I - A anulação da decisão para ampliação da matéria de facto, não afeta o decidido nessa mesma decisão que não venha impugnado e não esteja afetado pelo vício que determinou a anulação.
II - No recurso que venha a ser interposto da subsequente decisão, está precludido o direito da parte a impugnar matéria de facto que vinha já julgada provada da primeira decisão e que, por então não impugnada, se teve como definitivamente assente entre as partes. Sob pena de violação do caso julgado.
Salvaguarda feita à necessidade de evitar contradições, tal qual previsto na parte final do nº 3 al. c) do artigo 662º do CPC.
III - A impugnação da decisão de facto não se destina a obter um segundo julgamento, mas antes a reapreciação da prova nos pontos que em concreto as partes apontem padecer de erro, perante os concretos meios probatórios produzidos e que lhes incumbe especificar, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.
Não se bastando como tal, para efeitos do exigido pela al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC, com uma enunciação em bloco dos meios probatórios sem descriminação dos mesmos por referência a cada um dos factos impugnados. Especialmente quando a impugnação se dirige a realidade factual diversa que convoca diversos meios de prova.
IV - Estando em causa a impugnação de factualidade cuja análise e apreciação foi submetida a meios de prova sujeitos à livre apreciação da prova – vide prova documental conjugada com depoimentos testemunhais – para que o tribunal de recurso esteja habilitado a formar um juízo autónomo sobre a prova produzida, é imprescindível que lhe estejam acessíveis os mesmos elementos de prova que ao tribunal recorrido foram colocados à sua disposição para análise.
Da sua falta, por deficiente gravação da prova, resulta a inviabilidade de tal reapreciação.
V - Sobre a seguradora recai o ónus de provar o incumprimento doloso mencionado no artigo 25º da LCS, ou negligente para os fins do artigo 26º da mesma LCS.
VI - Perante uma situação de sobresseguro, a seguradora responde apenas pelo valor dos bens, conforme ao disposto nos artigos 128º e 132º da LCS - esta última norma imperativa, sem prejuízo de poder ser estabelecido regime mais favorável ao tomador do seguro, conforme estipulado no artigo 13º da LCS.
3ª Secção Cível
Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunta – Eugénia Cunha
Adjunta –Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Porto – Jz. Central Cível do Porto
Apelantes/ AA e “A... – Companhia de Seguros, S.A.”(esta em ampliação do recurso).
Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
AA instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra “A... – Companhia de Seguros, S.A.” e “B..., S.A.”, peticionando pela procedência da ação a condenação das RR. “a pagar ao A. a quantia de € 1.000.050,00 (um milhão e cinquenta euros), acrescida dos juros de mora vincendos desde a citação até ao efetivo e integral pagamento”.
Para tanto alegou em suma o A.:
- ter celebrado com a 1ª R., através da 2ª R. a cujos serviços recorreu, um contrato de seguro do Ramo Multirriscos para proteção dos bens de sua pertença com o capital seguro de € 1.000.050,00, correspondente a bens de sua pertença e que descreveu, em 17º e 13º da p.i. (estes por referência ao doc. 3 junto com a p.i.) ;
- contrato este com início em 03/08/2018 e em cujas coberturas foi incluído (entre outros) o risco de incêndio e atos de vandalismo;
- os bens objeto do referido contrato de seguro encontravam-se no local descrito em 9º da p.i., por empréstimo do respetivo proprietário (vide 9º da p.i.);
- Em 04/09/2018 deflagrou no armazém onde o A. tinha depositado os mencionados bens, um incêndio do qual resultou a sua total perda;
- Feita a respetiva participação do sinistro à 1ª R. através da 2ª R., veio esta 1ª R. comunicar ao A. que anula o contrato “pela identificação de diversas inconsistências e inexatidões aquando da subscrição da apólice (...) considerando que, aquando da sua celebração foram prestadas declarações inexatas essenciais e significativas para a apreciação e aceitação do risco, nomeadamente, quanto ao ramo de atividade da empresa; condições e descrição do local de atividade da empresa; e indicadores económicos, financeiros e contabilísticos”.
Recusando-se a indemnizar o A..
- não aceitando o A. a anulação comunicada, está a 1ª R. obrigada a pagar a indemnização peticionada ao abrigo das coberturas contratadas;
- tendo o A. cumprido o seu dever de informação pré-contratual perante a 2ª R., a quem forneceu toda a informação relevante para a celebração do contrato de seguro, a verificar-se omissão ou inexatidão da informação transmitida à 1ªR., tal facto decorre da violação dos deveres contratuais da 2ª R., causando sério prejuízo ao A.;
- incorrendo assim a 2ªR. na obrigação legal de indemnizar o A. pelos danos infligidos, mormente a convicção formada no A. relativa à proteção dos seus bens no montante de € 1.000.050,00 (um milhão e cinquenta mil euros).
Termos em que peticionou a condenação de ambas as RR. nos termos acima indicados.
Contestou a 2ª R., em suma impugnando parcialmente o alegado e no mais afirmando:
- Ter emitido na plataforma eletrónica da 1ª R. a simulação, proposta e apólice se seguro de acordo com os dados fornecidos pelo autor para o efeito.
Tendo o autor pago o respetivo prémio;
- Ao longo do referido processo de contratação do seguro, não foi solicitada pela Seguradora, 1.ª Ré, ao medidor de seguros - 2.ª Ré, quaisquer outras informações / elementos que não os constantes do formulário disponível na plataforma;
- Pelo que a 2.ª Ré cumpriu todos os deveres de informação que lhe se impunham enquanto medidor de seguros. Inexistindo qualquer violação dos seus deveres contratuais.
Consequentemente, inexistindo qualquer obrigação de indemnização por parte da 2ª R.;
- Mais alegou não fazer o A. prova dos danos por si elencados e respetivo valor.
Termos em que concluiu pela sua total absolvição do pedido.
Contestou a 1ª R. seguradora, em suma impugnando parcialmente o alegado e no mais, afirmando:
- Tendo recebido a participação do sinistro identificado pelo autor na p.i., após a receção de toda a documentação necessária, concluiu a R. que à data da celebração do contrato, o segurado prestou declarações inexatas essenciais e significativas para a apreciação e aceitação do risco – nos termos que descreveu na contestação - motivo por que procedeu à comunicação ao A. de que o contrato era nulo e de nenhum efeito;
- O valor dos bens em causa não é o alegado, pois foram adquiridos por € 142.000,00;
- Tivesse a Ré tido acesso a toda a informação, entretanto obtida, e jamais teria celebrado o contrato de seguro;
- O Autor sabia e não podia desconhecer da importância das informações prestadas, pelo que o incumprimento por parte do Autor do dever de declaração foi doloso;
- Se o Autor não tem prestado declarações falsas e inexatas e incompletas, a Ré jamais aceitaria celebrar o contrato de seguro;
- O incêndio deveu-se a causa intencional, decorrente de uma ação praticada a título de dolo direto, através do derramamento de um produto líquido de elevada volatização, com capacidade para potenciar e acelerar a combustão na sua fase inicial.
Pelo que se não verifica o risco de incêndio como sendo uma combustão acidental;
- Tão pouco se tratando de ato de vandalismo – a outra garantia alegada pelo Autor – em face dos elementos apurados e que afastam tal hipótese. Porquanto a ação intencional terá sido perpetrada por quem teve acesso ao espaço. Já que os bombeiros tiveram necessidade de arrombar os portões quando ao local chegaram;
- Independentemente do alegado, sempre se verificará uma franquia contratual de 10%.
Sendo a indemnização devida pelo valor de aquisição dos bens - €142.000,00.
Termos em que concluiu pela procedência das exceções invocadas, com a sua consequente absolvição do pedido e sempre pelo julgamento da ação de acordo com a prova a produzir em sede de audiência de julgamento.
Respondeu o A., após para tanto convidado pelo tribunal a quo, às exceções invocadas pela R. seguradora, em suma alegando:
- forneceu todas as informações que lhe foram solicitadas pela 2ª R., nunca tendo sido interpelada pela 1ª R. para prestar esclarecimentos ou informações adicionais;
- pagou o A. o prémio em função do valor atribuído aos bens, criando a legítima expetativa da proteção dos seus bens e do seu património, com o valor seguro de € 1.050.000,00;
Termos em que concluiu pela improcedência das exceções invocadas pela 1ª R..
Apresentada reclamação aos temas de prova, foi a mesma julgada improcedente.
“totalmente improcedente a presente ação intentada pelo A., AA, e absolve-se os RR. A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e B..., LDA.do pedido.”
Tendo então a R. apresentado contra-alegações, à cautela com ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artigo 636º do CPC, concluindo a final pela total improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, face ao bem decidido.
Ao que o A. recorrente apresentou contra-alegações à ampliação deduzida, em suma argumentando que o conhecimento das questões julgadas prejudicadas, decorre do artigo 665º do CPC, não cabendo na ampliação do recurso deduzido.
Devendo os autos serem remetidos à 1ª instância quando o tribunal de recurso não esteja na posse de todos os elementos.
No mais, pugnou pela improcedência das demais questões a eventualmente conhecer.
“anular a decisão recorrida para ampliação da decisão de facto, com reabertura da audiência se considerado necessário e oportuna prolação de nova decisão, conhecendo das questões da validade do contrato e indemnização devida, sendo o caso.”
Do assim decidido, interpôs a R. “A...” recurso de revista para o STJ, tendo este tribunal superior decidido manter o decidido no Acórdão desta Relação.
Remetidos os autos à 1ª instância, após despacho do tribunal a quo a determinar a notificação das partes para o seu entendimento de “não haver razões para reabertura da audiência de julgamento para produção de prova, indo-se proferir decisão a colmatar a nulidade referida pelo Tribunal da Relação do Porto, artº 6º, nº 1, do CPC.” o qual não mereceu resposta das partes, foi proferida nova sentença, a final se decidindo:
Julga-se totalmente improcedente a presente ação intentada pelo A., AA, e absolve-se os RR. A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e B..., LDA.do pedido.”
“CONCLUSÕES
(…)
Termos em que e nos demais de Direito devem V/Exas. julgando o presente recurso provido, substituir a decisão recorrida por outra que julgue a ação totalmente procedente, por provada, e ser reconhecido, declarado e condenados os RR. a pagar a quantia de €1.000.050,00 (um milhão e cinquenta euros), acrescida dos juros de mora vincendos desde a citação até ao efetivo e integral pagamento.
Assim se fazendo JUSTIÇA!”
Para tanto tendo apresentado as seguintes
“Conclusões
(…)
Termos em que deverá o recurso improceder e em consequência, ser a douta Sentença recorrida integralmente confirmada,
Assim se fazendo Sã e Serena JUSTIÇA!”
Tendo em suma invocado:
- não pode o agora Apelante, só nesta fase, colocar em crise, por via do recurso da matéria de facto, o decidido em primitiva sentença quando, no primeiro recurso apresentado, não colocou em crise a matéria de facto então julgada.
Com efeito, nos presentes Autos tivemos já uma decisão judicial proferida a 17.10.2022 da qual o agora Apelante recorreu.
À data, não colocou em crise os factos dados como provados.
Ora, se à data não concordava com o sentido da decisão, necessariamente, deveria o agora Apelante ter, também, impugnado a decisão no recurso que apresentou – mesmo com carácter subsidiário.
Aliás, se o recurso então apresentado tem sido julgado improcedente, o que dizer da discordância do Apelante em relação à matéria de facto que agora pretende colocar em crise? Obviamente que a decisão transitava em julgado.
(…)
Na mesma linha, a decisão proferida pela Relação do Porto anulou a decisão para, se necessário, ampliar a matéria de facto, mas sem colocar em causa a parte da decisão que não estava em recurso.
Por isso mesmo, ante as decisões proferidas pela Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo nem teve necessidade de produzir mais prova para proferir a decisão que agora está em crise.
Sendo certo que, a decisão agora impugnada é exatamente a mesma que foi proferida então. Mais, o que o Apelante pretende agora colocar em crise não resulta sequer da ampliação da matéria de facto – já que nenhum facto foi aditado.
Donde, por força do vindo de referir, não pode o Apelante pretender, agora, impugnar matéria de facto que aceitou, sob pena de violação do caso julgado.
- Sem prescindir,
Deve o recurso ser rejeitado por não observância do disposto no artigo 640 nº 1 do CPC. O Apelante limita-se a identificar, em bloco, os factos que entende que devem ser impugnados. Seja nas conclusões, seja na motivação. E, em bloco, identifica meios de prova que, no seu entender, impunham decisão diferente sem, contudo, especificar, para cada um dos concretos pontos de facto impugnados qual ou quais as provas que, no seu entender, impunham decisão diversa.
Pelo que deve ser rejeitado o recurso nesta parte;
- Se assim não for entendido, defendeu ainda a recorrida a manutenção da decisão de facto por não merecer censura.
Bem como a manutenção da decisão de direito.
Sem prescindir, invocando a recorrida não ter o A. feito prova de que todo o material adquirido estava no armazém.
Ainda, e em sede de ampliação do objeto do recurso, pugnou a recorrida
- que seja sufragada a interpretação conforme à cláusula 52.º, número 4, alínea c) do contrato de seguro celebrado, porquanto o capital seguro deverá corresponder ao preço corrente de aquisição para o segurado, leia-se 142.000,00€ e não 1.000.000,00€.
Assim, porque os bens em causa foram adquiridos pelo preço de 142.000,00€, no limite, deverá ser este o valor da hipotética condenação, sempre descontado da franquia contratual prevista de 10% do valor indemnizável;
E, sem prescindir
- conforme alegado pela Ré Apelada e que o Tribunal a quo deu como provado, a área ocupada de 560m2 não era capaz de suportar as alegadas 1800 paletes.
Significa, portanto, que não resultou provado que a totalidade do material adquirido se encontrava nos armazéns que arderam.
Pelo que, o Apelante não fez, sequer, prova de que todo o material adquirido estava naquele armazém – não podendo este Tribunal conceder a indemnização no valor total, seja de 142.000,00€, seja de 1.000.000,00€.
Termos em que concluiu pela total improcedência do recurso e manutenção do decidido.
Foram colhidos os vistos legais.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante Autor serem questões a apreciar:
1- erro na decisão de facto.
E como questão prévia
. admissibilidade da impugnação deduzida pelo autor neste segundo recurso – quanto à matéria de facto que vinha já julgada provada e não provada e foi mantida, sem qualquer alteração - atendendo à não impugnação aduzida no primeiro recurso, em conformidade se tendo declarado no 1º Acórdão proferido que “a decisão da matéria de facto não vem impugnada e tem-se, como tal, definitivamente assente entre as partes – sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso (vide o disposto no artigo 662º nº 2 do CPC).”
. observância dos ónus de impugnação e especificação por parte do recorrente;
2- erro na subsunção jurídica
Foram julgados provados os seguintes factos:
[em relação à primeira decisão que oportunamente foi alvo de recurso, sem impugnação da decisão de facto nela constante, foi introduzida de novo a matéria dos factos provados 60) e 61). No mais se tendo mantido na integra o anteriormente decidido em sede de decisão de facto].
“1) Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...05 – ramo Multi-Riscos Empresas, com início em 03-08-2018, o A. transferiu para a 1ª Ré a responsabilidade multirriscos sobre o recheio existente no local de risco Rua ..., ... ..., com o capital seguro de € 1.000.050,00 (um milhão e cinquenta euros), correspondente a Existências no montante de €1.000.000,00 (um milhão de euros) e Mobiliário no montante de € 50,00 (cinquenta euros), cfr. apólice, condições contratuais e recibo de prémio, cfr. Docs.. Nºs 5, 6, e 7.
2) De acordo com a referida apólice, o capital seguro possuí as seguintes coberturas:
Atos de vandalismo, Maliciosos ou de Sabotagem;
Aluimento de Terras;
Assistência ao Estabelecimento;
Avaria de Máquinas;
Choque ou Impacto de Objetos Sólidos;
Choque ou Impacto de Veículos Terrestres;
Danos em Bens do Senhorio;
Danos por Água;
Demolição e Remoção de Escombros;
Derrame Acidental de Óleo;
Derrame de Sistemas de H.P.C.I;
Equipamento Eletrónico;
Furto ou Roubo;
Furto ou Roubo – Dinheiro em Caixa;
Furto ou Roubo – Dinheiro em Cofre;
Greves/Tumultos/ Alteração O. Pública;
Incêndio, Ação Mecânica de Queda de Raio, Explosão;
Privação de Uso do Local Arrendado ou Ocupado;
Proteção a Clientes .- Acid. Pessoais;
Proteção a Clientes – Roubo Din./Obj. Pessoais;
Proteção do Seg./Empr. - Acid. Pessoais;
Proteção do Seg./Empr. - Roubo Din./Obj. Pessoais;
Proteção Jurídica;
Quebra de Vidros e Pedras Ornamentais;
Quebra ou Queda de Antenas;
Quebra ou Queda da Painéis Solares;
Queda de Aeronaves;
RC Proprietário, Inquilino ou Ocupante;
Responsabilidade Civil Exploração (Opção 1)
3) Por comunicação datada de 26 de novembro de 2019, a 1ª R., notifica o A. da conclusão das diligências respeitantes à instrução do processo de sinistro, bem como da sua respetiva análise, concluindo pela identificação de diversas inconsistências e inexatidões aquando da subscrição da apólice, motivo pelo qual, vem anular o contrato de seguro com o nº ...05, considerando que, aquando da sua celebração foram prestadas declarações inexatas essenciais e significativas para a apreciação e aceitação do risco, nomeadamente, quanto ao ramo de atividade da empresa; condições e descrição do local de atividade da empresa; e indicadores económicos, financeiros e contabilísticos, conforme doc. 21 da p.i.
4) O A. é empresário em nome individual dedicando-se a diversos ramos de atividade, entre os quais a compra e venda e remodelação de imóveis.
5) Em 01/03/2018 o A. encontrava-se inscrito / coletado na Autoridade Tributária (AT) para o exercício da atividade de comércio a retalho de:
a) têxteis, estab. Espec. - com o CAE 47510;
b) ferragens e vidro plano, Estab.- com o CAE 47521;
c) tintas, vernizes e produtos similares – com o CAE 47522;
d) materiais bricolage, equipamentos sanitários, LAD – com o CAE 47523;
e) carpetes, tapetes, cortinas REV.P/P - com o CAE 47530;
f) Eletrodomésticos, estab. Espec. - com o CAE 47540;
g) mobiliário e artigos de iluminação – com o CAE 47591;
h) louças, cutel. out.art.sim.p/uso – com o CAE 47592;
i) outros artigos para o lar, n.e., est. - com o CAE 47593;
j) artigos segunda mão, estb. espeq. - com o CAE 47790;
k) jornais, revistas e art. papelaria – com o CAE 47620;
l) discos, CD, DVD, Cassetes e simil. - com o CAE 47630;
m) art.desporto, campismo e lazer – com o CAE 47640;
n) jogos e brinquedos, estab. Espec. - com o CAE 47650;
o) vestuário para adultos, estab. Espec – com o CAE 47711;
p) vestuário para bebes e crianças, est. - com o CAE 47712;
q) calçado, estab. espec. - com o CAE 47721;
r) marroquinaria e artigos viagem, es – com o CAE 47722;
s) rel. e art ourivesaria e joalharia – com o CAE 47770;
t) outros prod. novos, estab. espec, n – com o CAE 47784; cfr. Doc. Nº 1 da p.i.
6) Para o desempenho da sua atividade comercial, o A. adquiriu num leilão eletrónico da AT, quantidade de mercadoria diversificada (quinquilharia, artigos para o lar, brinquedos, roupas, tintas, entre outros) com vista à sua revenda a terceiros.
7) A qual estava avaliada junto da AT na quantia de €2.703.019,84 (dois milhões, setecentos e três mil e dezanove euros e oitenta e quatro cêntimos), cfr auto de adjudicação da AT, sob doc. 2.
8) Mas que dada a ausência de propostas pelo valor supra, o A. veio a adjudicar em 06/03/2018, pela quantia de €142.000,00, cfr. auto de adjudicação no processo executivo ...92 junto sob o doc. Nº 2.
9) O conjunto de mercadorias adquirida pelo A. era constituído por cerca de três milhões e oitenta e oito mil quatrocentos e noventa e cinco artigos, cfr. Doc. 3.
10) Que foram entregues ao A. em maio de 2018, com a consequente remoção do armazém onde estavam depositados, à ordem do sobredito processo de execução fiscal.
11) Perante a necessidade de armazenar os referidos artigos, o A. estabeleceu diversos contactos com vista a encontrar um espaço com a capacidade necessária para o efeito.
12) Assim, tendo surgido a oportunidade de usufruir a título de empréstimo, de dois pavilhões sitos num complexo industrial composto por sete, na Rua ..., ..., em ... (antigas instalações da C...), o A. de imediato aceitou a proposta do seu proprietário.
13) Tendo providenciado pelo transporte de todos os artigos para o referido local no decurso do mês de maio e até ao início do mês de junho de 2018.
14) No decorrer dos meses de junho e julho desse ano, o A. foi procedendo à classificação dos diversos artigos e, em simultâneo, estabelecia contactos para aferir do preço de venda dos mesmos, com vista a obter lucro.
15) E assim elaborou o A. a listagem dos diversos artigos por si adquiridos e ali armazenados, por género, quantidade, valor atribuído (pela AT) e valor de mercado (após dedução da sua depreciação), cfr. cópia que infra junta sob o doc. Nº 3.
16) Com a conclusão da referida tarefa e após ter conferido individualmente cada lote dos milhares de artigos, o A. obteve uma estimativa do respetivo valor venal que ascendia aproximadamente a €1.000.000,00 (um milhão de euros), vide DOC. Nº 3.
17) Em face do atribuído valor da mercadoria o A. resolveu proteger eventuais perdas e danos, incluído atos de furto ou roubo, por via da aquisição de um seguro com as referidas coberturas.
18) Para tal, recorreu aos serviços da 2ª R., a sociedade B..., Lda., a qual lhe apresentou uma proposta de proteção multirriscos, com o nº ...05, com início a 03/08/2018, cuja cópia infra junta sob o DOC. Nº 4.
19) A referida proposta foi aceite pelo A., que a subscreveu e a qual foi remetida pelo mediador, à seguradora, aqui 2ª e 1ª RR., respetivamente, para emissão da respetiva apólice.
20) Sucedeu que, em 04-09-2018, pelas 05:41 horas, deflagrou um incêndio no armazém onde o A. tinha depositado os supra referidos bens., cfr. Relatório da Ocorrência dos Bombeiros Voluntários ..., junto como doc. Nº 8.
21) Do qual resultou a perda total dos bens do A. ali armazenados, conforme Descrição da Ocorrência, constante do suprarreferido Relatório de Ocorrência, da qual consta expressamente que:
“INCENDIO EM ARMAZENS QUE CONTINHAM MATERIAL DIVERSO (MATERIAL ESCOLAR, BRINQUEDOS, ELETRODOMESTICOS, ENTRE OUTROS).
À NOSSA CHEGADA VERIFICAMOS INCENDIO DE GRANDE INTENSIDADE COM PAVILHAO COMPLETAMENTE TOMADO E O PAVILHAO ADJACENTE TAMBÉM COM INCENDIO DE PROPORCOES CONSIDERAVEIS.”
22) A Reportagem Fotográfica e Relatório do Exame Pericial elaborado pelo Gabinete de Perícia Criminalística da Polícia Judiciária do Departamento da Investigação Criminal de Leiria, enviada ao local a solicitação da Guarda Nacional Republicada das Caldas da Rainha, que deu origem ao NUIPC ..., mostra a magnitude do incêndio e do nível de destruição provocado pelo mesmo, conforme doc. nº 9.
23) E ainda da conclusão do referido Relatório Pericial, de 19 de setembro de 2018, pode ler-se que “Apesar do elevado grau de destruição e pela diversidade de materiais ali armazenados, foi possível perceber que o mesmo teve origem no armazém 2, não sendo possível determinar o ponto de início em concreto.”
24) Após a ocorrência, o A. deu conhecimento do sucedido ao mediador, aqui 2ª R., para participar junto da seguradora, 1ª R. por forma a acionar o referido seguro, o que aquela fez.
25) A 1ª R. solicitou realização de peritagem à D..., Lda., cfr docs. 10, 11 e 12.
26) O A. foi ouvido junto de Órgão de Polícia Criminal responsável pela investigação – Polícia Judiciária – Departamento de Investigação Criminal de Leiria, em 13-03-2019, na qualidade de lesado no âmbito do NUIPC nº ..., em que corrobora todo a dinâmica relativa à aquisição dos referidos bens e subscrição da apólice de seguro para cobertura de eventuais danos, cfr cópia do Auto de Inquirição sob doc. nº 13.
27) Paralelamente foram trocadas diversas comunicações entre o A. e as RR., por referência ao processo de sinistro, como exemplificativamente as juntas sob os docs. 14 a 20.
28) O A. facultou à 2ª R. a morada respeitante ao local do risco, na qual se encontrava depositada a mercadoria a segurar e fotografias desta.
29) Por comunicação eletrónica de 01-10-2019, o A. já havia solicitado o pagamento de indemnização decorrente do sinistro, cfr doc. nº 20.
30) Em consequência da participação de comunicação de sinistro, a 1ª Ré procedeu à averiguação das causas do sinistro e, bem assim, a recolha de informação diversa a fim de lhe permitir tomar posição sobre o sinistro.
31) Após ter recebido a documentação necessária, a Ré decidiu declarar nulo e de nenhum efeito o contrato de seguro celebrado, porquanto à data da celebração do contrato, o segurado prestou declarações inexatas essenciais e significativas para a apreciação e aceitação do risco – cfr. doc. 21.
32) De acordo com as informações prestadas pelo segurado, relativo à atividade da empresa, foi identificado o CAE 46491 referente a comércio por grosso de artigos de papelaria.
33) Sendo que, depois, se veio a verificar que o segurado não se encontrava inscrito/coletado para o comércio por grosso.
34) Aquando da apresentação da proposta foi indicado um volume de negócios de 100.000,00€, quando, o mesmo não tinha qualquer atividade e qualquer volume de negócios.
35) Foi identificado um volume anual de salários de 12.000,00€, quando se veio a verificar que não existia salário algum.
36) O Autor declarou o início da atividade já depois de ter apresentado proposta de adjudicação, pois que a venda no processo executivo ocorreu no dia 06.03.2018.
37) No que ao edifício diz respeito foi identificado que o edifício havia sido construído em 1985, quando se trata de um complexo que foi inaugurado em setembro de 1967.
38) Já quanto ao vigamento do telhado isolado por placa, separação entre pisos (placa) e teto falso (materiais incombustíveis) – a tudo isto o segurado respondeu afirmativamente, o que não se verificava.
39) Eram dois edifícios devolutos desde 2008, abandonados, com deteriorações.
40) A que acresce a falta de instalação de luz e de quaisquer sistemas de autoproteção e vigilância do espaço – ainda que o Autor tenha, também, identificado a sua existência.
41) A declaração de não existência de produtos inflamáveis superiores a 500KG, quando os bens seriam todos inflamáveis e, em conjunto, tinham um peso bem superior a 500KG.
42) O Autor declarou, ainda, que os objetos a segurar teriam o valor de 1.000,000€ quando os bens haviam sido adquiridos por 142.000,00€.
43) Aquando da proposta de seguro, o proponente Autor confirma a exatidão das informações prestadas e declara não ter omitido nada e que seja significativo para a apreciação do risco – cfr. doc. 4.
44) E, depois, o nº 2 estabelece que tal é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
45) Os bombeiros tiveram necessidade em arrombar os portões e proceder à abertura de espaços nas fachadas para terem acesso ao interior dos edifícios.
46) Os portões encontravam-se fechados e com os sistemas de fecho ativos aquando da chegada dos bombeiros para o combate, os quais tiveram necessidade de arrombar os portões.
57) O incêndio teve como causa fogo posto por parte de alguém desconhecido que transportou para o local um produto derivado de hidrocarbonetos de elevada capacidade de volatilização de modo a potenciar a combustão e uma fonte de calor externa.
58) Aquando da averiguação foi alegado que o material corresponderia a 1.800 paletes.
59) Considerando as 4 áreas de armazenagem (duas por pavilhão) teríamos uma área total de 560m2 de área ocupada.
([1])
60) A R. no momento da celebração do contrato teve em consideração as respostas dadas pelo A. às perguntas que lhe foram formuladas, as quais eram relevantes para a R. apreciar o risco, seja quanto ao interesse segurável, seja quanto aos bens seguros e ao objeto a segurar.
61) O A. sabia da importância das informações prestadas e caso tivesse prestado as declarações exatas e completas, a R. não tinha celebrado o contrato de seguro.
62) A 2.ª Ré interveio, enquanto mediadora de seguros, na contratação de diversos seguros pela empresa E..., seus representantes e respetivos familiares.
63) No âmbito dessa relação comercial, a 2.ª Ré era frequentemente contactada por trabalhadora daquela empresa de nome BB.
64) Em data que não consegue precisar, mas que situa em finais de julho de 2018, a 2.ª Ré foi contactada por BB, a qual solicitou a obtenção de uma simulação para um seguro de danos sobre coisas móveis com o capital seguro de €1.001.000,00 (um milhão e mil euros) para o tomador de seguro aqui Autor.
65) A 2.ª Ré solicitou, então, uma relação dos bens a segurar e fotografias dos mesmos.
66) Nessa sequência, foi enviada à 2.ª Ré, por e-mail de 01.08.2018, uma relação dos bens a segurar – cfr. e-mail de 01.08.2018 junto como Doc. nº 1.
67) No mesmo e-mail de 01.08.2018, foi a 2.ª Ré informada do nome completo do tomador do seguro, o aqui Autor, e respetivo NIF; – cfr. Doc. n.º 1.
68) E da morada do armazém onde ficaria depositada a mercadoria objeto do seguro – cfr. Doc. n.º 1.
69) Mais acrescentou que o referido armazém se situava junto ao Call Center da .../..., sendo a entrada exterior comum aos dois espaços – cfr. Doc. n.º 1.
70) Referiu, ainda, que o Call Center tem videovigilância – cfr. Doc. n.º 1.
71) Telefonicamente, foi a 2.ª Ré informada de que os bens a segurar haviam sido adquiridos em leilão eletrónico junto da AT.
72) A 2.ª Ré informou então, desde logo, que o capital seguro poderia não corresponder ao valor da indemnização em caso de sinistro.
73) Tendo esclarecido que, em caso de sinistro, a indemnização corresponderia ao dano efetivo registado, até ao montante do capital seguro por referência ao valor de aquisição das mercadorias seguras.
74) Na mesma data, foram remetidas à 2.ª Ré alegadas fotografias da mercadoria a segurar e a morada completa do local onde a mesma estaria depositada: Rua ..., ... ... – cfr. e-mail que se junta como Doc. n.º 2.
75) Para preenchimento da simulação de proposta de seguro, foram facultados à 2.ª Ré os dados de identificação do Autor: nome, morada, número de identificação fiscal, data de nascimento, número de documento de identificação e telemóvel.
76) Foi indicado à 2.ª Ré que o Autor se dedicava à atividade de comércio, com o CAE 46491;
77) Que o valor anual de faturação era de €100.000,00;
78) Que tinha ao seu serviço 1 (um) trabalhador, com o valor anual de salários de €12.000,00.
79) Ainda na mesma ocasião e para o mesmo efeito de preenchimento da simulação de seguro, a 2.ª Ré foi informada pelo Autor, que o recheio a segurar se encontrava em edifício construído em 1985.
80) Que a estrutura, cobertura e teto falso do edifício eram compostas por materiais incombustíveis.
81) Que não existiam produtos inflamáveis superiores a 500 Kg ou 500 litros no local onde se encontrava o recheio a segurar.
82) Que o vigamento do telhado era isolado por placa, bem como a separação entre pisos;
83) Que o referido edifício dispunha de extintores portáteis como sistema de prevenção / proteção contra incêndios.
84) Mais foi a 2.ª Ré informada que o valor a segurar era de €1.001.000,00 referente a recheio, sendo o valor em novo do mobiliário, deduzido da depreciação pelo uso ou estado, de €1.000,00 e o valor de aquisição das existências de €1.000.000,00.
85) Que o risco proposto não esteve total ou parcialmente seguro.
86) Que o risco proposto não registou algum sinistro nos últimos 3 anos.
87) E que não existem outros fatores que sejam significativos para a apreciação do risco.
88) Na posse destas declarações, a 2.ª Ré preencheu, no dia 03.08.2018, a simulação de Seguro Multirriscos Empresas “F...” na plataforma eletrónica da 1.ª Ré, a que a 2.ª Ré acede através da inserção de dados identificativos confidenciais – cfr. cópia do relatório de simulação junto como Doc. n.º 3.
89) A referida simulação foi enviada pela 2.ª Ré ao Autor – cfr. e-mail junto como Doc. n.º 2.
90) O Autor aceitou a referida simulação, tendo dado instruções à 2.ª Ré para a emissão da proposta de seguro com alteração do capital seguro para €1.000.050,00 (um milhão e cinquenta euros) referente a recheio, sendo o valor em novo do mobiliário, deduzido da depreciação pelo uso ou estado, de €50,00 e o valor de aquisição das existências de €1.000.000,00.
91) No dia 03.08.2018, a 2.ª Ré acedeu à plataforma da 1.ª Ré através das suas credenciais e emitiu a referida proposta de seguro com o capital seguro de € 1.000.050,00 (um milhão e cinquenta euros) – cfr. proposta junta como Doc. n.º 4 da PI.
92) A referida proposta foi enviada ao Autor, por e-mail da mesma data – cfr. e-mail junto como Doc. n.º 4.
Acompanhada do documento “F... INFORMAÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS” – cfr. consta do Doc. n.º 4 da P.I.
93) O Autor confirmou o teor da referida proposta e das informações pré-contratuais à mesma anexas e nela apôs a respetiva assinatura – cfr. Doc. n.º 4 da P.I..
94) Tendo, no dia 07.08.2021, sido remetido à 2.ª Ré a referida proposta de seguro assinada pelo Autor – cfr. Doc. n.º 5.
95) O que originou a emissão da apólice de seguro Multi-Riscos Empresas ...05, regulada pelas condições contratuais constantes do Doc. n.º 6 da P.I.
96) O original da proposta de seguro assinado pelo Autor foi posteriormente, em data que não se consegue precisar, encaminhado pela 2.ª Ré à 1.ª Ré por via de comercial ao serviço desta última.
97) Ao longo deste processo desenvolvido na plataforma da 1.ª Ré não foi originado qualquer bloqueio.
98) Tendo sido pago pelo Autor o respetivo prémio de seguro.
99) Ao longo do referido processo de contratação do seguro, não foi solicitada pela Seguradora, aqui 1.ª Ré, ao medidor de seguros, aqui 2.ª Ré quaisquer outras informações / elementos que não os constantes do formulário disponível na plataforma.
100) Não tendo a Seguradora, aqui 1.ª Ré, sequer solicitado a relação de bens a segurar e/ou fotografias dos mesmos.
101) A 2.ª Ré preencheu todos os campos do formulário disponível na plataforma eletrónica da 1.ª Ré de acordo com as declarações que lhe foram fornecidas pelo Autor.
102) Caso o formulário não tivesse sido submetido completo ou registasse qualquer anomalia / insuficiência no seu preenchimento, a plataforma da 1.ª Ré originaria um bloqueio.
103) A submissão do formulário pela 2.ª Ré não acionou qualquer bloqueio, que a ter ocorrido, o que não foi o caso, impediria a emissão da proposta e/ou da apólice.
104) Seguindo-se, nesse caso de bloqueio, um processo, da iniciativa de funcionário comercial da Seguradora, de solicitação de documentação ao mediador de seguros que, por sua vez, diligenciaria pela sua obtenção junto do proponente tomador de seguro;
105) Culminando na rejeição da proposta pela seguradora ou na sua aceitação através do levantamento do bloqueio e emissão na referida plataforma eletrónica da proposta e/ou da apólice pelo mediador de seguros.
106) Na ausência de tal bloqueio, foi emitida a proposta e de seguro e a apólice nº ...05.”
“a) O conjunto de mercadorias adquirida pelo A. era constituído por cerca de três milhões e duzentos mil artigos.
b) O A. tenha prestado toda a colaboração e esclarecimentos necessários a instruir a peritagem elaborada pela D....
c) O A., previamente à celebração do contrato de seguro, forneceu à 2ª R., com exatidão todas as circunstâncias necessárias à apreciação do risco pelo segurador.”
***
1) Em função do supra elencado, cumpre apreciar em primeiro lugar o imputado erro à decisão de facto.
Nesta sede sendo apreciadas as questões já acima assinaladas da:
. admissibilidade da impugnação deduzida pelo autor neste segundo recurso – quanto à matéria de facto que então vinha julgada provada e não provada e foi mantida, sem qualquer alteração - atendendo à não impugnação aduzida no primeiro recurso, em conformidade se tendo declarado no 1º Acórdão proferido que “a decisão da matéria de facto não vem impugnada e tem-se, como tal, definitivamente assente entre as partes – sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso (vide o disposto no artigo 662º nº 2 do CPC).” e
. observância dos ónus de impugnação e especificação por parte do recorrente;
Como se pode verificar pelo confronto da matéria em questão com a constante na primeira sentença que viria a ser anulada, os factos provados supra identificados correspondem na integra aos factos que vinham já provados na primeira sentença que por Acórdão desta Relação veio a ser anulada – sendo que os factos 72 e seguintes, como consequência da introdução de dois novos factos na decisão ora recorrida sob os números 60) e 61), correspondem aos factos da anterior decisão dois número abaixo [ou seja o atual e indicado número 72) corresponde ao número 70) da primeira sentença. A mesma relação se verificando quanto aos demais números da factualidade provada agora invocados pelo recorrente].
Por outro lado e quanto ao facto que o recorrente indicou na conclusão OO) pretender ver agora aditado aos factos provados, mais não é o mesmo do que o facto não provado constante da al. c) da primeira sentença, a que agora e na redação sugerida acrescentou o que seriam os mails e documentos “comprovativos do que descreveu em tais emails”, sem sequer especificar os documentos em causa [vide uma vez mais a al. OO) do presente recurso, no confronto com a al. c) dos factos não provados constante da primeira sentença e, igualmente da sentença ora sob recurso].
Como já tivemos oportunidade de assinalar supra, no recurso interposto pelo autor recorrente sobre a 1ª sentença proferida, não deduziu o mesmo qualquer impugnação à decisão de facto que então foi proferida, implicando ter ficado a mesma definitivamente assente entre as partes – nos termos e com as limitações declaradas no 1º Acórdão proferido: “a decisão da matéria de facto não vem impugnada e tem-se, como tal, definitivamente assente entre as partes – sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso (vide o disposto no artigo 662º nº 2 do CPC).”
Como então se assinalou no Acórdão proferido, o ali e aqui recorrente, sem questionar o decidido pelo tribunal a quo quanto à qualificação do incêndio em causa nos autos como um incêndio de origem dolosa e não meramente acidental, com a consequente decidida exclusão do seu enquadramento na cobertura incêndio, de acordo com os termos do contrato celebrado com a R. seguradora – exclusão justificada na interpretação do artigo 7º, ponto 1 do contrato conjugada com o previsto no artigo 5º nº 1 al. e) – defendeu então em sede de recurso estar este mesmo evento coberto enquanto ato de vandalismo.
Para tanto convocando a cobertura incluída no contrato celebrado, tal como resulta da cláusula 7ª - cobertura 014 das condições gerais [vide conclusão 5], conjugado com o teor da apólice emitida como veremos adiante.
Cobertura que por este tribunal foi considerado ser aplicável, com a consequência de estar a R. seguradora obrigada a indemnizar o A. recorrente, pelos danos que o mesmo tivesse demonstrado ter sofrido como consequência do ato de vandalismo analisado e de acordo com o acordado contratualmente.
Assim só não ocorrendo, se nomeadamente procedesse a exceção de nulidade do contrato de seguro celebrado invocada pela recorrida seguradora e que então não fora conhecida pelo tribunal a quo.
Pendente de apreciação em tal recurso estando também a questão do limite indemnizatório, relacionado com a quantificação dos danos.
Retornando à questão da nulidade do contrato de seguro invocada pela recorrida seguradora (e a título subsidiário a anulabilidade), fundou a recorrida a mesma, por referência ao previsto nos artigos 24º a 26º da LCS, em alegadas falsas declarações e omissão de informações relevantes por parte do tomador de seguro (aqui recorrente e autor nos autos) que teriam conduzido a R. a aceitar celebrar o contrato de seguro com base em erro, tendo o segurado plena consciência de tais factos que não podia desconhecer, prestando falsas/inexatas declarações aquando da celebração do contrato e mais invocando a seguradora que jamais teria celebrado o contrato de seguro, caso o A. não tivesse prestado as informações falsas.
E, tendo presente que “sobre a seguradora recaía o ónus de provar o incumprimento doloso mencionado no artigo 25º da LCS, ou negligente para os fins do artigo 26º da mesma LCS.”; bem como que a “inexatidão das declarações está demonstrada nos termos dos factos provados 31 a 35, 37 a 41 e 74 a 80”, assinalou-se no Acórdão a que nos referimos estar “por demonstrar que o A. assim os tenha declarado com consciência da sua inexatidão (relevante para efeitos de dolo).”
A que acrescia não constar, nem dos factos provados nem dos não provados, “a sua relevância para a seguradora avaliar o risco e consequente erro em que alegou ter sido induzida pelas respostas dadas”.
Pelo que e tendo a R. seguradora imputado “ao A. o conhecimento e consciência da inexatidão dos factos alegados. Bem como a sua relevância para a celebração do contrato”, e sendo a “decisão de facto (…) completamente omissa quer quanto a este conhecimento e consciência por parte do A., quer quanto à relevância destes factos apurados para a celebração do contrato na perspetiva da R. recorrida – não obstante igualmente alegado (vide artigos 23º, 30º a 32º, 39º e 45º da contestação da R. seguradora)” se determinou a anulação da decisão recorrida, nos termos do artigo 662º nº 2 al. c) do CPC, para que o tribunal a quo procedesse à ampliação da decisão de facto.
Em causa o alegado pela R. seguradora, quer sobre a imputação ao A. do conhecimento e consciência da inexatidão dos factos alegados, bem como quanto à relevância para a celebração do contrato destes factos apurados, na perspetiva da seguradora (tendo em conta nomeadamente o alegado pela R. seguradora nos artigos 23º, 30º a 32º, 39º e 45º da sua contestação).
Em cumprimento do ordenado tendo o tribunal a quo introduzido na decisão dois novos factos – os indicados na nova decisão sob os números 60) e 61) e que também vêm impugnados pelo recorrente.
O mesmo é dizer que a anulação decidida, teve um único fito – o de suprir a omissão de factos considerados indispensáveis para a apreciação do mérito da causa, nomeadamente das exceções que haviam sido invocadas pela R. seguradora e inicialmente não apreciadas, por julgadas prejudicadas face à subsunção jurídica acolhida pelo tribunal a quo e que não foi validada no Acórdão então proferido. Determinando o conhecimento das demais questões cujo conhecimento inicialmente fora julgado prejudicado.
Em nada se tendo afetado o demais decidido, concretamente quanto à matéria de facto julgada então provada e não provada e definitivamente assente entre as partes.
Nos termos do disposto no artigo 662º nº 3 al. c) do CPC, anulada a decisão para ampliação da decisão de facto “a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições”.
O mesmo é dizer que a anulação da decisão para ampliação da matéria de facto, não afeta o decidido nessa mesma decisão, quando não venha impugnado e não esteja afetado pelo vício que determinou a anulação.
No recurso que venha a ser interposto da subsequente decisão, está precludido o direito da parte a impugnar matéria de facto que vinha já julgada provada da primeira decisão e que, por então não impugnada, se teve como definitivamente assente entre as partes. Sob pena de violação do caso julgado[3].
Salvaguarda feita à necessidade de evitar contradições, tal qual previsto na parte final do nº 3 al. c) do artigo 662º do CPC.
Sem aplicação in casu, nem tão pouco é esse o fundamento do recorrente para impugnar agora a factualidade julgada provada e não provada e com a qual então se conformou.
Termos em que se rejeita a reapreciação da decisão de facto no que concerne aos pontos da decisão de facto que acima elencámos, por já definitivamente assente a mesma entre as partes.
Os novos factos introduzidos pelo tribunal a quo, para suprimento da omissão notada e que foi fundamento da anterior anulação.
Questão que também a recorrida suscitou, alegando, entre o mais que o recorrente não observou o exigido pela al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC, na medida em que recorreu à técnica de impugnação em bloco, sem especificar para cada um dos factos provados quais os meios probatórios que impõem decisão diversa.
Dando como assente (pela análise que vimos de efetuar) que o recorrente cabalmente identificou os pontos da matéria de facto que impugna – dos quais restam para apreciação os pontos 60) e 61) – bem como a redação pretendida [vide conclusões T) e U)], impõe-se analisar se falhou, como alegado, o cumprimento do ónus exigido pela al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC, ou seja se especificou “b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
Ainda se também o ónus exigido pelo nº 2 al. a) do mesmo artigo foi observado, o qual assim dispõe: “a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Analisadas quer as conclusões de recurso, quer o corpo alegatório, verifica-se que o recorrente após identificar de forma seguida/conjunta todos os factos que entendeu terem sido julgados erradamente provados (ou a aditar) [os acima já assinalados e cuja reapreciação foi rejeitada, bem como os dois sobre os quais recai esta análise prévia] e após ter reproduzido parte da fundamentação da decisão de facto recorrida, concluiu:
“Contudo, do teor dos doc.1, doc.2, doc.3, doc.8 juntos com a Petição Inicial, bem como dos doc.1, doc.2, doc.4 e doc.5 juntos com a Contestação apresentada pela 2ª Ré, conjugados, ainda, com os testemunhos prestados por CC, DD e EE, de forma linear, concreta, explicita e sem qualquer margem para dúvidas factos diversos daqueles que constam do acervo probatório dado por provado e que se impugna.”.
Após o que reproduziu parte dos depoimentos destas testemunhas convocadas [ou seja os depoimentos de CC; DD; EE - identificando ainda passagens da gravação], em seguida tecendo alguns considerandos que teve por pertinentes, no confronto com a documentação que também invocou.
Sem que em momento algum tenha feito uma correspondência concreta entre os meios de prova invocados e os múltiplos factos julgados provados.
Finalmente alegou ainda o recorrente, por referência ao último trecho da fundamentação de facto da decisão recorrida que aqui deixamos reproduzido (tal como o recorrente o fez) – “Foi ainda claro que a R. se soubesse da desconformidade das respostas dadas pelo A. com a realidade não teria celebrado o contrato de seguro, vide os depoimentos das testemunhas DD, EE, FF, GG, aliás, a plataforma da R. nem sequer permitiria aceitar a realização do contrato, caso os dados transmitidos pelo A. correspondesse à realidade, pois bloquearia a aceitação da realização do contrato” – que “nenhuma daquelas testemunhas afirmou tal, estando ainda por demonstrar que, mesmo inserindo na plataforma informática todos os dados que foram considerados dolosamente omitidos e inexatos, tal provocaria um bloqueio para a aceitação do contrato e tal prova seria necessariamente fácil de concretizar com a apresentação dos comprovativos documentais dessa situação, acrescendo que, obviamente, o A. recorrente não conhece a plataforma informática da R. e muito menos quais as circunstâncias que provocam um bloqueio.”
Assim enunciados os termos em que o recorrente aduziu a sua impugnação à decisão de facto, é nosso entendimento que o mesmo recorreu à metodologia de impugnação em bloco, sem assinalar quais os meios probatórios relevantes para cada facto impugnado, sequer para uma concreta realidade factual. Omissão que assume especial relevância, quando o recorrente na multiplicidade de factos impugnados, atacou realidades tão diversas como as informações pelo mesmo prestadas à 2ª R.; a sua própria realidade pessoal/comercial; a realidade física dos edifícios onde alegou ter sido colocada a mercadoria, a mercadoria objeto do seguro. Ainda o circunstancialismo relacionado com o incêndio que motivou o acionamento do seguro; a relevância das informações pelo mesmo prestadas para a R. seguradora e ao seu conhecimento da importância das mesmas (vide concretamente os factos provados 60 e 61); bem como as informações que foram prestadas ao A. pela 2ª R. e à emissão da apólice após prévia simulação.
É entendimento reiterado na jurisprudência que a exigência legal a que respeita a al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC impõe ao recorrente a indicação dos concretos meios probatórios que evidenciam o erro de julgamento e assim impõem uma decisão diversa para cada um dos factos impugnados.
A impugnação da decisão de facto não se destina a obter um segundo julgamento, mas antes a reapreciação da prova nos pontos que em concreto as partes apontem padecer de erro perante os concretos meios probatórios produzidos e que lhes incumbe especificar, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.
Não se bastando como tal, para efeitos do exigido pela al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC, com uma enunciação em bloco dos meios probatórios sem descriminação dos mesmos por referência a cada um dos factos impugnados. Especialmente quando a impugnação se dirige a realidade factual diversa que convoca diversos meios de prova.
Neste sentido se decidiu no recente Ac. do STJ de 11/03/2025, nº de processo 2404/20.3T8CBR.C1.S1 in www.dgsi.pt, onde e após se afirmar que “A lei de processo é (…) clara na exigência de que o recorrente, além de individualizar, com a precisão exigível, os pontos de facto que reputa de julgados em erro, relacione cada um desses concretos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados com cada um dos meios de prova e com cada passagem relevante dos meios de prova gravados ou com a transcrição que, eventualmente, tenha feito das passagens relevantes dos meios de prova objeto do registo sonoro (…)” se assinalou como ressalva a esta proibição que tem vindo a ser defendida pelo STJ, “numa interpretação bona partem”, a admissibilidade da “impugnação da decisão da matéria por atacado ou por blocos de factos”, quando “esse conjunto de factos e de provas correspondam a uma mesma realidade factual que deva ser julgada com os mesmos meios de prova (…)(art.º 640.º, n.ºs 1, b), e 2, a), do CPC).”[4]
Tendo em conta a corrente jurisprudencial do nosso tribunal superior assinalada, no confronto com os termos em que a impugnação da decisão de facto vem fundamentada pelo recorrente – organizada de forma genérica e em bloco, não obstante a multiplicidade de factos identificados e diversa natureza dos mesmos - é nosso entendimento que o recorrente não cumpriu de forma válida o ónus de especificação relativo aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos factos impugnados, implicando a rejeição da reapreciação da decisão de facto com base neste fundamento, e assim também em relação aos dois pontos factuais que restavam para reapreciação, perante o antes decidido - nomeadamente os factos provados 60 e 61.
Ainda que assim se não entendesse, importa referir que o tribunal a quo no último parágrafo da decisão de facto supra mencionado [que aliás o recorrente também reproduziu] convocou o depoimento das testemunhas DD, EE, FF e GG, para afirmar que dos depoimentos destas testemunhas resultou claro que “a R. se soubesse da desconformidade das respostas dadas pelo A. com a realidade não teria celebrado o contrato de seguro”, sendo que a plataforma da R., aliás, “nem sequer permitiria aceitar a realização do contrato, caso os dados transmitidos pelo A. correspondesse à realidade, pois bloquearia a aceitação da realização do contrato.”
A relevância das informações prestadas para a R. seguradora e a sua não celebração do contrato, caso soubesse da realidade apurada – vide os factos provados 60 e 61 – foi pelo tribunal a quo fundamentada, entre o mais e como já referido, também no depoimento da testemunha GG.
Ocorre que a gravação do depoimento desta testemunha se encontra, em grande parte, impercetível. Da sua audição resulta uma gravação entrecortada que retira a percetibilidade do conjunto deste depoimento e não garante assim do mesmo uma avaliação segura.
Mesmo a entender-se que seria de reapreciar a prova gravada produzida, na audição dos depoimentos das testemunhas verificou-se que as convocadas pelo recorrente inicialmente, CC, DD e EE, têm depoimentos gravados de forma percetível.
O mesmo já não acontece com o depoimento gravado da testemunha GG.
A crítica apontada pelo recorrente ao último parágrafo da fundamentação da decisão de facto, com relevo para os pontos 60 e 61 dos factos provados, convoca a análise, também, dos depoimentos das testemunhas FF e GG – para além dos já referidos DD e EE.
Daquelas duas primeiras testemunhas, é percetível a gravação da testemunha FF. Mas já não o depoimento da testemunha GG.
Ora tendo o recorrente alegado que nunca estas últimas testemunhas afirmaram que a seguradora não realizaria o seguro caso soubesse das desconformidades das respostas da autora – negação que em relação à testemunha FF sempre se poderia afastar pela audição do respetivo depoimento a que se procedeu, tendo este afirmado que se a seguradora fosse sabedora da efetiva realidade não teria aceite o seguro - resulta clara a importância dos seus depoimentos para a crítica apontada à decisão de facto e em concreto quanto aos pontos 60 e 61 dos factos provados.
Só a total percetibilidade destes depoimentos que pelo tribunal a quo foram convocados, nos permitiria apreciar se a decisão recorrida merece a crítica apontada pelo recorrente aos pontos impugnados, pela essencialidade dos mesmos para, no mesmo plano do tribunal a quo e com recurso aos mesmos elementos probatórios, aferirmos do erro de julgamento que é imputado à decisão recorrida.
Estando em causa a impugnação de factualidade cuja análise e apreciação foi submetida a meios de prova sujeitos à livre apreciação da prova – vide prova documental conjugada com depoimentos testemunhais – para que o tribunal de recurso esteja habilitado a formar um juízo autónomo sobre a prova produzida, é imprescindível que lhe estejam acessíveis os mesmos elementos de prova que ao tribunal recorrido foram colocados à sua disposição para análise.
Da sua falta, por deficiente gravação da prova, resulta a inviabilidade de tal reapreciação.
A autonomia decisória e formação da sua própria convicção que ao tribunal de recurso foram conferidos com a redação do artigo 662º do CPC pressupõem a possibilidade de reanalisar todos os meios probatórios que estiveram acessíveis ao tribunal a quo.
O depoimento da testemunha GG é, como a fundamentação do tribunal a quo acima reproduzida o evidencia, também essencial à análise da prova no seu conjunto e concretamente à crítica apontada pelo recorrente.
Os elementos documentais ponderados pelo tribunal a quo e convocados pela recorrente, só por si, não são suscetíveis de afastar a convicção formada pelo tribunal a quo que procedeu a uma análise conjugada de toda a prova produzida.
Consequentemente e porquanto sequer foi tempestivamente arguida a nulidade da deficiente gravação[5] para que pudesse ser conhecida, resta-nos concluir que também por esta via, sempre seria de concluir pela improcedência da impugnação aduzida à decisão de facto, mantendo-se o nesta sede decidido.
***
Mantida a decisão de facto, cumpre apreciar se ocorre errada subsunção jurídica.
Vindo provado que
- “A R. no momento da celebração do contrato teve em consideração as respostas dadas pelo A. às perguntas que lhe foram formuladas, as quais eram relevantes para a R. apreciar o risco, seja quanto ao interesse segurável, seja quanto aos bens seguros e ao objeto a segurar” [fp 60)] e
- “O A. sabia da importância das informações prestadas e caso tivesse prestado as declarações exatas e completas a R. não tinha celebrado o contrato de seguro” [fp 61)]
entendeu o tribunal a quo, ponderando ainda que “o A. foi instado sucessivamente pela 2ª R. para fornecimento dos dados atinentes à realização do seguro, informando que o edifício era de 1985 quando era de 1967, estando devoluto e abandonado desde 2008, declarou a existência de instalação de luz e sistemas de autoproteção e vigilância quando inexistia, declarou a inexistência de produtos inflamáveis quando eram todos inflamáveis, declarou o valor de €1.000.000,00 quando os tinha comprado por €142.000,00, vindo a assinar o contrato de seguro, sabendo das incorretas informações transmitidas à 2ª R. para assim conseguir celebrar o contrato de seguro.” estar demonstrada uma atuação por parte do autor com dolo, a determinar a anulação do contrato de seguro, com a consequente improcedência da pretensão indemnizatória pelo mesmo formulada.
Insurgiu-se o recorrente contra o assim decidido, argumentando (em suma):
i- a não demonstração da sua atuação com dolo;
ii- a necessidade de a seguradora demonstrar a influência da declaração inexata sobre a existência ou as condições do contrato, de tal sorte que não contrataria em tais condições ou fá-lo-ia de modo diverso;
iii- a necessidade de haver nexo causal entre as inexatidões ou factos omitidos dolosamente e a verificação do risco coberto pelo contrato de seguro.
Nexo causal que se não verificou. Com a consequente validade do contrato;
iv- incoerência/contradição nas respostas ao questionário que a mediadora aqui 2ª R. sabia ser inexata, implicando não se poder prevalecer a seguradora de tal circunstancialismo nos termos do artigo 24º nº 3 da LCS.
Posição que configura abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium por parte da seguradora que assumiu um comportamento não diligente na apreciação da declaração de risco.
Abuso de direito que o recorrente invocou também por referência à emissão da apólice, mesmo antes de ser assinada a proposta de seguro pelo autor;
v- Caducidade do direito da autora em arguir a anulabilidade do contrato de seguro nos termos do artigo 287º do CC;
vi- Relevo do valor real do interesse seguro para a pretensão indemnizatória e abuso de direito da seguradora ao questionar o limite indemnizatório.
Sendo estes os argumentos apresentados pelo recorrente para o imputado erro na subsunção jurídica, da não alteração da decisão de facto prévia, associada à introdução dos novos factos constantes dos pontos 60) e 61) provados, cumpre apreciar se assiste razão ao recorrente.
Para a apreciação da anulabilidade ou nulidade do contrato celebrado, releva o previsto nos artigos 24º a 26º da LCS.
O nosso entendimento, expresso no anterior Acórdão proferido quanto à aplicação dos normativos citados, mantém-se e por tal aqui se reitera.
O dever de declaração inicial do risco (por parte do tomador do seguro ou segurado) está previsto no artigo 24º nº 1 da LCS – dever de “declarar com exatidão todas as circunstâncias” que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
Da violação deste dever não decorre, sem mais, a demonstração de que tal conduta se pode classificar como dolosa para efeitos do artigo 25º da LCS, o qual confere ao segurador o direito à anulação do contrato nos termos aí previstos.
Tanto na doutrina como jurisprudência tem sido defendido o enquadramento do dolo a que se reporta este artigo 25º nº 1 no dolo do artigo 253º nº 1 do CC[6].
Nos termos do artigo 253º nº 1 do CC, “entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”.
O dolo previsto neste nº 1 do artigo 253º, depende da verificação dos seguintes pressupostos[7]:
“a) Que o declarante esteja em erro;
b) Que o erro tenha sido provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro;
c) Que o declaratário ou terceiro (deceptor) haja recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão, embuste, etc”.
Em causa no dolo previsto neste artigo 253º, uma modalidade do erro-vício que afeta a formação da vontade na celebração do contrato, baseado numa atuação voluntária – omissiva ou positiva, “por via da utilização de palavras ou do silêncio intencional[8]” - daquele que tem o dever de elucidar o declarante, ie, o segurador que vai analisar o risco e aceitar com base no que lhe é informado a celebração do contrato.
Ou seja, ocorrerá o incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do artigo 24º da LCS quando o segurado em tal declaração inicial de risco utilizar de qualquer sugestão ou artifício para induzir em erro o segurador. Sanciona-se a atuação especialmente censurável que conduz à celebração do contrato.
“Não basta agora, para o funcionamento do art.º 25º, que o tomador do seguro e segurado tenham consciência e vontade de omitir ou declarar falsamente sobre circunstâncias que, razoavelmente, devem ser tidas como significativas para a apreciação do risco pela seguradora. É ainda necessário que se prove que as declarações contidas nas respostas ao questionário (...) influíram na celebração do contrato de seguro em causa.”[9]
Assim afastando a admissibilidade do chamado dolus bonus a que respeita o nº 2 deste mesmo artigo 253º, porquanto “da lei seguradora resulta expressamente um dever do tomador de seguro e do segurado de elucidação do segurador do que conheça e razoavelmente devam ter por significativo na apreciação do risco por este”.
Assentes estes pressupostos, é ainda de realçar que no incumprimento doloso não é exigível o nexo de causalidade entre o facto omitido ou inexato e o
sinistro ocorrido, para operância da anulabilidade prevista no artigo 25º.
Nexo de causalidade que apenas relevará para as omissões ou inexatidões negligentes, no caso do nº 4 do artigo 26º da LCS.
Tendo o regime previsto neste artigo 26º aplicação no caso da não prova do dolo, seja do tomador de seguro, seja do segurado (no caso dos seguros de grupo restritamente à respetiva cobertura, não afetando a eficácia do contrato nem a cobertura dos restantes segurados, art. 292º do CC), quando se prove a
essencialidade do facto declarado inexatamente ou omitido e a exigibilidade da sua declaração exata[10].
Tendo presentes estes pressupostos para a imputabilidade ao tomador de
seguro das omissões e inexatidões que a título de dolo, ou subsidiariamente a título negligente, a recorrida seguradora imputou ao A., serão os mesmos julgados preenchidos ou não, em função da factualidade alegada e provada.
Sendo certo que sobre a seguradora recaía o ónus de provar o incumprimento doloso mencionado no artigo 25º da LCS, ou negligente para os fins do artigo 26º da mesma LCS.
Tal como afirmado no Ac. STJ de “é à seguradora que cabe o ónus de provar o erro, a sua relevância e a existência de dolo (art. 342.º, n.º 2, do CC). Dito de outro modo: a anulação do contrato de seguro, nos termos do artº 25º do RJCS, depende da existência de um comportamento doloso que seja causador de um erro (causalidade entre o dolo e o erro) e a essencialidade do erro para a celebração do contrato”
E, no que ao conceito de dolo relevante para efeitos da anulação concerne, mais se afirmou neste mesmo Ac., recorrendo à doutrina:
“pronunciou-se ARNALDO COSTA OLIVEIRA, defendendo que “O dolo de que fala o art 25.º é (ao contrário do fixado no n.º 3 do art.24.º) o simples dolo, que o n.º 1 do art. 253.º do CC - regime geral relativamente ao regime dos arts. 24.º-26.º (cf. art. 4.º do RJCS) - define como “(…) qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração [que neste caso é o autor da declaração de aceitação do negócio jurídico-contrato de seguro, o segurador], bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante!”(..).
Como explica LUÍS POÇAS, “Em suma, a diferença entre o dolus malus e o dolo no incumprimento do dever de declaração do risco está em que, neste caso, o dolo está orientado para a prestação de omissões ou inexatidões, mas não necessariamente para o engano. Ou seja, o proponente incumpre dolosamente quando quer mentir ou omitir relativamente a um facto que sabe ser relevante, mesmo que o seu propósito não seja enganar o segurador (no sentido de conseguir dele uma declaração negocial contra a sua vontade) mas apenas, por exemplo, esconder um facto embaraçoso, ou refletir uma imagem mais positiva de si próprio. O dolo não é, portanto, um animus decipiendi, mas apenas a consciência e a vontade dirigida aos elementos do tipo de ilícito civil, isto é, a intenção de preencher a previsão normativa. Na verdade, o que importa no artigo 25º é o dolo (intenção) do proponente perante as omissões ou inexatidões: vontade e consciência de mentir ou omitir, independentemente de qualquer propósito de, dessa forma, prejudicar o segurador ou obter reflexamente uma vantagem (só assim, aliás, se compreende a diferença de regime estabelecida no n.º 5 do artigo 25.º)”18.
Sobre o conceito de dolo relevante no quadro do regime do erro, pronunciou-se, ainda, MENEZES LEITÃO, afirmando que “o dolo, como vício do negócio jurídico, envolve três elementos: um elemento objetivo (qualquer sugestão ou artifício), um elemento subjetivo (intenção ou consciência) e um elemento finalista (de induzir ou manter em erro).
O dolo pressupõe um artifício ou embuste. Não é necessariamente ativo. Pode haver dolo omissivo. Por isso, é corrente a dicotomia do dolo em ativo e omissivo. Esta distinção não tem relevância a não ser pedagógica, uma vez que não há diferença de regime jurídico entre uma e outra. E necessário que haja uma trama, um embuste, seja ele traduzido em ação ou numa simples abstenção. Por isso, tanto constitui dolo a manobra enganosa, como o simples deixar a outra parte no engano.
O dolo pressupõe uma atitude subjetiva do agente, que pode traduzir-se na intenção, ou na simples consciência, de enganar ou manter no engano o autor da declaração. A distinção entre a intenção e a consciência nem sempre é fácil e, nesta matéria, não tem de ser feita, porque é irrelevante.
O embuste, seja ele ativo ou omissivo, seja ele consciente ou intencional deve ser finalisticamente dirigido a induzir ou manter em erro o declarante ou a dissimular esse erro. É também irrelevante que o embuste induza o erro mantenha em erro ou dissimule o erro: seja como for, há dolo.”(..)
Resulta, assim, manifesto que, no âmbito da pretensão de anulação do contrato de seguro, a afirmação do dolo não depende de uma qualquer intenção de obtenção de vantagem, bastando a intenção ou a consciência de que se está a prestar informação falsa ou a omitir informação relevante e de que, com essa atuação, se está a induzir em erro o declarante (dolo simples).
Seja como for, é essencial que a prestação de informações inexatas e a omissão de prestação de informações relevantes sejam intencionais ou conscientes e sejam dirigidas à criação de uma desconformidade entre a realidade e a representação dessa realidade pela contraparte, ainda que sem qualquer intenção de obter vantagem.”
Atentos os considerandos relativos ao preenchimento do dolo, no confronto com a factualidade que vem provada, entendemos ser de concluir efetivamente pela não demonstração de uma atuação dolosa imputável ao declarante autor.
Note-se que a inexatidão das declarações está demonstrada nos termos dos factos provados 31 a 35, 37 a 41 e 76 a 83.
Igualmente vem provado que o autor, sabendo da importância das informações prestadas (fp 61), prestou uma série de informações inexatas, não correspondentes à realidade, quer no que respeita ao edifício onde a mercadoria segura foi armazenada, quer à sua atividade enquanto empresário, bem como quanto à natureza da mercadoria armazenada (vide fp’s 31 a 41).
Incluindo confirmando a exatidão das informações prestadas – vide fp 43.
No entanto não vem provado, e tal era exigível para que se pudesse concluir pela demonstração do dolo, que o autor com intenção ou consciência de tal, prestou essas mesmas declarações falsas.
Se é certo que quanto às informações relativas à sua pessoa, à sua própria atividade de empresário se entende não ser defensável o desconhecimento da sua própria realidade – são factos pessoais - o mesmo já se não pode dizer no que respeita às condições do edifício – que sequer era de sua pertença, ou à natureza da mercadoria armazenada, tanto mais quando em causa está um elevadíssimo número de artigos adquiridos em hasta pública.
Vindo provado que todas as informações eram relevantes para a decisão de celebração do contrato em causa, sem distinção ou graduação quanto ao relevo das mesmas, é de concluir pela não demonstração por parte da R. seguradora, a quem incumbia tal prova, de que o autor prestou as informações – todas as informações - que se apurou serem falsas e relevantes para a decisão de celebrar o contrato em causa, de forma dolosa.
Consequentemente afasta-se a anulação do contrato ao abrigo do disposto no artigo 25º da LCS.
A anulação poderá ainda ter lugar ao abrigo do previsto no artigo 26º da mesma Lei quando, verificadas as inexatidões da declaração inicial de risco imputáveis a título de negligência ao tomador do seguro, se verifique – nas circunstâncias em que tal é detetado já após a ocorrência do sinistro como é o caso (vide nº 4 do artigo 26º) – um nexo de causalidade entre as inexatidões das declarações e a verificação do risco.
Este nexo de causalidade, cumpre uma vez mais ser demonstrado pela seguradora.
Analisada a factualidade provada, demonstrado que o sinistro – o incêndio que deflagrou nos armazéns onde a mercadoria segura estava armazenada – teve como causa um ato de vandalismo, sem que qualquer outro circunstancialismo tenha sido apurado, impõe-se concluir pela não demonstração de tal nexo causal.
Afastada ficando assim a anulação pretendida, mesmo ao abrigo do previsto no artigo 26º da LCS.
Consequentemente deve a seguradora responder pelo sinistro, de acordo com o estabelecido contratualmente.
Ficando assim analisados ou afastada a necessidade de análise dos argumentos de recurso apontados supra sob os nºs i a v.
Assim decidido, resta apurar qual o valor indemnizatório a que o recorrente tem direito.
Nesta sede se apreciando a argumentação aduzida pela recorrida seguradora, cujo conhecimento, por via do antes decidido pelo tribunal a quo, ficara prejudicado.
Tal qual resulta dos factos provados, os bens objeto do seguro foram adquiridos por € 142.000,00.
Tendo o A. sido informado que em caso de sinistro a indemnização corresponderia ao dano efetivo registado, até ao montante do capital seguro por referência ao valor de aquisição das mercadorias pagas (vide fp’s 42 e 73).
Informação conforme desde logo ao previsto no artigo 11º da secção II das CCG – “O segurado adquire o direito de ser devidamente indemnizado nos termos do presente contrato que não pode, em caso algum, ter efeitos lucrativos”.
Do artigo 13º resultando ainda recair sobre o segurado o ónus de prova da veracidade da reclamação ou do seu interesse legal nos bens seguros.
Finalmente regula o capítulo VII das condições gerais em análise, o capital seguro.
Desde logo dispondo, de um lado que o capital seguro representa o valor máximo da prestação a pagar pelo segurador, de outro que sobre o tomador do seguro recai o ónus e a responsabilidade de indicar o valor dos bens ou interesses a que respeita o contrato, para efeito da determinação do capital seguro. Sendo que no caso de mercadorias o capital seguro deverá corresponder ao preço corrente de aquisição para o segurado, salvo convenção expressa de atualização – vide artigo 52º.
Não se mostra incluída no contrato esta última cláusula de atualização.
A que acrescenta o artigo 58º que em caso de sinistro, a avaliação do valor dos bens seguros, bem como dos danos, é efetuada entre o segurado e o segurador, observando-se para o efeito os critérios estabelecidos no artigo 52º.
Atendendo ao valor de aquisição dos bens que vem provado e ao valor do capital seguro e na ausência de qualquer outra factualidade relativa aos bens seguros e seu valor, resulta claro estarmos perante uma situação de sobresseguro que implica para a seguradora responder apenas pelo valor dos bens - vide desde logo artigo 60º das CCG, conforme ao disposto nos artigos 128º e 132º da LCS - esta última norma imperativa, sem prejuízo de poder ser estabelecido regime mais favorável ao tomador do seguro, conforme estipulado no artigo 13º da LCS. Regime mais favorável que in casu não se mostra estipulado, atento desde logo o teor da cláusula 60ª citada supra.
Concluindo, o valor indemnizatório devido pela seguradora, nunca poderá ser superior ao valor que vem provado e constante do fp 42), sem prejuízo da franquia estipulada contratualmente de 10% tal qual consta da apólice de seguro para a cobertura de atos de vandalismo – recorda-se que no anterior Acórdão (confirmado pelo STJ) ficou também já definitivamente assente que a seguradora responderia ao abrigo desta cobertura, salvo verificação da exceção de anulabilidade do contrato (esta julgada supra improcedente).
Inexistindo qualquer abuso de direito por parte da R. seguradora em invocar tal limitação que decorre das regras legais. Não lhe sendo imputável o valor declarado pelo tomador de seguro que do mesmo assumiu a responsabilidade, bem sabendo ou devendo saber que atenta a natureza do seguro de danos celebrado, está o valor indemnizatório limitado ao valor desses mesmos danos que in casu, como já referido, nunca poderia ser superior ao valor do dano em função do valor do bem seguro, in casu apenas vindo provado o valor de aquisição dos mesmos.
Resta para apreciação a questão igualmente suscitada pela R. seguradora relativa ainda ao valor indemnizatório, alegando que o A. não fez prova de que todo o material adquirido estava no armazém na altura do incêndio.
Salvo o devido respeito por entendimento contrário, não assiste razão à R. seguradora neste campo.
Tendo o A. provado que adquiriu a mercadoria e a transportou toda para o local de armazenamento entre maio e junho de 2018, onde veio a deflagrar o incêndio, do qual resultou a perda total dos bens ali armazenados (vide fp´s 6 a 13, 20 e 21) é totalmente improcedente a objeção da recorrente a este título suscitada.
Nada se retirando e contrário do que vem provado em 58 e 59 dos factos provados, quando analisada de forma conjugada toda a demais factualidade provada.
Concluindo, está a R. seguradora obrigada a indemnizar o A. pela quantia de € 127.800,00 [142.000,00-14.200,00 (10%)].
A este valor acrescendo juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Já quanto à R. B..., mediadora, nenhuma factualidade vem provada que justifique a sua condenação decorrente da sua atividade enquanto mediadora.
Pelo que se impõe manter a sua absolvição total do pedido.
***
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto, decidindo revogar a decisão recorrida e condenar a R. seguradora A... ao pagamento ao A. da quantia de € 127.800.00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Quanto ao mais se absolvendo a R. A..., bem como a R. “B...” do pedido formulado.
Custas por A. e R. seguradora, na proporção do vencimento e decaimento.
Porto, 2025-07-10
(M. Fátima Andrade)
(Eugénia Cunha)
(Fernanda Almeida)
______________________________
[1] Foram neste ponto introduzidos dois pontos factuais novos sob os nºs 60 e 61 e que deixamos em realce a negrito, passando os anteriores 60 e seguintes a ter numeração subsequente de 62) em diante.
[2] De fora, nesta primeira análise, ficam os factos que vêm provados sob os nºs 60) e 61) – também alvo de impugnação - que correspondem efetivamente a factualidade nova introduzida na decisão de facto, como consequência dos fundamentos apontados no Ac. por nós proferido e que para tanto determinou a anulação da primeira sentença.
[3] Sobre esta questão vide o Ac. do STJ de 06/07/2023, nº de processo 2520/20.1T8GMR.G2.S1 in www.dgsi.pt , aliás convocado pela recorrida nas suas contra-alegações (e demais jurisprudência no mesmo citada).
[4] Defendendo a inadmissibilidade da impugnação em bloco, com a ressalva assinalada se decidiu igualmente nos seguintes Acs., todos in www.dgsi.pt
- Ac. STJ de 15/05/2025, nº de processo 10100/22.0T8SNT.L1.S1
- Ac. STJ de 15/05/2025, nº de processo 5748/21.3T8LSB.L1.S1
- Ac. STJ de 05/06/2024, nº de processo 299/21.9T8CTB.C1.S1
Sendo que anteriormente se vinha defendendo de uma forma mais ampla e sem a referida salvaguarda, a inadmissibilidade da impugnação em bloco.
Assim tendo sido decidido, entre outros, nos Acs.
- Ac. STJ de 12/10/2022, nº de processo 14565/18.7T8PRT.P1.S1
- Ac. do STJ 10.11.2020, nº de processo 21389/15.1T8LSB.E1.S1
- Ac. STJ de 05.09.2018, nº de processo 15787/15.8T8PRT.P1.S2
- Ac. STJ de 20-12-2017, nº de processo 299/13.2TTVRL.G1.S2.
[5] Tal como pela Relatora já decidido em outros arestos, vide nomeadamente Ac. TRP de 05/06/2023, nº de processo 634/17.4T8FLG-C.P1 in www.dgsi.pt
“A arguição de nulidade da gravação (artigo 155º nº 4 do CPC) deve ser feita perante o tribunal a quo e no prazo de dez dias a contar da disponibilização às partes daquela.
II - Disponibilização que deve ocorrer no prazo máximo de dois dias a contar do ato em causa, para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso.
III - Esta disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação às partes, antes sobre as mesmas recaindo um dever de diligência pela rápida obtenção das gravações a contar do ato, com vista a aquilatar de eventuais vícios das gravações e sendo o caso, arguir a pertinente nulidade.”
[6] Assim neste sentido cfr. Ac. TRP de 21/11/2019, nº de processo 765/17.0T8AMT.P1; Ac. TRG de 12/11/2020, nº de processo 2359/18.4T8VRL.G1; Ac. TRG de 04/11/2021, nº de processo 4017/18.0T8GMR.G1; Ac. TRP de 15/11/2018, nº de processo 12886/16.2T8PRT.P1; Ac. TRP de 26/10/2010, nº de processo 1210/19.2T8MAI.P1, relatado pela aqui 2ª adjunta, todos in www.dgsi.pt
[7] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in CC Anotado, vol. I – 4ª ed. Revista e Atualizada, em anotação ao artigo 253º, p. 237.
[8] Cfr. Comentário ao CC – Parte Geral, UCE, ed. 2014 p. 607 em anotação a este artigo 253º.
[9] Cfr. neste sentido o já citado Ac. TRP de 21/11/2019 e doutrina no mesmo citada.
[10] Neste sentido cfr. Arnaldo C. Oliveira in LCS Anotada de Pedro Romano Martinez, em anotação ao artigo 25º e Ac. TRG de 20/04/2017, nº de processo 17/16.3T8EPS.G1 in www.dgsi.pt.