DIREITO DE PROPRIEDADE
PRÉDIO
USUCAPIÃO
FORÇA PROBATÓRIA
ÁREA E CONFRONTAÇÕES
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Sumário

Sumário:
I - A força probatória material dos documentos autênticos cinge-se às perceções da entidade documentadora, razão pela qual a jurisprudência dos nossos tribunais se tem pronunciado pela negação da presunção a que se refere o art. 7.º do Código do Registo Predial relativamente às áreas e confrontações.
II - Cabia assim aos autores o ónus de alegação e demonstração da identidade física da fração do prédio de que se arrogam titulares, o que aqueles não lograram provar.

Texto Integral







Proc. nº 200/17.4T8TMR.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA e marido BB, instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra:
- Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de CC, representada pela cabeça de casal e filha da falecida, DD;
- EE e marido FF, na qualidade de única herdeira de GG, entretanto falecida e irmã daquela;
- HH, na qualidade de herdeiro de II, irmã da autora mulher;
- JJ, na qualidade de herdeiro da referida II; KK, na mesma qualidade;
- LL, MM e NN, na qualidade de netos de OO, igualmente irmã da autora mulher;
- DD e sua filha, PP; e,
- PP.
Pedem os autores que os réus sejam condenados a reconhecer que:
«1- A A. mulher recebera da verdadeira proprietária (CC), mediante escritura de doação datada de 6/5/1975 uma fração correspondente a 2/30 do prédio rústico inscrito na antiga matriz sob o artigo ...96 e correspondente a 9/30 e que com a constituição do cadastro geométrico passou a constituir o extinto o art.º rústico ...9-H da extinta freguesia 1...;
2 – (…) os 2/30 doados à A. mulher, atendendo a que a área deste indicado prédio rústico possuía a área total de 75.636,76m2, conforme consta do levantamento topográfico, junto com esta p.i. correspondem à parcela de terreno que os AA. possuem em exclusivo, desde a data da doação, e nos termos alegados nesta p.i. e com a área de 16.808,168 m2.
3 - (…) o prédio rústico que se encontra inscrito em nome dos AA. sob o artº...35-H, e correspondente aos 2/30, da atual freguesia 1... e 2..., e correspondente à parcela de terreno recebida por doação pela A. mulher, possui na realidade a área de 16.808,168m2, ou seja a área correspondente aos referidos 2/30, que foram adquiridos pela escritura de doação (doc.5).
4 - (…) assiste aos AA., atenta a dita doação de 2/30, o direito de anexar à parcela já inscrita em seu nome sob o artº ...35º-H, a parcela restante com a área de 11.208,168m2, totalizando assim os 2/30 adquiridos da totalidade do prédio e que anteriormente possuía o artº ...9-H e agora composto este pelos artigos ...36-H e ...35-H.
5 – (…) os AA. são os únicos donos e legítimos possuidores desta indicada parcela de terreno com a área de 16.808,168m2 e correspondente ao artº ...35-H e de todas as edificações nela implantadas e, em consequência serem condenados a reconhecerem que os AA. estão autorizados a procederam à retificação da área constante na matriz para a área de 16.808,168m2, quer junto da Repartição de Finanças, quer junto do Instituto Cadastral da Propriedade Rústica.
6 – (…) foram os AA. que procederam na indicada parcela de terreno, mercê da doação havida a seu favor, à abertura dos dois furos artesianos e ainda do poço situado na retaguarda da habitação. 7 – Reconheceram que foram os AA. que requisitaram a baixada da luz elétrica para os furos artesianos e contrataram a instalação do contador da luz com a EDP no ano de 1982 e desde esta data passaram a pagar os consumos de eletricidade em exclusivo.
8 – (…) o artigo rústico ...36-H da mesma freguesia, constitui atualmente um artigo autónomo e possui apenas a área de 58.828,592m2, em conformidade com o levantamento topográfico referido nesta p.i..
9 – (…) os AA. ficam autorizados, uma vez retificada a área do seu prédio nº ...35-H para a atrás referida de 16.808,168m2, autónomo do ...36-H e a registá-lo em seu nome na Conservatória do Registo Predial competente, e,
10 – (…) atentos os factos alegados nos artigos 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º desta p.i., os AA. já adquiriram a dita parcela de terreno com a área de 16.808,168m2, através do instituto da usucapião, instituto este que expressamente inovam a seu favor.
Alegam, em síntese apertada, que os réus apenas reconhecem os autores como sendo donos do artº ...35º-H do prédio rústico supra identificado, com a área de 5600m2, quando na realidade e, em conformidade com a doação recebida pela autora mulher, os autores são donos de um prédio com a área total de 16 808,168m2, correspondente aos 2/30 recebidos.
Contestou apenas a ré DD, concluindo pela improcedência da ação «com excepção da parte confessada pelos AA. nos artigos 1º a 9º e 11º da petição»[1].
Foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Foram realizadas várias sessões de julgamento, espaçadas no tempo devido ao óbito dos réus FF, HH, DD e PP, que originaram quatro incidentes de habilitação de herdeiros, nos quais foram proferidas as respetivas sentenças de habilitação.
Finalmente, em 04.12.2024, foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou:
«Face ao exposto, considera-se a presente acção intentada por AA e marido BB, contra 1 – HERANÇA ILIQUIDA e INDIVISA aberta por óbito de CC, ocorrido em ../../1991 no lugar de ... da freguesia 1..., representada pela cabeça de casal, sua filha – DD (9ª Ré) e; 2 – EE, e marido FF, na qualidade de única herdeira de GG, entretanto falecida e irmã da A.; 3 - HH, na qualidade de herdeiro de II, irmã da A. mulher ; 4 - JJ, na qualidade de herdeiro de II, irmã da A. mulher ; 5 - KK, casado no regime da separação de bens com QQ, na qualidade de herdeiro de II, irmã da A. mulher; 6 - LL, 7 - MM 8 - NN na qualidade de netos de OO, igualmente irmã da A. mulher, 9 - DD, e sua filha: 10 - PP, filha da 9ª Ré e, 11- PP improcedente por não provada e absolvem-se os RR do pedido.
Custas pelos AA.»
Inconformados, os autores apelaram do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1- A A. ao receber pela doação identificada na p.i. de sua avó – CC – 2/30 dos 9/30, estes 9/30 correspondiam ao artigo matricial nº ...96 da extinta freguesia 1... e, com a área total à data da doação (6/5/1975) de 76.360m2;
2 - Os 2/30 dos 9/30 doados correspondiam à data da doação a 16.968,88m2;
3 - Os 9/30 do artº...96 com a área total de 76.360m2, deram origem com a entrada em vigor do cadastro geométrico para o Concelho ... ao artigo ...9 secção H.
4 - Em consequência do processo de cadastro nº 137/2011, o artigo ...9 secção H dera origem aos dois artigos ...35 e ...36 secção H, sendo o artigo ...35 H pertencente à A., deveria esta conter a área de pelo menos a área de 16.808,16m2 e não o a área erradamente indicada pela autora no requerimento que apresentou junto da Repartição de Finanças ... em 20.09.2011, de 6.880m2, mercê da errada interpretação da área correspondente aos 2/30 dos 9/30.
5 – Em consequência desta também errada interpretação do Tribunal a quo, sobre qual a verdadeira área que na realidade corresponde aos 2/30 dos 9/30,
Deverão VV.Exªs revogar a sentença proferida, substituindo por outra que venha a considerar que, embora a A. houvesse requerido a desanexação de 6.880m2, do artigo ...9º secção H, como correspondente a 2/30 dos 9/30 ( total de área de 75.636,76m2), se tratou de manifesto erro de interpretação, devendo sim ter direito a área de 16.808,16 m2 e não apenas á área desanexada de 6.880m2.
O Tribunal a quo, com a sentença proferida, violou o disposto nos artigos 362º, 363/2, 371º, 372º, 376º, todos do C. Civil.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir é a de saber qual a área da fração do prédio rústico em discussão nos autos, que foi doada à autora pela sua avó.

III - FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos[2]:
1 - Em consequência da morte da bisavó da autora mulher - CC - sucederam-lhe as suas filhas – GG, já falecida, II, já falecida, OO, já falecida, DD (9ª ré) e PP (11ª ré).
2 - À falecida filha GG, sucedeu a ré EE.
3 - À falecida filha II, sucederam-lhe os seus filhos, os aqui 3º, 4º e 5º réus.
4 - À falecida filha OO sucedeu a sua única filha RR, pré-falecida, a quem sucederam os 6º, 7º e 8º réus.
5 - Em consequência da morte do marido da filha DD, sucedeu-lhe esta, na qualidade de cônjuge e a única filha PP (10º ré).
6 - Todos os referidos sucessores/réus se encontram habilitados.
7 - A avó da autora mulher – CC -, através do inventário obrigatório no 110/1930 que correu termos pelo extinto Tribunal Judicial ..., por óbito de seu marido – SS -, foi-lhe adjudicado um prédio rústico, composto de Tojeira com oliveiras e pinheiros, sito no ... da extinta freguesia 1..., e inscrito à data na matriz respetiva sob o artigo nº ...96, e na proporção de 9/30.
8 - Por escritura de doação datada de 06.05.1975, celebrada no Cartório Notarial ..., a referida CC, avó da autora mulher, doou a esta, ainda no estado de solteira, e por força da sua quota disponível, 2/30 dos 9/30 de que era titular, do referido artigo rústico inscrito na matriz sob o artigo nº ...96, não descrito.
9 - Nessa mesma escritura de doação, a doadora CC, procedeu à delimitação da fração doada à autora (2/30), através das seguintes confrontações: norte e nascente a confrontar com a estrada; sul e poente com a doadora, por onde há três marcos.
10 - Ao prédio rústico identificado em 7, em consequência da entrada em vigor para o Concelho ... do cadastro geométrico, foi atribuído e autonomizado o art.º ...9º - secção H e com a área total de 76 360m2, correspondendo tal área ao terreno que se identifica pela mancha topográfica obtida via Google earth, que constitui o doc. 6 junto com a petição inicial e, bem assim, pelo levantamento topográfico junto como doc. 7, sendo a área real e resultante deste levantamento de apenas 75.636,76m2, devendo-se a diferença de áreas (a anterior e atual), em virtude de a sul haver ocorrido o alargamento do caminho florestal aí existente e que dá acesso às propriedades vizinhas.
11 - Na parcela que autora recebeu de doação, procedeu a mesma quando já casada com o autor marido à edificação da sua própria habitação, incluindo os anexos para arrumos, guarda de animais, máquinas agrícolas, palhas e demais haveres agrícolas, e procedeu à abertura de um poço, sendo atribuído a tal parcela o artigo urbano nº ...04 da extinta freguesia 1... e agora o atual art.º ...08 da atual União de Freguesias 1... e 2..., o qual possuí a área bruta de implantação e de construção de 303,24m2, área bruta dependente de 196,60m2 e a área bruta privativa de 106,64m2.
12 - A esta parcela de 9/30 do artigo ...96, veio a ser atribuído, após a implementação do cadastro geométrico no Concelho ..., o artigo ...9 secção H da freguesia ....
13 - Posteriormente, em 2011, e através do processo de cadastro nº 137/2011, veio este artigo matricial – ...9 secção H, a ser suprimido, tendo dado origem a dois novos artigos – ...35 H e ...36 H da mesma freguesia 1....
14 - O artigo ...35 secção H está na titularidade da autora.
15 - E tem a área de 5.600 m2.
16 – Tendo origem no artigo ...9 secção H, e resultou do processo de cadastro nº 137/2011.
17 - O artigo matricial ...36 secção H da atual União de Freguesias 1... e 2... está na titularidade da herança aberta por óbito da doadora (4/5).
18 - E 1/5 na titularidade da ré PP.
19 - Tal prédio tem a área de 70.760 m2.
20 – E proveio também do artigo ...36 secção H, da extinta freguesia 1....
21 - E que também resultou do processo de cadastro nº 137/2011, conforme resulta do teor da caderneta predial respetiva.
22 - De acordo com o requerimento apresentado no Serviço de Finanças ... em 20.09.2011, e dirigido ao Chefe da Repartição, a autora peticionou que do aludido artigo rústico ...9 da secção H da freguesia 1... fosse desanexado o seu prédio rústico com a área de 6.880 m2, no qual se encontra implantada uma parcela urbana com a área de 960 m2.
23 - Foi a própria autora quem indicou ao Serviço de Finanças, que a área remanescente do prédio (...9 - H) com 69.480 m2, pertencia à herança de CC.
24 - Aceitando as demais herdeiras, que também subscreveram o requerimento, que o prédio da autora só tinha a área de 6.880 m2.

E foram considerados não provados os seguintes factos[3]:
1 - De acordo com a fração recebida pela autora (2/30), a parcela objeto de doação possuía e possui atualmente a área de 16.808,168m2.
2 - Após a construção da habitação e demais anexos envolventes e atrás mencionados, nesta mencionada parcela já delimitada de acordo com a fração recebida, os autores, já no estado de casados, procederam à abertura de um poço, dois furos artesianos e à edificação de um tanque em betão para rega e de um depósito igualmente em betão armado para reserva e abastecimento de água à habitação e anexos, e ainda para uso doméstico e rega por parte da mãe da autora mulher, a aqui 11ª ré.
3 - Procederam ainda os autores junto da EDP, à requisição da baixada e à instalação de luz elétrica em 01.07.1982 nos furos artesianos que efetuaram, procederam à aquisição e instalação de duas bombas nos ditos furos artesianos para a tiragem de água, passando assim a abastecer a habitação e demais anexos de água dos ditos furos, bem como para a rega das plantas, sementeiras, dos produtos hortícolas e à alimentação dos animais, tais como suínos, galinhas, ovelhas, cabras, etc..
4 - Bem como procederam na mencionada parcela à plantação de árvores de fruto, tais como, laranjeiras, videiras, macieiras, kiwis, e ainda à florestação de eucaliptos em parte da parcela de terreno adquirida.
5 - Esta parcela de terreno possui como limite a norte e a nascente a estrada, possuindo a norte a extensão de 113,9138m, a nascente, a poente e a sul confronta com a doadora, ou seja, a poente numa extensão de 149,4669m, a sul numa extensão de 127,6980m e a nascente junto à estrada numa extensão de 145,2356m.
6 - Desde a data da doação, em 1975, e após o casamento dos autores ocorrido nesse mesmo ano, os autores iniciaram a construção da atrás referida habitação e após a sua conclusão passaram a habitá-la, nela dormindo, comendo, criando os filhos, a receber os amigos e familiares e bem assim, dela passaram a cuidar, reparando os telhados, portas, janelas, pagando os impostos, e por sua vez na parcela de terreno restante passaram a amanhá-la, lavrá-la, semeá-la de ervas para os animais, e a proceder ao seu corte, e na parte restante do terreno, plantaram vinha, árvores de fruto, nomeadamente oliveiras, laranjeiras, kiwis, à apanha de lenhas, pinhas, carumas, ao corte de pinheiros e ainda à reflorestação de parte da parcela com eucaliptos.
7 - Todos estes atos foram praticados pelos autores de modo contínuo e ininterrupto até à presente data, em consequência e em total respeito pela área correspondente à fração recebida (2/30), e tudo fizeram como se donos exclusivos fossem, à vista de toda a gente da localidade e dos próprios réus, de boa fé, de forma pacifica e pública e na convicção total de que não lesam nem nunca lesaram direitos de outrem, mas sim sempre atuando como se de um bem próprio se tratasse, e de acordo com a doação recebida.

O DIREITO
Não tendo os autores/recorrentes procedido à impugnação da matéria de facto, tem-se por intocada a factualidade dada como assente pelo tribunal recorrido, situando-se assim o objeto do presente recurso no estrito plano da impugnação de direito, com os contornos assinalados supra.
Assim, relativamente à questão de saber se a fração recebida pela autora em virtude da doação que lhe foi feita pela sua avó, possuía e possui atualmente a área de 16.808,168 m2, a sentença recorrida respondeu negativamente.
Já os autores/recorrentes sustentam que embora a autora tivesse requerido a desanexação de 6.880m2, do artigo ...9º secção H, como correspondente a 2/30 dos 9/30 (total de área de 75.636,76m2), se tratou de manifesto erro de interpretação, devendo sim ter direito a área de 16.808,16 m2 e não apenas á área desanexada de 6.880m2, erro esse no qual também incorreu a sentença recorrida.
Em primeiro lugar, importa dizer que os documentos autênticos fazem prova plena apenas relativamente aos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo ou percecionados pela entidade documentadora e não a quaisquer outros, como expressamente resulta da lei – art. 371º, nº 1, do CC.
Por outras palavras, a força probatória material de tais documentos só vai até onde alcançam as perceções da entidade documentadora (quorum notitiam et scientiam habet propriis sensibus, visus et auditus).
Não é, em geral, o caso das certidões registrais ou das escrituras notariais, em que uma considerável parte dos factos documentados são referidos pelos declarantes interessados ou seus representantes, sendo tais declarações lavradas ou consignadas nos assentos ou nos livros de notas a que dizem respeito, sem que o oficial público percecione a sua autenticidade intrínseca.
Desta forma pode usualmente concluir-se que as confrontações de um prédio referenciadas numa escritura pública, constituem meros elementos identificadores do prédio, para efeitos da escritura, e não integram, como tais, a força probatória plena do declarado, mais a mais se forem objeto de impugnação[4].
O que se acaba de dizer quanto às confrontações vale, igualmente, para o que em tal documento vem declarado relativamente à área do prédio a que respeita e também perante o que consta das certidões registrais.
Com efeito, a presunção da titularidade do direito estabelecida no art. 7º do Código de Registo Predial, que não foi ilidida, reporta-se tão só ao facto jurídico inscrito e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal do prédio.
Lê-se no Acórdão do STJ de 19.09.2017[5]:
«(…), as realidades prediais objecto de direitos reais não se alcançam com o recurso a elementos identificativos dos prédios em poder de serviços ou entidades públicas porque a base da nossa ordem jurídica é a usucapião. As descrições prediais, as informações de quaisquer entes públicos, como as autarquias, ou as inscrições matriciais – estas, por maioria de razão – podem ser úteis na identificação ou localização daquelas realidades, mas não podem ter qualquer repercussão nas relações jurídico-privadas, nomeadamente delimitando o objecto sobre que incindem tais direitos, nada provando, por si só, quanto a esse objecto, designadamente quanto à respectiva área concreta.»
Ora, da prova documental existente nos autos não é possível concluir que a fração doada à autora mulher, correspondente a 2/30 do prédio rústico dos autos, possuía e possui atualmente a área de 16.808,16 m2 e não apenas a área desanexada de 6.880m2.
Aliás, de acordo com o requerimento apresentado no Serviço de Finanças ..., em 20.09.2011, e dirigido ao Chefe da Repartição, a autora peticionou que do aludido artigo rústico ...9 da secção H da freguesia 1... fosse desanexado o seu prédio rústico com a área de 6.880 m2, no qual se encontra implantada uma parcela urbana com a área de 960 m2, e foi a própria autora quem indicou ao Serviço de Finanças, que a área remanescente do prédio (...9 - H) com 69.480 m2, pertencia à herança de CC, aceitando as demais herdeiras, que também subscreveram o requerimento, que o prédio da autora só tinha a área de 6.880 m2 [pontos 21, 22 e 23 dos factos provados].
É certo que os autores alegam a existência de erro na indicação dessa área, mas não lograram provar a existência do mesmo, tendo, aliás, sido dado como não provado, que de acordo com a fração recebida pela autora (2/30), a parcela objeto de doação possuía e possui atualmente a área de 16.808,168m2 [ponto 1 dos factos não provados].
Por sua vez, não tendo também os autores logrado provar que exercessem a posse sobre a totalidade da área que dizem pertencer-lhes[6] [pontos 6 e 7 dos factos não provados], não se verificou a aquisição, por usucapião, da referida área, como bem se ajuizou na sentença recorrida.
Por conseguinte, o recurso improcede não se mostrando violadas as normas invocadas pelos recorrentes ou quaisquer outras.
Vencidos no recurso, suportarão os autores/recorrentes as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.


IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.

*
Évora, 15 de julho de 2025
Manuel Bargado (relator)
Ana Pessoa
Sónia Moura
(documento com assinaturas eletrónicas)


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[1] Os réus EE, LL, MM, NN, PP, FF, embora não tenham contestado, juntaram procuração a favor do mandatário da ré/contestante.
[2] Considera-se aqui apenas o que é matéria de facto, despida de conclusões e alegações de direito ou meras considerações, atribuindo-se a cada facto um número que, na sua maioria, não é coincidente com a numeração constante da sentença.
[3] Do mesmo modo do que sucedeu com os factos provados, expurgou-se do elenco dos “factos” dados como não provados, tudo o que é matéria de direito e conclusivo, bem como as expetativas da autora com a instauração da presente ação.
[4] Cfr., por todos, o Acórdão do STJ de 18.11.04, proc. 04B2972, in www.dgsi.pt.
[5] Proc. 120/14.4T8EPS.G1.S1. No mesmo sentido, inter alia, o Acórdão do STJ de 27.03.2014, proc. 555/2002.E2.S1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] A posse adquire-se pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito; pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor; por constituto possessório; por inversão do título de posse (art. 1263º do CC).