I - O periculum in mora prende-se com a afetação ou inutilização do direito do requerente se não for decretada uma providência cautelar; é o perigo da demora, conforme resulta diretamente da tradução da expressão latina e revela, exatamente, o risco de dano irreparável ou de difícil reparação resultante de a mesma pretensão, seguindo os normais termos de uma ação judicial, se evidenciar pela demora própria desta ação.
II – Não há periculum in mora quando, como sucede, o procedimento foi proposto depois de instaurada da ação, depois da contestação (com reconvenção contra os requerentes do procedimento) e da réplica, e quando se verifica que essa ação não padece de qualquer entropia ou arrastamento que permita concluir que a sua demora constitua um risco para o direito dos requerentes.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Recorrentes – AA e BB
Recorrida – A..., Lda.
Relator – José Eusébio Almeida
Adjuntas – Teresa Sena Fonseca e Carla Fraga Torres
Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
AA e BB instaram, a 3.02.25, ação comum contra A... Lda. e pediram a condenação da ré no reconhecimento do seu incumprimento contratual e da resolução com justa causa da empreitada; na devolução do montante de 79.559,53€ e na condenação da ré numa sanção pecuniária compulsória diária de 50,00€, desde a data formalmente comunicada para a retirada do estaleiro da propriedade dos autores (25.10.24) até à efetiva remoção e i) em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no valor total de 91.043,98€, acrescida de juros; ii) na diferença entre os valores contratados e os atuais, considerando o orçamento mais baixo (82.973,34€); iii) custos com terceiros para execução do projeto (738,00€); iv) encargos financeiros adicionais e seguro (2.332,64€) e v) indemnização por danos não patrimoniais no valor de 5.000,00€ (sublinhado nosso).
A ré contestou (10.03.25) e reconveio, peticionando, em reconvenção, e além do mais, o pagamento da quantia de 142.219,51€, correspondente a danos patrimoniais.
Os autores replicaram (22.04.25) e mostra-se já designada a audiência prévia[1].
A 7.05.25, os autores instauram a presente providência cautelar comum e pediram:
a) Admitir e julgar procedente, por provado o presente procedimento cautelar comum, por verificados os pressupostos legais da sua decretação;
b) Determinar a imediata remoção de todo o estaleiro, materiais, equipamentos e demais bens pertencentes à Requerida, existentes no prédio dos Requerentes, sito na Rua ..., ..., em ...;
c) Determinar que a presente providência cautelar corra por apenso à ação declarativa n.º 187/25.0T8PVZ, em virtude da sua conexão jurídica e instrumentalidade, sendo dispensado o ónus da propositura de ação principal, porquanto esta já se encontra proposta, em curso e plenamente relacionada com a presente providência, tornando-se redundante a repetição autónoma dos mesmos fundamentos e pretensões, ao abrigo do disposto no artigo 369, n.º 1, do Código de Processo Civil,.
d) Fixar sanção pecuniária compulsória à Requerida, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, no valor de €50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento da medida, a contar desde a data da sua notificação/citação até à completa remoção dos bens e estruturas objeto da providência;
e) Ordenar a citação da Requerida para, querendo, deduzir oposição, nos termos e prazos legalmente previstos. (sublinhados nossos).
Para tanto, vieram alegar, em síntese:
- Na ação principal encontra-se em discussão, entre outras questões, a resolução do contrato de empreitada celebrado entre as partes, bem como os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos requerentes em consequência da conduta da requerida, nomeadamente a paralisação injustificada da obra e a recusa em proceder à remoção do estaleiro e demais equipamentos que permanecem no local da construção.
- A presente providência cautelar visa assegurar a utilidade e eficácia da decisão a proferir naquela ação principal, através da remoção dos bens e estruturas que atualmente obstruem o acesso ao local da obra e impedem a intervenção do novo empreiteiro contratado pelos requerentes.
- Entre requerentes e a requerida foi celebrado um contrato de empreitada com vista à construção de uma moradia unifamiliar.
- No decurso da execução da obra, a requerida violou, de forma reiterada e grave, as obrigações que sobre si impendiam nos termos contratuais. Concretamente: a) A não entrega do projeto de estabilidade, apesar de integralmente pago; b) Suspensão unilateral da empreitada, por mais de 40 dias, sem justificação contratual ou legal; c) Ausência de resposta às sucessivas interpelações escritas dos requerentes.
- Perante a gravidade e persistência dos incumprimentos, os requerentes procederam à resolução do contrato, com invocação de justa causa, nos termos legalmente previstos.
- A eficácia da resolução contratual encontra-se atualmente em discussão na ação declarativa que corre termos sob o n.º 187/25.0T8PVZ.
- De forma a mitigar os prejuízos decorrentes da paralisação da obra, os requerentes solicitaram à requerida que procedesse à desmontagem e remoção do estaleiro de obra, de forma a permitir o acesso de novo empreiteiro e a retoma da construção, mas a requerida recusou tal solicitação, mantendo o estaleiro instalado no local, obstando de forma direta e ilegítima à conclusão da obra.
- O estaleiro encontra-se colocado em propriedade dos requerentes.
- A resolução está aceite pela requerida e apenas se discute se há justa causa.
- A conduta da requerida em manter o estaleiro no terreno da requerente, configura uma ingerência ilegítima no direito de propriedade dos requerentes, obsta à realização da construção e perpetua o estado de impossibilidade dos requerentes construírem a sua habitação, impedindo a realização de quaisquer trabalhos de construção e originando prejuízos sucessivos, graves e manifestamente injustificados.
- Os requerentes celebraram já contrato com novo empreiteiro, devidamente qualificado e com cronograma de execução estabelecido, tendo este declarado estar disponível para iniciar de imediato os trabalhos — apenas obstaculizados pela ocupação indevida do estaleiro
- Desde outubro de 2023 até a atualidade, os requerentes têm suportado encargos financeiros relacionados diretamente com o projeto de construção, que incluem: pagamento mensal do financiamento para a construção: 186,85€/mês e o prémio mensal do seguro associado ao financiamento: 104,73€/mês.
- A urgência da presente providência cautelar encontra fundamento na iminência da entrada em obra de um novo empreiteiro e no risco concreto de que qualquer atraso adicional venha a acarretar consequências gravosas e de difícil reparação, designadamente: – um substancial agravamento dos custos totais da construção, fruto da desmobilização de meios e da necessidade de reprogramação e reinício dos trabalhos; – a possibilidade de caducidade ou suspensão de licenças camarárias entretanto emitidas, com os inerentes prejuízos legais e financeiros;
– A manutenção de encargos financeiros suportados pelos requerentes (designadamente bancários e outras obrigações contratuais) sem qualquer contrapartida útil; - Custos com a habitação – impossibilidade de arrendar o espeço onde habitam atualmente; – bem como danos não patrimoniais relevantes, decorrentes da instabilidade emocional, insegurança e frustração associadas à impossibilidade de concluírem, em tempo razoável, a habitação destinada à sua residência familiar.
- Os requerentes têm-se visto profundamente afetados, do ponto de vista emocional e psicológico, por toda a situação vivenciada, designadamente pela frustração crescente resultante de não conseguirem concluir a construção da habitação que idealizaram para si e para os seus filhos, com esforço financeiro significativo e elevado investimento pessoal, estando impedidos de o fazer por razões que lhes são alheias.
A 9.05.25, foi proferida decisão que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar. Tal decisão, ora objeto de recurso, é do seguinte teor:
“Por apenso à ação onde são autores, AA e BB intentaram procedimento cautelar comum contra A... Lda. Pedem as providências seguintes (...)
Alegam, em suma, que: - Celebraram com a requerida um contrato de empreitada para construção de uma moradia unifamiliar. - Por incumprimento da requerida, empreiteira, resolveram o contrato com justa causa; - solicitaram à requerida que removesse o estaleiro para a entrada de novo empreiteiro, mas ela recusou; - a requerida impede, assim, a entrada de novo empreiteiro e a construção da habitação dos requerentes; - o estaleiro está em propriedade dos requerentes; - desde Outubro de 2023 que os requerentes têm encargos financeiros com a construção: financiamento 186,85€/mês e prémio do seguro 104,73€ mês. - o atraso na entrada de novo empreiteiro traz consequências gravosas como substancial aumento dos custos da construção; possibilidade de caducidade ou suspensão das licenças camarárias, manutenção dos encargos financeiros, impossibilidade de arrendar o espaço onde habitam, danos não patrimoniais como o desgaste emocional.
Dispõe o art. 362.º, n.º 1, do CPC que: Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado. Requisitos da providência cautelar não especificada são: a) A probabilidade séria da existência do direito invocado (art. 368.º, n.º 1, CPC); b) o justo e fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação (art. 368.º, n.º 1, CPC); c) A inexistência de providência cautelar especificada para acautelar a lesão em causa (art. 362.º, n.º 2, CPC); d) o prejuízo da providência não exceder o dano que se quer acautelar (art. 368.º, n.º 2, CPC).
Para o caso interessa principalmente o requisito referido na alínea b), o chamado periculum in mora. Como diz expressamente a norma, não basta que haja uma lesão grave ao direito do requerente. Essa lesão tem que ser de difícil ou, obviamente, de impossível reparação. Ora, o que os requerentes alegam, essencialmente, é que a atual situação importará um aumento dos custos da construção. Incluindo aqui a hipotética caducidade das licenças. E consequentes pedidos de prorrogação dos prazos ou a emissão de novas licenças. Mesmo que se possa considerar que tal comporta uma lesão grave ao direito dos autores, não é dificilmente reparável. Pois, se a requerida está a incumprir as suas obrigações deverá indemnizar os requerentes pelos custos acrescidos que eles sofrerem com a impossibilidade de prosseguirem com a obra. Quanto à frustração dos requerentes por não poderem prosseguir com a obra, nem se podem qualificar como um dano grave que justifique uma tutela cautelar que é uma medida de natureza excecional. O procedimento está assim, votado desde o início ao insucesso pelo que vai liminarmente indeferido. Pelo exposto, indefere-se liminarmente o presente procedimento”.
II – Do Recurso
Inconformados, os requerentes vieram apelar. Pretendendo a revogação da decisão apelada e o consequente prosseguimento do procedimento cautelar, concluem:
1 – A decisão enferma de erro na apreciação do periculum in mora, violando o disposto no artigo 362 do CPC e o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado do artigo 20 da CRP.
2 – A decisão assentou numa interpretação excessivamente restritiva do conceito de lesão grave e dificilmente reparável, ao considerar que os danos alegados seriam meramente patrimoniais e, por isso, passíveis de indemnização futura, desconsiderando o impacto continuado, progressivo e multidimensional da ocupação abusiva do imóvel.
3 – O periculum in mora não exige que o prejuízo seja irreversível ou insuscetível de indemnização, mas apenas que, pela natureza e evolução no tempo, torne inútil ou ineficaz a decisão de mérito a proferir na ação principal.
4 – No caso, está documentalmente comprovado que a recorrida se mantém ilegitimamente no imóvel, após resolução do contrato de empreitada, impedindo o reinício da obra, causando a paralisação de um projeto de habitação própria e permanente, com prejuízos de natureza pessoal, familiar, económica, contratual e administrativa.
5 - Os recorrentes demonstraram documentalmente: Que são os legítimos proprietários do imóvel; Que o contrato de empreitada foi validamente resolvido (ou pelo menos é pacífico que foi resolvido, apurando-se a justa causa no julgamento), Que a ocupação do imóvel pela requerida é abusiva, sem título e sem justificação jurídica; Que têm novo empreiteiro contratado e pronto a iniciar os trabalhos; Que estão a suportar encargos financeiros contínuos, como financiamento bancário, prémio de seguro e impossibilidade de utilizar ou reutilizar outro imóvel; Que a licença de construção vai caducar; Que o imóvel se destina a ser a casa de morada de família.
6 – A ocupação abusiva do imóvel consubstancia uma violação continuada do direito de propriedade dos recorrentes e um bloqueio ao exercício de um direito com expressão constitucional – o direito à habitação, designadamente a construção de casa de morada de família.
7 – A manutenção da ocupação abusiva visa, não a prossecução de qualquer interesse legítimo, mas o exercício de pressão sobre os recorrentes, numa forma de autotutela privada absolutamente inadmissível num Estado de Direito – razão pela qual se torna ainda mais urgente a intervenção dos tribunais.
8 – É notório que a tramitação das ações principais no sistema judicial português pode prolongar-se por vários anos (ainda não há despacho saneador ou data para a audiência de partes no processo principal), sendo esta morosidade um dado da realidade que o legislador teve em consideração ao consagrar o regime das providências cautelares.
9 – A manutenção da situação atual, apenas por força da morosidade processual, traduz-se numa forma de privação ilegítima da fruição do bem, impedindo os recorrentes de iniciarem a construção da sua habitação e paralisando um projeto de vida com dignidade constitucional.
10 – A tutela cautelar visa precisamente prevenir os efeitos irreparáveis ou de difícil reversão que decorrem do decurso do tempo – sendo, por isso, o mecanismo adequado para evitar que a morosidade da justiça transforme o processo principal numa solução tardia e ineficaz.
11 – A recusa da tutela provisória requerida implica, na prática, a aceitação de uma situação de facto ilícita durante um período indeterminado, privando os recorrentes do uso pleno do seu imóvel sem qualquer base legal, o que contraria o princípio da proporcionalidade e o direito à tutela jurisdicional efetiva.
12 – A decisão carece de fundamento suficiente, limitando-se a conclusões genéricas sobre a inexistência de periculum in mora, sem ponderar os elementos concretos invocados e demonstrados pelos recorrentes, nem avaliar os interesses em jogo, a proporcionalidade das medidas requeridas ou a intensidade da lesão.
13 – A ponderação de interesses imposta pela natureza da tutela cautelar exige a avaliação do prejuízo que o deferimento da providência poderá causar ao requerido face ao dano que resulta da sua não concessão para o requerente; no caso concreto, a recorrida não detém qualquer direito legítimo a permanecer no imóvel, pelo que a medida requerida não lhe causa prejuízo juridicamente atendível, ao passo que a recusa da tutela perpetua uma ocupação abusiva que lesa de forma grave a contínua os recorrentes – reforçando, assim, a necessidade de intervenção judicial urgente.
14 – A jurisprudência tem reiteradamente afirmado que os despachos liminares de indeferimento de providências cautelares devem ser reservados para situações de manifesta improcedência ou de nulidade evidente, o que manifestamente não se verifica nos autos, onde se apresenta alegação fundada, acompanhada de prova documental, sobre factos juridicamente relevantes.
15 – Mesmo na eventualidade de o tribunal ter entendido que a matéria alegada era insuficiente ou imprecisa, deveria ter formulado convite ao suprimento, nos termos do artigo 590, n.º 4 do CPC, e não indeferido liminarmente o procedimento.
16 – Ao não ponderar adequadamente a urgência da situação, nem os impactos reais e atuais da ocupação do imóvel, a sentença frustra a função preventiva e protetora das providências cautelares, subvertendo o seu papel essencial: o de impedir que o tempo legitime o ilícito e esvazie de conteúdo a decisão de mérito.
17 – A recusa da tutela cautelar, nos termos em que foi decidida, traduz-se, na prática, num esvaziamento da função preventiva que o legislador atribui a este mecanismo processual, afastando-se da exigência constitucional de uma resposta judicial eficaz, célere e proporcional à gravidade da lesão invocada – especialmente quando estão em causa direitos fundamentais como o direito de propriedade e o direito à habitação.
18 – Em face do exposto, impõe-se a revogação da decisão, com admissão da providência e prosseguimento regular dos autos, de forma a garantir a efetividade do direito dos recorrentes e a reposição da legalidade violada pela conduta abusiva da recorrida.
O recurso foi legalmente admitido e a requerida foi notificada nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 641 do Código de Processo Civil (CPC), não tendo respondido. Foram dispensados os Vistos, atenta a natureza urgente dos autos, e nada se vê que obste à apreciação do recurso, cujo objeto, tendo em as conta as conclusões dos apelantes se traduz em saber se o despacho de indeferimento deve ser revogado (ou, pelo menos, ser proferido despacho de suprimento, nos termos do artigo 590, n.º 4 do CPC) e o procedimento prosseguir os seus termos, uma vez que, diferentemente do decidido, se verifica uma concreta situação de periculum in mora.
III – Fundamentação
III.I – Fundamentação de facto
Estando ao caso, na presente apreciação, a reponderação da decisão de indeferimento liminar, o mesmo é dizer, sem que tenha havido produção de qualquer prova, vale como ponderável a factualidade alegada pelos requerentes, a qual transparece do relatório que antecede, e para o qual se remete. Sem embargo, da conjugação do requerimento inicial com o constante das alegações dos apelantes – e concretamente na conclusão 5 [Os recorrentes demonstraram documentalmente: Que são os legítimos proprietários do imóvel; Que o contrato de empreitada foi validamente resolvido (ou pelo menos é pacífico que foi resolvido, apurando-se a justa causa no julgamento), Que a ocupação do imóvel pela requerida é abusiva, sem título e sem justificação jurídica; Que têm novo empreiteiro contratado e pronto a iniciar os trabalhos; Que estão a suportar encargos financeiros contínuos, como financiamento bancário, prémio de seguro e impossibilidade de utilizar ou reutilizar outro imóvel; Que a licença de construção vai caducar; Que o imóvel se destina a ser a casa de morada de família] há que deixar assente que, desde logo, a qualificação como abusiva da ocupação pela requerida não resulta (nem pode resultar) de qualquer prova documental e, com especial relevo à providência pretendida, não resulta dos autos a junção de qualquer documento do qual resulte que os requerentes “têm novo empreiteiro contratado e pronto a iniciar os trabalhos”.
III.II – Fundamentação de Direito
Numa providência cautelar comum, abstratamente considerada, não acompanharíamos o fundamento avançado pelo tribunal recorrido no sentido de a violação do direito invocado, porque indemnizável, afastar a urgência cautelar ou sequer que a impossibilidade de prosseguimento da obra não seja, em si mesma, um dano grave, cautelarmente subsumível à necessidade de uma reparação/reposição cautelar.
No entanto, não estamos, naturalmente, perante uma providência cautelar comum abstrata: estamos perante um procedimento instaurado na pendência de uma ação comum entre as mesmas partes e que, agora, correria por apenso a esta. Efetivamente, conforme resulta do relatório deste acórdão, os requerentes são os autores da ação comum instaurada contra a ré/requerida em fevereiro do corrente ano e pediram, além do mais, a condenação da ré numa sanção pecuniária compulsória, “desde a data formalmente comunicada para a retirada do estaleiro da propriedade dos autores (25.10.24) até à efetiva remoção” e na presente providência, instaurada em maio do corrente ano, pretendem a remoção do estaleiro e uma sanção pecuniária compulsória (no mesmo valor diário do pedido na ação), desde a “notificação/citação até à completa remoção dos bens e estruturas objeto da providência”.
Assim, o dano resultante da ocupação do propriedade dos autores, dano resultante da manutenção do estaleiro da requerida nessa propriedade, mostra-se traduzido numa indemnização pecuniária que se sobrepõe, na ação e no procedimento. Note-se que, na ação, os aí autores (aqui requerentes) concretizam essa indemnização com termo inicial a 25 de outubro de 2024 e no procedimento, desde a notificação/citação dos requeridos. Por ser assim, no procedimento, como na ação, e nesta com início em data anterior, os autores/requerentes concretizam o dano num valor pecuniário, podendo, por isso, dizer-se, como considerou a primeira instância, que, pelo menos quanto à remoção do estaleiro, a demora (periculum in mora) está já considerada, desde logo na ação, pela concreta pretensão formulada, não havendo por isso dano – além do inicialmente alegado e pretendido reparar – “dificilmente reparável”, conforme exige o artigo 362, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).
Com efeito, a tutela cautelar comum, tal como decorre do disposto no antes citado artigo 362 do CPC, exige, para além da séria probabilidade da existência do direito invocado pelo requerente, que ocorra um “receio fundado (em termos objetivos) de lesão grave e irreparável ou de difícil reparação” [António Santos Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, pág. 458, anotação 4]. E no caso presente – como decorre do já avançado – são os próprios requerentes que, enquanto autores e na ação comum respetiva (antecipadamente interposta) concretizam indemnizatoriamente a reparação do seu direito, lesionado com a ocupação da sua propriedade.
Não há, por isso, e no sentido antes dito, uma lesão grave ou de difícil reparação que se autonomize relativamente à pretensão já formulada na ação.
Mas o mesmo sucede quanto à alegada impossibilidade de prosseguimento da obra, através de um outro empreiteiro – por demonstrar “documentalmente”, como se referiu a propósito da fundamentação de facto – cuja gravidade, desconsiderada em primeira instância, se prende, essencialmente (para além do que já antes se referiu) com o chamado periculum in mora.
O periculum in mora prende-se com a afetação ou inutilização do direito do requerente se não for decretada uma providência urgente, cautelar. O periculum in mora é o perigo da demora, conforme resulta diretamente da tradução da expressão latina. Traduz, exatamente, o risco de dano irreparável ou de difícil reparação resultante de a mesma pretensão, seguindo os termos não cautelares, ou seja, seguindo os normais termos de uma ação judicial, se evidenciar pela demora própria desta ação.
Sucede que, antecipando uma ação judicial, é natural que o procedimento cautelar se suporte na normalidade da maior demora da ação, mas esta realidade não pode apreciar-se abstratamente quando o procedimento vem a ser instaurado na pendência da ação, e mais, quando esta já decorre, e decorre, em termos de duração, sem evidenciar qualquer atraso.
No caso presente, e tal como resulta do relatório, a ação principal foi proposta em 3.02.25; a contestação, com reconvenção, foi apresentada pela ré em 10.03.25 e a esse articulado os autores replicaram a 24.04.25. O procedimento foi instaurado a 7.05.25 e, entretanto a ação prosseguiu termos e nela já teve lugar a audiência prévia, tendo-se designado a audiência de julgamento.
Assim – para lá da repetição de pretensões, na ação e no procedimento – não pode, em concreto, afirmar-se que existe periculum in mora, decorrente da demora da ação, interposta antes do procedimento cautelar.
A este propósito, permitimo-nos citar, de novo, António Santos Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa [Ob. e loc. cit., anotação 7.] quando referem: “Devem os tribunais estar atentos ao eventual uso abusivo de instrumentos provisórios para resolução de litígios, na medida em que seja de intuir que aquilo que o requerente pretende é beneficiar de uma medida que, ainda que provisória, sirva para “alavancar” exigências irrazoáveis contra a parte contrário, provocando um desequilíbrio que prejudique, a final, a justa composição da lide”.
Sem afirmar-mos a intencionalidade pressuposta no comentário citado, dúvidas não há que o presente procedimento foi proposto depois de instaurada da ação, depois da contestação (com reconvenção contra os autores) e da réplica, e quando se verifica que essa ação não padece de qualquer entropia ou arrastamento que permita concluir que a sua demora constitua um risco para o direito dos requerentes.
Por tudo, entendemos que a decisão recorrida deve ser mantida, pois, por falta dos respetivos pressupostos, concretamente do periculum in mora, o procedimento devia prosseguir termos ou sequer, pela mesma razão, se justifica qualquer despacho de suprimento, nos termos do artigo 590, n.º 4 do CPC.
Atento o decaimento, as custas são devidas pelos apelantes – 527 do CPC.
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirma-se a decisão apelada.
Custas pelos recorrentes.
Porto, 10.07.2025
José Eusébio Almeida
Teresa Fonseca
Carla Fraga Torres
______________________
[1] Conforme resulta da análise dos autos principais, a audiência prévia teve lugar a 8.07.25 e, além do mais, nela foram admitidos os requerimentos probatórios e designada a data de realização da audiência de julgamento.