INCÊNDIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS MATERIAIS
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Sumário

I – O recurso à equidade na quantificação da indemnização por danos patrimoniais pressupõe, nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do CC, que não possa averiguar-se o valor exato dos danos, o que impõe se aprecie se decorre dos factos provados a impossibilidade de determinação ulterior do valor dos danos;
II - Só em caso afirmativo, reputando-se inviável tal quantificação, permite o preceito ao tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados;
III - Caso se considere possível a averiguação do valor dos danos, há que relegar a fixação da indemnização para liquidação posterior, ao abrigo do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do CPC;
IV – Nas situações em que foi formulado um pedido genérico e o mesmo não foi posteriormente concretizado através de liquidação, perante a não quantificação da pretensão formulada, impõe o artigo 609.º, n.º 2, a condenação genérica no montante que vier a ser liquidado.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 632/21.3T8BJA.E1
Juízo Central Cível e Criminal de Beja
Tribunal Judicial da Comarca de Beja

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

(…) intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra (…) – Sociedade Comercial e Serviços, Lda., pedindo a condenação da ré: a) a plantar, no prazo de 60 dias, 5.500 medronheiros – com o tamanho e características dos medronheiros ardidos -, o sistema de rega e a cerca que ficaram totalmente destruídos como consequência do incêndio ou, alternativamente, a pagar ao autor a quantia total de € 341.742,10, necessária à reconstituição da situação que existia à data do incêndio; b) a pagar ao autor o montante de € 70.520,00, referente aos lucros que deixou de receber pela perda total dos frutos das árvores afetadas pelo incêndio e, bem assim, do montante que vier a ser apurado em liquidação posterior de sentença, quanto aos prejuízos que sofrerá até total reconstituição da situação que existia à data do incêndio; c) a pagar juros de mora desde a data da interpelação em 16-11-2020 até efetivo e integral pagamento.
O autor baseia o pedido formulado em responsabilidade civil extracontratual, por danos sofridos em virtude de estragos causados por incêndio ocorrido, no contexto que descreve, num terreno que explora e no qual plantou um medronhal, como tudo melhor consta da petição inicial.
A ré contestou, defendendo-se por exceção – arguindo a ilegitimidade passiva – e por impugnação, bem como invocando a litigância de má fé por parte do autor; mais requereu a intervenção principal provocada de (…) – Companhia de Seguros, S.A. e de Companhia de Seguros (…), S.A..
O autor apresentou articulado no qual se pronuncia sobre a matéria de exceção e sobre a intervenção de terceiros requerida pela ré.
Foi admitida a requerida intervenção principal provocada de (…) – Companhia de Seguros, S.A. e de Companhia de Seguros (…), S.A., na sequência do que foram citadas as intervenientes.
Ambas as intervenientes apresentaram contestação.
Dispensada a audiência prévia, foi fixado o valor à causa e proferido despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se julgou a ação parcialmente procedente, nos termos seguintes:
Pelo exposto, o Tribunal:
A) Julga a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente condena a Ré (…) – Sociedade Comercial e Serviços, Lda. a pagar ao Autor a quantia de € 18.026,18 (dezoito mil e vinte e seis euros e dezoito cêntimos) acrescida de juros de mora desde a citação;
B) Absolve as Intervenientes Companhia de Seguros (…) S.A. e (…) – Companhia de Seguros, S.A. de todos os pedidos.
Custas pelo Autor na proporção de 95% e pela Ré (…) – Sociedade Comercial e Serviços, Lda. na proporção de 5% – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, limitado à quantificação da indemnização relativa à perda de produção e à data do início da contagem dos juros de mora, terminando as alegações com a dedução das conclusões que se transcrevem:
«I. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo no dia 19.01.2025, através da qual a ação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a parca quantia de € 18.026,16 (dezoito mil e vinte e seis euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação, em que € 13.026,18 se referem à indemnização devida pela reconstituição da situação existente à data do incêndio e € 5.000,00 à indemnização devida pela perda de produção.
II. O recurso incide apenas e tão só no que se refere à indemnização arbitrada pela perda de produção, aceitando o Autor o valor de € 13.026,18 para reconstituição da situação que existia à data do incêndio.
III. O recurso incide, ainda, sobre o início da data de contagem dos juros de mora.
IV. Para esses efeitos, o recurso versa sobre matéria de facto e sobre matéria de direito, sendo que quanto àquela sem necessidade de reapreciação da prova gravada, bastando-se com a prova documental e demais peças processuais elaboradas pelas partes.
V. Em termos de matéria de facto, importa corrigir um evidente erro de escrita no ponto 17 dos factos provados, o qual terá de se adequar ao ponto 10 e que resultou provado através do relatório pericial elaborado judicialmente e que foi submetido aos autos em 29.04.2023, no qual consta que a área afetada pelo incêndio foi de 6,59 hectares.
VI. Devendo este ponto 17 passar a ter a seguinte redação: «17. O Autor perdeu toda a produção de medronho no ano de 2019, com referência aos 6,59 hectares ardidos;»
VII. Por outro lado, o Tribunal a quo omite por completo da matéria de facto – provada e não provada – dois factos relevantes e alegados pelo Autor, ora Recorrente, para o cálculo da indemnização pela perda de produção e para a definição do início da mora.
VIII. O primeiro facto refere-se aos custos de produção e o segundo à interpelação extrajudicial da Ré.
IX. Com a petição inicial o Recorrente juntou aos autos dois documentos através dos quais é possível verificar os custos de produção expectáveis (Doc. 5) e os custos de produção anuais efetivamente incorridos (Doc. 21).
X. Já a Interveniente (…), no artigo 47º da sua contestação, alega que após a perícia que realizou na sequência do incêndio conseguiu apurar que a margem de lucro do negócio corresponde a 50% do lucro, conforme relatório que juntou ao processo no dia 15.06.2022.
XI. Pelo que, relativamente aos custos de produção, entende o ora Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter feito constar da matéria de facto provada, com base na prova acima referida, o seguinte facto, cuja ampliação se requer a V. Exas. que determinem:
«33. O custo de produção dos medronheiros representa cerca de 50% da margem de lucro admissível do Autor.»
XII. Caso entendesse não dispor de prova suficiente relativa aos custos de produção, atendendo à importância destes no cálculo do quantum indemnizatório, competiria ao Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 411.º do Código de Processo Civil, oficiosamente, ter determinado a junção aos autos de outros elementos que considerasse indispensáveis para estes efeitos ou, alternativamente, condenar a Ré no pagamento desta indemnização a liquidar posteriormente nos termos e para os efeitos do artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
XIII. Não podia é como o fez, nada requerer e depois, a final, recorrer à equidade, referindo-se à manifesta existência de custos, os quais entendeu não apurar.
XIV. Ainda quanto à matéria de facto, importa ainda ampliar um facto provado por acordo das partes e que se refere à interpelação extrajudicial formal da Ré para a reconstituição da situação que existia à data do incêndio a que deu origem e respetivo pagamento de uma indemnização ali calculada.
XV. Com a petição inicial, o Autor juntou aos autos como Doc. 15 a carta de interpelação que remeteu à Ré no dia 13.11.2020 e que foi por aquela recebida no dia 16.11.2020, conforme a própria Ré aceitou e confessou no artigo 46º da contestação.
XVI. Ora, este facto releva para apreciação do terceiro pedido formulado pelo Autor na sua petição inicial – o qual não foi apreciado em termos de fundamentação, limitando-se o Tribunal a quo a condenar – mal – a Ré nos juros de mora a contar desde a data da citação.
XVII. Com efeito, nos termos conjugados nos artigos 804.º, n.º 2 e 805.º, n.º 1, ambos do Código Civil, o devedor constituiu-se em mora depois de ser extrajudicialmente interpelado para cumprir.
XVIII. Nesses termos, importa ampliar a matéria de facto provada, com base na prova acima mencionada (prova documental e aceitação da Ré), devendo ser introduzido um novo ponto da matéria de facto, com a seguinte redação que se sugere:
«34. Por carta datada de 13.11.2020 e recebida pela Ré em 16.11.2020, esta foi interpelada extrajudicialmente pelo Autor para, em 10 dias, reconstituir a situação que existia à data do incêndio, nomeadamente através do pagamento de uma indemnização ali quantificada.»
XIX. De resto, a sentença recorrida contém matéria de facto mais do que suficiente para calcular o quantum indemnizatório pela perda de produção, sem necessidade de recorrer à equidade, nomeadamente através da análise crítica dos pontos da matéria de facto provados n.º 6 e 10 a 22.
XX. Porém, ao efetuar um cálculo perfeitamente simples, a sentença ora em crise erra no respetivo resultado e faz uma incorreta aplicação do direito aos factos provados.
XXI. Na verdade, a sentença recorrida apenas liquida – com erros de cálculo aritmético – as perdas de produção relativas ao ano de 2019 com relação a 6.200 medronheiros (em vez dos 6.590 medronheiros afetados), esquecendo-se, por completo, de calcular aquelas perdas no que se refere i) aos medronheiros completamente destruídos pelo incêndio e ainda não replantados (pontos 12 e 13 dos factos provados), cujos prejuízos se continuam a acumular e verificar na presente data; e ii) aos medronheiros parcialmente afetados pelo incêndio e respetiva interrupção do ciclo de produção normal.
XXII. Ora, ficou provado que:
1. Os medronheiros foram plantados pelo Autor em 2014, encontrando-se na data do incêndio, em 2019, no seu primeiro ano de produção (pontos 6 e 19);
2. No ano de 2019, o Autor perdeu toda a produção de medronho na área afetada pelo incêndio de 6,59 hectares (pontos 11 e 17);
3. Os medronheiros estavam plantados com um compasso de 5x2, pelo que nos 6,59 hectares afetados pelo incêndio, encontravam-se 6.590 medronheiros (ponto 6);
4. A produção no primeiro ano é de 3 a 5 kg de medronho por planta e entre 10 kg a 15 kg nos anos subsequentes (ponto 20);
5. O preço do kg de medronho ao consumidor final ronda os cerca de € 1,50 (ponto 21) e ao consumidor final roda os € 12,00/kg (Iva incluído).
XXIII. Com base nesta prova, ainda que se fizessem as contas pelo mínimo e de forma conservadora, era possível estimar que, relativamente ao ano de 2019, o Autor poderia ter tido um lucro estimado de cerca de € 29.655,00 (6.590 medronheiros*3kg*€ 1,5), o qual, subtraído aos custos de produção de cerca de 50% dos rendimentos estimados, daria um lucro no montante de € 14.827,50 (€ 29.655,00 : 2)!
XXIV. Portanto, só calculando o prejuízo sofrido pelo Autor no ano do incêndio, e com base na matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo, este seria muito superior ao valor fixado por aquele de acordo com a equidade.
XXV. Àquele valor deverá acrescer, ainda, os prejuízos sofridos pelo Autor nos anos seguintes relativamente aos 660 medronheiros que ficaram totalmente destruídos pelo incêndio e que ainda não foram replantados (pontos 12 e 13 da matéria de facto provada) e que, desde 2020 até à replantação (que ainda não ocorreu) têm dado prejuízos ao Autor, os quais ascendem, na presente data e após desconto dos custos de produção, ao montante de € 79.200,00, conforme tabela discriminativa e justificativa supra, a qual foi elaborada tendo por base a matéria de facto provada.
XXVI. A estes valores acrescem, ainda, os prejuízos do Autor com referência aos restantes medronheiros que ficaram afetados com o incêndio, sem ficarem, contudo, completamente destruídos.
XXVII. Conforme decorre da matéria de facto provada, apenas 0,7 hectares de medronheiros regeneraram no ano de 2020, pelo que todos os restantes medronheiros afetados, com exceção dos 660 completamente destruídos, deixaram de produzir nos anos seguintes, tendo iniciado um novo ciclo de produção nos termos do ponto 18 da matéria de facto considerada como provada.
XXVIII. Neste sentido, quanto a estes medronheiros afetados pelo incêndio e que não se regeneraram no ano seguinte no equivalente a 5.230 medronheiros, os prejuízos sofridos pelo Recorrente como consequência do incêndio ascende, na presente data e após dedução dos custos de produção, ao montante de € 203.745,00, conforme tabela justificativa que se introduziu nas motivações supra.
XXIX. No total, em virtude do incêndio e com base na matéria de facto provada, a indemnização pela perda de produção deveria ter sido calculada em montante nunca inferior a € 297.772,50 (duzentos e noventa e sete mil e setecentos e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos), requerendo-se a V. Ex.ª que se dignem corrigir aquele valor.
XXX. Por último, dando-se como provada a interpelação extrajudicial, a condenação da Recorrida no pagamento dos juros deveria ocorrer a partir da data daquela, nos termos e para os efeitos dos artigos 804.º e 805.º do Código Civil.
XXXI. Termos em que nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a sentença recorrida ser revogada no que se refere ao quantum indemnizatório devido pela perda de produção e respetiva condenação, devendo ser substituída por uma outra que condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 310.798,68 (trezentos e dez mil e setecentos e noventa e oito euros, sessenta oito cêntimos), correspondente à soma da indemnização pela reconstituição da situação no montante de € 13.026,18 com a indemnização pela perda de produção, acrescida de juros desde a interpelação extrajudicial ocorrida em 16.11.2020 até efetivo e integral pagamento, só assim se fazendo a mais costumada Justiça!»
A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da reapreciação da decisão relativa à matéria de direito, no que respeita à quantificação da indemnização reportada à perda de produção e quanto à data do início da contagem dos juros de mora.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. Os pais do Autor – (…) e (…) – são os donos e legítimos proprietários do prédio misto denominado Herdade do (…), sito em S. (…), com a área total de 220,5 hectares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o n.º (…), da freguesia de S. (…), concelho de Mértola e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo (…) e na matriz rústica sob o artigo (…), secção (…), ambos da união das freguesias de S. (…) , S. (…) e S. (…);
2. No dia 12.01.2011, o pai do Autor cedeu-lhe a exploração da parte rústica do prédio urbano melhor identificado no artigo anterior, pelo prazo de vinte anos, sucessivamente renovável por períodos de 1 ano;
3. Nessa sequência, no dia 12.12.2012, o Autor candidatou-se aos fundos do Programa de Desenvolvimento Rural para Instalação de Jovens Agricultores;
4. No âmbito do projeto apresentado, o Autor instalou um medronhal (Arbutus unedo), com 10.870 árvores de regadio, a plantar numa área de 10,87 hectares do prédio cuja exploração lhe foi cedida pelos seus pais, com um compasso de 5x2 e com sistema de rega localizada;
5. O referido projeto foi aprovado em 05.06.2013, tendo sido, posteriormente, celebrado o competente contrato entre o Autor e o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.;
6. A plantação dos medronheiros iniciou-se após a aprovação do projeto pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. no ano de 2014, com um compasso de 5x2, o que resultou na plantação de cerca de 1.000 medronheiros por hectare, no montante total de 11.200 medronheiros;
7. No decurso do ano de 2019, o Autor contratou a empresa Ré para proceder ao corte e desbaste de ervas e para controlo do desenvolvimento vegetativo no prédio rústico cuja exploração lhe foi cedida pelos seus pais, denominado de Herdade do (…).
8. Nessa sequência, a Ré colocou dois funcionários com dois tratores agrícolas diferentes com corta-matos acoplado à tomada de força na propriedade explorada pelo Autor para prestar os serviços contratados.
9. No dia 11.05.2019, enquanto prestava os serviços contratados, um dos tratores agrícolas da propriedade da Ré, com a matrícula (…) e conduzido pelo funcionário daquela, (…), embateu numa pedra com o corta-matos, o qual soltou as faíscas que, em contacto com o pasto, provocaram um incêndio de grandes dimensões na Herdade do (…);
10. Como consequência do incêndio arderam 6,59 hectares de medronheiros;
11. Destes, existe uma área de 0,7 hectares que ficou menos afetada, tendo os medronheiros aí existentes perdido todos os seus frutos no ano de 2019 mas tendo renascido em 2020;
12. Ficaram destruídos pelo incêndio cerca de 100 plantas por hectare, num total de 660 plantas;
13. O custo da reposição dos medronheiros afetados pelo incêndio que não conseguiram recuperar é de € 4,00 por planta;
14. Em consequência do incêndio o sistema de rega ficou destruído;
15. Com a respetiva reposição o pai do Autor despendeu € 5.236,18 (cinco mil e duzentos e trinta e seis euros e dezoito cêntimos);
16. O Autor terá de substituir 515 m de cercado de rede, que também ficaram destruídos como consequência do incêndio e que, ainda, não foram substituídos, no montante total orçamentado de € 5.150,00 (cinco mil e cento e cinquenta euros);
17. O Autor perdeu toda a produção de medronho no ano de 2019, com referência aos 6,2 hectares ardidos;
18. O medronheiro apresenta uma rápida capacidade de regeneração após a ocorrência de incêndios florestais, retomando a produção após 2 a 3 anos;
19. Em média, o primeiro ano de produção do medronheiro é após cinco anos desde a respetiva plantação;
20. A produção no primeiro ano é de 3 a 5 kg de medronho por planta e entre 10 kg a 15 kg nos anos subsequentes;
21. O preço do kg de medronho ao produtor ronda cerca de € 1,50;
22. O preço de venda ao consumidor final do medronho biológico fresco ronda os € 12,00/Kg (com IVA incluído);
23. À data do sinistro a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do veículo com a matrícula (…) encontrava-se transferida para a companhia de seguros (…), S.A.;
24. Entre a (…) – Companhia de Seguros, SA e (…) – Sociedade Comercial e Serviços, Lda., foi celebrado um contrato de seguro de Responsabilidade Civil Exploração-Exploração Florestal/Corte de árvores;
25. A Fidelidade passou a garantir a responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil seja imputável ao Segurado no exercício da atividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições Especiais ou Particulares da Apólice;
26. Ficou garantido o pagamento de indemnizações (até ao limite do valor seguro constante das Condições Particulares) que sejam legalmente exigíveis ao Segurado por danos patrimoniais e/ ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros em consequência de atos ou omissões do Segurado, bem como dos seus empregados, assalariados ou mandatários, no exercício da atividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições Especiais ou Particulares da apólice;
27. Consideram-se trabalhadores abrangidos pela garantia todos aqueles que se encontrem vinculados ao Segurado por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado, bem como os praticantes, aprendizes, estagiários e demos situações que devam considerar-se de formação pratica, e ainda os que prestem pontualmente ao Segurado, em conjunto ou isoladamente, qualquer serviço remunerado, quando o acidente ocorra durante a execução desse serviço;
28. Nos termos das Condições particulares o Segurador garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao Segurado, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, em consequência dos trabalhos de exploração florestal, arranque, abate e corte de árvores e ainda de trabalhos de desmatação.
29. A garantia não abrange os danos:
a) Resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento das normas técnicas previstas para a execução dos respetivos projetos;
b) Causados durante operações de carga e descarga de produtos tóxicos, nocivos à saúde pública, corrosivos e/ou explosivos;
c) Causados à própria carga transportada, manuseada e armazenada, aos seus recipientes e contentores e aos veículos utilizados no seu transporte e/ou armazenamento.
30. A atividade declarada nas Condições Particulares é Exploração Florestal/Corte de Árvores.
31. Encontram-se garantidos os danos causados pelas máquinas abaixo indicadas quando utilizadas na atividade descrita nas Condições Particulares:
1 - Máquina Giratória de Rastos marca DAEWOO 220 Série 3;
2 - Trator de Rastos marca FIAT Itache 10E Turbo;
3 - Retroescavadora Marca CASE 580R;
4 - Máquina Giratória Rodas marca CASE 1188;
32. O capital garantido ao abrigo desta apólice é de € 100.000,00 por sinistro / período de vigência.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
A) Cada medronheiro, do tamanho e com as condições dos existentes à data do incêndio, tem um custo unitário de € 55,00 (cinquenta e cinco euros) + IVA;
B) O custo de mão-de-obra para retirar os medronheiros ardidos/secos, limpar os detritos, plantar ou retanchar os novos medronheiros e colocar o respetivo tubo protetor, no montante total estimado de € 10.705,92 (dez mil e setecentos e cinco euros e noventa e dois cêntimos);
C) Nos anos de 2020 e de 2021 o Autor perdeu a produção equivalente a 5.500 medronheiros.

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O recorrente põe em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida, defendendo a modificação da redação do facto julgado provado sob o ponto 17 e o aditamento de dois pontos à factualidade provada.
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
A apelante sustenta que o ponto 17 – com a redação: O Autor perdeu toda a produção de medronho no ano de 2019, com referência aos 6,2 hectares ardidos – enferma de lapso na parte relativa à quantidade de hectares ardidos, mostrando-se desconforme ao facto julgado provado sob o ponto 10 – com a redação: Como consequência do incêndio arderam 6,59 hectares de medronheiros; defende que o facto constante do ponto 10 impõe se modifique o ponto 17, passando a ter a redação seguinte: «O Autor perdeu toda a produção de medronho no ano de 2019, com referência aos 6,59 hectares ardidos».
Assiste razão ao apelante, existindo evidente desconformidade entre a redação dos dois pontos, na parte em que se reportam ao mesmo facto, a saber, a quantidade de hectares ardidos.
Face ao facto tido por provado sob o ponto 10, não impugnado na apelação, impõe-se a modificação do ponto 17, passando a ter a redação seguinte:
17 - O Autor perdeu toda a produção de medronho no ano de 2019, com referência à área ardida a que alude o ponto 10.
Mais requer o apelante o aditamento à matéria provada dos dois pontos seguintes:
i) «O custo de produção dos medronheiros representa cerca de 50% da margem de lucro admissível do Autor»;
ii) «Por carta datada de 13.11.2020 e recebida pela Ré em 16.11.2020, esta foi interpelada extrajudicialmente pelo Autor para, em 10 dias, reconstituir a situação que existia à data do incêndio, nomeadamente através do pagamento de uma indemnização ali quantificada».
No que respeita ao primeiro ponto, o apelante sustenta que «os custos de produção foram alegados pelo Autor, que juntou prova para o efeito, tendo sido admitidos e aceites pela Ré (…) na sua contestação e demais documentos juntos com o processo». Requer a reapreciação dos documentos que juntou com a petição inicial como docs. 5 e 21 e de documento junto aos autos pela interveniente (…) no dia 15-06-2022, alegando que tais elementos probatórios impõem se considere provado o facto em causa.
Analisando os elementos constantes do ponto i) – que o custo de produção dos medronheiros represente cerca de 50% da margem de lucro admissível do autor –, verifica-se que não configuram matéria de facto, antes se traduzindo em conclusões eventualmente baseadas em factos que extrapolam a respetiva redação, o que impede se verifique se os mesmos resultam ou não da prova produzida.
Como tal, considerando que os elementos em causa não constituem matéria de facto, antes envolvendo uma apreciação sobre factos não elencados, assim assumindo natureza conclusiva, não há que determinar o respetivo aditamento à factualidade provada, mostrando-se desnecessária a reapreciação dos meios de prova para o efeito indicados pelo recorrente.
No que respeita ao segundo ponto, verifica-se que o envio da mencionada carta e a respetiva receção pela ré foram alegados pelo autor nos artigos 24.º e 25.º da petição inicial, tratando-se de factos admitidos pela ré no artigo 46º da contestação; nesta conformidade, ao abrigo do disposto no artigo 574.º, n.º 2, do CPC, deverá tal matéria de facto considerar-se admitida por acordo, por falta de impugnação pela parte contrária.
Como tal, procede, nesta parte a impugnação da decisão de facto, cumprindo determinar o aditamento à matéria provada de um facto com a redação seguinte:
33 – O autor, através da sua mandatária, enviou em 13-11-2020 à ré, que a recebeu em 16-11-2020, a carta cuja cópia constitui o doc. n.º 15 junto com a petição inicial, da qual consta, além do mais, o seguinte:
Assunto: Incêndio Herdade do (…) ocorrido no dia 11.05.2019
Exmo. Senhor,
Fomos mandados pelo sr. (…) para o exercício dos seus direitos no âmbito do incêndio florestal que deflagrou na propriedade explorada pelo nosso Cliente, designada por Herdade do (…), no passado dia 11.05.2019.
(…)
Em suma, a soma dos lucros cessantes e dos prejuízos que o nosso Cliente já suportou como consequência do incêndio provocado pela sociedade representada por V. Ex.ª ascendem ao montante de € 515.233,70 (…), a que acrescerá o IVA à taxa legal aplicável a cada uma das rubricas acima mencionadas.
(…) vimos, pela presente, conceder-lhe um prazo de 10 (…) dias consecutivos a contar da data da receção da presente carta para que proceda ao nosso contacto tendo em vista obter um acordo relativamente ao pagamento do montante acima mencionado. (…).
Em suma, na parcial procedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, decide-se o seguinte:
i) modificar o ponto 17 da factualidade provada, que passará a ter a redação seguinte:
17 - O Autor perdeu toda a produção de medronho no ano de 2019, com referência à área ardida a que alude o ponto 10.
ii) aditar à matéria de facto julgada provada o ponto seguinte:
33 – O autor, através da sua mandatária, enviou em 13-11-2020 à ré, que a recebeu em 16-11-2020, a carta cuja cópia constitui o doc. n.º 15 junto com a petição inicial, da qual consta, além do mais, o seguinte:
Assunto: Incêndio Herdade do (...) ocorrido no dia 11.05.2019
Exmo. Senhor,
Fomos mandados pelo sr. (…) para o exercício dos seus direitos no âmbito do incêndio florestal que deflagrou na propriedade explorada pelo nosso Cliente, designada por Herdade do (…), no passado dia 11.05.2019.
(…)
Em suma, a soma dos lucros cessantes e dos prejuízos que o nosso Cliente já suportou como consequência do incêndio provocado pela sociedade representada por V. Ex.ª ascendem ao montante de € 515.233,70 (…), a que acrescerá o IVA à taxa legal aplicável a cada uma das rubricas acima mencionadas.
(…) vimos, pela presente, conceder-lhe um prazo de 10 (…) dias consecutivos a contar da data da receção da presente carta para que proceda ao nosso contacto tendo em vista obter um acordo relativamente ao pagamento do montante acima mencionado. (…).
iii) indeferir, no mais, a impugnação da decisão de facto.

2.2.2. Reapreciação da decisão relativa à matéria de direito
Pretende o autor, com a presente ação, ser indemnizado por danos sofridos em virtude de estragos causados por incêndio ocorrido em 11-05-2019 num terreno que então explorava, provocado por faíscas que se soltaram de um corta-matos pertencente à ré, na sequência de embate dessa máquina numa pedra no decurso do respetivo manuseamento por funcionário da ré em execução de trabalhos acordados entre esta sociedade e o apelante, baseando-se o pedido formulado em responsabilidade civil extracontratual.
Não vem posta em causa na apelação a questão da responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo autor em consequência de tal evento lesivo, que a decisão recorrida considerou competir à ré.
O apelante questiona, no recurso, o montante arbitrado a título de indemnização pela perda da produção de medronhos, em resultado da afetação de medronheiros plantados no terreno onde ocorreu o incêndio, bem como a data do início da contagem dos juros de mora considerados devidos, pelo que se encontra impugnada a parte da sentença em que se quantificou em € 5.000,00 a indemnização devida ao autor pela perda de produção decorrente do incêndio e o segmento decisório em que se estabeleceu a citação como data do início da contagem dos juros de mora.
2.2.2.1. Da determinação da indemnização
No que respeita à perda da produção, está em causa a peticionada condenação da ré a pagar ao autor o montante de € 70.520,00, a título de indemnização pelos lucros que deixou de receber em resultado da perda dos frutos das árvores afetadas pelo incêndio, acrescido do montante que vier a ser liquidado em decisão ulterior, quanto aos prejuízos que vier a sofrer até total reconstituição da situação que existia à data do incêndio.
Esta pretensão foi apreciada na sentença recorrida nos termos seguintes:
O Autor perdeu toda a produção de medronho no ano de 2019, com referência aos 6,2 hectares ardidos. Em média, o primeiro ano de produção do medronheiro é após cinco anos desde a respectiva plantação. A produção no primeiro ano é de 3 a 5 kg de medronho por planta e entre 10 kg a 15 kg nos anos subsequentes. O preço do kg de medronho ao produtor ronda cerca de € 1,50. O preço de venda ao consumidor final do medronho biológico fresco ronda os € 12,00/Kg (com IVA incluído).
Assim, no ano de 2019 o autor terá perdido 2.480 kg de produção (6.200 medronheiros X 4 kg). Não resultou demonstrada a perda alegada pelo autor nos anos subsequentes.
O Autor não demonstrou ter deixado de receber, em concreto, qualquer quantia pela perda do medronho, desde logo por não ter alegado nem demonstrado o destino que tencionava dar ao medronho produzido na altura da ocorrência do incêndio. Desconhece-se se o autor deixou de cumprir algum contrato de venda do medronho, por exemplo, ou se deixou de cumprir qualquer outra obrigação contratual. É razoável supor que tencionasse obter algum lucro com a exploração, independentemente da forma como o faria.
Na ausência de elementos seguros e sabendo que o autor teve perdas na produção, há que recorrer à equidade com vista à determinação da indemnização por essa perda.
Assim, tendo em vista os elementos referidos e ainda a circunstância de ser manifesta a existência de custos de produção, recorrendo à equidade fixa-se em € 5.000,00 a indemnização pela perda de produção.
O autor peticiona ainda a condenação da ré no pagamento do montante que vier a ser apurado em liquidação posterior de sentença, quanto aos prejuízos que o Autor sofrerá até total reconstituição da situação que existia à data do incêndio.
A este respeito não só não resultaram demonstrados quaisquer factos como não se vislumbra que outros prejuízos poderá ainda o autor vir a sofrer em consequência do incêndio, na medida em que a situação se encontra perfeitamente delimitada. Assim, nada é devido a este título
No recurso que interpôs, o apelante manifesta discordância da quantificação do montante indemnizatório relativo aos prejuízos sofridos com a perda da produção no ano de 2019, pondo em causa o recurso à equidade e os critérios tidos em conta para o efeito, invocando, designadamente, erros de cálculo; mais sustenta que não foram tidos em conta os prejuízos decorrentes das perdas de produção subsequentes ao ano de 2019, no que respeita aos medronheiros completamente destruídos pelo incêndio e ainda não replantados, bem como aos medronheiros parcialmente afetados pelo incêndio e cujo ciclo de produção normal foi interrompido.
Estão em causa as questões seguintes: i) a determinação dos danos a indemnizar, aferindo se se extrai da matéria de facto provada, além da perda da produção relativa ao ano de 2019, tida em conta pela 1.ª instância, a existência de outros prejuízos patrimoniais decorrentes da perda da produção nos anos seguintes; ii) a quantificação do valor desses danos e a determinação do montante indemnizatório.
É sabido que a lei faz depender a responsabilidade civil da existência de um dano, não definindo, porém, em que consiste esta condição da obrigação de indemnizar.
Ao estatuir, no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, o princípio geral em matéria de responsabilidade extracontratual, a lei define os requisitos da obrigação de indemnizar, entre os quais inclui a existência de um dano como pressuposto da responsabilidade civil.
No âmbito dos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil[1], o dano constitui igualmente pressuposto da responsabilidade e é definido, no artigo 2:101, sob a epígrafe “Dano ressarcível”, nos termos seguintes: “O dano consiste numa lesão material ou imaterial a um interesse juridicamente protegido”.
Tradicionalmente, o dano tem sido considerado pela doutrina como uma lesão de bens ou interesses juridicamente tutelados[2], o que implica necessariamente uma alteração na situação que se verificaria sem o evento lesivo, evidenciada por comparação entre tal hipotética situação e a efetivamente existente[3].
No caso presente, dúvidas não há de que o ato lesivo violou o direito de propriedade do autor e deu causa a alterações na situação em que o apelante previsivelmente estaria sem a ocorrência desse evento, tendo provocado danos patrimoniais decorrentes da privação da obtenção de rendimentos resultantes da exploração do prédio afetado pelo incêndio.
Encontra-se assente que o incêndio ocorrido em 11-05-2019 afetou os medronheiros plantados pelo autor no prédio que explorava, dando causa à perda de toda a produção de medronho do ano de 2019, o que privou o autor da obtenção dos rendimentos decorrentes da produção desse ano, conforme considerou a 1.ª instância.
No que respeita aos medronheiros a que alude o ponto 11 de 2.1.1, que não foram destruídos, mas parcialmente afetados pelo incêndio, apesar de terem perdido os frutos no ano de 2019, encontra-se assente que voltaram a produzir no ano de 2020, não se extraindo da factualidade assente a verificação de alterações relevantes ao ciclo de produção normal destas árvores ou outros elementos que permitam considerar demonstrada a perda pelo autor da obtenção de rendimentos relativos à produção desses medronheiros após 2019.
No mais, encontrando-se provado que, em consequência do incêndio, arderam 6,59 hectares de medronheiros, tendo ficado destruídas 660 plantas, cuja reposição ainda não foi efetuada – tendo a 1.ª instância condenado a ré, em segmento decisório não impugnado no presente recurso, a pagar ao autor o montante necessário a custear tal reposição –, verifica-se que a destruição destas árvores tem, naturalmente, como consequência a inexistência dos frutos que periodicamente produziriam, privando o autor da obtenção dos rendimentos que daí previsivelmente decorreriam.
A privação da obtenção dos rendimentos decorrentes dos frutos que os 660 medronheiros destruídos e ainda não repostos previsivelmente produziriam nos anos subsequentes a 2019, constituindo um dano futuro previsível, é indemnizável, nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil, o que impõe a revogação, nesta parte, da decisão recorrida.
Em suma, verifica-se que o ato lesivo provocou danos patrimoniais decorrentes da privação da obtenção de rendimentos resultantes da exploração do prédio afetado pelo incêndio, cumprindo atender: i) à perda de toda a produção de medronho do ano de 2019; ii) à inexistência dos frutos que os 660 medronheiros destruídos e ainda não repostos periodicamente produziriam nos anos seguintes.
De seguida, há que determinar a medida da indemnização devida ao autor, tendo em consideração estes danos patrimoniais decorrentes do evento lesivo.
Tratando-se de danos patrimoniais, a natureza material da lesão sofrida permite a efetiva indemnização do lesado, com a remoção da alteração causada no seu património, no caso, através do pagamento de uma quantia monetária, visando torná-lo indemne, conforme princípio geral estabelecido no artigo 562.º do Código Civil.
Com relevo para o efeito, provou-se o seguinte:
4. (…) o Autor instalou um medronhal (…) com 10.870 árvores de regadio, a plantar numa área de 10,87 hectares do prédio cuja exploração lhe foi cedida pelos seus pais, com um compasso de 5x2 e com sistema de rega localizada;
6. A plantação dos medronheiros iniciou-se após a aprovação do projeto pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. no ano de 2014, com um compasso de 5x2, o que resultou na plantação de cerca de 1.000 medronheiros por hectare, no montante total de 11.200 medronheiros;
10. Como consequência do incêndio arderam 6,59 hectares de medronheiros;
11. Destes, existe uma área de 0,7 hectares que ficou menos afetada, tendo os medronheiros aí existentes perdido todos os seus frutos no ano de 2019 mas tendo renascido em 2020;
12. Ficaram destruídos pelo incêndio cerca de 100 plantas por hectare, num total de 660 plantas;
17. O Autor perdeu toda a produção de medronho no ano de 2019, com referência à área ardida a que alude o ponto 10;
19. Em média, o primeiro ano de produção do medronheiro é após cinco anos desde a respetiva plantação;
20. A produção no primeiro ano é de 3 a 5 kg de medronho por planta e entre 10 kg a 15 kg nos anos subsequentes;
21. O preço do kg de medronho ao produtor ronda cerca de € 1,50;
22. O preço de venda ao consumidor final do medronho biológico fresco ronda os € 12,00/Kg (com IVA incluído).
Apesar de se verificar que o incêndio provocou danos patrimoniais decorrentes da privação da obtenção dos rendimentos resultantes da exploração do prédio afetado, não resultam da matéria de facto provada elementos que permitam quantificar a indemnização devida ao autor no que respeita aos montantes que deixou de auferir em consequência da perda de toda a produção de medronho do ano de 2019 e da inexistência dos frutos que os 660 medronheiros destruídos e ainda não repostos produziriam nos anos seguintes, sendo certo que, no aludido cálculo, cumpre ter em conta, além do mais, as despesas necessárias a tal exploração e que não foram, ou não serão, suportadas, o que não consta da factualidade assente.
Aqui chegados, cumpre aferir, relativamente a cada um dos danos em apreciação – rendimentos que o autor deixou de auferir em consequência: i) da perda de toda a produção de medronho do ano de 2019; ii) da inexistência dos frutos que os 660 medronheiros destruídos e ainda não repostos periodicamente produziriam nos anos seguintes –, se é de fixar a indemnização com recurso à equidade ou se se impõe a remessa da fixação da indemnização para decisão ulterior.
Reportando-se à indemnização em dinheiro, o artigo 566.º do Código Civil dispõe, além do mais, o seguinte: 2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos; 3. Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Dispõe o artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por seu turno, que, se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
No que respeita à indemnização pela perda de rendimentos decorrentes da falta de produção, nos anos subsequentes a 2019, pelos 660 medronheiros destruídos e ainda não repostos, verifica-se que o autor formulou um pedido genérico, ao abrigo do disposto no artigo 556.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o qual não foi posteriormente concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358.º do mesmo código.
Como tal, verificando que o autor não quantificou a pretensão indemnizatória que deduziu a este título, impõe o artigo 609.º, n.º 2, do CPC, a condenação genérica no montante que vier a ser liquidado, pelo que cumpre relegar a fixação desta parte da indemnização para decisão ulterior.
Quanto à indemnização pelos rendimentos que o autor deixou de auferir em consequência da perda de toda a produção de medronho do ano de 2019, decidiu a 1.ª instância fixar a indemnização com recurso à equidade, opção que cumpre reapreciar, aferindo se se mostram preenchidos os pressupostos estabelecidos na lei para o efeito.
O artigo 566.º, n.º 3, do CC, prevê a fixação da indemnização com recurso à equidade nos casos em que não puder ser averiguado o valor exato dos danos.
Como tal, o recurso à equidade na quantificação da indemnização exige a verificação de tal pressuposto, isto é, não poder averiguar-se o valor exato dos danos, o que impõe se aprecie se decorre dos factos provados a impossibilidade de determinação ulterior do valor dos danos e só em caso afirmativo, reputando-se inviável tal quantificação, permite o artigo 566.º, n.º 3, do CC, ao tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados; caso se considere possível a averiguação do valor exato dos danos, há que relegar a fixação da indemnização para liquidação posterior, ao abrigo do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do CPC.
Neste sentido, Henrique Sousa Antunes (Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Coord. José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 571), em anotação ao artigo 566.º do CC, afirma: «(…) observa-se que a conjugação entre o artigo 566.º, n.º 3, e o artigo 609.º, n.º 2, do CPC parece revelar a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos».
Analisando a factualidade tida por provada, não se vislumbra que não possa ser averiguado o valor dos rendimentos que o autor deixou de auferir em consequência da perda da produção de medronho do ano de 2019, pelo que se mostra desprovido de fundamento legal o recurso à equidade na quantificação da indemnização em causa, o que impõe se revogue esta parte da decisão recorrida e se relegue a fixação da indemnização para liquidação posterior, conforme prevê o artigo 609.º, n.º 2, do CPC.
Nesta conformidade, na parcial procedência da apelação, cumpre relegar para momento ulterior a quantificação do montante devido ao autor, a título de indemnização pelos rendimentos que deixou de auferir em consequência da perda de toda a produção de medronho do ano de 2019 e da inexistência dos frutos que os 660 medronheiros destruídos e ainda não repostos periodicamente produziriam nos anos seguintes, mediante a produção de prova suplementar, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, condenando a ré a pagar o montante que vier a ser liquidado em incidente a deduzir nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do citado Código, revogando a correspondente parte da decisão recorrida.
2.2.2.2. Do início da contagem dos juros de mora
Vem posto em causa na apelação, ainda, o segmento decisório em que se estabeleceu a citação como data do início da contagem dos juros de mora, defendendo o apelante que são devidos juros desde a data da anterior interpelação extrajudicial da ré para pagamento da indemnização pelos danos decorrentes do incêndio em causa.
Sob a epígrafe Momento da constituição em mora, dispõe o artigo 805.º do Código Civil, no n.º 1, que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir; acrescenta o n.º 2 que há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação, nas situações previstas nas suas várias alíneas; estatui o n.º 3, por seu turno, que se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.
O caso presente integra-se na previsão da segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, relativa a responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, pelo que, não estando em causa uma situação que integre a ressalva estabelecida na parte final deste n.º 3 – a existência de mora anterior por falta de liquidez imputável à ré –, a devedora constituiu-se em mora desde a citação.
Daqui decorre que a ré, tendo-se constituído em mora desde a citação para a ação, ficou obrigada a reparar os danos causados ao autor, indemnização que corresponde aos juros a contar do dia da constituição da mora (artigos 804.º, n.º 1, 805.º, n.º 3 e 806.º, n.º 1, do Código Civil).
Mostra-se acertada a decisão recorrida, ao estabelecer a citação como data do início da contagem dos juros de mora, pelo que improcede, nesta parte, a apelação.

Nesta conformidade, conforme exposto em 2.2.2.1. e 2.2.2.2., a apelação mostra-se parcialmente procedente.
Custas por apelante e apelada, na proporção do decaimento (artigo 527.º, n.º 1, do CPC).

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que se decide o seguinte:
a) condenar a ré a pagar ao autor os montantes que vierem a ser liquidados, a título de indemnização, pelos rendimentos que deixou de auferir em consequência da perda de toda a produção de medronho do ano de 2019 e da inexistência dos frutos que os 660 medronheiros destruídos e ainda não repostos previsivelmente produziriam nos anos seguintes;
b) revogar na parte correspondente e manter no mais a decisão recorrida.

Custas por apelante e apelada, na proporção do decaimento
Notifique.
Évora, 25-06-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Cristina Dá Mesquita (1.ª Adjunta)
Maria Domingas Simões (2.ª Adjunta)


__________________________________________________
[1] Disponível, na versão traduzida para português por Jorge Ferreira Sinde Monteiro e André Gonçalo Dias Pereira, em: http://www.egtl.org/PETLPortuguese.html.
[2] Adriano Vaz Serra, “Obrigação de indemnização (Colocação. Fontes. Conceito e espécies de dano. Nexo causal. Extensão do dever de indemnizar. Espécies de indemnização). Direito de abstenção e de remoção”, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 84 (1959), págs. 8-9; Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, texto elaborado por J. Sousa Ribeiro, J. Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, com base nas lições ao 3.º ano jurídico, Coimbra, policopiado, 1983, pág. 270; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6.ª ed. revista e atualizada, Coimbra, Almedina, 1989, pág. 568; Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª ed. revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pág. 370; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed. revista e atualizada, 2.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 591; António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo I, 2.ª reimpressão da 3.ª ed. de março/2005, aumentada e revista, Coimbra, Almedina, 2009, pág. 419; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2005, pág. 314.
[3] Sobre o conceito de dano, v. Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, págs. 536-552.