribunais judiciais.
Improcede, assim, o recurso, cumprindo confirmar a decisão recorrida.
Em conclusão: (…)
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 25-06-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (1.ª Adjunta)
Mário João Canelas Brás (2.º Adjunto)