I – Nos termos do disposto na al. a) do artigo 34º da Lei de Saúde Mental (Lei nº 35/2023, de 21 de julho), o tribunal territorialmente competente para tramitar e julgar processo comum de tratamento involuntário (arts 15º, 13º, nº 1, alínea e) e 17º da lei de saúde mental) é o juízo local criminal com competência na área de residência do requerido.
II - Residência é o lugar onde o menor vive habitualmente com a sua família, ou seja, o local onde, de facto, se encontra organizada a sua vida em termos de maior permanência e estabilidade.
III - Um centro educativo não pode ser considerado a residência dos menores que aí apenas se encontram devido a decisão judicial, por tempo determinado e exclusivamente com vista à sua educação para o direito e à sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.
IV – Assim, o tribunal competente para a tramitação da ação referida no nº 1, na qual o requerido residia com a sua família em Évora, é o Juízo Local Criminal desta cidade.
1. Os despachos em confronto
a. Por despacho proferido a 24 de abril de 2025 o Juízo Local Criminal de Oeiras – Juiz ... (doravante “tribunal de Oeiras”) proferiu o seguinte despacho:
“Existe notícia nos autos que o internando reside no ...Évora.
Dispõe o artigo 34º, nº 1, al. a) da Lei de Saúde Mental que “é competente o juízo local criminal com competência na área de residência do requerido, ou o juízo de competência genérica, se a área referida não for abrangida por juízo local criminal”.
Residindo o internando em Évora, será competente essa instância local, pelo que, em face dos critérios expostos, este Tribunal declara-se territorialmente incompetente para conhecer da presente acção e se determina que a competência territorial caberá ao Juízo Local Criminal de Évora”
b. Remetido o processo ao Juízo Local Criminal de Évora- Juiz ... (doravante “tribunal de Évora”), proferiu este despacho, datado de 12 de maio de 2025 e com o seguinte teor:
“Resulta da p.i. que o internando residia no Centro ..., sito na ....
Assim, o Tribunal competente para decretar o tratamento involuntário de AA é o Tribunal é o juízo local criminal de Oeiras e não este juízo local criminal de Évora.
Nestes termos esclarece-nos o Tribunal da Relação do Porto em acórdão proferido em 17.06.2024, processo n.º 6856/15.5T8VNG-A.P1:
I - A competência para a tramitação normal do processo de internamento compulsivo (salvo o caso de detido em EP e de internamento de urgência/confirmação do internamento), decorre no tribunal da área de residência do requerido.
II - Em caso de mudança de residência do requerido a lei não prevê que outro tribunal passe a ser o competente (nomeadamente o tribunal/ juízo com jurisdição nessa área de residência);
III - A regra de competência estabelecida no artº 34º LSM como ali expressamente se prevê “para efeitos do disposto no presente capítulo, é competente:” é para todo o processo, até ao seu final, incluindo por isso todas as revisões a que haja de se fazer em novas e periódicas apreciações sobre a situação do requerido.
Pelo exposto, declaro a incompetência deste Juízo Local Criminal de Évora e determino que os presentes autos sejam devolvidos ao Juízo Local Criminal de Oeiras – Juiz ..., uma vez que o despacho aí proferido na presente data não se encontra transitado em julgado.”
c. Recebido o processo no tribunal de Oeiras proferiu o mesmo, a 17 de junho de 2025, o seguinte despacho:
“Tendo transitado em julgado o despacho que determinou a incompetência desta Instância Local Criminal remeta os autos ao Tribunal de Évora para os fins tidos por convenientes”
d. Devolvidos os autos ao tribunal de Évora proferiu este, a 23 de junho de 2025, o seguinte despacho:
“O despacho que declarou a incompetência da JLC de Oeiras – J... foi proferido em 24/04/2025.
Os autos foram apresentados a este Juízo em 09/05/2025, com o referido despacho ainda não transitado em julgado.
O nosso despacho a declarar a incompetência deste Tribunal foi proferido em 12/05/2025, de novo, com o despacho proferido em Oeiras ainda não transitado em julgado.
Transitado o nosso despacho de 12/05/2025, foram os autos remetidos para o Tribunal competente e, agora, devolvidos.
Ora, estando o nosso despacho transitado em julgado e a incompetência fixada, não pode o Tribunal de Oeiras remeter de novo os autos, cabendo-lhe, se assim o entender, suscitar o conflito de competência.
Notifique e devolva de imediato.”
e. A terminar este calvário, recebido o processo no Juízo Local Criminal de Oeiras, nele foi proferido, a 30 de junho de 2025, o seguinte despacho:
“Pese embora o trânsito em julgado da decisão do Meritíssimo Juiz do Juízo Local Criminal de Oeiras em primeiro lugar, declinou o Meritíssimo Juiz do Juízo Local Criminal de Évora os autos, remetendo-os a este juízo, pelo que, na presença de duas decisões em contradição, se impõe a resolução do conflito de competência negativo.
Assim sendo, porquanto o presente conflito de competência, corre nos próprios autos, remetam-se os presentes autos ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos e para os efeitos dos artigos 110.º n.º 2 e 111.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Notifique-se.”
f. Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Lisboa determinou este (e bem), a 4 de julho de 2025, que o processo fosse enviado para este Supremo Tribunal de Justiça, em virtude de os tribunais de 1ª instância que se encontram em conflito negativo de competência se situarem em Distritos Judiciais distintos.
g. Com efeito, face ao disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 11.º do Código de Processo Penal - aplicável ex vi artigo 37º da Lei de Saúde Mental, aprovada pela Lei nº 35/2023, de 21 de julho- a competência para dirimir o referido conflito é deste Supremo Tribunal dado que o Juízo Local Criminal de Oeiras- Juiz ... se encontra integrado no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste que, por seu turno, se inclui na área de jurisdição do Distrito Judicial de Lisboa e o Juízo Local Criminal de Évora - Juiz ... se encontra integrado no Tribunal Judicial da Comarca de Évora que, por seu turno, se inclui na área de jurisdição do Distrito Judicial de Évora (cf. Anexos I e II da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela lei 62/2013 de 26 de agosto na sua versão atualizada).
1. A posição do requerido e do Ministério Público
Apenas o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto junto deste Alto Tribunal assumiu posição, que a seguir se transcreve parcialmente:
“A questão centra-se na aplicação ao caso concreto do disposto no artº artigo 34º, nº 1, al. a) da Lei nº 35/2023, de 21.07 que refere “é competente o juízo local criminal com competência na área de residência do requerido, ou o juízo de competência genérica, se a área referida não for abrangida por juízo local criminal”.
Se bem que na petição se tenha referido instituição situada na área de Oeiras onde o requerido então se encontraria por força de determinação judicial, certo é que não se conseguiu localizá-lo ali, acabando por se concluir estar a residir em Évora.
Ora, assim sendo, pode desde logo dizer-se que o acórdão da Relação do Porto invocado pela Senhora juiz de Évora não tem aplicação direta: não se verificou, neste caso, efetiva mudança de residência do requerido, pois que isso implicaria que se tivesse confirmado a morada indicada na petição e que, depois, o requerido tivesse mudado o local de residência, o que não sucedeu: nunca o requerido foi localizado na morada de Oeiras.
Nunca, assim, se pode entender ter-se fixado em Oeiras a competência territorial.
Por outro lado, pode-se até questionar se a morada do requerido que foi indicada na petição se poderá qualificar como sendo a da sua residência. Tal como entendido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo 160/21.7T8CLB.C1 (Relator – Henrique Antunes) a propósito de um caso de competência internacional dos tribunais portugueses em caso de divórcio «A residência supõe uma certa fixação, uma certa permanência num lugar. Assim, não reside numa localidade quem se encontra nela acidentalmente, de passagem. Residência inculca estabilidade.
No nexo de uma pessoa com uma localidade, o domicílio exprime a ligação mais forte: é a residência habitual; a simples residência supõe ainda uma certa fixidez, uma certa demora, a habitação estável e prolongada - mas não excluiu a habitação durante algum tempo noutro lugar, dado que a lei figura, precisamente, o caso de uma pessoa ter mais que uma residência onde viva alternadamente (art.° 82.°, 2^ parte, do Código Civil).
A residência ocasional ou acidental é o laço mais ténue entre uma pessoa e uma localidade, dado que se traduz no facto de a pessoa se encontrar momentaneamente em determinado lugar (art.° 82.°, n° 2, do Código Civil).
Isto mostra a impossibilidade de fixar um conceito rígido de residência. Exige-se, para esta, estabilidade e continuidade. Contudo, a determinação sobre se a habitação num lugar já tem a duração suficiente para constituir residência, deve decidir-se em face de caso concreto, através da verificação de dois requisitos: um requisito material - a morada em certo lugar - um requisito subjectivo - a intenção ou o ânimo de se fixar nesse lugar, de nele permanecer.
A habitação, com alguma duração, em certo lugar pode não configurar residência porque, por exemplo, só circunstâncias acidentais forçam a pessoa a permanecer nessa localidade; ao contrário, a habitação num lugar por período de tempo relativamente curto pode inculcar residência se tudo revela que a pessoa está disposta a fazer desse lugar o centro da sua vida e dos seus interesses.
De tudo isto se conclui que o conceito de residência habitual é um conceito elástico, irremediavelmente necessitado de concretização jurisprudencial, o que torna particularmente difícil encerrá-lo numa definição que seja, a um tempo, suficientemente compreensiva para nada deixar de fora, e tão precisa quanto necessária para evitar quaisquer dúvidas sobre a sua aplicação aos casos concretos da vida. Não é, por isso, de estranhar que muitas vezes as definições se limitem a destacar, por vezes com recurso a neologismos expressivos, a ideia central que o conceito sugere: a da procura de um local que se possa considerar o centro da vida de uma pessoa, o lugar em que ela se encontra socialmente integrada.»
Tudo isto para chamar a atenção para o facto de todos os elementos recolhidos nos autos nos apontarem para que o requerido sempre tenha tido a sua vida centrada em Évora, local onde reside atualmente. Basta, nesse sentido, verificar que a medida tutelar de internamento que o levou a estar em instituição de Oeiras foi proferida, precisamente, pelo Juízo de Família e Menores de Évora.
Será certamente aí, aliás, que melhor e mais facilmente serão realizadas as diligências necessárias à verificação dos pressupostos que conduzirão, eventualmente, ao deferimento do pedido de tratamento involuntário, como seja a efetivação das notificações necessárias previstas nos artºs. 18º e 19º da Lei 35/2023, a avaliação clínico-psiquiátrica referida no artº 20º do mesmo diploma e a sessão conjunta (artº 22º).
- Assim sendo, entende-se que o presente conflito negativo deverá ser resolvido com a atribuição de competência ao Juízo Local Criminal de Évora”
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Os factos
Com vista à prolação dessa decisão importa, antes de mais, consignar os factos que decorrem da análise dos autos:
a. Através de requerimento, que deu entrada a 03 de outubro de 2024 no Juízo Local Criminal de Oeiras, o Ministério Público solicitou, “ao abrigo do disposto nos arts. nos artigos 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 4º, nº 1, alínea r), e 9º, nº 1, alínea g), ambos do Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto), 15º, 13º, nº 1, alínea e) e 17º da Lei de Saúde Mental, aprovada pela Lei nº 35/2023, de 21 de julho, internamento compulsivo de AA, solteiro, filho de BB e de CC Família, nascido em ... de ... de 2005, natural da freguesia da ..., concelho de ..., titular do Cartão do Cidadão nº ......01 e nesse momento colocado no Centro ..., sito na ...”.
b. Com efeito, ao AA havia sido aplicada, a 12 de outubro de 2022 e no âmbito do processo tutelar educativo nº 166/14.2.8...-., que correu termos no Juízo de Família e Menores de Évora, uma medida tutelar de internamento em centro educativo em regime fechado e pelo período de 2 anos, cujo termo ocorreria (e ocorreu) a 18 de outubro de 2024.
c. De acordo com o que consta neste último processo o AA teve, a “última residência em Bairo de ... Évora, posteriormente acolhido na ..., da Associação ..., e atualmente em cumprimento de medida cautelar de guarda em centro educativo, em regime fechado, no Centro ...”
d. O requerimento acima referido foi autuado como processo nº 3768/24.5T8OER e distribuído ao Juiz ... do aludido Juízo Local Criminal de Oeiras.
e. Neste processo foi ordenado, que se notificasse “o requerido, o defensor e o familiar mais próximo do requerido que com ele conviva ou a pessoa que viva com o requerido em condições análogas às dos cônjuges para, no prazo de 5(cinco) dias, requererem o que tiverem por conveniente – artigo 18.º n.º 2 da Lei n.º 35/2023, de 21 de Julho.”
f. Em cumprimento desse despacho foram expedidos, a 8 de outubro de 2024, ofícios para o Centro ... acima referido e para o Comando da Polícia de Segurança Pública de Évora, o primeiro para notificação do requerido e o segundo para notificação de sua mãe – CC, com residência na Rua ....
g. De acordo com informação policial, esta última não foi notificada dado que DD - avó do AA – informou que a mesma se havia ausentado para parte incerta.
h. Solicitada a marcação de data para avaliação clínico-psiquiátrica do AA a 11 de novembro de 2024 veio o mesmo a faltar no dia designado.
i. Encetadas diversas com vista a sua localização apurou-se, a 16 de abril de 2025, que o requerido tem residência no ... em ... Évora.
2.2. Apreciação - O Direito
Antes de nos debruçarmos sobre as normas que deverão ser consideradas para resolver o presente conflito de competência não podemos deixar de registar a lamentável tramitação do presente processo – e, sobretudo, a do incidente de conflito negativo de competência - que, tendo sido instaurado em 3 de outubro de 2024 e tendo natureza urgente, ainda se encontra numa fase preliminar (o requerido ainda não foi, sequer, submetido a avaliação clínico-psiquiátrica).
Com efeito e concordando com o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto junto deste Alto Tribunal, compreende-se mal a tramitação acima descrita que teve por efeito, não apenas “o dispêndio de energias e de trabalho de magistrados e de funcionários que melhor teriam sido gastos no âmbito de outros processos”, mas, sobretudo, o atraso na prolação de uma decisão sobre um ser humano que bem dela carece…
Feito este reparo constata-se que o presente conflito negativo de competência se reporta, como já atrás referido, a ação interposta pelo Ministério Público nos termos dos artigos 15º, 13º, nº 1, alínea e) e 17º da Lei de Saúde Mental, aprovada pela Lei nº 35/2023, de 21 de julho, com vista ao tratamento involuntário de AA
Nos termos do disposto na al. a) do artigo 34º dessa lei é territorialmente competente para a tramitar e decidir” o juízo local criminal com competência na área de residência do requerido, ou o juízo de competência genérica, se a área referida não for abrangida por juízo local criminal”.
Dado que, in casu, em ambas as comarcas existe juízo local criminal, resta saber onde se situa a residência do requerido para se determinar qual o tribunal competente para tramitar e decidir a aludida ação.
Entendeu o Juízo Local Criminal de Oeiras que, dado se ter descoberto que o requerido reside atualmente em Évora, competente para o efeito referido passava a ser o juízo local criminal desta localidade.
Não se concorda com esta posição pois, não contendo a Lei de Saúde Mental sobre tal matéria qualquer norma, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 38º da Lei de Organização do Sistema Judiciário1 “a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.”
Assim, tendo aquele Juízo Local Criminal de Oeiras considerado que o requerido residia no Centro ... e, por isso, aceite a petição apresentada pelo Ministério Público, compreende-se mal que, agora, manifeste o entendimento de que já não é competente para a tramitação do aludido processo…. É que tal entendimento consubstanciaria desaforamento, o qual é proibido, desde logo pelo artigo 32º nº 9 da Constituição da República Portuguesa.
Ainda a este propósito, acrescente-se que não colhe a consignação pelo Ministério Público – em favor da incompetência territorial do Juízo Local Criminal de Oeiras - de que nunca foi possível localizar o requerido no Centro ..., nem a de que “não se verificou, neste caso, efetiva mudança de residência do requerido, pois que isso implicaria que se tivesse confirmado a morada indicada na petição e que, depois, o requerido tivesse mudado o local de residência, o que não sucedeu: nunca o requerido foi localizado na morada de Oeiras Se bem que na petição se tenha referido instituição situada na área de Oeiras onde o requerido então se encontraria por força de determinação judicial, certo é que não se conseguiu localizá-lo ali, acabando por se concluir estar a residir em Évora.
Com efeito, essa falta de notificação não invalida que o requerido estivesse, no dia 3 de outubro – data de instauração da ação - no Centro ... conforme afirma o Ministério Público no seu requerimento inicial (e também na promoção de 18 de dezembro de 2024). Aliás, não consta nos autos que o requerido se tivesse evadido do Centro ... onde terá cumprido a medida de internamento em regime fechado até ao dia 18 de outubro de 2024.
Contudo, sem embargo do atrás exposto e pelas razões que a seguir explanaremos, entendemos que na data de instauração da ação o requerido tinha residência, não no Centro ..., mas sim no Bairro de ..., em Évora, local onde residia com a sua família quando foi institucionalizado.
Com efeito, dispõe a primeira parte do nº 1 do artigo 82º do Código Civil que “a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual”.
Ora, em nosso entender e acompanhando Rui Epifânio e Carlos Farinha2, por residência entende-se o lugar onde o menor reside habitualmente com a sua família, ou seja, o local onde de facto se encontra organizada a sua vida em termos de maior permanência e estabilidade.
Com efeito e como refere o Tribunal da Relação de Coimbra “I. A residência habitual é o centro permanente ou habitual onde se situam os interesses de uma pessoa, que se concretiza pela vontade do interessado em fixar o centro dos seus interesses no território de um Estado-Membro e a presença, com grau de estabilidade, nesse mesmo território. (…) A habitação, com alguma duração, em certo lugar pode não configurar residência porque, por exemplo, só circunstâncias acidentais forçam a pessoa a permanecer nessa localidade; ao contrário, a habitação num lugar por período de tempo relativamente curto pode inculcar residência se tudo revela que a pessoa está disposta a fazer desse lugar o centro da sua vida e dos seus interesses”3
Aliás, nesse mesmo acórdão refere-se que, mesmo na jurisprudência do Tribunal de Justiça, por residência habitual deve entender-se4, o local onde a pessoa fixou, com a vontade de lhe conferir um carácter estável, o centro permanente da sua vida. Ou dito doutro modo; o conceito de residência habitual, de harmonia com aquela jurisprudência, caracteriza-se por dois elementos: a vontade do interessado em fixar o centro habitual dos seus interesses no território de um Estado-Membro; uma presença com um grau de estabilidade nesse mesmo território.
Aliás, embora reportando-se a uma situação de prisão, um outro acórdão desse mesmo Tribunal de Coimbra5 decidiu que:
“I - Encontrando-se o queixoso na situação de reclusão no Estabelecimento Prisional de ... o seu domicílio tem de ser definido com base no artº 82º do C.Civil o que implica o reconhecimento de que o mesmo se situa na área do Tribunal da Comarca de Loulé uma vez que era aí o lugar onde voluntáriamente residia antes da sua prisão.”
Com efeito, no âmbito da Lei Tutelar Educativa6, a colocação em centro educativo não pode consubstanciar uma mudança de residência, dado que o menor aí foi colocado por ordem judicial (ou seja, não voluntariamente), apenas aí permanece durante um lapso de tempo determinado (que não pode exceder 3 anos) e com uma finalidade muito específica que é a sua educação para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.
Aliás, o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 85º do Código Civil estabelecem que:
1. O menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver.
2. O domicílio do menor que em virtude de decisão judicial foi confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência é o do progenitor que exerce o poder paternal.
Concluindo, à data da propositura do processo a que nos temos vindo a reportar o AA não residia no Centro ..., mantendo antes a sua residência no Bairro de ..., em Évora, local onde residia com a sua família quando foi institucionalizado e onde também se encontra atualmente.
III – DECISÃO
Face a todo o exposto, decide-se o presente conflito negativo de competência atribuindo esta ao Juízo Local Criminal de Évora - Juiz....
Sem custas por não serem devidas.
Notifique e proceda às diligências necessárias
Lisboa, 27-07-2025
O Juiz Conselheiro (em serviço de turno)
(Processado e revisto pelo signatário - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Celso Manata
__________
1. Aprovada pela lei 62/2013, de 26 de agosto
2. In Organização Tutelar de Menores, 107.
3. Ac. de 10 de janeiro de 2023 - 160/21.7T8CLB.C1 disponível em ww.dgsi.pt
4. No âmbito do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho de 27/11/2003
5. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 31 de janeiro de 2001 - Proc.3553/2000 disponível em www.dgsi.pt