CONTRATO DE COMPRA E VENDA
PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR
REPARAÇÃO DOS DEFEITOS
INDEMNIZAÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário

I. Aos contratos de compra e venda sobre fracções autónomas de edifício em propriedade horizontal, destinadas a habitação dos compradores / condóminos, construído pela vendedora que tem como actividade societária a construção para venda, é aplicável o regime jurídico de protecção do consumidor vigente à data da celebração dos contratos.
II. De acordo com n.º 2 do artigo 2.º do DL n.º 67/2003, de 08.04, se o objecto da venda não apresentar as qualidades e o desempenho habituais em bens do mesmo tipo e com que os condóminos / consumidores podiam razoavelmente esperar, impende sobre o vendedor uma presunção juris tantum de desconformidade do bem de consumo com o objecto do contrato.
III. Tal desconformidade, permite ao consumidor / comprador exigir a reparação do bem, a sua substituição, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato, sem precedência de qualquer dessas soluções sobre as demais, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito.
IV. Mostrando-se ainda possível a realização da reparação dos defeitos pela Ré, o direito de indemnização do consumidor é residual relativamente aos direitos mencionados em III, estando limitado ao ressarcimento dos danos subsistentes apesar do exercício destes direitos.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Apelação 2095/21.4T8PTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Cível de Portimão - Juiz 1

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SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto;
1º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral;
2º Adjunto: Filipe César Osório.
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I. RELATÓRIO
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A.
“Condomínio do Prédio sito em Barranco do (…) – (…), Lote LP2”, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a sociedade “(…) – Construções e Investimentos Imobiliários, Lda.”, pedindo que a Ré fosse condenada no pagamento de uma indemnização no valor de € 22.548,00 (vinte dois mil e quinhentos e quarenta oito euros) por danos patrimoniais sofridos pela Autora ou, subsidiariamente, a eliminar os mencionados defeitos existentes no imóvel, no prazo sugerido de vinte dias ou noutro que o tribunal considere razoável e adequado.
Alegou que a Ré construiu o imóvel sito em Barranco do (…) – (…), Lote LP 2, terminando-o no ano de 2018 e vendendo as respectivas fracções até final do ano subsequente. No decurso do ano de 2020, foi constatada a existência de anomalias nos alçados, na fachada principal, na parede interior que separa o piso 0 e piso -1 e no nicho de proteção da boca-de-incêndio, do mesmo imóvel, denunciadas à Ré através de duas cartas, datadas, respectivamente, de 18.09.2020 e 17.08.2021, nenhuma das quais respondida e a última devolvida por não reclamada. Mais alega que o custo da reparação das referidas anomalias ascende ao montante de € 22.548,00.
B.
A Ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Excepcionou a ilegitimidade do Autor e a ineptidão da petição inicial.
Impugnou a denúncia dos defeitos e as alegadas anomalias.
C.
Concedido o contraditório, a Autora respondeu à matéria de defesa por excepção da Ré sustentando a sua improcedência.
D.
Houve lugar a prolação de despacho saneador no qual se julgaram improcedentes as excepções da ineptidão da p.i. e da ilegitimidade / irregularidade da representação do Autor e foram identificados o objeto do litígio e os temas da prova.
E.
A Autora apresentou articulado superveniente a 02.06.2022, alegando o surgimento de uma nova patologia (localizada no muro de acesso à garagem que passou a apresentar manchas e salitre) e, bem assim, o agravamento custos da sua reparação, procedendo igualmente à alteração / ampliação do pedido quanto ao montante indemnizatório que aumentou para € 25.016,00 e quanto à eliminação dos defeitos, agora formulado em alternativa e com um prazo máximo de três meses, mais peticionando a condenação da Ré no pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de € 300,00 diários por cada dia de atraso na conclusão e entrega da obra.
F.
Admitida que foi a ampliação do pedido e da causa de pedir por despacho de 30.06.2022 e produzida prova pericial, realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença com decisão da matéria de facto controvertida que julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.
G.
Inconformada com o decidido, a Autora requereu a reforma da sentença ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 616.º do CPC e, subsidiariamente, interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações nos seguintes termos (transcrição parcial, sem itálico e negrito da origem):
“(…)
I - Conforme acta do Audiência de Julgamento, o A. juntou o original da comunicação (carta e AR) dos defeitos através de carta registada com AR, remetida à R. no dia 18.09.2020, e que indicou como doc. 3 na sua PI.
II - Tal como juntou o original da comunicação (carta e AR) remetida pelo Mandatário da A. à R. no dia 8.04.2021.
III - O mandatário da R. não se opôs à referida junção, conforme consta da acta.
IV - Pelo que, apreciado o documento 3, deve ser julgado provado – o facto não provado n.º 1 constante da sentença: «o Autor, através do seu administrador, remeteu à R. carta registada, datada de 18 de Setembro de 2020, solicitando que fossem eliminadas as anomalias referidas nos pontos 4.1. a 4.5. dos factos provados e que a R. tivesse recepcionado tal missiva em 22.09.2020.».
V - A R. sabia que o imóvel que construiu tinha defeitos porque estes foram denunciados pela A. através da carta registada, datada de 18 de Setembro de 2020, pelo seu mandatário - embora esta última de forma genérica, remetendo para a carta anterior os defeitos concretos – e, por último, com a sua citação no presente processo.
VI - A R. nunca revelou desconhecer a existência dos defeitos invocados, nem procedeu à eliminação de qualquer defeito ou pagamento de qualquer indemnização.
VII - A A. denunciou os defeitos verificados no imóvel.
VIII - E ainda que se entendesse, por mero raciocínio académico, que a denúncia dos defeitos não tivesse sido realizada de forma concreta, descritiva e taxativa, tal não obsta ao facto de ter existido uma interpelação admonitória, pelo que não impede a A. de propor uma acção judicial para eliminação dos defeitos ou para pagamento da indemnização pelos danos patrimoniais provocados. (…)”
Finalizou, pedindo a condenação da Ré nos pedidos.
H.
A Ré contra-alegou e interpôs recurso subordinado.
Nas contra-alegações a Ré discordou do entendimento da Recorrente, sustentando que nunca lhe foi dado conhecimento dos defeitos da obra e que os documentos juntos pela Autora não demonstram o envio à Ré da carta de denúncia dos defeitos já que, para além de não se mostrar assinada, o A/R entretanto junto não contém a referência do registo.
Concluiu as alegações do recurso subordinado nos seguintes termos (transcrição parcial, sem negrito e itálico da origem):
“(…)
1. Ante a fragilidade do suporte documental apresentado por A., efectivamente os documentos por esta apresentados, em que se desconhece a competência técnica de quem os elaborou, se é que a têm, o Tribunal sentiu-se na necessidade de determinar a realização de prova pericial.
2. Decisão assisada, pois o sr. perito, técnico reputado e inscrito na CMVM, inscrição n.º (…), emitiu um relatório técnico com a proficiência que lhe é habitual, relatório de tal forma credível que não motivou esclarecimentos, os esclarecimentos pedidos por R. são meramente laterais.
3. No que tange à ausência de reclamações, foi particularmente notada a ausência de reclamação por banda da Autora, quando é certo que o relatório em causa colidia frontalmente com os seus interesses.
4. Como assim, em face de todo o exposto, caso se entenda que a notificação enviada por A. a R., preenche os requisitos legais, o que se contesta com toda a veemência, as obras que a Ré deverá efectuar deverão circunscrever-se às que se encontram inscritas no predito relatório pericial e pelo preço no mesmo constante.
5. Na verdade, no relatório em causa, percorrido o mesmo, não se vislumbra que exista a necessidade de pintar o prédio para pôr cobro às deficiências de que a Autora se queixa.
6. Por outro lado, a testemunha (…), em que o Tribunal se baseia para aferir os custos da pintura, revelou-se muito tendenciosa, não se inibindo de assistir à perícia efectuada, o que, no entender da Ré afecta, necessariamente, a credibilidade de que a mesma deve gozar, assim se contrariando o despacho do Tribunal prolatado no dia 03 de Julho de 2023.
7. Ante todo o material probatório angariado pelos presentes autos, com especial enfoque no relatório pericial, o ponto n.º 17 não deveria ter sido dado como provado.
8. O que vale por dizer, que as obras que a Ré tiver que efectuar, isto se a notificação enviada a interpelá-la reúne os requisitos legais, o que nos oferece as maiores dúvidas, deverão ser as que constam no relatório pericial, que ascendem a € 9.850,00. (…)”
Pediu que se declare não provado o ponto número 17 da matéria de facto provada da sentença.
I.
A Autora respondeu ao recurso subordinado da Ré, sustentando que, contrariamente ao por esta alegado, a prova produzida evidencia a necessidade de realização da pintura da fachada, sendo o respectivo valor determinado a partir dos esclarecimentos do sr. Perito e do testemunho de (…), como da motivação da decisão recorrida deflui.
J.
Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
L.
Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, sem prejuízo da possibilidade da sua ampliação a requerimento dos Recorridos (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
No caso vertente, são as seguintes as questões suscitadas pelo recurso:
1. Se deve ser alterada a matéria de facto provada e não provada, da sentença recorrida;
2. Se caducou, por falta de denúncia dos vícios, o direito do Autor / consumidor a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos ou a obter a reparação dos mesmos por parte da Ré / vendedora;
3. Se, em caso de resposta negativa à questão anterior, recai sobre a Ré / vendedora a obrigação de pagamento dos prejuízos correspondentes ao custo da reparação dos defeitos; ou
4. Alternativamente, recai sobre a Ré / vendedora a obrigação de proceder à reparação dos defeitos; e
5. Deve a Ré ser sujeita a sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação aludida na questão anterior.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
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A. De facto
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Reprodução integral dos factos provados e não provados da decisão da matéria de facto como constam da sentença sob recurso (sem negrito e itálico da origem):
“(…)
A) Factos Provados (…)
1) O prédio urbano denominado “(…), lote LP2” encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), da freguesia de Portimão.
2) O prédio referido em 1º encontra-se submetido ao regime da propriedade horizontal sendo constituído pelas frações designadas pelas letras “A” com permilagem de 102,44 ; “B” com permilagem de 88,35; “C” com permilagem de 88,65; “D” com permilagem de 113,40; “E” com permilagem de 88,65; “F” com permilagem de 113,40; “G” com permilagem de 88,65; “H” com permilagem de 113,40; “I” com permilagem de 89,66; “J” com permilagem de 2113,40.
3) Todas as frações referidas em 2) se destinam habitação.
4) A ré foi a construtora e vendedora das frações referidas em 2)
5) Em 26 de Fevereiro de 2019 as rés já tinham sido alienadas todas as frações que integram o prédio descrito em 1).
6) O imóvel ostenta as seguintes patologias:
4.1. na fachada principal do edifício existe, junto ao pavimento, uma fissura cuja reparação foi iniciada, faltando o acabamento final com pintura;
4.2. o abrigo de proteção da boca-de-incêndio está descolado da fachada do prédio e apresenta várias fissuras.
4.3. nos alçados principal e posterior (ou seja, nos alçados sul e norte) do imóvel verifica-se a existência, em toda a sua extensão, de diversas manchas, visíveis, embora de forma não ostensiva, de formato tendencialmente quadricular, que se localizam naqueles que foram os pontos de ancoragem dos andaimes.
4.4. no alçado nascente na totalidade da sua fachada lateral direita existem manchas da mesma natureza das referidas em 4.3 e na área da fachada que se acha pintada de branco, existem manchas com formato de traços ou de riscos irregulares, estas mais visíveis, que se acham associadas à reparação de microfissuras do reboco e ao seu reaparecimento.
4.5. parede interior, que medeia entre o piso 0 e o piso -1, apresenta infiltrações de água proveniente do exterior, localizadas junto vão de alumínio existente, que provocaram degradação do reboco da pintura gerando pontos de salitre
4.6. o muro do acesso ao piso -1 garagem, apresenta manchas causadas pela passagem de humidade proveniente da área ajardinada adjacente ao muro.
5. As manchas de formato quadricular foram potenciadas pelo preenchimento e reparação não cuidadas dos pontos de ancoragem do andaime.
6. As manchas com formato de traço ou risco irregular foram potenciadas pelo não uso de rede fibra de reforço aquando da reparação das microfissuras.
7. As infiltrações localizadas na parede interior, que medeia entre o piso 0 e o piso -1, resultam da falta de isolamento com silicone da área adjacente ao vão de alumínio.
8. As manchas localizadas no muro do acesso ao piso -1 garagem são causadas pela existência de danos ao nível da impermeabilização ou pela sua inadequação.
9. A eliminação da anomalia referida no ponto 4.1., exige a conclusão dos trabalhos já iniciados de reparação da fissura existente, com a posterior pintura da área intervencionada;
10. O arranjo do abrigo de proteção da boca-de-incêndio passa pela execução de uma ligação mecânica com recurso a varões de aço ancorados na fachada e no nicho, devendo na ligação entre os dois elementos ser aplicado silicone flexível.
11. A supressão das manchas mencionadas nos pontos 4.3 e 4.4. exige a reparação do reboco nos pontos de ancoragem e a reparação das microfissuras, com recurso ao material referido em 6), devendo o reboco ser executado com o relevo (acabamento) o mais semelhante com a restante superfície da fachada e com a posterior pintura da área da mancha ou de toda a área da fachada intervencionada, caso a cor da pintura não fique uniforme.
12. A reparação da anomalia referida em 4.5. impõe a remoção do reboco que se acha danificado com a entrada de humidade, limpeza da área, aplicação de uma argamassa anti salitre porosa, a execução de novo reboco, a pintura da parede intervencionada e isolamento com silicone de todo o perímetro do vão exterior.
13. Para a resolução da situação da impermeabilização dos muros de acesso ao piso 1, deverá ser removida a terra das traseiras dos muros, verificados os pontos de impermeabilização que estejam a deixar passar humidade e corrigida impermeabilização, com reposição do terreno e área de jardim; devendo (após a correção da impermeabilização, e a remoção do reboco danificado dos muros e a limpeza da área) ser aplicada uma argamassa anti salitre porosa, regularizando o acabamento com reboco idêntico ao existente na área envolvente e com a pintura da parede pintura de toda a área dos muros.
14. A reparação da fissura existente na fachada principal do edifício existe junto ao pavimento e posterior pintura da área envolvente, tem o custo de € 200,00 (duzentos euros);
15. Preenchimento e reparação não cuidada dos pontos de ancoragem do andaime, ascende ao valor de € 2.600,00 (dois mil e seiscentos euros);
16. A reparação da área das manchas, regularização do reboco, e posteriores pinturas da área da manchada, ascende ao valor de € 3.750,00 (três mil e setecentos e cinquenta euros), ressalvada a possibilidade de toda a área da fachada ter que ser intervencionada, caso a pintura das manchas fique diferente da restante área.
17. A pintura de todo o imóvel, incluindo os trabalhos necessários para a sua realização em altura, ascende ao valor de € 19.960,56 (dezanove mil e novecentos e sessenta euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescido de IVA.
18. A realização dos trabalhos mencionados em 12) tem o custo de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros), acrescido de IVA.
19. Os trabalhos conexos com o arranjo do abrigo de proteção da boca-de-incêndio ascendem ao valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), acrescido de IVA.
20. Os trabalhos de reparação mencionados em 13) ascendem ao valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescido de IVA.
21. O mandatário do autor, remeteu para a sede da ré, em 8 de abril de 2021, carta registada com aviso de receção, a qual foi devolvida com a menção não reclamada, na qual informa a demandada que ante a não correção dos defeitos verificados em obra (que o subscritor de tal missiva declarou que tinham denunciados através de carta registada e que teria sido rececionada pela demandada em 22.09.2020), foi mandatado para instaurar a respectiva ação, a qual seria intentada no prazo de 15 dias caso não fossem iniciadas as obras de correção dos defeitos indicados na referida carta.
Não se comprovou (…).
1) Que o autor, através do seu administrador, tivesse remetido à ré carta registada, datada 18 de setembro de 2020, solicitando que fossem eliminadas as anomalias referidas nos pontos 4.1. a 4.5 dos factos provados e que a ré tivesse rececionado tal missiva em 22.09.2020.
2) Que em 17.08.2021, tivesse sido feito, através de uma segunda carta registada, novo pedido de reparação das anomalias verificadas.
3) Que as manchas existentes são potenciadas pelo o encerramento dos vãos de ventilação e ou pela supressão das paredes dos quartos localizados junto às varandas. (…)”.
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Do recurso da decisão da matéria de facto
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Vem o presente recurso interposto também da matéria de facto da decisão de primeira instância, considerando as Recorrentes que foram incorrectamente apreciados factos dados como provados e não provados.
Concretamente, entendem:
I.
A Autora / Recorrente que a matéria do facto não provado n.º 1 – “O Autor, através do seu administrador, remeteu à R. carta registada, datada de 18 de Setembro de 2020, solicitando que fossem eliminadas as anomalias referidas nos pontos 4.1. a 4.5. dos factos provados e que a R. tivesse recepcionado tal missiva em 22.09.2020” – deve transitar para a matéria de facto provada.
II.
A Ré / Recorrente subordinada que o conteúdo do facto provado n.º 17 – “A pintura de todo o imóvel, incluindo os trabalhos necessários para a sua realização em altura, ascende ao valor de € 19.960,56 (dezanove mil e novecentos e sessenta euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescido de IVA” – deveria ter sido não provado.
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Prevê o artigo 640.º do C.P.C.:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
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As Recorrentes incidiram os seus recursos da matéria de facto, concretizando os factos provados que desejam ver modificados, indicando, para cada um deles, a redacção que deve, ou não, ser consagrada. Também indicam os meios de prova que, relativamente a cada um dos factos impugnados, justificam, em sua opinião, a alteração da decisão de 1ª instância, fazendo-o:
I.
A Recorrente Autora por apelo aos documentos juntos em sessão da audiência de julgamento do dia 20.10.2023, alegadamente correspondentes:
i.
Ao original assinado da carta enviada à Ré e junta como documento 3 da p.i. – carta escrita pelo administrador do A., onde vêm identificados os diversos defeitos que naquela data se verificavam no imóvel.
ii.
Ao aviso de recepção com o n.º de registo RH587224855PT, demonstrativo de que essa carta foi remetida pela A. no dia 18.09.2020, pelas 18h40, e foi recebida pela R. no dia 22.09.2020. e
iii.
À carta datada de 08.04.2021, aludida no facto provado n.º 21, constituída por uma denúncia dos defeitos por remissão da carta antecedente com a exacta descrição dos mesmos.
II.
A Recorrente subordinada / Ré, esgrimindo o teor do relatório pericial do qual considera resultar desnecessária a pintura do prédio.
Mostram-se, assim, cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
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Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “modificabilidade da decisão de facto”, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Neste particular, o tribunal de recurso, sem embargo da atendibilidade da prova plena que resulte dos autos, deve verter o que emergir da apreciação crítica e livre dos demais elementos probatórios e usar, se for o caso, as presunções judiciais que as circunstâncias justificarem, designadamente a partir dos factos instrumentais, como decorre do n.º 4 do artigo 607.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, ambos do C.P.C. [1], tanto mais que a anulação de uma sentença deve confinar-se aos casos em que, como previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C., não constem “…do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.07.2024, relatado pelo Desembargador Jorge Martins Ribeiro no processo n.º 99/22.9T8GDM.P1 [2], para reapreciar a decisão de facto impugnada, o Tribunal da Relação “…tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência – elaboração, diga-se, que deve ser feita à luz de um cidadão de normal formação e capacidade intelectual, de um cidadão comum na sociedade em questão – sem prejuízo de, independentemente do antes dito, poder chegar a uma decisão de facto diferente em função da valoração concretamente efetuada em sede de recurso.”
Ainda sobre a intervenção da Relação na decisão da matéria de facto decidida em 1ª instância, será pertinente invocar a fundamentação clara do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.11.2017, relatado pela Desembargadora Maria João Matos no processo n.º 212/16.5T8MNC.G1, [3]
“…quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto – que a ela conduza – constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C., aqui aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspetos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico – com força probatória plena – cuja falsidade não tenha sido suscitada (artigos 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do C.P.C.), ou quando exista acordo das partes (artigo 574.º, n.º 2, do C.P.C.), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (artigo 358.º do C.C., e artigos 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do C.P.C.), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (v. g. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos artigos 351.º e 393.º, ambos do C.P.C.).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).”
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Tendo presentes estes considerandos, vejamos quais os concretos pontos da matéria de facto que as Recorrentes pretendem ver alterados.
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I.
Facto não provado n.º 1:
“1) Que o autor, através do seu administrador, tivesse remetido à ré carta registada, datada 18 de setembro de 2020, solicitando que fossem eliminadas as anomalias referidas nos pontos 4.1. a 4.5 dos factos provados e que a ré tivesse rececionado tal missiva em 22.09.2020.”
Pretende a Autora se declare provada a matéria de facto em apreço, relativamente à qual a motivação da decisão da matéria de facto inclusa na sentença recorrida considerou que as “…declarações de parte do administrador do réu [leia-se: autor] (…) só por si, desacompanhadas de prova documental, não têm aptidão suficiente para provar a remessa e chegada à esfera de disponibilidade da ré da única carta que foi junta aos autos (que nem sequer se acha assinada), na qual foi aposta a data de 18 de setembro de 2020, e, que alegadamente teria enviada sob registo, isto quando nenhum registo foi junto aos autos, que atestasse tal envio. E o próprio legal representante da ré, no decurso das suas declarações, negou o recebimento de qualquer comunicação que fosse destinada a comunicar, à sociedade sua representada, os defeitos existentes no imóvel” (sublinhado nosso).
A parte sublinhada da transcrição do excerto da fundamentação respeita ao documento número 3 junto com a p. i. que, como evidenciam os autos, é constituído pelo conteúdo:
a)
De uma carta datada de 18 de Setembro de 2020, tendo por remetente o Autor e por destinatário a Ré, com o teor (transcrição parcial, sem negrito ou sublinhado da origem)
“Assunto: Condomínio Rua dos (…) LP2 – Reparações ao abrigo da garantia
Caro sr. (…),
Na qualidade de administrador do Condomínio Rua dos (…) – LP2, sito na Rua dos (…), Lote 2, 8500-822 Portimão, venho pela presente informar a (…), Lda. sobre as reparações ao abrigo da garantia, que são necessárias efetuar no prédio supra citado.
Mais informo que as mesmas deverão ser efetuadas antes do início do inverno, uma vez que se trata de pinturas e reparação de infiltrações de água.
Em anexo apresentamos um registo fotográfico indicando os locais e reparações a efetuar.
Caso entenda necessário podemos agendar uma reunião no local para analisar em mais pormenor as reparações indicadas.
Atentamente e com os melhores cumprimentos,
(assinatura ilegível) (…)”
e, sob o título de “registo fotográfico de reparações a efetuar”, contendo várias fotografias e uma legenda em cada uma das páginas 2 a 4 com os seguintes dizeres, respectivamente:
“O alçado principal e tardoz apresentam manchas na totalidade da fachada.
Solicitamos que seja pintada toda a fachada de forma a cobrir todas as manchas existentes na pintura”;
“O alçado nascente, fachada lateral direita, apresenta manchas na totalidade da fachada.
Solicitamos que seja pintada toda a fachada de forma a cobrir todas as manchas existentes na pintura.
A parede interior, entre o piso 0 e piso -1, apresenta infiltrações de água.
A mesma foi raspada e pintada há poucos meses, mas o problema de infiltração de água não foi resolvido.
Após as primeiras chuvas a parede voltou a apresentar infiltração de água vinda do exterior.
Solicitamos que a reparação seja feita corretamente de modo a não existirem mais infiltrações.;
e
“A fachada principal do prédio apresenta a reparação de uma fissura que não foi concluída com a devida pintura da parede.
O nicho de proteção da boca-de-incêndio está descolado da fachada do prédio e apresenta várias fissuras.
Uma vez que a pintura do prédio já tem cerca de dois anos, e a cor da tinta é de tom escuro, solicitamos que seja pintada toda a fachada para que não fique com manchas de diferentes tonalidades”.
b)
De um aviso de recepção, tendo por destinatário a Ré e por remetente o Autor, tendo por local, data e hora de expedição, Portimão, 18.09.2020 e 18:40:33 com o n.º RH587224855PT, assinado no local reservado ao destinatário na data de 22.09.2022 e com carimbo de devolução dos correios de (…) no mesmo dia 22.09.2022.
*
Da simples consulta do documento n.º 3 da p.i., constata-se:
a)
Não apenas que a carta datada de 18.09.2020 apresenta a descrição e o levantamento de vários defeitos que visa levar ao conhecimento da Ré e ver por esta reparados, ostentando uma assinatura manuscrita ilegível;
b)
Como também que a circunstância de ter sido junto aos autos o aviso de recepção, assinado na parte reservada ao destinatário no dia 22.09.2020 com identificação completa e documentada do subscritor pelo funcionário dos correios, de um conteúdo postal que tem por remetente a Autora e destinatária a Ré, expedido de Portimão no mesmo dia 18.09.2020 que consta do “fac-símile” da carta em apreço, constitui um elemento de prova muito forte no sentido de que, tal como foi mencionado pelo representante do condomínio Autor em declarações de parte, a carta aludida em a), denunciando os defeitos da obra, foi efectivamente remetida à Ré em 18.09.2020 e por esta recebida em 22.09.2020.
Para além do mais, é também verdade que a subsequente comunicação remetida pelo advogado do Autor à Ré, datada de 08.04.2021 (cfr. documentos 4 da p.i. e juntos pela Autora na sessão de julgamento de 20.10.2023 – referência Citius “Documento junto em audiência [129916601]”), faz referência ao envio da carta de 18.09.2020 e ao seu recebimento pela Ré a 22.09.2020, o que se mostra coerente com os elementos de prova documental vindos de analisar.
Deste modo, não acompanhamos a apreciação crítica, feita na sentença recorrida, da prova produzida sobre o facto em apreço, por se nos afigurar que omite a devida consideração à presença nos autos do aviso de recepção junto no documento 3 da p. i., comprovativo do envio pelo Autor remetente e do recebimento pela Ré destinatária, do conteúdo postal de 18.09.2020, em data e lugar coincidentes com os que constam da carta de denúncia dos defeitos, para além das referências subsequentes, também documentadas nos autos, ao envio de tal carta. A falta do documento de registo da carta mostra-se suprida pela prova decorrente do aviso de recepção em apreço, sendo que também não é rigorosa a afirmação de que a carta de 18.09.2020 se não mostra assinada.
Em tal contexto, a negação do recebimento por parte do legal representante da Ré que, note-se, é parte interessada no desfecho da lide, é manifestamente insuficiente para colocar em crise a prova documental do envio e do recebimento da carta de 18.09.2020.
Do teor, acima reproduzido, da carta de 18.09.2020, resulta a clara referência aos vícios descritos nos pontos 1 a 5 do facto provado número 6), o que só não ocorre relativamente ao muro de acesso à garagem indicado no ponto 6. do mesmo facto provado porquanto este vício, identificado no articulado superveniente junto aos presentes autos como tendo apenas ficado aparente durante a passagem do último inverno, não podia ter sido denunciado anteriormente.
Termos em que deverá ser atendida a impugnação da matéria de facto em apreço, eliminando-se o facto não provado n.º 1 e aditando-se ao rol dos factos provados, sob o n.º 22-A, a seguinte redacção:
“22-A) A Autora, através do seu administrador, remeteu à Ré carta com aviso de recepção, datada 18 de Setembro de 2020, reproduzida no documento 3 da p. i., recebida pela Ré a 22 de Setembro de 2020, da qual, entre o mais, consta um “registo fotográfico de reparações a efetuar” contendo fotografias e legendas em cada uma das págs. 2 a 4 dos problemas descritos nos pontos 1 a 5 do facto provado n.º 6) e solicitando a sua reparação.”
*
II.
Facto provado n.º 17:
“17. A pintura de todo o imóvel, incluindo os trabalhos necessários para a sua realização em altura, ascende ao valor de € 19.960,56 (dezanove mil e novecentos e sessenta euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescido de IVA.”
Da motivação da decisão da matéria de facto da sentença resulta que “…para fixação do preço dos trabalhos a realizar foi dada preferência, em face da sua maior isenção, a prova pericial e aos esclarecimentos prestados pelo sr. Perito, isto apesar de haver unanimidade entre tais meios de prova e o teor do depoimento de (…) quanto aqueles que seriam os custos da pintura da totalidade do prédio, que computaram ambos entre € 23,00 a € 24,00 m2. Resultando ainda da relativa similitude dos valores que foram indicados Sr. Perito e dos constam do orçamento datado de 31.05.2022 que foram indicados na perícia preços em singelo” (sublinhados nossos).
Pretende a Ré que se declare não provado o facto provado em apreço por entender, em primeiro lugar, que o teor do relatório pericial considera desnecessária a pintura das fachadas do prédio.
Analisado o relatório pericial, verificamos que as respostas do sr. Perito aos pontos 6.2 e 7 contêm relevantes elementos alusivos à pintura das fachadas.
No ponto 6.2, à questão sobre se as manchas que aparecem na cor branca do alçado nascente “…são possíveis de ser eliminadas com uma nova pintura”, respondeu que “apenas com uma nova pintura não resolve a situação, só oculta temporariamente”, acrescentando um conjunto de trabalhos necessários para evitar que as fissuras que lhes deram origem voltem a abrir novamente.
Desta resposta decorre que, não sendo suficiente para realizar adequadamente a reparação, a pintura é um dos trabalhos necessários ao respectivo acabamento, o que o sr. Perito expressamente refere quando, na descrição circunstanciada dos trabalhos, sustenta que depois de abertas em “V” as fissuras, preenchidas com mástique acrílico, reforçadas uma malha fina de fibras, devem ser “…pintadas com uma tinta texturada para a regularização da superfície.”
Na resposta ao ponto 7. sobre “quais são os trabalhos que são necessários para a reparação das patologias existentes”, o sr. Perito refere-se especificamente à questão de a pintura a dar às manchas existentes nos alçados principal e posterior (cfr. pontos 1.2 e 1.3 da resposta 7) dever cingir-se à área das manchas ou a toda a área da fachada intervencionada, referindo que se mostra necessária a pintura das áreas das manchas e, “… caso se verifique que a cor da pintura da área das manchas fique diferente da restante área deverá ser pintada toda a área da fachada intervencionada.”
Facilmente se compreende que, numa fachada exterior cuja pintura está, há vários anos, sujeita à acção dos agentes climatéricos, em particular da humidade e dos raios solares que produzem sensíveis alterações na coloração original das tintas, é praticamente impossível encontrar um tom de tinta nova que, depois de aplicado, seja indiscernível da envolvente mais antiga. Isto para além de que a reacção da tinta nova e da mais antiga à passagem tempo será também distinta, o que acentuará as diferenças entre elas com o passar do tempo.
Deste modo, a condição estabelecida no relatório pericial para que a pintura a dar nas zonas intervencionadas das fachadas se limite às próprias manchas é de verificação implausível, pelo que se mostra avisado o entendimento da sentença de 1ª instância quando considera necessária a pintura de toda a área intervencionada dos alçados anterior e posterior.
No que respeita ao preço do m2 com base no qual foi determinado o valor da pintura necessária, o tribunal de 1ª instância estribou-se na convergência entre os esclarecimentos prestados pelo sr. Perito, relativamente ao qual nenhuma crítica é dirigida pela Recorrente, com o testemunho de (…) cuja credibilidade suscita à Recorrente “as maiores dúvidas”.
A indicação pelo sr. Perito, no decurso dos esclarecimentos que prestou, de um valor baseado nos seus conhecimentos técnicos e de mercado seria, por si só, suficiente para fundar, o cálculo realizado pelo tribunal.
Ainda assim, não podemos deixar de referir que a circunstância de (…) ter estado presente durante a deslocação do sr. Perito ao local com vista à realização da perícia, apontada pela Ré como razão para a falta de credibilidade desta testemunha, não nos parece, por si só, válida e relevante para não considerar o seu contributo para prova do facto em apreço.
Resultando o montante apurado no facto provado n.º 17 (que, nos termos adiante justificados passará a ter a numeração “19)”), das supramencionadas premissas e das áreas dos alçados a pintar, nenhum reparo nos merece esta parte da decisão da sentença recorrida.
Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto do recurso da Ré.
*
Constatando-se que há uma incongruência na numeração dos factos provados da sentença recorrida, pois do facto provado “6)”, onde estão descritas as patologias da obra, passa, nos factos seguintes, para os “5”, “6”, “7” e daí por diante, repor-se-á a ordem natural da numeração dos factos, passando o “5” a ser o “7)” e assim sucessivamente.
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Matéria de facto provada:
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Em consequência das supra determinadas alterações, a matéria de facto provada a considerar é a seguinte: [4]
1) O prédio urbano denominado “(…), lote LP2” encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), da freguesia de Portimão.
2) O prédio referido em 1º encontra-se submetido ao regime da propriedade horizontal sendo constituído pelas frações designadas pelas letras: “A” com permilagem de 102,44; “B” com permilagem de 88,35; “C” com permilagem de 88,65; “D” com permilagem de 113,40; “E” com permilagem de 88,65; “F” com permilagem de 113,40; “G” com permilagem de 88,65; “H” com permilagem de 113,40; “I” com permilagem de 89,66; “J” com permilagem de 2113,40.
3) Todas as frações referidas em 2) se destinam habitação.
4) A ré foi a construtora e vendedora das frações referidas em 2).
5) Em 26 de Fevereiro de 2019 as rés já tinham sido alienadas todas as frações que integram o prédio descrito em 1).
6) O imóvel ostenta as seguintes patologias:
6.1. na fachada principal do edifício existe, junto ao pavimento, uma fissura cuja reparação foi iniciada, faltando o acabamento final com pintura;
6.2. o abrigo de proteção da boca-de-incêndio está descolado da fachada do prédio e apresenta várias fissuras.
6.3. nos alçados principal e posterior (ou seja, nos alçados sul e norte) do imóvel verifica-se a existência, em toda a sua extensão, de diversas manchas, visíveis, embora de forma não ostensiva, de formato tendencialmente quadricular, que se localizam naqueles que foram os pontos de ancoragem dos andaimes.
6.4. no alçado nascente na totalidade da sua fachada lateral direita existem manchas da mesma natureza das referidas em 4.3 e na área da fachada que se acha pintada de branco, existem manchas com formato de traços ou de riscos irregulares, estas mais visíveis, que se acham associadas à reparação de microfissuras do reboco e ao seu reaparecimento.
6.5. parede interior, que medeia entre o piso 0 e o piso -1, apresenta infiltrações de água proveniente do exterior, localizadas junto vão de alumínio existente, que provocaram degradação do reboco da pintura gerando pontos de salitre
6.6. o muro do acesso ao piso -1 garagem, apresenta manchas causadas pela passagem de humidade proveniente da área ajardinada adjacente ao muro.
7) As manchas de formato quadricular foram potenciadas pelo preenchimento e reparação não cuidadas dos pontos de ancoragem do andaime.
8) As manchas com formato de traço ou risco irregular foram potenciadas pelo não uso de rede fibra de reforço aquando da reparação das microfissuras.
9) As infiltrações localizadas na parede interior, que medeia entre o piso 0 e o piso -1, resultam da falta de isolamento com silicone da área adjacente ao vão de alumínio.
10) As manchas localizadas no muro do acesso ao piso -1 garagem são causadas pela existência de danos ao nível da impermeabilização ou pela sua inadequação.
11) A eliminação da anomalia referida no ponto 6.1., exige a conclusão dos trabalhos já iniciados de reparação da fissura existente, com a posterior pintura da área intervencionada;
12) O arranjo do abrigo de proteção da boca-de-incêndio passa pela execução de uma ligação mecânica com recurso a varões de aço ancorados na fachada e no nicho, devendo na ligação entre os dois elementos ser aplicado silicone flexível.
13) A supressão das manchas mencionadas nos pontos 6.3 e 6.4. exige a reparação do reboco nos pontos de ancoragem e a reparação das microfissuras, com recurso ao material referido em 6), devendo o reboco ser executado com o relevo (acabamento) o mais semelhante com a restante superfície da fachada e com a posterior pintura da área da mancha ou de toda a área da fachada intervencionada, caso a cor da pintura não fique uniforme.
14) A reparação da anomalia referida em 6.5. impõe a remoção do reboco que se acha danificado com a entrada de humidade, limpeza da área, aplicação de uma argamassa anti salitre porosa, a execução de novo reboco, a pintura da parede intervencionada e isolamento com silicone de todo o perímetro do vão exterior.
15) Para a resolução da situação da impermeabilização dos muros de acesso ao piso 1, deverá ser removida a terra das traseiras dos muros, verificados os pontos de impermeabilização que estejam a deixar passar humidade e corrigida impermeabilização, com reposição do terreno e área de jardim; devendo (após a correção da impermeabilização e a remoção do reboco danificado dos muros e a limpeza da área) ser aplicada uma argamassa anti salitre porosa, regularizando o acabamento com reboco idêntico ao existente na área envolvente e com a pintura da parede pintura de toda a área dos muros.
16) A reparação da fissura existente na fachada principal do edifício existe junto ao pavimento e posterior pintura da área envolvente, tem o custo de € 200,00 (duzentos euros).
17) Preenchimento e reparação não cuidada dos pontos de ancoragem do andaime, ascende ao valor de € 2.600,00 (dois mil e seiscentos euros).
18) A reparação da área das manchas, regularização do reboco, e posteriores pinturas da área da manchada, ascende ao valor de € 3.750,00 (três mil e setecentos e cinquenta euros), ressalvada a possibilidade de toda a área da fachada ter que ser intervencionada, caso a pintura das manchas fique diferente da restante área.
19) A pintura de todo o imóvel, incluindo os trabalhos necessários para a sua realização em altura, ascende ao valor de € 19.960,56 (dezanove mil e novecentos e sessenta euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescido de IVA.
20) A realização dos trabalhos mencionados em 14) tem o custo de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros), acrescido de IVA.
21) Os trabalhos conexos com o arranjo do abrigo de proteção da boca-de-incêndio ascendem ao valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), acrescido de IVA.
22) Os trabalhos de reparação mencionados em 15) ascendem ao valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescido de IVA.
22-A) A Autora, através do seu administrador, remeteu à Ré carta com aviso de recepção, datada 18 de Setembro de 2020, reproduzida no documento 3 da p.i., recebida pela Ré a 22 de Setembro de 2020, da qual, entre o mais, consta um “registo fotográfico de reparações a efetuar” contendo fotografias e legendas em cada uma das págs. 2 a 4 dos problemas descritos nos pontos 1 a 5 do facto provado n.º 6) e solicitando a sua reparação.
23) O mandatário do autor, remeteu para a sede da ré, em 8 de abril de 2021, carta registada com aviso de receção, a qual foi devolvida com a menção não reclamada, na qual informa a demandada que ante a não correção dos defeitos verificados em obra (que o subscritor de tal missiva declarou que tinham denunciados através de carta registada e que teria sido rececionada pela demandada em 22.09.2020), foi mandatado para instaurar a respectiva ação, a qual seria intentada no prazo de 15 dias caso não fossem iniciadas as obras de correção dos defeitos indicados na referida carta.
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B. De direito
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Da responsabilidade contratual do vendedor pelos vícios da coisa imóvel vendida
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A presente demanda funda-se na responsabilidade contratual da Ré, enquanto construtora e vendedora que foi, das fracções de edifício constituído em propriedade horizontal de que o Autor é respectivo condomínio, pelos vícios das partes comuns do edifício construído.
O regime legal do contrato de compra e venda prevê, nas normas dos artigos 905.º e ss. e 913.º e ss. do Código Civil, as situações de transmissão de direitos onerados ou de venda de coisas defeituosas, definindo regras que visam proteger a legítima expectativa do adquirente quanto às qualidades, utilidades e funcionamento do direito ou da coisa adquirida, contra os ónus ou vícios de que a mesma possa padecer.
Enquanto o artigo 905.º rege para os ónus que incidam sobre o direito transmitido (v. g. um usufruto, uma hipoteca, uma servidão, etc.) e não da coisa, o artigo 913.º rege para os vícios que incidam sobre a coisa objecto do contrato.
O instituto da compra e venda de coisas defeituosas envolve assim, duas áreas distintas:
a) Os casos de doença ou vício que impeçam a realização do seu fim normal, inclusive pela falta de qualidades.
b) As situações de falta de qualidades asseguradas pelo vendedor.
Verificada uma das supra enunciadas situações, dispõe o comprador dos seguintes direitos: 1. Exigir do vendedor a reparação da coisa ou a sua substituição, nos termos previstos pelo artigo 914.º do CC; 2. Anular o contrato por erro ou dolo, desde que no caso concreto se verifiquem os pressupostos da anulabilidade previstos nos artigos 905.º, 247.º e 254.º, ex vi do n.º 1 do artigo 913.º, todos do CC; 3. Ser indemnizado, em caso de anulação do contrato fundada no dolo do vendedor, pelo prejuízo que não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada, de acordo com o disposto no artigo 918.º, ex vi do n.º 1 do artigo 913.º do CC; 4. Ser indemnizado pelo vendedor, em caso de anulação do contrato fundada em simples erro, pelos danos emergentes do contrato (excepto se o vendedor desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece), nos termos previstos pelo artigo 909.º, ex vi do n.º 1 do artigo 1913.º do CC e artigo 915.º do mesmo diploma legal; 5. Se o vendedor se constituir em responsabilidade por não sanar a anulabilidade do contrato, a correspondente indemnização acresce à que o comprador tenha direito de receber, em caso de dolo ou simples erro – sendo que no caso de dolo, o comprador poderá optar entre a indemnização dos lucros cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e dos lucros cessantes pelo facto de não ser sanada a anulabilidade (cfr. artigo 910.º do Código Civil); 6. À redução do preço se as circunstâncias demonstrarem que sem erro ou dolo o comprador teria celebrado o negócio mas por preço inferior.
Para além destes direitos conferidos pelo específico regime da compra e venda, assiste ainda ao comprador o direito de pedir ressarcimento do prejuízo que lhe tenha sido causado pela entrega da coisa viciada imputável ao vendedor.
*
Do regime de protecção do consumidor na venda por construtor / vendedor profissional, de imóvel para habitação
*
Como os contratos de compra e venda incidiram sobre fracções autónomas de edifício em propriedade horizontal, construído pela vendedora que é uma sociedade comercial com essa actividade societária, destinadas a habitação dos compradores / condóminos, é aplicável ao caso o regime jurídico protecção do consumidor previsto pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril (na redacção conferida pelo DL n.º 84/2008, de 21.05). [5]
No sentido da aplicabilidade do regime jurídico estabelecido pelo aludido diploma legal à compra e venda de imóvel para habitação em que o construtor/vendedor desenvolva profissionalmente tal atividade, vejam-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12.09.2017 e de 07.11.2023, relatados pelos Juízes Desembargadores Rui Moreira e Alexandra Pelayo, respectivamente nos processos n.ºs 3922/12.2TBVLG.P1 e 252/21.2T8VNG.P1. [6]
Trata-se do regime que regula os contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores durante a sua vigência (cfr. n.º 1 do artigo 1º-A), visando a harmonização dos sistemas de protecção dos consumidores entre os países da União Europeia, de modo a assegurar ao consumidor instrumentos que lhe confiram maior grau defesa contra a violação dos seus direitos contratuais.
A sentença recorrida considerou que o Autor não cumpriu o dever que lhe é imposto pelo n.º 2 do artigo 5.º-A do DL n.º 67/2003 que, tal como prevê também o artigo 916.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, faz impender sobre o consumidor / comprador o ónus de denunciar ao vendedor a falta de conformidade, no prazo um ano a contar da data em que a tenha detectado, sob pena de caducidade dos direitos previstos pelo artigo 4.º (cfr. n.º 1 do artigo 5.º-A que encontra paralelo no artigo 917.º do CC).
Todavia, como resulta do facto provado n.º 22-A, aditado no presente acórdão, o Autor enviou à Ré, e esta recebeu-a no dia 22.09.2020, uma carta contendo circunstanciada descrição dos problemas relatados nos pontos 1 a 5 do facto provado n.º 6) e solicitando-lhe a tomada de providências destinadas à respectiva reparação.
É, deste modo, incontroversa a denúncia à Ré / vendedora dos aludidos defeitos das partes comuns, no dia 22.09.2020 (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 224.º do Código Civil).
Quanto ao defeito aludido no ponto 6 do facto provado n.º 6), foi objecto de denúncia através da declaração receptícia constituída pelo articulado superveniente junto, no qual vem identificado como um vício que apenas ficou aparente no inverno imediatamente anterior à apresentação daquela peça processual.
Tendo sido denunciados pela Autora à Ré, impendia sobre esta, em ordem a demonstrar a caducidade do exercício dos direitos àquela conferidos pelo artigo 4.º do DL n.º 67/2003, o ónus de alegar e provar que os vícios em apreço já eram aparentes havia mais de um ano antes da data em que ocorreu a respectiva denúncia ou que esta foi feita mais de cinco anos decorridos da venda das fracções do imóvel pela Ré (cfr. n.º 2 do artigo 342.º do CC). Por outro lado, a acção deu entrada em juízo a 15.09.2021, menos de um ano depois da denúncia dos defeitos pelo Autor à Ré.
Não estando provados factos demonstrativos do transcurso de qualquer dos prazos em apreço, encontra-se afastada a caducidade do direito da Autora, excepção peremptória de conhecimento oficioso (cfr. artigo 333.º do CC).
Os problemas do imóvel identificados nos pontos 1 a 6 do facto provado n.º 6), oportunamente denunciados pela Autora à Ré, têm cabimento no elenco da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do DL n.º 67/2003, já que este não apresenta nessas partes as qualidades e o desempenho habituais em bens do mesmo tipo e com que os condóminos / consumidores podiam razoavelmente esperar. Por isso, nos termos desta norma legal, impende sobre os mesmos uma presunção legal (juris tantum) de desconformidade do bem de consumo com o contrato.
Deste modo, de acordo com as disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 4 do artigo 5.º do regime de protecção do consumidor do DL n.º 67/2003, a falta de conformidade do bem vendido com o objecto do contrato permite ao Autor exigir a reparação do bem, a sua substituição, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato, sem precedência de qualquer dessas soluções sobre as demais, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito.
*
Do direito à indemnização correspondente ao custo das reparações necessárias
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O Autor pede, na presente acção, a condenação da Ré em quantia certa correspondente ao dano patrimonial traduzido no custo da reparação dos vícios do imóvel.
Sendo certo que, nos termos previstos pelo n.º 1 do artigo 12.º da Lei de Defesa do Consumidor – Lei n.º 24/96, de 31.07 – o Autor tem direito a ser indemnizado dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos, estamos em crer que, atento o regime jurídico especial do artigo 4.º do DL n.º 67/2003 aplicável ao caso, esta faculdade está limitada ao ressarcimento dos danos subsistentes apesar de exercidos os direitos à reparação / substituição do bem, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato, previstos pelo mesmo artigo 4.º.
Neste sentido, como se defende, entre outros, nos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 07.03.2024, relatado pela Desembargadora Raquel Baptista Tavares no processo n.º 2083/22.3T8BRG.G1 ou do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.02.2024, relatado pelo Desembargador Adeodato Brotas no processo n.º 4704/19.6T8LSB.L1-6, o direito de indemnização na compra e venda (e na empreitada) defeituosa que tem em vista o ressarcimento do comprador (e do dono da obra, na empreitada) pelos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso da prestação, é um direito residual relativamente aos direitos de eliminação dos defeitos e/ou substituição do bem/realização de nova obra, podendo ser exercido cumulativamente com eles. [7]
Deste modo, mostrando-se ainda possível a realização da prestação pela Ré, o direito indemnizatório só poderia contemplar a reparação dos danos que esta prestação não permitisse suprir, e não aqueles que consistem no custo dessa mesma reparação.
No caso, os custos provados dizem exclusivamente respeito à execução das obras necessárias para a reparação os defeitos que ainda não foram realizadas e, consequentemente, tampouco foram pagas pelo Autor.
Deste modo, não assiste fundamento factual e jurídico ao primeiro pedido de condenação da Ré no pagamento em quantia indemnizatória certa, formulado pelo Autor.
*
Do direito à reparação dos danos pela Ré
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Pede também o Autor, em alternativa, a condenação da Ré a eliminar os mencionados defeitos existentes no imóvel, em prazo que sugere seja fixado no máximo de três meses, ou noutro que o tribunal considere razoável, e numa sanção pecuniária compulsória de € 300,00 por cada dia de atraso na sua conclusão.
Vimos já que assiste ao Autor direito a obter da Ré a reparação dos defeitos da obra, pelo que se mostra provida esta parte do pedido formulado, considerando-se aqui que, atenta a relativa simplicidade dos trabalhos a realizar, o prazo de quatro meses é suficiente para que a obrigação da Ré seja levada a bom porto.
*
Da sanção pecuniária compulsória
*
Relativamente à sanção pecuniária compulsória, tendo por certo que a Ré se encontra obrigada a proceder a reparação os defeitos no prazo fixado, devemos ter presente que o disposto no n.º 1 do artigo 829º-A do Código Civil permite a condenação, “…nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado…”, a requerimento do credor, do “…devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.”
Para o Professor Calvão da Silva, a sanção pecuniária compulsória é a ameaça para o devedor de uma sanção pecuniária, ordenada pelo juiz, para a hipótese de ele não obedecer à condenação principal, com o que “se visa o cumprimento voluntário das obrigações, no respeito pela palavra dada e pelo princípio pacta sunt servanda, não deixando de favorecer também o respeito a ter para com as decisões judiciais”. [8]
A sanção pecuniária compulsória visa uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
A aplicação da sanção compulsória judicial, prevista no número 1 do artigo em apreço, depende do preenchimento dos seguintes dois requisitos positivos e um requisito negativo:
a) que estejam em questão “obrigações de prestação de facto infungível”, seja ela positiva ou negativa;
b) que o credor requeira a condenação do devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por infração;
c) que a obrigação de facto não exija “especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado”, pois se tal acontecer não haverá lugar à aplicação da sanção.
Vertendo estes ensinamentos no caso em apreço, estamos perante uma obrigação de prestação de facto infungível, de facere, de realização (ou omissão) de uma actividade constituída pelas reparações a cargo da Ré, pese embora não exija especiais qualidades científicas ou artísticas da obrigada. Por seu turno, o credor, aqui Autor, requereu a fixação da sanção pecuniária.
Assim, estão preenchidos os pressupostos de que depende condenação da Ré no pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, afigurando-se, atento valor da prestação global apurado na factualidade provada e o critério de razoabilidade previsto pelo n.º 2 do artigo 829.º-A do Código Civil, adequada a sua fixação em € 150,00 por cada dia de atraso na conclusão dos trabalhos.
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Assim, por assistir fundamento factual e jurídico ao recurso interposto pelo Autor, deverá revogar-se a sentença recorrida e declarar-se provido o pedido alternativo formulado pelo Autor na presente acção declarativa de condenação.
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Quanto ao recurso subordinado da Ré / Recorrente, a insubsistência da impugnação da matéria de facto em que se funda, conjugada com a expendida fundamentação jurídica aplicável aos factos provados, ditam a sua improcedência.
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Custas
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Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º, n.º 6, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito.
No caso:
- o Recorrente Autor obteve vencimento no recurso, pelo que deve a Recorrida Ré suportar as respectivas custas;
- a Recorrente subordinada Ré foi vencida no recurso por si interposto, pelo que também suportará as respectivas custas processuais.
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III. DECISÃO
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Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em:
1. Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente Autora:
- revogando a sentença recorrida;
- condenando a Ré a eliminar as desconformidades descritas no facto provado número 6), no prazo de máximo de quatro meses contados a partir do trânsito em julgado do presente acórdão, assim como no pagamento da sanção pecuniária compulsória de e 150,00 (cento cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento daquela obrigação; e
- mantendo a absolvição da Ré quanto ao mais peticionado pela Autora.
2. Julgar improcedente o recurso subordinado interposto pela Recorrente Ré.
3. Condenar a Ré nas custas de ambos os recursos.
Notifique.
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Évora, 15 de Julho de 2025
Os Juízes Desembargadores
Ricardo Miranda Peixoto (Relator)
Susana Ferrão da Costa Cabral (1ª Adjunta)
Filipe César Osório (2º Adjunto)


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[1] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, pág. 30.
[2] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/5c62d7680bfd396180258b8500342396?OpenDocument
[3] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/60b3c297e4f932ed8025820f0051557d?OpenDocument
[4] Incorpora a seguinte modificação resultante da precedente exposição: aditamento do facto provado 22-A.
[5] Nos termos do n.º 1 do artigo 53.º do DL n.º 84/2021, de 18.18 que revogou o DL n.º 67/2003, o actual regime apenas se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor.
[6] Disponíveis, respectivamente, nas ligações:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9c7e0b22e93fdc02802581c5004d63bf?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/bccb4a9078e14a3b80258a9b003aa8d5?OpenDocument
[7] Disponíveis, respectivamente, nas ligações:
https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/43f67ebd6afeec7e80258ae5003a550a?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b2849cc25f414cdc80258af5005361e5?OpenDocument
[8] In “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1987, pág. 395.