PERSI
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
Sumário

I. A comunicação em que a instituição de crédito se limita a invocar o decurso do prazo de 90 dias desde a data da integração do cliente no procedimento PERSI, sem descrever as razões concretas pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento, conforme exigido pelo artigo 17.º, n.º 3 a 5, do DL 227/2012, conjugado com o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do Aviso n.º 7/2021, do Banco de Portugal, não tem eficácia extintiva do PERSI.
II. A comunicação de extinção do PERSI consubstancia uma condição de admissibilidade da execução, consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Sumário: (…)

***
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório

(…) Banco, SA., instaurou, a 16-01-2023, a presente Execução Sumária, para pagamento da quantia de € 139.465,14, contra (…) e (…).
Apresentou como título executivo um contrato de mútuo com hipoteca, celebrado por Escritura Pública, a 27-02-2020.
Por despacho de 03-07-2024 o Mm.º Juiz do tribunal a quo convidou o exequente a alegar e documentar nos autos:
a) Que deu cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, sob pena de não o fazendo, serem os executados absolvidos;
b) Que deu cumprimento ao disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23/06, sob pena, também nesta parte, se considerar omitida uma das condições processuais de instauração da execução.
Em resposta ao solicitado, o Exequente expôs e requereu, em síntese, que:
A) Do cumprimento do PERSI
1. Serve de base à presente execução o contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre o Exequente e os executados (…) e (…) e o (…) Banco, S.A., aos 27/02/2020, no montante de € 141.000,00.
2. Cuja última prestação paga foi a vencida em 27/01/2022.
3. Por cartas datadas de 05/03/2022, o exequente comunicou a ambos os mutuários, aqui executados, da consequente integração em PERSI (Processo Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, com vista ao encontro de uma solução adequada ao cumprimento, na hipótese de impossibilidade de pagamento imediato, devendo, para tanto, no fixado prazo, procederem à remessa da aí identificada documentação).
4. Porque decorridos os fixados noventa (90) dias após a integração dos executados em PERSI não foi alcançado acordo, por cartas datadas de 04/06/2022, a Exequente comunicou a ambos a extinção do procedimento, reiterando, porém, a disponibilidade para a negociação de uma solução para o incumprimento.
5. Persistindo este, o Exequente por cartas datadas de 04.07.2022, renovou junto dos Executados a indispensabilidade de regularização das dividas, entretanto, agravadas, sob pena de recurso via judicial.
B) Do cumprimento do artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 74-A/2017
6. Mantendo-se o incumprimento, por cartas datadas 04.11.2022, o Exequente informou ambos os Executados que se encontravam vencidas e não pagas 9 prestações (da 24 à 32) num total em dívida de € 4.506,81, concedendo um derradeiro prazo de 30 dias para a sua regularização, sob pena de cessação imediata do contrato e a execução das garantias existente.
7. Porque decorrido o concedido prazo, o incumprimento se manteve, por cartas datadas de 22.12.2022, o exequente comunicou a ambos os executados a denúncia do contrato.
8. Seguindo-se o presente acionamento judicial que deve, assim, prosseguir a sua normal tramitação.
O exequente juntou documentos para prova dos factos alegados:

*
Após audição do Exequente, o Tribunal a quo conheceu oficiosamente da questão relativa ao cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 e proferiu despacho, em que concluiu:
“Face ao exposto, declara-se evidenciada a exceção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aos executados, e, subsequentemente, absolve-se os mesmos da instância, determinando a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).”
Deste despacho interpôs o Exequente o presente recurso de apelação, o qual terminou com as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 27/11/2024 que declarou “evidenciada a exceção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aos executados, e, subsequentemente, absolve-se os mesmos da instância, determinando a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).”, por incumprimento dos requisitos atinentes à extinção o PERSI.
II. Afirma o tribunal a quo que a Relação de Évora já assumiu a posição de que a indicação apurada – comunicação da extinção do PERSI, a ambos os executados, por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração no PERSI - não é suficiente para se considerar cumprido o PERSI, citando, para tanto, os acórdãos de 25/11/2021 (Processo n.º 17026/20.0T8PRT.E1) e de 24/11/2022 (Processo n.º 824/22.8T8ENT.E1).
III. Com o que o Recorrente não se conforma.
IV. O citado Tribunal da Relação de Évora já decidiu (e decide) em sentido diverso.
V. Veja-se o acórdão de 09/02/2023, da mesma Relação de Évora, no processo n.º 3358/20.1T8ENT.E1, Relatora: Maria João Faro, nos termos do qual basta a menção ao decurso de tal prazo após a data da integração do cliente bancário neste procedimento.
VI. Neste sentido também o acórdão de 26/05/2022, da mesma Relação de Évora, no proc. n.º 18/22.2T8ENT.E1, Relator: Mário Coelho.
VII. No nosso caso concreto, houve, inclusivamente, cartas anteriores – de integração no PERSI - onde os executados foram expressamente informados que o PERSI se extinguia no 91.º dia após o seu início; cfr. docs. 1 e 2 juntos ao requerimento do Exequente de 10/09/2024, pág. 2, na rubrica intitulada «extinção do PERSI», onde se lê: «O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração e insolvência o cliente bancário. (…).»
VIII. Ora, como resulta do citado artigo 17º um dos motivos para que o PERSI se extinga é simplesmente o decurso do prazo de 91 dias desde a data da integração do PERSI.
IX. Nada mais é aqui exigido para que a extinção deste Procedimento ocorra, isto é, basta que tenham decorridos 91 dias desde a data da integração do cliente bancário em PERSI para que o procedimento se extinga, salvo se as partes acordarem por escrito a respetiva prorrogação, o que aqui não sucedeu.
X. Das cartas enviadas é bem explícito que o motivo da extinção do PERSI é o decurso do prazo legal exigido desde a data da integração dos executados em PERSI; cfr. docs. 3 e 4 juntos ao requerimento do Exequente de 10/09/2024.
XI. Isso resulta de imediato da leitura do segundo parágrafo das referidas cartas, no qual se lê “O PERSI foi extinto por terem ocorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo.”
XII. Ou seja, o PERSI está extinto pois ultrapassou os 90 dias em que o cliente obrigatoriamente tem de estar integrado neste procedimento.
XIII. Com este fundamento de extinção do PERSI, que é simplesmente o decurso do prazo legal, não existem quaisquer outros factos que determinem a sua extinção ou que justifiquem a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento que tivessem de ser explicados.
XIV. É este o fundamento legal indicado nas cartas e que culmina com a extinção do referido Procedimento, não existindo quaisquer outros factos que tenham determinado esta extinção e que assim tivessem de ser explicados nas referidas cartas aos executados.
XV. Trata-se, até, de uma forma de extinção automática do procedimento.
XVI. Como, aliás, o afirma jurisprudência de outras Relações, como a Relação do Porto, no acórdão de 19/11/2020, no proc. n.º 978/19.0T8AGD-A.P1, o acórdão da Relação de Coimbra de 19/06/2018, no proc. n.º 29358/16.8YIPRT e acórdão da Relação de Lisboa de 07/05/2020, no proc. n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1-6.
XVII. Isto posto, a decisão do tribunal a quo de considerar que estamos perante uma excepção dilatória inominada insanável é com o devido respeito excessiva e desproporcional.
XVIII. Nessa conformidade, atenta a prova documental produzida é forçoso concluir que a Exequente cumpriu o postulado no Decreto-Lei n.º 227/2012.
XIX. Ao assim não decidir, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 227/2012.
Conclui o exequente que a sentença de extinção da instância deve ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos de execução até efetivo e integral pagamento da quantia exequenda.
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Não foram deduzidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Questões a Decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da apelação, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Consequentemente, cumpre apreciar e decidir:
i. Se a comunicação de extinção do PERSI aos Executados cumpre os respetivos requisitos legais.

ii. Em caso negativo, qual a consequência;


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2. Fundamentação

2.1. Fundamentação de facto:

Dos documentos juntos aos autos e com relevância para a decisão resultam demonstrados os seguintes factos:

1) Em 27/02/2020 o Exequente celebrou com os Executados (…) e marido, (…) um contrato de mútuo com hipoteca, no Regime de Crédito para Deficientes, ao abrigo do decreto-lei n.º 64-A/2014, de 26 de Agosto, no montante de € 141.000,00 (cento e quarenta e um mil euros), do qual se confessaram devedores, a ser reembolsado em 300 prestações, mensais, iguais e sucessivas de capital e juros, em função da taxa aplicável a cada momento, durante o curso do empréstimo;

2) Para garantia do capital mutuado, respetivos juros e despesas, constituíram os Mutuários a favor do Exequente, hipoteca sobre o imóvel nomeado à penhora (cfr. docs. n.ºs 1 e 2);

3) A hipoteca garante o bom pagamento do empréstimo assumido pelos Mutuários, perante o Banco Exequente, até ao montante máximo de € 203.745,00, encontrando-se devidamente registada pela Ap. (…), de 2020/02/27 (cfr. doc. n.º 2);

4) A última prestação paga pelos executados foi a vencida em 27/01/2022; 5) Em 05-03-2022, o exequente comunicou aos mutuários:

a. que as obrigações decorrentes do contrato encontravam-se em dívida desde 27-01-2022, e que atingiam o valor total de € 924,95;

b. Conforme previsto no decreto-lei 227/2012, de 25 de outubro, o Banco acompanhará o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), no qual se encontra integrado desde 06-03-2022;

6) O exequente juntou à referida carta um documento sobre o PERSI, onde se refere , além do mais; “O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes ou com a declaração de insolvência do cliente bancário”;

7) Em 4 de junho de 2022, o exequente enviou nova carta aos executados com o seguinte teor: (…).


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2.2. Apreciação jurídica

2.2.1. Da comunicação de extinção do PERSI

O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações.
Pretende-se, como resulta desde logo do preâmbulo do referido diploma, “estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas.”
Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do referido diploma, entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste, ou seja, na pendência do PERSI a instituição de crédito está impedida de “Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.”.
Na decisão recorrida considerou-se que “o exequente não esclarece convenientemente, com a comunicação de extinção do PERSI apurada, as razões pelas quais não considera viável a manutenção do procedimento, não estando pois respeitado o artigo 17.º indicado o que determina a ineficácia da extinção do PERSI, nos termos do n.º 4 do referido artigo”.
É o seguinte, o teor do citado artigo 17.º:
1. O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou
d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.
2. A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:
a) (…)
3. A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4. A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5. O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.
O Aviso a que se refere este n.º 5 do artigo 17.º é o Aviso n.º 7/2021 (publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 243, Parte E, de 17.12.2021) que no artigo 9.º concretiza os elementos que em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, devem constar da comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI.
Reitera-se neste Aviso a necessidade de, designadamente, descrever de forma clara, rigorosa e legível os factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao referido procedimento e a necessidade de indicar o respetivo fundamento legal para a extinção.
Estas normas têm suscitado diferentes interpretações, designadamente quando está em causa o fundamento de extinção do PERSI invocado pelo recorrente, neste processo: o constante do artigo 17.º, n.º 1, alínea c), do referido Decreto-Lei. Esta alínea prevê a extinção do PERSI no 91º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação.
Assim,
· No sentido de que “Quando a extinção do PERSI ocorre em virtude da verificação objetiva de uma das causas de extinção do procedimento que constituem, em si mesmas consideradas, um dos fundamentos legais de extinção a que se refere o n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, como acontece quando hajam decorrido 91 dias sem que tenha havido acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento, ou as partes tenham acordado, por escrito, na prorrogação daquele prazo, a comunicação de extinção do procedimento, contendo esse fundamento, ademais quando remetida na sequência da comunicação de integração onde o mesmo já havia sido indicado, satisfaz o dever de informação da instituição de crédito para com o cliente bancário, que sobre aquela impende nos termos do n.º 3 do artigo 17.º, atualmente conjugado com o artigo 9.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021.“ decidiu-se, entre outros, no acórdão de 28-04-2023 (Processo n.º 2348/22.4T8ENT.E1[1]).

· Considerando que a extinção do PERSI com o fundamento legal de terem decorrido 91 dias subsequentes à data da integração do cliente bancário nesse procedimento, não exime a entidade bancária de lhe comunicar, para além daquele fundamento, as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI, decidiu-se entre outros no acórdão de 25-11-2021 (Processo n.º 17026/20.0T8PRTE1[2]).

Ponderando os argumentos invocados nos acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt. que se debruçaram sobre esta questão, designadamente que:
- O n.º 3 do artigo 17.º exige, sem qualquer distinção, a necessidade de na comunicação de extinção do PERSI, para além da descrição do fundamento legal para a extinção, se descrever as razões pelas quais a instituição de crédito considera inviável a manutenção do procedimento do PERSI, sendo que o n.º 4 não deixa margem para que se entenda que aquela comunicação se aplica apenas aos fundamentos inseridos no n.º 2, pois prevê apenas uma exceção: “quando o fundamento da extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1”.

- A omissão das razões concretas que determinaram a extinção do PERSI limita o exercício do contraditório por parte do devedor, restringindo as suas possibilidades de defesa e de alcançar uma solução por acordo, a fim de evitar a cobrança em Tribunal.

- “Em face do elenco de razões descritas no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25/10, que ao criar o instrumento jurídico consubstanciado no PERSI o legislador não pretendeu seguramente que o mesmo funcionasse como um mecanismo meramente formal passível de findar passivamente ao fim de decorrido um determinado período temporal ao jeito de uma espécie de moratória concedida ao cliente bancário devedor (…).” – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-01-2025, proferido no processo n.º 69/24.2T8ENT.E1.

Concluímos que, para que a comunicação da extinção do PERSI seja eficaz, importa que para além da invocação do decurso de 90 dias a entidade bancária descreva as razões concretas pelas quais a instituição bancária considera inviável a manutenção do procedimento.
Por conseguinte, no caso concreto, o envio de uma “Carta–tipo” invocando o decurso do prazo de 90 dias, mostra-se insuficiente para considerar validamente cumprido o dever de fundamentação consagrado no artigo 17.º, n.º 3 a 5, do DL 227/2012, de 25/10, conjugado com o artigo 9.º do citado Aviso do Banco de Portugal. É que, mesmo interpretando esta carta, como pretende o recorrente, em conjunto com a missiva enviada anteriormente, de informação ao cliente bancário da integração no regime do PERSI, onde são indicados os documentos que o cliente deve facultar ao Banco para este proceder à análise de uma eventual proposta de regularização, não é possível concluir pela satisfação dos requisitos enunciados. Com efeito, nada se concretiza na comunicação de extinção: se o cliente bancário entrou em contacto com o Banco, se houve propostas aceites ou não e/ou negociações, ou seja, não foi acrescentada qualquer palavra no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis» se informar o cliente das concretas razões em que se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento.
O PERSI não deve funcionar como mero interregno procedimental ou moratória automática de 90 dias. A leitura sistemática do DL 227/2012 evidencia que o PERSI é um mecanismo de negociação ativa e cooperativa para regularizar o incumprimento. Assim, permitir a sua extinção automática, sem fundamentação, desvirtua o seu escopo e prejudica os princípios da boa-fé e da cooperação entre as partes.
Sobre os deveres de informação que incumbem à instituição de crédito aquando da comunicação da extinção do PERSI, diz-se no Acórdão do STJ de 16-12-2020 (Processo n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1)[3]:
“I. Como instrumento para a prevenção de incumprimento no crédito bancário, o Procedimento Extrajudicial para Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) não se basta com o cumprimento formal, pela instituição de crédito, do dever de integração do cliente bancário no procedimento, sendo-lhe exigida a observância de deveres específicos e a realização de diligências concretas.
II. Estando o executado / cliente bancário integrado no PERSI e não provando a exequente / instituição de crédito que ocorreu a extinção do PERSI e que cumpriu os deveres de informação que lhe incumbiam na sequência de tal extinção, deve a execução com vista ao pagamento das prestações em falta no contrato de crédito extinguir-se.”
Face a todo o exposto, concluímos, como nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 12-07-2023 e 13-03-2025, proferidos respetivamente nos processos n.º 2723/22.5T8ENT.E1 e n.º 2481/24.8T8ENT.E1, que uma carta em que a instituição bancária se limita a comunicar ao cliente que o PERSI em que o mesmo havia sido integrado se extinguiu por terem decorrido 91 dias, sem esclarecer as razões pelas quais não considera viável a manutenção do procedimento, não respeita o n.º 3 a 5 do artigo 17.º do DL 227/2012 e, por conseguinte, não tem eficácia extintiva desse procedimento.

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iii. Da consequência do incumprimento dos requisitos previstos na comunicação de extinção do PERSI ao Executado

Atento o disposto no n.º 4 do artigo 17.º do citado DL 227/2012 o incumprimento dos requisitos legais na comunicação de extinção do PERSI ao executado conduz à ineficácia da extinção do PERSI, considerando-se este pendente.
Ora, se o procedimento PERSI ainda está pendente, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do referido DL a instituição de crédito “está impedida de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
Assim, a comunicação da extinção do PERSI constitui condição de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva) consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (neste sentido o Acórdão supra citado e ainda o do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021, Processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1[4].
Face a todo exposto, importa julgar improcedente o recurso, nos termos do qual se pretendia o prosseguimento da execução.

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As custas são suportadas pelo Recorrente, atenta a improcedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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3. Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
15 de Julho de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Ricardo Miranda Peixoto (1º Adjunta)
Maria Adelaide Domingos (2ª Adjunto)

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[1] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, publicado in:
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/41f4f4e594558a49802589c50036212f?OpenDocument
[2] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, publicado in:
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/fe91eb87f561477a802587ad003aebbf?OpenDocument&Highlight=0,4474%2F16.9T8ENT-A.E1
[3] https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:2282.15.4T8ALM.A.L1.S1.07?search=tTceyZvnhq5V6NkpDUE
[4] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/933746124ffad92c802586b6004366e1?OpenDocument&Highlight=0,1311%2F19