BURLA QUALIFICADA
TENTATIVA
INSOLVÊNCIA DOLOSA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
DEPOIMENTO DE ADVOGADO
SIGILO PROFISSIONAL
Sumário

Sumário:
I- A nulidade por omissão de pronúncia, só existe se o Tribunal não se pronunciar sobre uma “questão concreta” e não sobre um determinado argumento utilizado pelo recorrente, quanto a essa questão, ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por “questões”, os problemas concretos a decidir.
II – Ponderando estes ensinamentos, não se vê no caso dos autos, onde o Tribunal de 1ª instância omitiu pronúncia, relativamente a “questões concretas” sobre as quais se devesse pronunciar, pois que a não referência na sentença recorrida, ao depoimento de uma testemunha de defesa, não integra este vício, pois que tal testemunha e o depoimento por ela prestado constituem um simples meio de prova e não um facto ou questão concreta, que integre a acusação ou contestação, sobre os quais devesse incidir pronúncia do Tribunal, nos termos legais. Tal omissão configura pois uma simples irregularidade, que não tendo sido arguida no prazo legal de 3 dias, se considera sanada (artº 118º/1 e 2 e artº 123º/1 do CPP).
III - Só a ausência total de referência às provas que serviram para fundamentar a decisão ou a omissão da indicação dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, é susceptível de integrar, a violação do comando ínsito naquele normativo legal e a consequente nulidade, a que alude a alínea a) do nº 1 do artº 379º do C.P.P., o que claramente não se verificou no caso em apreciação, porquanto resulta da leitura da sentença recorrida quais foram as razões de facto e de direito, subjacentes à decisão de condenação do arguido pelos crimes de burla qualificada na forma tentada e de insolvência dolosa consumada pelos quais vinha acusado e ainda quanto à determinação do seu regime sancionatório, e todos esses elementos acima mencionados, permitem seguir, de forma segura e inequívoca, o exame do processo lógico ou racional, que esteve na base da decisão de condenação proferida pelo Tribunal a quo.
IV - É nulo o depoimento do Advogado prestado em audiência (por ser uma prova proibida por lei), e em consequência é nula a sentença recorrida proferida na 1ª instância, quando o julgador fez assentar a condenação do arguido pela prática do crime de burla qualificada tentada e insolvência dolosa consumada, no depoimento de um Advogado, que constitui uma prova proibida - por ter sido prestado, sem a necessária dispensa da sujeição ao dever de segredo profissional, que deveria ter sido requerida nos temos e para os efeitos do artº 135º do CPP.
V – A convicção de um Tribunal assente num meio de prova proibido, que é insusceptível de valoração (artº 92º/5 do Estatuto da AO e artº 125º do CPP), tem como consequência insuperável e inegável, que se trata de uma convicção inválida, pois que a prova que a sustenta é nula.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 - No processo nº 6549/13.8TDLSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido, AA, filho de BB e de CC, nascido em .../.../1961, na ..., casado, titular do cartão de cidadão n° ..., residente em ..., imputando-lhe a prática, de um crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punível, pelos artigos 22° 23 ° 217°, n° 1, e 218°, n° 2, alínea a), do Código Penal e de um crime de insolvência dolosa, previsto e punível, pelo 227°, n° 1, alínea b), e n° 3, do Código Penal.
O arguido apresentou contestação e arrolou testemunhas.
2- Realizado o julgamento, por sentença proferida em 27.11.2024, foi o arguido condenado, nos seguintes (transcritos) termos:
V - Decisão
Pelo exposto e decidindo, julgo a acusação pública deduzida pelo Ministério Público procedente, por provada e, em consequência:
a. Condeno o arguido AA pela prática de um crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 217º, nº 1 e 218º, nº 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
b. Condeno o arguido AA, pela prática de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 227º, nº 1, alínea b) e nº 3 do Código Penal, na pena de 500 dias de multa, à razão diária de €10,00, o que perfaz um montante global de €5.000,00;
c. Condeno igualmente o arguido nas custas do processo – artº 514º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (artºs 374º, nº 4 e 513º do Cod. Proc. Penal e artº 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique e deposite de imediato (artº 372º, nº 5 e 373º, nº 2 do CPP). (…).
3– Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido AA, sendo que a motivação apresentada, terminou com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
Emerge o presente recurso da discordância em relação à sentença tirada nos autos que condenou o recorrente
- pela prática de um crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 217º, nº 1 e 218º, nº 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período; e
- pela prática de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 227º, nº 1, alínea b) e nº 3 do Código Penal, na pena de 500 dias de multa, à razão diária de €10,00, o que perfaz um montante global de €5.000,00;
As razões de discordância com a douta decisão sob recurso são, simultanea­mente, de facto e de direito:
I. Desde logo, por entender existir insuficiência para a decisão da matéria de facto pro­vada relativamente ao crime de insolvência dolosa, razão que impõe absolvição do arguido nesta parte;
II. Bem assim, existe contradição insanável na fundamentação e entre esta e a decisão relativamente aos factos susceptíveis de integrarem o mesmo crime de insolvência dolosa;
III. Por outro lado, o tribunal a quo formou a sua convicção relativamente aos factos da­dos como assentes sob os nºs 15., 16., 22., 23., 26., 28., 29. e 30. com recurso a prova proibida, concretamente a resultante do depoimento prestado pela testemunha DD, advogado, que o fez em violação do dever de sigilo profissional, tratando-se, por tal razão, de prova materialmente proibida e, por isso, ilícita, não podendo a mesma fazer prova em juízo (artº 92º, nº 5, do EOA e artº 125º do C.P.P.);
IV. Por outro lado, ainda, existe erro de julgamento porquanto o tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida quanto à matéria de facto tendente à formação da con­vicção de que o recorrente praticou os crimes pelos quais a final veio a ser condenado. Com efeito, o tribunal a quo refere ter formado a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento e, na au­sência de prova directa dos factos, refere ter lançado mão de prova indirecta ou indi-ciária.
Em qualquer circunstância, mostram-se erradamente julgados os factos provados na sentença em crise sob os números 4., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 25., 26., 28., 29., 30., 31., 32., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50. e 51., o que ocorre por força do errado juízo formulado na mesma relati­vamente aos elementos de prova constantes da documentação referida na fundamen­tação e dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas, associado ao re­curso massivo a prova indirecta e a presunções, o que torna a decisão arbitrária rela­tivamente à globalidade dos factos provados, violando assim o dever de fundamenta­ção;
Uma correcta apreciação e valoração do conjunto da prova produzida neste particular, em especial dos depoimentos das testemunhas que declararam a propósito, cotejados com a prova documental associada, impunha, como impõe, diferente resposta àqueles factos, quando menos com recurso ao princípio universalmente aceite do in dúbio pro reo, com as necessárias consequências relativamente aos crimes pelos quais o arguido foi condenado;
IV. Sem prescindir, considerando que o tribunal a quo recorreu à prova indirecta e a pre­sunções, o que fez de forma massiva relativamente à globalidade dos factos provados, mostra-se violado o dever de fundamentação, pelo que, visto o disposto na al. a) do nº 1 do artº 379º, ex vi nº 2 do artº 374º, a sentença em crise é por isso nula por falta de fundamentação relativamente aos apontados factos provados sob os números 4., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 25., 26., 28., 29., 30., 31., 32., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50. e 51, nulidade que aqui se argui para os devidos e legais efeitos.
VI. Por outro lado, ainda, o tribunal omitiu pronuncia relativamente à inquirição em au­diência da testemunha EE (inquirido em ........2024, pe­las 10:53h a 11:05h), e bem assim ao teor do seu depoimento, o que, visto o disposto na al. c) do nº 1 do artº 379º, constitui nulidade por omissão de pronúncia, que aqui se argui para os devidos e legais efeitos.
VII. Por último, sem prescindir do que deixou dito, entende que em qualquer circunstância as penas de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, e de 500 dias de multa à taxa diária de € 10,00, nas quais o recorrente foi condenado pela prática do crime de burla qualificada na forma tentada e pela prática do crime de insolvência dolosa, respecti­vamente, são excepcionalmente severas, sendo certo que a melhor apreciação da ma­téria de facto provada e uma correcta subsunção da mesma às normas legais aplicáveis não impõe reacção penal de tal monta, mas antes pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução relativamente ao crime de burla tentada e suspensa na sua execução relativamente ao crime de burla tentada e 200 dias de multa à taxa diária de 10,00 pela prática do crime de insolvência dolosa.
I – Da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de condenar o recor­rente pela prática do crime de insolvência dolosa – artº 410º nº 2, al. a) do CPP
a. Sem prejuízo das questões colocadas infra na impugnação ampla que faz da matéria de facto, designadamente quanto à errada formação da convicção de que à data da prática dos factos descritos na acusação o recorrente era administrador de facto da sociedade comercial ..., importa salientar desde já que a matéria de facto dada como assente na sentença em crise é insuficiente para a condenação do mesmo pelo crime p. e p. do artº 227º do Código Penal, razão pela qual, sem mais, deve ser absolvido da prática do referido crime.
b. Com efeito, da matéria de facto provada na sentença resulta que os mesmos não concorreram de nenhuma forma para a declaração de insolvência da ...;
c. o mesmo sucedeu com o crédito reclamado pela ... no processo respectivo, que não foi reconhecido sequer, razão pela qual teve um efeito nulo na referida in­solvência, seja antes ou depois da sua instauração, do seu decretamento ou da com­petente graduação de créditos.
d. Não há, pois, qualquer nexo de causalidade entre a pretensa acção do recorrente e a insolvência da ..., na qual teve um efeito absolutamente inócuo, sendo a matéria de facto insuficiente para a decisão de condenar o recorrente pela prática do referido crime.
II – Há Contradição Insanável da Fundamentação e entre esta e a decisão – artº 410, nº 2, al. b) do C.P.P.
e) A propósito de um eventual reconhecimento judicial do crédito que foi reclamado pela ..., na insolvência da ..., há contradição insanável entre a matéria que foi dada como assente no facto provado sob o nº 35, por um lado, e o que foi levado aos factos assentes sob os nºs 43. e 52., bem assim, o que vem refe­rido no Enquadramento Jurídico-Penal.
III – Da Utilização de Prova Proibida decorrente de depoimento prestado em violação de sigilo profissional
f. O Ministério Público arrolou como testemunha o Senhor Dr. DD1, advogado, que foi inquirido em audiência sobre matéria da acusação, pres­tando depoimento a propósito, de resto na esteira do que já havia feito em inquérito.
g. A referida testemunha respondeu às questões que lhe foram colocadas a propósito de vários aspectos do mandato forense que lhe foi conferido por ...,, designadamente a propósito da matéria constante dos factos provados sob os n.ºs 15., 16., 22., 23., 26., 28., 29. e 30.
h. Fê-lo sem escusa, em violação do segredo profissional a que está obrigado como advogado, nos termos do disposto no artº 92º do Estatuto da ordem dos Advogados, aprovado pelo Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro
i. Na fundamentação da decisão em crise o tribunal a quo consignou que ter formado convicção relativamente aos factos provados sob os nºs 15 e 16 no depoimento as­sim prestado em julgamento elo Senhor Dr. DD.
j. A verdade é que o depoimento de advogado prestado sobre factos abrangidos pelo sigilo profissional constitui prova obtida com violação do referido dever tratando-se, por tal razão, de prova materialmente proibida e, por isso, ilícita, não podendo fazer prova em juízo (artº 92 nº 5 do EOA e 125º do C.P.P.).
k. Assim o depoimento do Sr. Dr. DD deve ser declarado nulo, com as ne­cessárias consequências relativamente à prova decorrente do mesmo da qual o tri­bunal a quo se que serviu para dar como provada matéria assente na decisão em crise sob os números 15., 16., 22., 23., 26., 28., 29. e 30, com as legais consequên­cias
IV – Do Erro de Julgamento relativamente a alguns factos dados como assentes que a final concorreram para a condenação do recorrente – 412º, nºs 3 e 4º do C.P.P.
l. Existe erro de julgamento porquanto o tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida quanto à matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente praticou os crimes pelos quais a final veio a ser condenado.
m. Com efeito, o tribunal a quo refere ter formado a sua convicção com base na valo-ração conjunta e crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento e, na ausência de prova directa dos factos, que reconhece não existir, refere ter lançado mão de prova indirecta ou indiciária, no entanto fê-lo de forma massiva recorrendo a presunções em relação à generalidade dos factos sem o necessário apoio que per­mita concluir como o fez, razão pela qual a decisão em crise tende a ser arbitrária e violadora do principio do in dúbio pro reo e bem assim os artigos 32º da Constitui­ção da República Portuguesa e 125º do CPP.
n) Em qualquer circunstância, mostram-se erradamente julgados os factos provados na sentença em crise sob os números 4., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 25., 26., 28., 29., 30., 31., 32., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50. e 51., o que ocorre por força do errado juízo formulado na mesma relativamente aos elementos de prova constantes da documentação referida na fun­damentação e dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas nuns ca­sos e o recurso intenso e generalizado a prova indirecta com presunções em relação à generalidade dos factos, sem o necessário apoio que permita concluir como o fez, tornando, como disse, decisão em arbitrária e violadora dos princípios do in dúbio pro reo e das garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
A - Desde logo, assim sucedeu com os factos é o caso dos factos erradamente pro­vados na sentença em crise sob os n.ºs 4., 12. e 58.
o. O tribunal fundamentou a tal decisão com o depoimento prestado pela testemunha FF, filha de GG, em especial no relato feito por ela no sentido de que o pai não tinha qualificações para ser adminis­trador de empresas, tendo apenas a quarta classe; que ele tinha um problema grave de dependência alcoólica, mal se percebendo sequer o que dizia; que lhe terá dito que lhe tinham pedido o seu cartão de cidadão e que lhe pediam para assinar documentos, que o pai não sabia o que estava a assinar; que não tinha conhecimento, bem como o seu irmão HH, também filho (germano) de GG, do pai ser administrador de empresas até por falta de qualificação, não só em gestão que era absoluta face às habilitações literárias mas também atenta a área a que as empresas se dedicavam – argamassas e gesso -, sendo o seu pai ..., quando trabalhava, sendo que estavam longos períodos sem o ver, pois o seu pai optou por se entregar à bebida, não tendo obviamente quaisquer condições para gerir uma empresa. O tribunal fundamentou também a decisão com a declaração prestada pela testemunha II, que trabalhou para a ... como responsável do controlo de qualidade no período de 2001 a 2014, que afirmou que o Sr. GG “fazia parte da equipa de manutenção”
p. A verdade é que decorre dos referidos depoimentos que a testemunha FF não teve qualquer contacto com o pai entre os seus 10 anos de idade e até perfazer 37 ou 38 anos, não tendo tido qualquer contacto com ele durante 27 anos, nada sabendo dele
q. Por isso mesmo o depoimento da referida testemunha não permite aferir com qualquer segurança o recorte material ou temporal dos factos que relatou de forma genérica e superficial e dos quais o tribunal se serviu para formar a convicção, seja relativamente ao alcoolismo do pai, seja a propósito dos problemas de que ele se queixava de forma genérica.
r. O mesmo se diga do depoimento do filho HH, que declarou nem sequer falar com o pai sobre qualquer questão da vida dele quando se encontravam ao fim de longos períodos sem se verem, que estima de 2 anos.
s. Acresce que nem a testemunha FF ou o seu irmão HH, sabem con­cretizar a que documentos o pai se referia quando terá desabafado com eles a propó­sito;
t. Como não sabem a quem, e a propósito de quê, ou em que período da vida dele, o pai se referia quando ao fim de quase 30 anos sem privarem desabafou de forma genérica com eles.
u. Mais declararam não conhecer o arguido, sendo que aquela, por o ver ali sentado no banco dos réus, sem mais, o tenha tomado como pretenso o culpado, o pretenso res­ponsável de alguma queixa do pai.
v. A propósito de documentos, acrescentara, que o pai referiu que lhe pediam para assi­nar documentos, que lhe diziam quer não era nada de mal, só sabendo dizer que lhe pediram para assinar, não sabendo dizer quem, quando nem o quê!
w. FF referiu ainda que o pai teve consciência de ter sido gerente.
x. E mesmo que ela, no desconhecimento que lhe advém dos 27 anos sem contacto com o pai, só o associasse à profissão de ..., isso não é impeditivo do exercício de cargos de gerente ou administrador de empresas;
y. Sendo por nisso irrelevante também a afirmação da referida testemunha FF, no sentido de que o seu pai não tinha formação para administrar empresas ligadas ao gesso ou cimento, até porque só tinha a 4ª classe.
z. Em bom rigor, o exercício da gerência ou da administração de empresas não tem qual­quer incompatibilidade com a formação profissional, a profissão de ... ou res­ponsável com a manutenção num qualquer período da vida e nem com o facto do gerente ou administrador só ter a 4ª classe, pois essa foi a matriz do tecido empresarial em ... até há cerca de uma década.
aa) Daí que os depoimentos de FF e HH a propósito da escolaridade e formação do pai (matéria assente no facto n.º 57º), sem saberem o que quer que seja dele ao longo de 27 anos, não tenham a virtude de permitir dar como provado o facto n.º 4, de que GG nunca exerceu de facto o cargo de adminis­trador da ... como referido em no facto provado em 3.º, ou que não exer­ceu a gerência da ..., como erradamente foi dado como assente em 12.º dos factos provados.
bb) A sentença em crise não responde
i. Quem era o patrão ou patrões a quem GG se terá referido genericamente aos filhos quando lhes deu a entender que teria sido enganado?
ii. Em que altura concreta da sua vida ocorreram os factos relativamente aos quais esboçou esses desabafos com os filhos?
iii. E em que aspectos concretos o referido engano ou abuso se terá verificado?
iv. Se a falta de consciência de algum acto que GG praticou em algum mo­mento da sua vida sucedeu em concreto quanto à circunstância de ter assumido a gerência ou a administração de alguma empresa, ou terão sido outros os pro­blemas?
v. Se a alcoolemia de GG perdurou ao longo do período de 27 anos em que não teve contacto com a filha FF? E ao tempo dos contactos esporádicos que teve com o filho HH?
vi. Essa alcoolemia influiu de alguma forma nas responsabilidades que assumiu ao longo da sua vida?
cc) O tribunal refere ter também formado a sua convicção nesta parte a partir do teor dos pedidos de apoio judiciário apresentados por GG junto do ISS, em ........2019 e ........2019, e que foram juntos aos autos pela sua filha FF, no entanto esses não resolvem as questões que se suscitam a propósito dos depoimentos dos seus filhos e que também trespassam a prova sem solução: quem são os patrões a que ali se refere? a que situações em concreto se referem aqueles dizeres? em que altura da sua vida isso sucedeu?
dd) Razões pelas quais, a melhor apreciação da prova produzida a propósito impõe que os referidos factos, que se mostram erradamente julgados, devam ser dados como não provados.
B - Factos erradamente provados sob os n.ºs 15. e 16. – Da gerência e administra­ção de facto do arguido.
ee) Dos autos não resulta nenhuma evidência do exercício em concreto da administra­ção ou gerência de facto das referidas sociedades por parte do arguido, além dos períodos constantes das certidões respectivas, seja por via do depoimento de alguma testemunha, seja por força da assinatura de algum documento, como emissão de cheques, ordens de pagamento ou outros.
ff) No entanto, o tribunal a quo fundamenta a decisão de dar como provada a matéria constante dos pontos 15 e 16 a propósito da pretensa gerência e administração de facto por parte do arguido das sociedades ... e ..., por, no seu entender, não ser normal que alguém saia da gerência e/ou administração de uma empresa e depois volte a entrar e depois volte a sair, como ocorreu no caso dos autos com as várias empresas do grupo empresarial que o arguido constituiu com a sua mulher.
gg) Com efeito, após uma saída em bloco dos três administradores da ... em 2008, com efeitos a ... para o administrador JJ e a ... para o arguido e mulher, foi designado administrador KK, sendo certo que nos ter-mos estatutários é suficiente a assinatura de um administra­dor para obrigar a sociedade, razão que não reclama qualquer alteração estatutária.
hh) Após a renúncia deste em ........2009, a recorrente foi designada administrador, cargo que desempenhou até ........2013, altura em que veio a ser designado admi­nistrador da ... o Senhor GG, para o quadriénio ...-2016.
ii) A propósito, erradamente o tribunal a quo concluiu que GG foi designado administrador “para, obviamente, ficar como representante legal da so­ciedade no processo de insolvência, e antes disso no PER que é requerido um mês depois”. Erradamente o tribunal a quo apreciou esta deliberação da designação de GG como fazendo parte do pretenso plano descrito nos factos dados como provados sob os nºs 17. e ss., tendo seguido o mesmo juízo de presun­ção relativamente à sucessão da gerência da ...
jj) Presumindo, sem qualquer suporte fáctico minimamente sustentável, que o arguido geriu esta sociedade além dos períodos constantes da certidão respectiva, constante de fls. 487 dos autos, até à actualidade e que o fez através de GG, administrador designado na ... em ........2013, e LL, cuja gerência se mostra registada em ........2013, por deliberação de ........2004.
kk) Além dos elementos constantes das respectivas certidões permanentes, só a teste­munha II se pronunciou a propósito quando disse “quando fui para lá o que me foi dito é que o administrador era, segundo me disse­ram era o Eng.º …. Depois nunca mais me preocupei com isso” (cfr. decla­rações prestadas em ........2024, pelas 11:27:h, a min 00:05:03).
ll) Nenhuma outra prova foi produzida a propósito, sendo certo que estamos em pre­sença de presunções que não têm qualquer suporte fáctico mínimo que permita con­cluir dessa forma.
mm) Ao apreciar esta matéria da forma que o fez o tribunal a quo tendeu a cair no arbítrio, o que sucedeu numa clara violação da presunção de inocência do arguido
nn) O tribunal não pode basear a sua decisão exclusivamente em presunções ou provas indiretas, sob pena de violação do princípio in dubio pro reo e da proibição de de­cisões arbitrárias, como acabou por suceder.
oo) A proporcionalidade é essencial para evitar abusos na interpretação de provas cir­cunstanciais, como sucedeu na sentença recorrida
pp) Relativamente à questão da Autoria o tribunal a quo limitou-se a presumi-la total e absolutamente, concluindo sempre com uma facilidade inexorável que o arguido é o autor de tudo quanto o Ministério Público fez constar da acusação, numa arqui­tectura sem qualquer suporte fáctico consistente assente na realidade.
qq) Por outro lado, neste particular erradamente o tribunal a quo louvou-se também no teor do depoimento prestado pelo Senhor Dr. DD em vio­lação do disposto no artº 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, pelo que por economia valem aqui as razões explanadas a propósito no ponto III da presente mo­tivação, nos artigos 19º a 30º supra
rr) Por todo o exposto, feita uma correcta apreciação da prova produzida, também os os factos em crise devem merecer diferente resposta e serem levados ao elenco dos factos Não Provados.
C – Factos erradamente provados sob os n.ºs 17. a 26. e 28. a 31, mas também 36., 45., 46., 48 e 51
ss) O tribunal a quo fundamentou a decisão que tomou relativamente aos factos em causa por considerar ser absurda existência da carta de interpelação de fls. 121.
tt) O arguido nada tem a ver com esse, ou outros factos constantes da acusação e que foram dados como assente na sentença recorrida, pois não foi o seu autor nem in­terveniente nos mesmos a qualquer título, no entanto torna-se imperioso que se de­fenda do errado juízo nesse sentido feito na sentença recorrida.
uu) Importa referir que, contrariando a tese seguida pelo tribunal na sentença recorrida, a testemunha II referiu que estava convencida da exis­tência de um contrato de arrendamento entre a ... e a ....
vv) A verdade é que visto o contrato de arrendamento que haviam celebrado em ........2005 e a circunstância da ..., enquanto senhoria, não haver en­tregue o imóvel à arrendatária ... em ........2005, conforme acordaram , nada tem de absurdo que, estando aquela em mora há 30 dias, com data de ........2006, esta a esta, enquanto arrendatária, tenha remetido àquela a carta de interpelação de fls. 121 dos autos, concedendo-lhe prazo até dia ........2006 para que o locado lhe fosse entregue.
ww) O prazo de 24 dias, primeiro, e os 30 dias que depois foram concedidos na sequência da interpelação feita para entrega das instalações pela senhoria à arrendatá­ria nada tem de absurdo. Se a entrega não fosse viável naqueles prazos, seguramente que as partes não teriam acordado nesse sentido.
xx) O tribunal, não dispõe de qualquer evidência de que houvesse alguma impossibili­dade material para que a entrega fosse feita naquele prazo, pelo que a fundamentação neste particular, como relativamente à quase totalidade dos factos provados, é pura especulação, naturalmente decorrente da prova indirecta ou indi-ciária e do trambolhão da sentença para a decisão arbitrária que tomou.
yy) A matéria de facto provada assenta totalmente em presunções que não têm suporte fático que lhes dê tamanho alcance e a segurança que uma decisão condenatória exige.
zz) Assim é relativamente ao juízo feito na sentença recorrida relativamente a querm decidiu forjar uma dívida (f.p. 17.); redigiu aquilo que pretendeu que parecesse um contrato de arrendamento comercial, apôs como data de celebração (f.p. 18.); redigiu como sendo para parecer o dito contrato de arrendamento (f.p. 19.); apôs pelo seu próprio punho a sua assinatura, na qualidade de representante legal da ..., enquanto senhoria, e no local próprio para a assinatura da arrenda­tária, diligenciou pela aposição daquilo que pretendeu passasse pelas assinaturas dos representantes legais da ... (f.p. 20.); redigiu aquilo que pretendeu pas­sasse por uma carta da autoria da gerência da ..., para a administração da ..., no que apôs a data de .../.../2006 (f.p. 21.); entregou esse suposto contrato e essa suposta carta - que fabricara em ambos os casos - ao Advogado DD (f.p. 22.); DD deu cumprimento às instruções que o arguido AA lhe deu (f.p.23.); redigiu e assinou, no campo aí identificado como sendo da administração da ... aquilo que quis que passasse, como passou, por documento de transacção judicial (f.p. 25); entregou esse suposto documento de transacção judicial a Advogado DD, dando a este instruções para que o fizesse juntar ao Processo n.° 443/12.7… (f.p. 26.); fazendo chegar às mãos do Advogado DD o supra aludido (suposto) contrato de arrendamento, o (suposto) termo de transacção e a sentença judicial homologatória proferida no âmbito do Processo n° 443/12.7…, o arguido AA deu-lhe instruções (f.p. 28.); seguiu igualmente aquilo que o arguido AA quis que parecesse uma declara­ção (f.p. 30.); fez ainda chegar às mãos do dito Advogado uma relação de cre­dores da ..., que foi igualmente entregue junto com o requerimento de processo especial de revitalização, no qual fez constar a ..., como credora (f.p. 31.), sabia (f.p..36.), quis obter (f.p. 45.); praticou os supra descritos factos com intenção conseguida de impedir o ressarcimento dos credores da ... (f.p. 46); agiu como descrito querendo e sabedor de que provocaria a decla­ração de insolvência da ... (f.p. 48); e, fez aquilo que passasse pela assinatura de representante legal da ... (f.p. 51), que invariavelmente para o tribunal a quo tem sempre a mesma resposta: o Recorrente.
aaa) Ainda que tal suceda sem suporte probatório para tanto mas, antes, como decor­rência das presunções, por vezes de presunções, feitas a partir de prova indirecta.
bbb) O princípio da livre apreciação da prova ínsito no artº 127º do C.P.P. permite ao tribunal valorar as provas apresentadas, sejam elas diretas ou indiretas, de forma a formar a sua convicção sobre os factos relevantes para a decisão, no entanto exige-se que a convicção seja racional e fundamentada.
ccc) No entanto, o tribunal não pode basear exclusivamente a sua decisão em pre­sunções ou provas indiretas, sob pena de violação do princípio in dubio pro reo e da proibição de decisões arbitrárias, como é o caso, razão pela qual os factos im­pugnados devem merecer resposta Não Provado.
ddd) X
D – Factos erradamente provados sob os n.ºs 25 e 51.
eee) Erradamente, o tribunal a quo deu como assente que o recorrente foi o autor das assinaturas constantes dos documentos de fls. 127 dos autos.
fff) E fê-lo com base no depoimento da testemunha II, que afiançou a provável, parecença das assinaturas constantes daquela cópia como sendo feitas pelo recorrente.
ggg) Sucede, porém, que além de não ser aceitável o tribunal certificar assinaturas constantes da cópia de um documento junto aos autos com base no depoimento de uma testemunha que diz não ter a certeza do que lhe parece ser, sem que exista a propósito qualquer prova directa ou pericial
hhh) o tribunal cometeu um erro de apreciação da prova que não se compreende de forma nenhuma, justamente porque a questão foi debatida de forma repetida em audiência aquando da inquirição da testemunha II.
iii) Com efeito, quando confrontada em julgamento com a cópia junta a fls. 127 dos autos a testemunha II referiu que a assinatura aposta no local reservado à Autora ..., lhe parecia ser do arguido, não podendo dizer com toda a certeza, mas parecia-lhe.
jjj) No entanto a testemunha havia sido inquirida em inquérito a propósito, sendo certo que nessa inquirição, a fls. 745 vº dos autos, disse “Que apenas conhece a assina­tura em fls. 127 á Ré’, como sendo a do Dr. AA.
kkk) Ainda que a testemunha tenha ressalvado o facto de não poder afirmar com cer­teza que as assinaturas que lhe foram exibidas em audiência sejam efectivamente do arguido, face à contradição existente entre as declarações prestadas pela testemunha em audiência e as que prestou em inquérito a fls. 745 vº, o arguido re­quereu a leitura destas, o que foi feito, tendo a testemunha sido confrontada com elas.
lll) Nessa altura a confusão do tribunal a propósito foi uma evidência que se tentou esclarecer (cfr. II, testemunha, inquirida em ........2024, pelas 11:27h a 12:16h, min 00:00:00 a 00:04:00, a fls. 73 do documento anexo de transcrições da prova oral prestada em audiência), tanto quanto é dado ver, sem sucesso.
mmm) De permeio o signatário requereu o confronto da testemunha com as assinaturas constantes do documento de fls. 62, onde se encontra a assinatura do arguido reco­nhecida notarialmente, sendo certo que a propósito a testemunha referiu que ne­nhuma dessas são do arguido. “Não, estas não são”, disse.
nnn) A testemunha nunca teve a certeza do que afirmou ao longo do tempo, sendo certo que o que disse a propósito foi sempre contraditório: em inquérito referiu co­nhecer a que consta no lugar reservado à Ré no documento de fls. 127 como sendo do arguido; em audiência disse que talvez pudesse ser do arguido a assinatura que consta do lugar reservado à Autora no referido documento; e quando confrontada com a assinatura do arguido que consta dos documentos de fls. 62, que está reco­nhecida notarialmente a fls. 63, 64 e 65, a testemunha disse “Não, es-tas não são”.
ooo) Talvez como decorrência das declarações prestadas a fls. 745 dos autos pela testemunha II, a acusação defendia a tese de que a pretensa assina­tura constante de fls. 127 no lugar reservado à Ré, tinha sido feita pelo arguido e a que se encontra no lugar reservado à Ré teria sido feita por alguém a mando dele (artigos 25º e 26º da mesma).
ppp) Depois das contradições do depoimento da testemunha II torna­das evidentes em audiência, ao invés de dar como não provada a correspondente matéria, como se impunha, o tribunal aproveitou a novidade contraditória revelada em audiência para comunicar a alteração dos factos incluindo o 51º (assim dando como provado que, afinal, também foi o arguido quem assinou o documento de fls. 127 no lugar ali reservado à Autora ..., levando aos factos não provados que tenha sido um terceiro, como constava do artº 26º da acusação.
qqq) O erro de julgamento é evidente! As declarações prestadas a propósito pela tes­temunha II não permitem formar convicção de que o arguido assinou em algum sítio o documento que respeita à cópia junta a fls. 127 dos autos, ou qual­quer outro dos referidos nos factos erradamente provados sob os n.ºs 17 a 32 e 35 a 51.
E –Factos erradamente provados sob os n.ºs 36 a 50.
rrr) O tribunal a quo sustenta a decisão relativa aos factos provados sob os nºs 36 a 50 na sequência “da factualidade objectiva a qual permite com base em presunção natural chegar à motivação do arguido, que não podia ignorar que uma dívida de seis milhões de euros iria causar a declaração de insolvência e prejudicar os de­mais credores.
sss) Fê-lo como decorrência de presunções de presunções, de prova indirecta e indi-ciária, de outra que é indirecta e indiciária.
ttt) De todo o modo, sem prejuízo da questão da autoria dos factos provados, que não se podem assacar ao arguido com segurança, importa referir que a dívida reclamada pela ... na insolvência da ..., que não foi reconhecida, nunca prejudicaria, como não prejudicou, os demais credores desta, porquanto o único imóvel desta estava hipotecado a favor do Banco Assistente que, por isso, tinha garantia real.
uuu) A insolvência da ... não ocorreu por força da dívida que a ... reclamou no processo respectivo, pois foi foi a ..., quem, em ........2013, requereu a mesma. (f.p. 33. e 34.)
vvv) E só “Posteriormente é que a ..., apresentou reclamação de créditos nesse proces-so de insolvência, em consequência do que veio o supra mencionado (su­posto) crédito a ser reconhecido, com natureza comum, no valor global de 7.241.268,50 €, dos quais 6.000.000 €, a título de capital, e 1.241.268 €, a titulo de juros de mora vencidos, nos termos da lista provisória de credores (Apenso 1».” (f.p. 35.)
www) Os factos dos autos não concorreram de nenhuma forma para a declaração de insolvência da ...
xxx) A factualidade objectiva também não permite chegar à pretensa motivação do arguido como o tribunal fez, mostrando-se assim erradamente julgados os factos assentes sob os n.ºs 36 a 50 na sentença, devendo por isso os mesmos serem levados ao elenco dos Não Provados.
yyy) Uma correcta apreciação e valoração do conjunto da prova produzida neste par­ticular, em especial dos depoimentos das testemunhas que declararam a propósito, cotejados com a prova documental associada, impunha, como impõe, diferente res­posta aos factos impugnados, quando menos com recurso ao princípio universalmente aceite do in dúbio pro reo, com as necessárias consequências rela­tivamente aos crimes pelos quais o arguido foi condenado.
V - Da Nulidade da sentença por falta de fundamentação
zzz) O recurso massivo do tribunal a quo à prova indirecta e a presunções relativa­mente à globalidade dos factos provados, é violador do dever de fundamentação, pelo que, visto o disposto na al. a) do nº 1 do artº 379º, ex vi nº 2 do artº 374º, a sentença em crise é nula por falta de fundamentação relativamente aos apontados factos provados sob os números 4., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 25., 26., 28., 29., 30., 31., 32., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50. e 51, nulidade que se argui para os devidos e legais efeitos.
VI – Da Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
aaaa) O tribunal a quo omitiu pronuncia quer em relação ao depoimento prestado em audiência pela testemunha EE, quer relativamente aos factos por ele relatados, razão pela qual, visto o disposto na al. c) do nº 1 do artº 379º, a sentença é nula por omissão de pronúncia, o que aqui se argui para os devi­dos e legais efeitos.
Em qualquer circunstância, sem prejuízo do que deixou dito,
Ainda sem prescindir do que deixou dito,
VII – Do exagero das penas aplicadas
bbbb) Muito embora o recorrente esteja consciente da forte necessidade de se punir com rigor e uniformidade crimes da natureza dos dos autos, vistas as molduras pe­nais abstractamente aplicadas, entende que as penas aplicadas se mostram excepci­onalmente severas;
cccc) Com efeito, uma correcta apreciação da matéria de facto assente, designada­mente o tempo decorrido desde a prática dos factos, o bom comportamento anterior e posterior aos mesmos, a primodelinquência, a inserção familiar, social e profis­sional, e a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artºs. 50.º, n.ºs 1, 71.º, 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. a) 227.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, todos do Código Penal, impõem penas de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de um crime de burla qualificada na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 217º, nº 1 e 218º, nº 2, alínea a) do Código Penal, e multa de 200 dias, à razão diária de € 8,00, no montante global de € 1.600,00, pela prática do crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 227º, nº 1, alínea b) e nº 3 do Código Penal.
* * *
A sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições legais supra citadas (artigos 50.º, n.ºs 1, 71.º, 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. a) 227.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, todos do Código Penal, artigos 125º, 127º, 135º, do Código de Processo Penal, 92º, nº 5 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro e 32º da Constituição da república Portuguesa)
* * *
Considera incorrectamente julgados os seguintes factos:
- os factos provados na sentença em crise sob os números; 4., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 25., 26., 28., 29., 30., 31., 32., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50. 51. e 58 (este na parte em que não concretiza o período em que GG possa ter tido um pro­blema de dependência alcoólica) decorrentes da errada apreciação feita pelo tribunal a quo da prova produzida.
Impõem solução diversa
- uma melhor apreciação do conjunto da prova produzida, designadamente
i. das certidões permanentes de folhas 484, 487, 850 e 856;
ii. do contrato de arrendamento de fls. 115
iii. da transacção judicial de fls. 127
iv. da declaração de fls. 24 dos autos
v. da inquirição da testemunha II a fls. 745
vi. documentos de fls. 62, 63, 64 e 65 dos autos
vii. do requerimento de aprovação de plano de recuperação de fls. 21;
viii. da declaração de divida datada de ........2013, de fls. 24;
ix. da lista de credores de fls. 25;
x. da certidão do e fls. 41 a 46;
xi. da certidão da escritura de compra e venda e mutuo com hipoteca do prédio de ..., de fls. 49 a 61;
xii. da cópia da livrança de fls. 66 e 67;
xiii. da escritura rectificativa de fls.70 a 74;
xiv. dos aditamentos ao contrato de mutuo de fls. 75 a 96;
xv. da petição inicial subscrita pelo advogado Dr. DD, de fls. 111 a 114;
xvi. do contrato de arrendamento de fls. 115 a 120;
xvii. da carta de interpelação de fls. 121;
xviii. do termo de transacção judicial, datado de ........2012, de fls. 127;
xix. do despacho judicial homologatório de transacção proferido no âm­bito do proc. nº 443/12.7… de fls. 129 e 130;
xx. da certidão permanente da sociedade ..., a fls. 131 e ss;
xxi. das actas 13 e 14, respectivamente de ........2013 e ........2013, a fls. 655 e 647;
xxii.
da certidão permanente da sociedade ... a fls. 170 a 188;
xxiii. da deliberação de ........2004, que conta a fls. 608;
xxiv. da acta de fls. 606;
xxv. da acta de fls. 591;
xxvi. da carta de renúncia de fls. 190;
xxvii. do requerimento de insolvência da sociedade ..., subscrito por ... e a sentença de declaração de insolvência da mesma proferida a ........2014, no âmbito do proc. nº 622/13.OTBCTX, a fls 811 a 828;
xxviii. da acta de assembleia de credores realizada no âmbito deste processo de insolvência de fls. 829 a 837;
xxix. da certidão da sentença de reclamação de créditos proferida no âmbito do proc. nº 622/13.0…;
xxx. da reclamação de créditos da sociedade ...;
xxxi. das facturas juntas pelo Senhor Administrador Judicial do processo de insolvência, no decurso da audiência; e
xxxii. dos pedidos de apoio judiciário de MM, juntos pela filha na sequência do seu depoimento em audiência.
- e toda a documental junta aos autos cotejada como o teor das passagens que se encontram concretamente identificadas no corpo da presente motivação respeitantes às declarações e depoimentos ali referidos e prestados por:
i. NN, testemunha, inquirido em ........2024, pelas 10:16h a 11:25h, nomeadamente declarações pres­tadas a min 00:09:00
ii. II, testemunha, inquirida em ........2024, pelas 11:27h a 12:16h, a min pelas 11:27h a 12:16h, nomeadamente declarações prestadas a min 00:00:00 a 00:04:00, 00:04:50, 06:45 a 00:08:00, 00:08:00 a 00:12:00, 00:18:00 a 00:19:40
iii. II, testemunha, inquirida em ........2024, pelas 11:27h a 12:16h, nomeadamente declarações prestadas pelas 11:50h, min 00:00:00 a 00:04:00, a fls. 73 do documento anexo de transcrições da prova oral prestada em audiência;
iv. DD, advogado, testemunha, inqui­rido em 27.05.2024, pelas 11:00h a 11:22h, designadamente a min 00:05:30 a 00:07:00, constante de fls. 137 e ss do anexo de transcrição da prova oralmente produzida em julgamento
v. HH, testemunha, inquirido em 27.05.2024, pelas 11:35h a 11:40h, designadamente a minutos 00:00:00 a 00:04:31
vi. FF, testemunha, inquirida em 27.05.2024, pelas 11:41h a 12:00h, designadamente a minutos 00:00:00, 00:01:35 a 00:03:00, 00:06:00, 00:07:30
vii. EE, testemunha, inquirido em ........2024, pelas 10:53h a 11:05h.
viii. AA, arguido, declarações em, ........2024, pelas 09:27h a 10:07h e 11:18h a 11:18h
- A correcta apreciação do conjunto da prova levará, necessariamente, a uma diferente resposta aos factos em crise, com as legais consequências, como é de justiça.
* * *
Em suma:
- há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- há contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão;
- na formação da convicção íntima o tribunal a quo socorreu-se de prova proi­bida, concretamente de depoimento prestado com violação de segredo profis­sional;
- há errada valoração do conjunto da prova produzida e, consequente, erro de julgamento quanto aos factos tendentes a condenação do recorrente pelos cri­mes pelos quais veio a ser condenado.
- A sentença é nula por falta de fundamentação;
- E também por omissão de pronuncia
- deve revogar-se a sentença recorrida e substituí-la por acórdão que faça uma correcta apreciação e valoração da prova produzida com as legais consequên­cias.
Por último, por cautela, ainda sem prescindir,
- As penas aplicadas são exageradas, devendo sofrer redução e fixação nos ter­mos pelos quais se pugna supra na presente motivação.
Assim é de J U S T I Ç A!
4- O recurso foi admitido na 1ª instância, por despacho de 22-01-2025.
5- O Ministério Público na 1ª instância, apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso, tendo terminado a sua resposta com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
1 – Como bem se refere na Sentença proferida, em particular nos pontos 41) a 49) e 51) a 55) – mas acrescentaremos nós também de quase toda a factualidade provada – os factos provados são suficientes e integram a prática pelo arguido de um crime de insolvência dolosa p. e p. pelo artº 227º nº 1 al. b) e nº 3 do Cód. Penal.
2 – Inexiste qualquer contradição, muito menos insanável, entre a fundamentação e entre esta e a decisão.
3 – Não se verificou qualquer violação do dever de sigilo profissional por parte da testemunha DD que quando questionada sobre algum aspecto mais em concreto da relação Advogado / cliente sempre foi – conforme se salienta na Sentença a fls. 22 – “muito evasivo”, limitando-se basicamente a confirmar ter elaborado e dado entrada da petição inicial no processo cível nº 443/12.7… e a submeter nesses mesmos autos o termo de transacção, documentos esses que constam dos autos.
4 – Da exaustiva e bem elaborada fundamentação da matéria de facto que supra se transcreveu, bem como da prova documental resultante dos autos e daquela que foi produzida em sede de Audiência de Julgamento, não resulta existir qualquer erro na apreciação da prova.
5 – Inexiste qualquer nulidade da Sentença recorrida por falta de fundamentação relativamente a qualquer ponto da matéria de facto dada como provada.
6 – Inexiste qualquer nulidade da Sentença recorrida por omissão de pronúncia.
7 – Atendendo ao caso concreto, afigura-se-nos que os tipos de pena (prisão suspensa na respectiva execução e multa) e as medidas concretas das mesmas em que o arguido foi condenado se mostram adequadas, quer aos factos provados, quer às necessidades de prevenção geral e especial e à culpa do agente
8 – Atento o exposto verifica-se que a Douta Decisão recorrida não viola qualquer das disposições legais invocadas pelo recorrente ou outras.
9 – Em consequência, deve manter-se na íntegra a Douta Sentença recorrida, a qual faz a correcta apreciação dos factos provados e aplica o direito em conformidade.
Assim se decidindo, será feita JUSTIÇA
6 - Nesta Relação, o Sr. Procurador Geral Adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P, emitiu parecer, onde acompanha o entendimento preconizado na resposta ao recurso do M.P na 1ª instância, que se transcreve em resumo: “(…) As questões suscitadas no recurso foram adequadas e sustentadamente analisadas e rebatidas, e que aqui se dão por reproduzidas. Aderimos aos argumentos constantes da resposta apresentada pelo Ministério Público na primeira instância que, por merecerem o nosso acolhimento, nos dispensam, por desnecessário de mais desenvolvidos considerandos.
Face ao exposto, emite-se o parecer no sentido de que:
Será de improceder o recurso em análise, mantendo-se a decisão recorrida.”
7- Foi oportunamente cumprido o artº 417º/2 do C.P.P, não tendo sido oferecida resposta.
8- Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II - Questões a decidir
Delimitação do objecto do recurso
É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (artº 410º nº 2 e 3 do C.P.Penal).
Por outras palavras, do artº 412º/1 do C.P.P, resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso (neste sentido vide Germano Marques da Silva em “Curso de Processo Penal”, III, 2ª edição, 2000, pág. 335 e Acs do S.T.J de 13.5.1998 in B.M.J 477-263; de 25.6.1998 in B.M.J 478º-242 e de 3.2.1999 in B.M.J 477º-271), exceptuando aquelas que são do conhecimento oficioso (cf artº 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do C.P.P e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J de 19.10.1995 in D.R, I - série de 28.12.1995).
Assim, as questões a apreciar por este Tribunal ad quem, são as seguintes:
A) Imputação à sentença recorrida dos vícios da falta de fundamentação e de omissão de pronúncia, que determinam a nulidade daquela decisão, nos termos previstos no artº 379º 1 a) e c), em conjugação com o preceituado no artº 374º/2 do CPP;
B) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto – houve erro de julgamento, sendo que a decisão recorrida padece dos vícios previstos no artº 410º/2 do CPP, nomeadamente:
- Existe insuficiência da matéria de facto provada relativamente ao crime de insolvência dolosa (vício da insuficiencia da matéria de facto provada para a decisão previsto no artº 410º/2 a) do CPP);
- Existe contradição insanável na fundamentação e entre esta e a decisão, relativamente a factos susceptíveis de integrar o crime de insolvência dolosa (vício previsto no artº 410º/2 b) do CPP);
- Existe erro notório na apreciação da prova produzida (vício previsto no artº 410º/2 c) do CPP).
C) Imputação à sentença recorrida da nulidade resultante do Tribunal a quo ter feito uso de prova proibida, assim formando a sua convicção, com base no depoimento da testemunha DD, Advogado do arguido, sujeito ao dever de sigilo profissional;
D) Impugnação do quantum das penas concretas aplicadas na 1ª instância, as quais considera excessivas
III- Fundamentação de Facto
A decisão recorrida
Na sentença recorrida o Tribunal a quo considerou provado o seguinte:
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) Factos Provados
Da instrução e discussão da causa e com interesse para a boa decisão da mesma resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido AA foi, no período compreendido entre .../.../2009 e .../.../2010, administrador da sociedade comercial ..., tendo, por carta datada de .../.../2010, renunciado a esse cargo.
2. A referida sociedade comercial encontra-se registada sob o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e tem como objecto social a indústria de argamassas e sede na ....
3. No entanto, apenas através da Ap. n.° ... de .../.../2013, e na sequência da deliberação tomada na Assembleia Geral a que se refere a Acta n.° ..., de .../.../2013, foi nomeado novo como administrador da referida sociedade GG.
4. GG nunca exerceu de facto o referido cargo.
5. No dia .../.../2002, o arguido AA representou, na qualidade de Presidente dos respectivos Conselhos de Administração, as sociedades comerciais ... e ..., na escritura de compra e venda, com mútuo e hipoteca, através da qual a primeira vendeu à segunda, pelo preço de 19.079,02 €, o prédio urbano sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.° ....
6. Nessa escritura, o arguido AA declarou designadamente, em representação da ..., aceitar o mútuo concedido no montante de 4.000.000 € concedido pela ..., Sucursal em Portugal (de ora em diante ...), instituição de crédito com sede na ..., e constituir hipoteca a favor desta entidade sobre o referido imóvel para garantia do crédito concedido, dos juros remuneratórios e de mora relativos a três anos e das despesas judiciais e extra judiciais, até ao valor de 5.286.080€.
7. No dia .../.../2002, o arguido AA subscreveu em representação da ..., contrato de penhor com a ..., referente a vários equipamentos pertencentes àquela sociedade, que administrava (de facto e de direito), «para garantia do bom e pontua) cumprimento de todas as obrigações decorrentes para a MUTUÁRIA do contrato de mútuo com hipoteca» celebrado nesse dia.
8. O arguido AA e a sua mulher OO subscreveram a livrança n° ..., para garantia do crédito concedido em .../.../2002.
9. O arguido AA foi também gerente da sociedade comercial denominada ..., no período compreendido entre .../.../2009 e .../.../2010, tendo renunciado a esse cargo por carta datada de .../.../2010.
10. A ..., encontra-se registada sob o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e tem como objecto social a fabricação de gessos e outros materiais de construção e sede na ....
11. Através de deliberação tomada na Assembleia Geral a que se refere a Acta n° ..., de .../.../2010, foi nomeado gerente da ..., GG, sem que essa nomeação tenha sido sujeita a apresentação a registo.
12. GG nunca exerceu, nem de facto, nem de direito, a gerência desta sociedade.
13. Através da Ap. n.° 8, de .../.../2013, foi registada a nomeação de PP como gerente da ..., por deliberação de .../.../2004.
14. LL faleceu em .../.../2006.
15. Entre a data da constituição da ..., e a actualidade, o arguido AA vem exercendo a gerência de facto da ...
16. Entre a data da sua constituição e a da declaração da respectiva insolvência, AA exerceu a administração de facto da ...
17. Em data não concretamente apurada, mas anterior e próxima a .../.../2012, o arguido AA, conhecedor da situação de dificuldades financeiras da ... - a qual, em face dos seus activos e dos resultados da sua actividade se encontrava impossibilitada de solver nos prazos concedidos pelos seus credores as suas dívidas - decidiu forjar uma dívida desta sociedade comercial para com a ..., de modo a assegurar que esta teria voto decisivo na tramitação do processo de insolvência que viesse a ser instaurado e que os montantes e activos aí conseguidos seriam, na sua maioria, pagos a esta última sociedade comercial, com prejuízo dos demais credores.
18. Em execução do plano previamente delineado, em data não concretamente apurada, mas anterior e próxima a .../.../2012, o arguido AA redigiu aquilo que pretendeu que parecesse um contrato de arrendamento comercial celebrado entre as sociedades comerciais ... (na qualidade de senhoria) e a ... (na qualidade de arrendatária), no que apôs como data de celebração a de .../.../2005, e que estas sociedades comerciais eram representadas pelo administrador e gerente, com poderes para o acto.
19. Nos termos daquilo que o arguido AA redigiu como sendo para parecer o dito contrato de arrendamento, constava que:
I. a ... daria de arrendamento á ..., os bens imóveis correspondentes a (i.) uma morada de casas térreas, destinada a habitação, com área de 75,50 m2 (artigo matricial n.° 246, da ...) e (II) uma fábrica de argamassas, com área de 11.800 m2 (artigo matricial n° 1509, da ...).
II. Como contrapartida, a ..., pagaria á ..., a quantia de 17.000€ a titulo de renda mensal.
III. A duração desse arrendamento seria de 30 anos.
IV. «Caso a senhoria não cumpra o estipulado no presente contrato, não faça a entrega das instalações na data acordada, faça cessar o contrato antecipadamente, impeça ou dificulte o acesso da arrendatária, dos seus clientes, transportadores, ou outros parceiros comerciais ás instalações, promova obras ou alterações que inviabilizem ou dificultem a actividade da arrendatária, deverá aquela indemnizar a arrendatária, cabendo a esta apurar o valor, utilizando á sua escolha uma das seguintes formas:
1. Pelo valor das rendas que faltarem até ao final do contrato.
1. pelo apuramento dos prejuízos reais, devidamente justificados e documentados.»
20. De seguida, naquilo que o arguido AA elaborou, o mesmo apôs pelo seu próprio punho a sua assinatura, na qualidade de representante legal da ..., enquanto senhoria, e no local próprio para a assinatura da arrendatária, diligenciou pela aposição daquilo que pretendeu passasse pelas assinaturas dos representantes legais da ...
21. Em data não concretamente apurada, mas anterior e próxima a .../.../2012, o arguido AA, de modo a atestar o suposto incumprimento do suposto contrato acima descrito, redigiu aquilo que pretendeu passasse por uma carta da autoria da gerência da ..., para a administração da ..., no que apôs a data de .../.../2006, com o seguinte teor:
«Vimos junto de V Exas manifestar o nosso desagrado pelo incumprimento de V. Exas. do contrato de arrendamento que celebraram com a nossa empresa em ........2005.
«Chamamos a vossa atenção para o n° I da cláusula 4° do referido contrato, onde ficou estipulado que V. Exas. nos entregariam a fábrica no dia ... de ... de 2005.
«Passado um mês ainda não nos entregaram a fábrica, nem podem avançar uma data para a entrega da mesma.
«Como já vos referimos anteriormente, a nossa empresa já assumiu compromissos com clientes e fornecedores que não estamos a cumprir por não termos a exploração da fábrica.
«Pelos motivos atrás referidos, não temos alternativa senão conceder-vos um último prazo, até ao próximo dia ... para nos entregarem a fábrica desimpedida, completamente operacional, e em condições de podermos iniciar a produção dos nossos produtos.
«Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos. «De V. Exas. atentamente»
22. Após, o arguido AA entregou esse suposto contrato e essa suposta carta - que fabricara em ambos os casos - ao Advogado DD, a quem deu instruções para, em nome da ..., instaurar uma acção declarativa de condenação contra a ..., onde peticionasse o reconhecimento judicial do incumprimento do referido (suposto) contrato de arrendamento e a condenação desta segunda no pagamento da quantia prevista na cláusula a que atrás se fez referência - em 19, IV. -, a liquidar em execução de sentença.
23. O Advogado DD deu cumprimento às instruções que o arguido AA lhe deu, fazendo a ..., instaurar em .../...22012 uma acção declarativa de condenação contra a ...., com fundamento no incumprimento do (suposto) supra mencionado contrato.
24. Acção, essa, que veio a correr termos nas então denominadas Varas Cíveis de Lisboa, com o número de processo 443/12.7….
25. Em data anterior e próxima a .../.../2012, o arguido AA redigiu e assinou, no campo aí identificado como sendo da administração da ... aquilo que quis que passasse, como passou, por documento de transacção judicial, segundo o que esta sociedade comercial reconheceu perante a ..., ser devedora da quantia de 6.000.000 € e se obrigou a pagá-la em vinte e quatro prestações semestrais, cada uma no valor de 250.000€, vencendo-se a primeira destas em .../.../2012.
26. Após o arguido AA entregou esse suposto documento de transacção judicial a Advogado DD, dando a este instruções para que o fizesse juntar ao Processo n.° ., o que este fez em .../.../2012.
27. Em .../.../2012 foi proferida sentença homologatória da referida transacção no âmbito desse Processo n° 443/12.7….
28. Após .../.../2012, fazendo chegar às mãos do Advogado DD o supra aludido (suposto) contrato de arrendamento, o (suposto) termo de transacção e a sentença judicial homologatória proferida no âmbito do Processo n° 443/12.7…, o arguido AA deu-lhe instruções no sentido deste, em nome da ..., apresentar em tribunal requerimento de processo especial de revitalização, o que ocorreu.
29. Assim, na sequência disso, deu entrada requerimento que deu origem ao Processo n° 1173/13.8..., do Tribunal do Comércio de Lisboa instruido com esses aludidos documentos.
30. Com o supramencionado requerimento seguiu igualmente aquilo que o arguido AA quis que parecesse uma declaração subscrita por GG, na qualidade de legal representante da ... (como devedora) e por um terceiro cuja identidade não se apurou, na suposta qualidade de representante legal da ... (enquanto credora), o que previamente também aquele havia feito chegar às mãos do Advogado DD, com o seguinte teor:
«DECLARAÇÃO
«Art° 17°C da Lei n.° 162012, de ...
«... pessoa colectiva n.° ..., com sede em …, e ..., pessoa colectiva n.° ..., com sede em ..., vêm, nos termos e para os efeitos da disposição legal acima indicada, declarar o seguinte:
«1-A Primeira deve à Segunda a quantia de € 6.000.000,00 (seis milhões de Euros) «2 - A Segunda sabe que a Primeira não tem condições de pagar, de uma só vez a quantia em causa, pois existem débitos a outras entidades. «3 -Sabendo que a Primeira tem necessidade de um plano de revitalização, afim de conseguir solver os seus compromissos, pela presente declaram, credora e devedora, que, nesta data, encetaram negociações conducentes à revitalização da devedora, com vista à elaboração de um plano de reestruturação e pagamento das dívidas.
«A presente declaração vai ser assinada pelos declarantes, devendo a Primeira adoptar os procedimentos previstos no n°3 do art° 17°C da Lei 16/2012, de ....
«…, ... de ... de 2013.
«A Devedora
«A Credora»
31. O arguido AA fez ainda chegar às mãos do dito Advogado uma relação de credores da ..., que foi igualmente entregue junto com o requerimento de processo especial de revitalização, no qual fez constar a ..., como credora daquela sociedade comercial, no montante de 6.000.000 €, com natureza comum.
32. Posteriormente, na sequência do que atrás se descreve, no âmbito desse processo especial de revitalização, o suposto crédito da ..., foi incluído na lista provisória de créditos, no montante de capital de 6.000.000 €, acrescido de juros de mora, no valor de 490.387,26€, perfazendo o total de 6.490.387,26€.
33. Em .../.../2013, a ..., requereu a declaração de insolvência da ..., tendo assim dado origem ao processo de insolvência que correu termos no juízo de ..., da ..., sob o n° 622/13.0....
34. Nesse processo de insolvência, foi proferida sentença de declaração de insolvência da ..., em .../.../2015, que transitou em julgado em .../.../2015.
35. Posteriormente, a ..., apresentou reclamação de créditos nesse processo de insolvência, em consequência do que veio o supra mencionado (suposto) crédito a ser reconhecido, com natureza comum, no valor global de 7.241.268,50 €, dos quais 6.000.000 €, a título de capital, e 1.241.268 €, a titulo de juros de mora vencidos, nos termos da lista provisória de credores (Apenso 1».
36. O arguido AA sabia que aquilo que quis que parecesse um contrato de arrendamento, com data de .../.../2005, não correspondia à verdade no seu teor, bem como sabia que, por isso, nunca existiu a supra mencionada dívida da ..., para com a ...
37. Não obstante, e sempre em execução do plano que mental e previamente traçou, nos termos sobreditos, o arguido AA fez instaurar a acção declarativa com o Processo n.° 443/12.7..., fazendo com que a mesma fosse instruída com os supra referidos documentos e nela fez igualmente apresentar o requerimento com os termos da (suposta) transacção judicial entre as partes desse processo, a qual também sabia nunca ter ocorrido, por carecer de fundamento e justificação de facto e de direito.
38. Agindo do modo que aqui se descreve, o arguido AA agiu com o propósito concretizado de criar no magistrado judicial a quem os autos - que mereceram o n.° 443/12.7… - viessem a ser distribuídos, a errada convicção de que a instauração de tal acção representava o legitimo recurso aos tribunais por parte da ..., e evitar que este suspeitasse de que a..., nunca iria contestá-la e que, desse modo, se pretendia obter pela via descrita o reconhecimento judicial de uma dívida que sabia não existir, tendo origem no incumprimento de um contrato de arrendamento o qual igualmente também nunca existiu.
39. Isto, para levar o referido magistrado judicial a não suspeitar que proferia decisão judicial a reconhecer dívida inexistente e impedi-lo de lançar do disposto no artigo 612°, do Código de Processo Civil.
40. Com base no plano que traçou mentalmente e nos factos praticou nos termos supra descritos, o arguido AA conseguiu que tal (não existente) dívida fosse erradamente reconhecida através da sentença homologatória proferida em .../.../2012 pelo magistrado judicial titular do Processo n.° 443/12.7….
41. Mais sabia o arguido AA que a não existente divida de 6.000.000 € da ..., para com a ..., em virtude do seu elevado montante, seria adequada a representar um indicio da falta de solvabilidade daquela sociedade comercial, pelas dificuldades no seu pagamento, e, também, que colocaria em causa a possibilidade de satisfazer nos termos legais os restantes credores das quantias que lhes eram devidas, a ponto de vir a ser declarada insolvente, por sentença de .../.../2015, transitada em julgado em .../.../2015.
42. Não obstante, com a conduta descrita, e em execução de um plano mental e previamente delineado, o arguido AA agiu com o propósito conseguido de forjar uma dívida no montante de 6.000.000 €, colocando falsamente a …. SA, numa situação de impotência económica e de impedir que os restantes credores viessem a ser pagos das quantias que lhes eram devidas.
43. Sabia ainda o arguido AA que, arrogando-se a titularidade de um crédito de 6.000.000 €, reconhecido judicialmente, poderia, através da ..., decidir os destinos do activo da ..., com prejuízo dos interesses dos seus legítimos credores, e assegurar que a maior parcela do resultado da liquidação do património desta viria a ser entregue àquela sociedade comercial, que igualmente o arguido AA controlava, detinha e geria de facto, o que ainda não ocorreu por motivos alheios à sua vontade, mais concretamente porque o Processo n.° 443/12.7... não chegou ainda ao seu termo.
44. O arguido AA bem sabia ser inexistente a supra mencionada divida de 6.000.000 € da ..., para com a ...
45. Quis então o arguido AA obter deste descrito modo aquela quantia em dinheiro para si e para a ..., sem que um ou outro a ela tivesse direito, do que bem tinha conhecimento, à custa do património da ..., em prejuízo dos verdadeiros credores desta, o que não ocorreu ainda, por motivos alheios à sua vontade, pelas razões sobreditas.
46. O arguido praticou os supra descritos factos com a intenção conseguida de impedir, o devido ressarcimento dos credores da ..., atento o património desta, dada a declaração de insolvência desta sociedade comercial, por sentença de .../.../2015, transitada em julgado em .../.../2015.
47. Com a conduta supra descrita, sabia o arguido AA que era a mesma apta e adequada, como quis e sabia ser consequência directa dos seus actos, a colocar os credores da ..., na impossibilidade de se fazerem pagar das quantias que lhes eram devidas, impedindo que estes conseguissem obter a cobrança dos seus créditos à custa dos bens daquela sociedade comercial, objectivo que conseguiu alcançar nos termos sobreditos, com a supra referida declaração de insolvência.
48. O arguido AA agiu como descrito querendo e sabedor de que com a inscrição da (suposta) dívida de 6.000.000 € a cargo da ..., a favor da ..., provocaria a declaração da insolvência daquela, face a esse valor e dos restantes montantes em divida, perante o valor do património de que a ..., passava a dispor em consequência dos seus actos, o que conseguiu.
49. O arguido AA, enquanto titular das vontades e dos interesses da ..., e ..., praticou os actos acima descritos com intenção de lesar o património daquela e indevidamente beneficiar o desta e o dele próprio e fê-lo com o propósito de satisfazer os seus interesses pessoais e os da ..., com o intuito concretizado de lesar patrimonialmente os credores daquela sociedade comercial.
50. Agiu, o arguido AA, em nome pessoal e em representação e no interesse da arguida ..., voluntária e conscientemente, bem sabendo ser a sua descrita conduta proibida e punida por lei.
Mais se provou:
51. Seguidamente ao aludido em 25, o arguido AA fez aquilo que passasse pela assinatura de representante legal da ...
52. No âmbito do proc. nº 622/13.0… foi proferida sentença de graduação de créditos, transitada em julgado em ........2023, na qual o crédito da ...sobre a sociedade ...não foi reconhecido, por não terem resultado provados os seguintes factos: m) Insolvente, na qualidade de senhoria, e ..., como arrendatária celebraram em ... de ... de 2005, um contrato de arrendamento da fábrica explorada pela insolvente, o qual teria início em ... de ... de 2005, com a entrega do imóvel pela insolvente à ..., mediante o pagamento de renda mensal no valor de € 17.000,00, conforme documentos juntos com a impugnação de Abanca com a referência 2027367, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; n) Na data acordada a insolvente não entregou o imóvel à ..., pelo que ... interpelou a insolvente, com vista ao cumprimento do negócio ou à conversão do incumprimento em definitivo, conforme documentos juntos com a impugnação de Abanca com a referência 2027367, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, conferindo-lhe o prazo limite até .../.../2006; o) A insolvente não efectuou qualquer pagamento a ... por força do acordo referido em 15) dos factos provados; p) O comportamento da insolvente e da ... já alvo de denúncia junto das entidades competentes, aguardando os autos, que correm termos sob o n.º 6549/13.8..., ulteriores termos; q) Abanca, à data ainda denominada ..., teve conhecimento do negócio existente entre a insolvente e a credora ..., e foi por instruções da própria ..., que foi feito a referida Transação Judicial, com a concordância da devedora, de forma a evitar o pedido de INSOLVENCIA, e permitir a reestruturação bancária da mesma, no interesse da ...
53. Nesta sentença também não se reconheceram os créditos de ..., da ..., da ... e da ..., empresas constituídas, adquiridas e/ou geridas pelo arguido e que constavam da lista de credores que a Insolvente apresentou no PER, por não se ter demonstrado a existência dos contratos que fundamentavam tais créditos.
54. No processo de insolvência foi apreendido um único bem – o imóvel indicado no ponto 5.
55. O processo de insolvência encontra-se na fase de rateio, não sendo o valor do bem imóvel suficiente, nem sequer para o pagamento ao credor hipotecário.
56. GG faleceu em ........2021.
57. GG tinha a 4ª classe, era ...
58. Tinha um problema de dependência alcoólica vivendo afastado dos filhos.
59. O arguido exerce a profissão de ..., declarando tirar um rendimento mensal mínimo de € 1.000,00, que oscila.
60. Vive na casa da filha com a mulher e uma filha com 33 anos, dependente.
61. De habilitações literárias tem uma licenciatura em ....
62. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
Quanto aos factos não provados, ficou consignado na sentença o seguinte:
B) Factos Não Provados
Com relevância para a decisão da causa não resultaram provado os seguintes factos:
a) Seguidamente ao aludido em 25, o arguido AA fez com terceira pessoa, de identidade não apurada, aquilo que ambos quiseram que passasse pela assinatura de representante legal da ...
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de facto nos seguintes termos (com sublinhados nossos):
D) Motivação
O Tribunal formou a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
O arguido advertido do direito ao silêncio optou por prestar declarações no final da produção de prova, tendo negado os factos que lhe são imputados.
A circunstância do arguido negar a prática dos factos, só por si não releva, pois o Tribunal pode lançar mão da demais prova, designadamente da prova indirecta ou indiciária e das regras da experiência comum e da lógica.
Cumpre assinalar como refere Marques Ferreira “O Código de Processo Penal normativizou cuidadosamente a matéria atinente à prova quer em termos genéricos quer de forma específica ... de onde ressalta ... a preocupação de acatamento dos imperativos constitucionais relativos à dignidade pessoal e integridade física do cidadão e intimidade da vida privada que é legitimo esperar de um processo penal no quadro de um Estado de Direito Democrático e Social em que a justiça seja alcançada exclusivamente por meios processualmente válidos e efectivamente controláveis”2
No entanto, salvas as referidas limitações em que a apreciação da prova é normativizada vigora, como princípio geral no âmbito da apreciação das provas, o principio fundamental da livre apreciação acolhido, de forma expressa no artigo 127º do CPP.
A livre convicção é uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores ... o julgador, em vez de se encontrar ligado por normas prefixadas e abstractas sobre a apreciação da prova, tem apenas de se subordinar à lógica, à psicologia e às máximas da experiência3
Nos termos do disposto no artº 125º do CPP, em processo penal, são admissíveis, todas as provas não proibidas por lei.
Nos autos, não há testemunhas presenciais dos factos.
Contudo, reunidos os vários factos instrumentais, pode afirmar-se consistentemente a convicção de que o arguido praticou os factos supra elencados.
Efectivamente, a prova indirecta que resultou da prova produzida em julgamento foi bastante para convencer o Tribunal, dando como provados os factos supra elencados.
Assim e apesar da prova circunstancial e indiciária (hoc sensu, de factualidade instrumental) por si, isoladamente, não ter, nem dever ter qualquer valor, porquanto não é prova directa, a verdade é que os diversos indícios e circunstancialismos apurados em sede de audiência de julgamento, constituíram fonte de convencimento e de convicção, pois todos em conjunto, constituíram uma prova, conseguida com a lógica conjunção de uns nos outros.
Assim, para a prova dos factos dados como provados e constantes dos pontos 1 a 3, 5, 11, 13, 14, 24, 27, 32 a 35, 52 a 55, o Tribunal formou a sua convicção com base na prova documental junta aos autos, designadamente, o requerimento de aprovação de plano de recuperação no âmbito de processo especial de revitalização que deu entrada em juízo em ........2013 de fls. 21, a declaração de divida datada de ........2013, de fls. 24, a lista de credores de fls. 25, a certidão do proc. 1173/13.8... que constitui o apenso V, a reclamação de créditos do Assistente de fls. 41 a 46, a certidão da escritura de compra e venda e mutuo com hipoteca do prédio de ..., de fls. 49 a 61, cópia da livrança de fls. 66 e 67, onde consta como subscritora, a sociedade ... e como avalistas, o arguido, a mulher e a sociedade ... representada pelo arguido a escritura rectificativa de fls.70 a 74, os aditamentos ao contrato de mutuo de fls. 75 a 96, a petição inicial subscrita pelo advogado Dr. DD, de fls. 111 a 114, o “contrato de arrendamento” de fls. 115 a 120, a “carta de interpelação” de fls. 121, “termo de transacção judicial” datado de ........2012, de fls. 127, despacho judicial homologatório de transacção proferido no âmbito do proc. nº 443/12.7… de fls. 129 e 130, certidão permanente da sociedade ...., a fls. 131 e ss, de onde resulta que foi registada a nomeação de GG como novo administrador através da Ap. … e as actas … e …, respectivamente de ........2013 e ........2013, a fls. 655 e 647, certidão permanente da sociedade .... a fls. 170 a 188, onde consta que através da Ap. 8/20130527 foi registada a nomeação de LL como gerente da sociedade de acordo com a deliberação de ........2004, que conta a fls. 608 e na qual LL representa a sócia ..., acta ... desta sociedade de ........2010, a fls. 606, onde consta a renuncia do arguido à gerência da sociedade e a nomeação de GG como gerente, actos não levados ao registo, acta nº 1/2008 , desta sociedade, a fls 591, desta sociedade onde foi deliberado aceitar o pedido de renúncia ao cargo de gerente do arguido, carta de renúncia do arguido ao cargo de gerente do arguido da sociedade ..., datada de ........2007 e com efeitos a ........2007, a fls. …, acta nº ..., de ........2009, desta sociedade, onde consta a nomeação do arguido para gerente com efeitos imediatos, requerimento de insolvência da sociedade ..., subscrito por ..., a sentença de declaração de insolvência da sociedade ... proferida a ........2014, no âmbito do proc. nº 622/13.O..., a fls 811 a 828, acta de assembleia de credores realizada no âmbito deste processo de insolvência de fls. 829 a 837, a certidão da sentença de reclamação de créditos proferida no âmbito do proc. nº 622/13.O..., a reclamação de créditos da sociedade ..., as facturas juntas pelo Senhor Administrador Judicial do processo de insolvência, no decurso da audiência e os pedidos de apoio judiciário de MM, juntos pela filha na sequência do seu depoimento em audiência.
Para além destes documentos foram considerados os depoimentos das testemunhas NN e II, que relataram ao Tribunal terem sido nomeados administradores judiciais no âmbito, a primeira do PER e o segundo no processo de insolvência da ..., acima referidos, confirmando os documentos constantes dos mesmos que lhe foram exibidos, designadamente os dos Apensos II, III e IV e bem assim certidões permanentes de várias sociedades em que o arguido figura como administrador.
Para prova dos factos a que aludem os pontos 4 e 12, 56 a 58 foi relevante o depoimento da testemunha FF, filha de MM, que de forma serena e coerente relatou que o pai não tinha qualificações para ser administrador de empresas, tendo apenas a quarta classe e um problema grave de dependência alcoólica, mal se percebendo sequer o que dizia. Mais referiu que quando o irmão foi buscar o seu pai ao ... e na sequência de notificações da Segurança Social por dívidas destas empresas, disse-lhes que lhe tinham pedido o seu cartão de cidadão e que lhe pediam para assinar documentos. Esta testemunha afirmou muito claramente que o pai não sabia o que estava a assinar. Quer esta testemunha, quer a testemunha HH, também filho de GG, referiram que não tinham conhecimento do pai ser administrador de empresas até por falta de qualificação, não só em gestão que era absoluta face às habilitações literárias mas também atenta a área a que as empresas se dedicavam – argamassas e gesso -, sendo o seu pai ... naval, quando trabalhava, sendo que estavam longos períodos sem o ver, pois o seu pai optou por se entregar à bebida, não tendo obviamente quaisquer condições para gerir uma empresa, quanto mais uma série delas, como se vê das certidões das várias empresas pertencentes ao ..., constituído pelo arguido e constantes do Anexo IV aos presentes autos. Relevante quanto a este facto foi o depoimento da testemunha II, que trabalhou para a ... como responsável do controlo de qualidade, no período de 2001 a 2014 e que afirmou que o Sr. GG “fazia parte da equipa de manutenção”(sic).
Quanto aos pontos 13 e 14, atendeu-se também ao depoimento da testemunha QQ, filha de PP, que confirmou o falecimento do seu pai há cerca de 20 anos e que nessa altura morava na ..., em ..., em .... Relatou ao Tribunal que o pai explorava máquinas de entretenimento, nunca tendo tido conhecimento que o pai estivesse ligado à indústria do gesso e argamassas, na zona do ..., nunca tendo ouvido falar destas empresas cujas certidões, designadamente da ... lhe foram exibidas. Da conjugação deste depoimento com o registo da nomeação de gerente desta pessoa resulta à saciedade que esta pessoa nunca exerceu tal cargo, pois se tivesse sido de facto gerente a sua nomeação nunca teria sido registada já depois de ter falecido (faleceu em 2006 e o registo da sua nomeação foi requerido pela sociedade em ..., cerca de 7 anos depois). Relevante foi também o depoimento da testemunha II, que evidenciando um conhecimento profundo deste grupo empresarial, referiu que “nunca ouvi o nome de PP(sic).
A prova dos factos constantes dos pontos 15 e 16 (gerência de facto do arguido) resulta desde logo, porque não é normal que alguém saia da gerência e/ou administração de uma empresa e depois volte a entrar e depois volte a sair, como ocorreu no caso dos autos com as várias empresas do grupo empresarial que o arguido constituiu com a sua mulher.
Diz o arguido que vendeu 50% do grupo em 2003 e os outros 50% em 2009 e por isso saíu da administração das empresas em 2010.
Contudo tal versão não está demonstrada, pois as certidões do registo comercial não evidenciam, em 2003 e em 2010, qualquer mudança na titularidade do capital social destas sociedades, nem qualquer mudança nos conselhos de administração e na gerência destas empresas.
Na ... temos uma saída em bloco dos três administradores, em 2008, com efeitos a ... para o administrador JJ e a ... para o arguido e mulher. Aquele administrador é substituído por RR mas não há nenhuma substituição do arguido e da mulher, nem nenhuma alteração aos estatutos para a representação da sociedade passar a ser de administrador único, pois foi assim que se manteve até ........2009, data em que renuncia aquele administrador e é nomeado novamente o arguido,com efeitos a ........2019, sem ter sido entretanto substituído, sendo que o registo é do final do ano (........2009), mantendo-se até ........2010 como administrador único até que nesta última data sai, ficando a sociedade sem qualquer administrador até... 2013 em que é “nomeado” GG para, obviamente, ficar como representante legal da sociedade no processo de insolvência, e antes disso no PER que é requerido um mês depois.
Na ..., o processo de entradas e saídas da gerência pelo arguido foi idêntico, sendo que neste caso, culmina também em 2013 com o registo de uma pessoa já muito falecida, como gerente.
Tal negócio pode até ter estado projectado como decorre da acta nº 6 da sociedade, contudo não se concretizou e é fácil perceber porquê. Primeiro porque a empresa que iria “entrar para o capital social” com três milhões e quinhentos e cinquenta mil euros em numerário, não apresenta prestação de contas desde a sua constituição, indiciando-se a inexistência de acvidade. Segundo porque o arguido não conseguiu desvincular-se dos avales pessoais, não sendo do seu interesse vender as empresas ficando responsável pela divida contraída de mais e dois milhões de euros. Não tendo a sociedade qualquer actividade encontrou na insolvência da empresa a solução para o seu problema.
Assim, e considerando as pessoas que numa e noutra sociedade foram “nomeadas” gerentes/administradores (pessoas quase indigentes e com problemas graves de saúde de dependência alcoólica) , resulta muito evidente que tal aconteceu por única e exclusiva vontade do arguido que assim podia manter-se à frente das empresas sem qualquer oposição daquelas pessoas que faziam e assinavam o que o arguido lhes pedia (muito provavelmente a troco de uma garrafa de bebida alcoólica ou de um sitio onde dormir). Repare-se que nunca abandonou as instalações da empresa, tendo sido o quem, no âmbito do processo de insolvência, na diligência de tomada de posse do imóvel sito em ..., efectuada em data posterior a ........2015 (data da elaboração do auto de apreensão), foi contactado pelo Administrador da Insolvência, como representante legal da sociedade requerida e foi quem entregou o imóvel àquele, abrindo-lhe as portas, como relatou o Administrador da Insolvência no decurso do seu depoimento, que referiu tratar-se de um armazém onde estavam depositadas máquinas industriais, sendo notório não haver ali qualquer actividade industrial há vários anos. Este facto também foi afirmado pela testemunha SS, gerente da ..., que, com conhecimento directo dos factos, merecendo total credibilidade, referiu que teve várias reuniões com o arguido, entre 2004 e ... aquando da renegociação da dívida da ..., que sempre falou com o Senhor AA, nunca conhecendo outras pessoas e que no prédio a ..., nunca se exerceu qualquer actividade industrial. Este último depoimento foi corroborado pela testemunha TT, também funcionário do Banco na ..., na altura da restruturação da divida da ..., tendo relatado ao Tribunal que nunca conheceu outro interlocutor da ... para além do Sr. AA com quem contactou a partir de ...0.../2009. Mais referiu que visitaram a fábrica que estava práticamente inactiva, havendo problemas relacionados com a certificação que impedia a laboração. Isso mesmo resulta também da certidão do registo comercial da sociedade ..., em que o ano da ultima prestação de contas foi 2009, assim como da sociedade ...., em que a última prestação de contas se refere ao ano de 2008, não apresentando a sociedade ... qualquer registo de prestação de contas. Das facturas juntas pelo senhor administrador da insolvência também resulta que no imóvel que foi apreendido à sociedade ... na altura da apreensão de bens no âmbito do processo de insolvência, estavam bens que pertenceriam à sociedade ... (sociedade também constituída e gerida pelo arguido) e à sociedade ... (também gerida pelo arguido), que terão sido adquiridos em execução, conforme resulta do extracto da conta bancária da sociedade ..., relativo ao período de ........2008 a ........2009, que também ilustra ausência total de pagamento de salários naquele período e a existência de apenas três facturas durante todo o ano de 2008 (a factura nº 3/2008 foi emitida em ........2008). A circunstância da empresa V2 ter adquirido equipamento industrial quando o seu objecto social era à época aluguer de veículos sem condutor e transporte rodoviário de mercadorias suscitaria dúvidas não fosse as circunstâncias e a forma de aquisição.
Relevante é também o teor dos pedidos de apoio judiciário subscritos GG, já falecido, e que foram juntos aos autos pela sua filha, e nas quais consta
• seguinte: “burla dos exes patrão”(sic) “os meus ex patrões pedirão-me para ser administrador da Quinta deles na qual me mandarão assinar papeis, até me pediram o cartão de cidadão para tratar de papeis sem saber meteram me como socio gerente e agora as dividas deles vêm todas parar a mim”(sic).
Aliás quando foi inquirido no âmbito do apenso de reclamação de créditos do processo de insolvência da ..., o teor do depoimento foi idêntico a estas declarações, constando da sentença de reclamação de créditos, na motivação que o falecido GG referiu que: AA pediu-lhe para ser Administrador da Quinta; foi a Notário, em ... e ...; davam-lhe para assinar e ele assinava sem ler; o AA meteu-o como gerente de uma sociedade, levou o seu cartão do cidadão; AA disse à judiciária que o meteu como gerente para receber mais de reforma; vivia num contentor em ...; a ... é do AA e da OO; o AA meteu-o como gerente sem ele saber; a GNR é que lhe disse para não assinar mais nada porque já havia um crime; a OO é a patroa; nem descontos fizeram pelo que a reforma não é daí; trabalha na ..., um estaleiro que era da ...; pagam-lhe sem recibo mas não há nome no mesmo; foi com a ... que o AA o enganou, mas agora a ... é APN; não sabia que foi gerente da insolvente; os areais onde trabalhou eram da ...; o AA tirou-o de efectivo da ... em .../.../2012 e passou a pagar à hora; tem a 4.ª classe. Note-se que esta testemunha se revelou absolutamente credível, denotando desconhecimento de todo o sucedido e deixando transparecer que foi usado por AA, seu patrão, que basicamente lhe dava um local onde morar e lhe pagava como trabalhador, mas que usou o seu nome para o colocar como gerente/administrador em empresas, sem o conhecimento deste que demonstrou alguma dificuldade em, sequer, conseguir explicar o sucedido. Esta testemunha deixou-nos a convicção que foi usada, pelos seus parcos conhecimentos, para dar o nome em empresas geridas e comandadas, sempre, por AA e mulher.
Louvou-se ainda o Tribunal no depoimento da testemunha DD advogado que subscreveu a petição inicial da ... contra a ... e bem assim quem remeteu àqueles autos o termo de transacção.
Esta testemunha, apesar de ter prestado um depoimento muito evasivo, ainda assim confirmou que em 2012 quando intentou a acção judicial em causa nos autos falou ao telefone com o Dr. AA a propósito desta acção e que os documentos necessários para esta acção e o termo de transação lhe foram deixados no seu escritório pelo estafeta das empresas do arguido. Mais referiu que na altura estava em início de carreira (perfil ideal), tendo sido por recomendação do Dr. UU, advogado que há muito trabalhava para o arguido e suas empresas, que foi estagiário do seu pai e que estando “sobrecarregado” e porque tinha alguns processos em que havia “incompatibilidade”, teria indicado o seu nome para intentar esta acção e assegurar outros processos.
Perante todo este acervo probatório o Tribunal não tem dúvidas de que o arguido se manteve a administrar a gerir estas empresas que fazem parte do grupo que criou até à declaração da insolvência.
Os factos a que aludem os pontos 17 a 26, 28 a 31, resultam provados, desde logo pelo absurdo que é haver uma carta de interpelação com a data de ........2006, para cumprimento de um alegado contrato de arrendamento celebrado um mês antes (........2005) sob pena da interpelada ter de pagar uma indemnização correspondente à totalidade das rendas que faltarem até ao final do contrato que seriam, no caso, os 30 anos (pois a interpelada nunca cumpriu) resultando tal penalização em seis milhões de euros, sendo que estando já interpelante com dificuldades financeiras pois já estava em incumprimento com o contrato de financiamento que estabeleceu com a ..., não intentou logo a acção a aguardou mais de seis anos para o fazer, sendo que não podemos olvidar que a sócia maioritária da ... eram a ..., constituída e gerida pelo arguido, por tudo o que já se referiu, quer em 2003, quer em 2009, quer em 2012. Perante a cláusula penal inserta no dito contrato, o prazo do mesmo (30 anos) é incompreensível que os contraentes não estejam identificados.
Por outro lado não podemos olvidar que o prédio supostamente arrendado era o único imóvel da ..., conforme resultou demonstrado. A existência deste contrato teria como consequência que a … ficava sem prédio para exercer a sua actividade industrial para a compra do qual contraiu um financiamento de quatro milhões de euros, três anos antes (... de 2002) e destinando o prédio a arrendamento (extravasando completamente o seu objecto social da ...) e por uma renda de 17.000,00 mensais que obviamente inviabilizaria também em absoluto o cumprimento do contrato de financiamento, pois a mensalidade para pagamento de capital e juros era superior àquele valor.
O que dizer do suposto prazo de 15 dias para entrega do locado, tratando-se de instalações industriais, que, se fosse verdadeiro, seria impossível de cumprir.
Resulta também incompreensível a interpelação para a entrega quando a ... já lá estava (assim como todas as demais empresas do Grupo) pelo menos desde 2004 e a pagar os salários duma funcionária da “senhoria”, tal como referiu a testemunha II, fazendo uso dos recibos de vencimento que trazia consigo e até ao ano de 2006.
Relevante quanto a estes factos foi o depoimento da testemunha VV, que sendo contabilista que trabalhou para o arguido e suas empresas no período de 2000 a 2007, quando confrontado com o suposto “contrato de arrendamento” declarou desconhecer a sua existência.
Quanto ao suposto acordo extrajudicial, o mesmo tem os contornos que foram considerados necessários aos fins visados pelo arguido, pois não apresentando a ..., contas desde 2009, não tendo qualquer actividade, como poderia obrigar-se a pagar a suposta dívida em prestações mensais de €250.000,00.
Resulta pois à saciedade que o contrato de arrendamento, a carta de interpelação e a transacção judicial foram simulados pelo arguido não tendo subjacentes qualquer acordo ou relação comercial reais estabelecidos entre as empresas em causa e foram elaborados e assinados pelo arguido quando viu que a empresa ... estava em grandes dificuldades financeiras, designadamente em cumprir o contrato de empréstimento que contraiu.
Com efeito, vejamos:
O alegado contrato de arrendamento e bem assim a carta de interpelação instruíram a acção judicial que deu entrada em ........2012, mas o alegado incumprimento remonta ao início do ano de 2005(!!) Para quê estar tantos anos em dificuldades financeiras e não reclamar este tão elevado crédito que viria resolver tais dificuldades?
O termo de transacção deu entrada no âmbito daquela acção em ........2012, tendo a sentença homologatória sido proferida a ........2012 e por fim ou com o fim, melhor dizendo, o requerimento de insolvência da sociedade ..., subscrito por ..., deu entrada em juízo em ........2013 e o requerimento do PER deu entrada em Tribunal em ........2013.
Não restam, pois, dúvidas sobre a falsidade do contrato de arrendamento, da carta de interpelação e da transacção judicial com confissão de divida da … e que tal facto ocorreu em face da situação financeira em que se encontravam ambas as empresas em 2012, tendo uma delas culminado na declaração da sua insolvência. Como já sabemos estas empresas nesta altura, eram “representadas”, a ... por uma pessoa dependente álcool, com a quarta classe e a ... por uma pessoa já falecida, sendo que este último estava nomeado, como que em carteira, para o caso de vir a ser preciso, como foi, desde ........2004. Isto aconteceu porque o arguido perdeu o controlo da situação (veja-se que GG e LL, assim como outras pessoas com características idênticas foram nomeadas gerentes/administradores de várias empresas do arguido, conforme resulta das certidões permanentes) e por isso não se lembrou, antes de efectuar o pedido de registo na Conservatória, de ir verificar se a pessoa ainda fazia parte do mundo dos vivos.
Perante esta evidência, o contrato de arrendamento em causa não pode ter sido assinado pelo lado da arrendatária, ..., pelo gerente nomeado e registado pois infelizmente já tinha falecido e há muito.
Por quem foram então assinados estes documentos?
A resposta e consequentemente a prova dos factos a que aludem os pontos 25 e 51, encontramo-la no depoimento da testemunha II, que declarou ter desempenhado funções como responsável pelo controlo de qualidade dos produtos produzidos pelas empresas do ..., do qual fazia parte a empresa ..., que começou por referir quando confrontada com as assinaturas de fls. 127 (transacção judicial) que a assinatura aposta no local destinado aos representantes legais da ... era parecida com a assinatura do Dr. AA, que muito bem conhece. Quando confrontada com as suas declarações produzidas a fls. 745, confirmou que a assinatura aposta o local destinado aos legais representantes da … é do Dr. AA, tal como tinha dito em inquérito, esclarecendo que nesta qualidade o Dr. AA utilizou a assinatura “por extenso”, sendo que a outra (como gerente da ...) é a que utiliza de forma menos cuidada, ou seja nas palavras da testemunha quando decide fazer “gatafunhos”(sic).
Questionada sobre se a ... lá laborava, referiu que poderá ter estabelecido algum contrato com a … porque utilizou uma parte das instalações fabris da … para produzir gesso, tendo deixado de o fazer no final de 2006, acrescentando contudo, que os funcionários foram sempre os mesmos (da …) assim como as máquinas e que saía de lá produto com a marca ...
A prova dos elementos subjectivo, os factos constantes dos pontos 36 a 50, resulta da prova da factualidade objectiva a qual permite com base em presunção natural chegar à motivação do arguido, que não podia ignorar que uma dívida de seis milhões de euros iria causar a declaração de insolvência e prejudicar os demais credores.
No que respeita aos antecedentes criminais do arguido, a convicção do Tribunal atendeu ao teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
Quanto às condições pessoais e económicas, o Tribunal atendeu às declarações do arguido, nas quais fez fé.
O facto dado como não provado e constante da alínea a) assim resultou porque se provou o que consta do ponto 51.
Cotejada a prova produzida, o Tribunal não tem dúvidas de que o arguido incorreu na prática dos factos de que vem acusado, pelo que cumpre efectuar o seu enquadramento jurídico-penal.
(…)
ANALISANDO
A) Imputação à sentença recorrida, dos vícios da falta de fundamentação e de omissão de pronúncia, que determinam a nulidade daquela decisão, nos termos previstos no artº 379º 1 a) e c), em conjugação com o preceituado no artº 374º/2 do CPP.
Veio o arguido invocar a nulidade da sentença por falta de fundamentação argumentando que se verificou um recurso massivo do Tribunal a quo à prova indirecta e a presunções relativa­mente à globalidade dos factos provados, sendo tal opção violadora do dever de fundamentação, pelo que, visto o disposto na al. a) do nº 1 do artº 379º, ex vi nº 2 do artº 374º, a sentença em crise é nula por falta de fundamentação relativamente aos apontados factos provados sob os números 4., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 25., 26., 28., 29., 30., 31., 32., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50. e 51, nulidade que se argui para os devidos e legais efeitos.
Por sua vez, imputou também à sentença recorrida o vício da omissão de pronúncia, alegando que o Tribunal a quo omitiu pronuncia quer em relação ao depoimento prestado em audiência pela testemunha EE, quer relativamente aos factos por ele relatados, razão pela qual, visto o disposto na al. c) do nº 1 do artº 379º, a sentença é nula por omissão de pronúncia, o que aqui se argui para os devi­dos e legais efeitos.
O MP veio contraditar a invocação destas duas nulidades dizendo em síntese o seguinte: “Somos de parecer que, mais uma vez, não lhe assiste fundamento. De facto, na Douta Sentença recorrida a Mma. Juiz a quo – conforme se transcreveu supra – explanou de forma clara e pormenorizada a ratio que levou o Tribunal a quo a dar como provados os factos. Assim, em nosso entender, a Mma. Juiz a quo explica e fundamenta, de forma clara, exaustiva e adequada o motivo pelo qual deu os factos como provados.
Pelo exposto, inexiste qualquer nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação relativamente a qualquer ponto da matéria de facto dada como provada (…).
E quanto ao vício da omissão de pronúncia, diz o arguido que a sentença é absolutamente omissa relativamente ao depoimento prestado pela testemunha EE e, em consequência, é nula por omissão de pronúncia.
Mais uma vez não concordamos. O que delimita o objecto do processo são os factos descritos na acusação e/ou pronúncia e na contestação. In casu os factos descritos na acusação deduzida nos autos. Ora, não é o facto do Tribunal a quo na douta Sentença proferida nos autos não relatar o depoimento da mencionada testemunha que determina a existência de omissão de pronúncia na Sentença.
O depoimento de uma testemunha é um meio de prova, não é o objecto do processo, nem é uma questão de facto ou de direito sobre a qual o Tribunal se devesse pronunciar.
Pelo exposto, inexiste qualquer nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
Quid Juris?
Concordamos inteiramente com as considerações feitas pelo M.P na sua resposta ao recurso, quanto a estas nulidades, e nessa medida, pelas razões supra expostas, julgamos improcedente as nulidades de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia, suscitadas ao abrigo do artº 379º/1/a) e c) do C.P.P, decaindo assim o seu recurso neste segmento – não se mostra comprovado, ter existido qualquer condenação deste arguido, assente em decisão não suficientemente fundamentada, de facto ou de direito ou qualquer omissão de pronúncia, com o sentido em que tal vício é configurado na Jurisprudência e na doutrina.
Na realidade que questões em concreto, entende o arguido, que não foram alvo de pronúncia pelo Tribunal a quo (dando azo ao vício da omissão de pronúncia)?
Onde se encontra a falta de fundamentação por ele apontada à sentença?
Das conclusões deste arguido recorrente, não vislumbramos resposta adequada para estas questões.
Segundo Germano Marques da Silva in “Curso de Processo Penal III, 2ª edição Verbo 2000” a omissão de pronúncia é um vício que resulta da violação da lei quanto ao exercício do poder jurisdicional. Trata-se de um vício quanto aos limites desse exercício”.
E é pacífico o entendimento na jurisprudência, de que a omissão de pronúncia, se verifica quanto o juiz deixa de proferir decisão sobre questões que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por “questões”, os problemas concretos a decidir.
No mesmo sentido deste entendimento, a doutrina esclarece ainda que “o julgador não tem de analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes (…)” (in Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Coimbra Editora, 1985).
Tal como já acima se disse, a nulidade por omissão de pronúncia só existe se o Tribunal não se pronunciar sobre uma “questão concreta” e não sobre um determinado argumento utilizado pelo recorrente, quanto a essa questão.
Assim como bem foi sublinhado pelo MP na sua resposta, a não referência na sentença recorrida, ao depoimento da testemunha EE (inquirido em juízo em 19.9.2024 na qualidade de testemunha de defesa), não integra este vício, pois que tal testemunha e o depoimento por ela prestado constituem um simples meio de prova e não um facto ou questão concreta, que integre a acusação ou contestação, sobre os quais devesse incidir pronúncia do Tribunal, nos termos legais.
Tal omissão configura pois uma simples irregularidade, que não tendo sido arguida no prazo legal de 3 dias, se considera sanada (artº 118º/1 e 2 e artº 123º/1 do CPP),
Resulta efectivamente, que na decisão recorrida, o Tribunal de julgamento também não condenou o recorrente por factos diversos daqueles descritos na acusação e não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, tendo fundamentado igualmente a escolha da natureza da pena e determinação da sua medida concreta.
Por tudo o acima exposto e em conclusão, uma vez que da sentença constam exactamente as razões de facto e de direito que levaram à decisão sobre a condenação do arguido, pela prática em autoria material de um crime de burla qualificada na forma tentada e de um crime de insolvência dolosa consumado, não vislumbramos onde entende o arguido, que o Tribunal de 1ª instância tivesse omitido pronúncia relativamente a “questões concretas” sobre as quais se devesse pronunciar no presente caso, não se verificando assim o vício de omissão de pronúncia a que alude o artº 379º/1/c) do C.P.P.
Em resumo, sublinhando o que já ficou referido supra, podemos dizer que uma decisão é nula quando se verifique qualquer das situações referidas nas alíneas a) a c) do nº 1 do artº 379º do C.P.P.
Isto é, de acordo com o disposto no artº 379º, nº 1 do C.P.P. a sentença (ou acórdão) é nula quando:
- não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artº 374º do mesmo diploma legal (fundamentação, enumeração dos factos provados e não provados, decisão);
- quando condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora das condições previstas nos arts. 358º e 359º do C.P.P. - alteração substancial ou não substancial;
- ou quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
É verdade que as decisões dos Tribunais, nos termos do disposto no nº 1 do artº 205º da Constituição da República Portuguesa e artº 97º/5 da C.P.P, devem ser fundamentadas na forma prevista na lei, sendo imperativo que, nas mesmas, sejam especificados os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, sobre a matéria de facto e sobre o regime sancionatório aplicado, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção, sendo além do mais admissíveis todas as provas que não sejam proibidas por lei (artº 125º do Código de Processo Penal).
Contudo, para além de considerações abstractas e defesa de princípios gerais consagrados no nosso ordenamento constitucional e processual penal, o arguido, acaba por não concretizar muito bem, de que forma entende ter sido violado no caso ora em apreço, a fundamentação da decisão condenatória, nos termos exigidos pelo artigo 205º da C.R.P e artº 374º/2 do C.P.P.
Com efeito, é sabido que só a ausência total de referência às provas que serviram para fundamentar a decisão ou a omissão da indicação dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, é susceptível de integrar, a violação do comando ínsito naquele normativo legal e a consequente nulidade, a que alude a alínea a) do nº 1 do artº 379º do C.P.P., o que claramente não se verificou no caso em apreciação.
No presente caso, facilmente se constata também, que a Srª Juíza do Tribunal da 1ª instância explicitou, de forma inequívoca, quais foram os elementos “que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu que a sua convicção se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (citando Marques Ferreira, Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, pág. 228 e ss ).
Na verdade, indicou, como acima ficou já dito, quais foram as razões de facto e de direito, subjacentes à sua decisão de condenação do arguido pelos crimes de burla qualificada na forma tentada e de insolvência dolosa consumada pelos quais vinha acusado e ainda quanto à determinação do seu regime sancionatório, cfr resulta da simples leitura da decisão sobre a matéria de facto, que acima se transcreveu.
E, por último, todos esses elementos acima mencionados, permitem seguir, de forma segura e inequívoca, o exame do processo lógico ou racional que esteve na base da decisão de condenação do Tribunal a quo pelos dois mencionados crimes, nos termos supra mencionados.
O arguido pode não concordar com essa fundamentação, mas tal discordância não lhe confere qualquer legitimidade para imputar à sentença, nulidades que não existem.
Importa notar ainda, que a fundamentação não tem de se conformar com um modelo rígido e uniforme, devendo ser mais ou menos aprofundada, consoante as particularidades de cada caso: a existência ou inexistência de versões contraditórias ou de pontos que hajam de ser esclarecidos, de forma a que sejam perceptíveis os motivos pelos quais a convicção do Tribunal se orientou num sentido e não noutro, sendo também admissível a prova indirecta (com recurso à presunção), como vem sendo defendido pelo STJ.
O que se exige é que o Tribunal de julgamento, a partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a sua convicção, enuncie as razões de ciência extraídas destas, os motivos porque optou por uma das versões em confronto, quando as houver, os motivos da credibilidade dos depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, de forma a permitir a reconstituição e análise crítica do percurso lógico que seguiu na determinação dos factos como provados ou não provados.
Em resumo, lendo a decisão recorrida, repete-se, é fácil constatar que ela cumpre minimamente os supra citados desideratos legais.
Melhor dizendo, analisada a sentença recorrida, constata-se que nela estão indicados os factos provados e os não provados, as provas em que o Tribunal a quo se baseou para dar como assentes os factos, a análise critica dessas mesmas provas e, de seguida, os motivos de direito que fundamentam a condenação e o processo de escolha da natureza da pena e determinação da sua medida concreta, para cada um dos crimes praticados pelo arguido.
Tudo em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 al. a) e b) do artº 374º do C. P. Penal.
Por seu turno, a decisão recorrida também não condenou o recorrente por factos diversos daqueles descritos na acusação e não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
Não padece, pois, a decisão recorrida das apontadas nulidades ou de quaisquer outras.
Em conclusão, o que resulta da simples leitura da sentença recorrida, em especial no que respeita à sua motivação da decisão sobre a matéria de facto e bem assim, das conclusões do recurso do arguido acima mencionadas, é ser manifestamente improcedente, a sua pretensão de imputar à decisão da 1ª instância, as nulidades do artº 379º a) e c) do C.P.P.
B) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto – a decisão recorrida padece dos vícios previstos no artº 410º/2 do CPP, nomeadamente:
1- Existe insuficiência da matéria de facto provada relativamente ao crime de insolvência dolosa (vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão previsto no artº 410º/2 a) do CPP);
2- Existe contradição insanável na fundamentação e entre esta e a decisão, relativamente a factos susceptíveis de integrar o crime de insolvência dolosa (vício da contradição insanável entre a matéria de facto provada e entre esta e a decisão, previsto no artº 410º/2 b) do CPP);
3- Existe erro notório na apreciação da prova (artº 410º/2 c) do CPP).
Quid Juris?
Como se sabe, o apelidado “erro de julgamento” pode suscitar dois tipos de recurso:
- um com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o artº 410º/2 do C.P.P (impugnação em sentido estrito);
- e outro que visa a reapreciação da prova produzida em julgamento, ao abrigo do artº 412º/3 do C.P.P (impugnação em sentido lato).
Ora sendo formulado um pedido de impugnação da matéria de facto nos termos do artº 412º/3 do C.P.P, o mesmo tem de obedecer a determinados pressupostos legais para poder proceder.
Ou seja no caso de impugnação alargada, a reapreciação da matéria de facto por este Tribunal da Relação, depende do cumprimento de requisitos de forma e conhece condicionantes e limites nos termos do nº 3 e 4 do artº 412º do C.P.P.
Como resulta da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do artº 410º do C. P. Penal tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece - (vde por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 02.03.2016 no Pº 81/12.4GCBNV.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt)-
1- Da alegada insuficiência da matéria de facto provada relativamente ao crime de insolvência dolosa
O arguido veio imputar à sentença recorrida o vício previsto no artº410º/2 a) do CPP alegando para o efeito o seguinte:
Sem prejuízo das questões colocadas infra na impugnação ampla que faz da matéria de facto, designadamente quanto à errada formação da convicção de que à data da prática dos factos descritos na acusação o recorrente era administrador de facto da sociedade comercial ..., importa salientar desde já que a matéria de facto dada como assente na sentença em crise é insuficiente para a condenação do mesmo pelo crime p. e p. do artº 227º do Código Penal, razão pela qual, sem mais, deve ser absolvido da prática do referido crime.
Com efeito, da matéria de facto provada na sentença resulta que os mesmos não concorreram de nenhuma forma para a declaração de insolvência da ...
O mesmo sucedeu com o crédito reclamado pela ... no processo respectivo, que não foi reconhecido sequer, razão pela qual teve um efeito nulo na referida in­solvência, seja antes ou depois da sua instauração, do seu decretamento ou da com­petente graduação de créditos.
Não há, pois, qualquer nexo de causalidade entre a pretensa acção do recorrente e a insolvência da ...., na qual teve um efeito absolutamente inócuo, sendo a matéria de facto insuficiente para a decisão de condenar o recorrente pela prática do referido crime.”
O MP deduziu oposição a tal pretensão, argumentando do seguinte modo:
Dos factos provados na sentença sob os pontos 1 a 58, em particular nos pontos 41) a 49) e 51) a 55), resulta, como bem se salienta na Douta Sentença recorrida, que o arguido praticou factos susceptíveis de integrar o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo artº 227º nº 1 al. b) e nº 3 do Cód. Penal.”
Vejamos então se assiste razão ao arguido.
A insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, a que se reporta a alínea a) do nº 2 do artº 410º do C.P.P é como se sabe, um vício que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
Segundo Simas Santos e Leal-Henriques (in Recursos em Processo Penal, 7ª Edição, Editora Rei dos Livros, 2008, pág. 72) este vício existirá quando ocorrer uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo um hiato nessa matéria que é preciso preencher.”
Importa com efeito, sublinhar que o artº 410º/2/a) do C.P.P estabelece uma conexão entre a matéria de facto provada e a decisão jurídica que nela assenta e não entre a prova produzida e os factos provados e não provados.
Por outras palavras, este vício só ocorrerá, quando da factualidade vertida na decisão, se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada - vde Tribunal da Relação de Évora de 09.01.2018 [Rel. Desembargadora Ana Barata Brito] – www.dgsi.pt\tre.
O arguido foi acusado e julgado pela prática, como autor material (artigo 26º, do Código Penal), de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 227º, nº 1, alínea b) e nº 3 do Código Penal.
Tal como bem ficou expresso na sentença recorrida e aqui se reproduz, importa ver o enquadramento jurídico deste tipo legal de crime:
Estatui o artigo 227º, nº 1, alínea b) e nº 3 do Código Penal, que “1 - O devedor que com intenção de prejudicar os credores: [...] b) Diminuir ficticiamente o seu activo, dissimulando coisas, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexacta, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilidade apesar de devida; é punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. [...]
3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 12º, é punível nos termos dos nºs 1 e 2 deste artigo, no caso de o devedor ser pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, quem tiver exercido de facto a respectiva gestão ou direcção efectiva e houver praticado algum dos factos previstos no nº 1”.
O bem jurídico protegido por este ilícito criminal é o património.
O tipo objectivo de ilícito traduz-se na prática de uma ou mais das modalidades de acção típica por quem detém a qualidade de devedor (entendido como “todo o centro de imputação que se encontra obrigado a efectuar uma prestação”4, podendo ser a “pessoa humana que pode ser declarada insolvente [ou] a pessoa humana que aja como titular dos órgãos ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade ou associação de facto devedora”5) cuja insolvência possa ser objecto de reconhecimento judicial (o agente só pode ser a pessoa com estas características, pelo que o crime é específico puro).
A conduta que provoca uma diminuição real do património é aquela que se traduz na destruição, danificação, inutilização do património do devedor ou que provoca o respectivo desaparecimento (neste caso desconhece-se o paradeiro de bens sendo que o agente deveria saber dizer onde os mesmos se encontram. Irreleva, pois, se os bens foram alienados, real ou ficticiamente. Os credores não conseguem atingir tal património pelo que o mesmo resulta diminuído).
A conduta que provoca a diminuição fictícia do património líquido (ou activo) é aquela que se traduz na “dissimulação de coisas, invocação de dívidas supostas, reconhecimento de créditos fictícios, incitamento de terceiros a apresentá-los, ou simulação de uma situação patrimonial inferior à realidade, e criação ou agravamento artificial de prejuízos ou redução de lucros6
A simulação da situação real do património do devedor pode realizar-se por qualquer forma, nomeadamente “contabilidade inexacta, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organização da contabilidade apesar de devida”7.
O crime em apreço é um crime material de execução vinculada, quer isto dizer que a respectiva consumação exige que através das condutas típicas se produza um resultado típico que se traduz, in casu, na criação da situação de insolvência (impotência económica).
Exige-se, pois, a verificação de um nexo de adequação entre as concretas condutas típicas e o resultado proibido.
Considerando a factualidade provada acima já reproduzida, com especial relevo para o descrita nos pontos 41 a 49, 51 a 55., que aqui damos por integralmente reproduzida, verificamos que a conduta do arguido integra a alínea b) do nº1 e nº 3 do artigo 227º, do Código Penal, sendo que tal conduta, determinou em termos de causalidade adequada, que a sociedade ... Viesse a ser declarada insolvente, por sentença proferida em 03 de Março de 2015 no âmbito do processo n° 622/13.0… que correu termos no juízo de ..., da ..., como melhor se explicará adiante.
Na realidade, após ponderadas as considerações jurídicas supra mencionadas, acompanhamos inteiramente a posição expressa pelo MP, porquanto em síntese, resulta claramente da simples leitura da sentença recorrida, que o Tribunal de julgamento na 1ª instância, apurou factos suficientes para considerar estar preenchido este tipo legal de crime, pela conduta do arguido apurada em julgamento.
Ao contrário do alegado pelo arguido recorrente, não é verdade que o crédito reclamado pela ... no valor de 6.000.000,00 euros, acrescido dos respectivos juros, tenha tido um efeito nulo na declaração judicial da in­solvência da ..., e que não tivesse ficado provado na sentença, qualquer nexo de causalidade entre a pretensa acção do recorrente de reclamação deste crédito e a insolvência da ...., ou que tal crédito tivesse tido um efeito absolutamente inócuo na procedência da acção de insolvência.
É verdade que a acção de insolvência da ... não foi pedida pelo arguido e sim pela empresa ... em ........2013, mas nessa data, já o referido crédito havia sido reconhecido e incluído na lista provisória de créditos devidos à empresa ..., no âmbito do PER (acção especial de revitalização), que o arguido havia instaurado em ........2012 e o mesmo crédito viria posteriormente a ser apresentado na acção de insolvência e aí reconhecido e incluido na lista provisória de credores (factos provados 28 a 30, 31, 32, 33 34 e 35).
Ou seja, face ao que consta da matéria de facto provada na sentença, não se pode ignorar, como parece fazer o recorrente, que tal crédito constava, como crédito de natureza comum, da lista provisória dos créditos que a empresa ..., tinha para liquidar, situação reportada quer no processo especial de revitalização (ou PER) instaurado por iniciativa do arguido, - antes da interposição acção de insolvência -, quer depois na própria acção de insolvência (requerida em ........2013 pela ... contra a ...).
E que a inclusão desse crédito, na lista provisória dos créditos a liquidar pela ..., dado o seu elevado montante, teve indiscutívelmente um peso significativo para o sucesso do resultado final pretendido, que era a procedência do pedido de insolvência (como consta aliás descrito, na matéria de facto provada sob os pontos 28. 29..31. a 36. 48, 49, 52 a 55).
Só posteriormente ao trânsito em julgado da sentença de insolvência, e portanto em momento posterior à consumação do crime de insolvência dolosa imputado ao arguido – é que na acção de reclamação de créditos, instaurada posteriormente a esse transito em julgado da referida sentença de insolvência (vd factos provados em 31 a 35), o mencionado crédito de 6 milhões de euros mais juros, embora reclamado, acabaria por não ser reconhecido.
Não tem pois qualquer fundamento factual, defender como fez o recorrente, que não existiu qualquer nexo de causalidade entre a acção do arguido recorrente, com a reclamação em juízo daquele crédito no valor global de 7.241.268,50 €, dos quais 6.000.000 €, a título de capital, e 1.241.268 €, a titulo de juros de mora vencidos, para o resultado conseguido, que foi o decretamento judicial da insolvência da ...., não sendo pois possível defender que o mesmo teve um efeito absolutamente inócuo para esse resultado (sentença de insolvência), por tal não corresponder à realidade.
Ou melhor dizendo, na decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo, apurou matéria de facto suficiente, para integrar/sustentar a decisão de direito, pois sem dúvida que relativamente ao crime de insolvência dolosa p.p no artº 227º/1 b) e nº 3 do CP, a factualidade provada e descrita nos pontos 1) a 58) (tipo objectivo) e 38) a 50) (tipo subjectivo), em particular nos pontos 41) a 49) e 51) a 55), permite concluir de forma clara e segura, estarem preenchidos pela conduta do arguido, todos os elementos objectivos e subjectivos deste tipo de ilícito, pelo qual foi o mesmo condenado, em autoria material e na forma consumada, em concurso real e efectivo com o crime de burla qualificada na forma tentada.
Não tem assim qualquer fundamento a tese do arguido, de que a sua conduta não foi determinante para a sentença de insolvência (proferida em ........2015 e transitada em julgado em ........2015), alegando que o impulso processual para esta acção não partiu dele e o seu crédito de 6 milhões, não foi sequer reconhecido na reclamação de créditos e também porque se verificou que a invocação desse crédito, não logrou no caso em apreço, criar efectivamente ou agravar artificialmente na realidade prejuízos ou reduzir lucros de quem que que seja (nomeadamente dos restantes credores da sociedade declarada insolvente por sentença transitada em julgado).
É verdade que posteriormente à declaração da insolvência, por sentença transitada em julgado em ........2015, na acção de reclamação de créditos instaurada subsequentemente, o referido crédito de 6 milhões não foi reconhecido e nessa medida se pode defender, não ter chegado a haver efectivo prejuízo de nenhum dos credores da empresa insolvente ..., em resultado da actuação do arguido, no que respeita à reclamação deste crédito em concreto.
Mas a verdade é que não está em causa nestes autos, o preenchimento do tipo legal de crime previsto na alínea c) do nº 1 do artº 227º do CP e sim a alínea b) do nº 1 deste preceito, e quanto a esta alínea b) sem dúvida que a matéria de facto julgada provada é suficiente para a decisão de Direito que foi proferida na 1ª instância, pois a conduta do arguido ao apresentar esse crédito de 6 milhões, o qual foi elencado na lista provisória dos créditos considerados pelo Tribunal para a declaração de insolvência, contribuiu de forma decisiva para que a sentença de insolvência fosse decretada (como efectivamente sucedeu, sendo a sentença proferida em ........2015 e transitada em julgado em ........2015).
E com o decretamento dessa sentença de insolvência, o crime em questão imputado ao arguido pelo MP, ficou consumado, porquanto a conduta do arguido que ficou comprovada em julgamento, preencheu todos os elementos típicos deste crime, tal como podemos ler na factualidade provada descrita na sentença recorrida sob os pontos acima mencionados, sendo relevantes em especial os pontos 41 a 49, 51 a 55., que aqui damos por integralmente reproduzida.
Assim sendo, dúvidas não se colocam de que os factos provados são suficientes e integram a prática pelo arguido de um crime de insolvência dolosa p. e p. pelo art. 227º nº 1 al. b) e nº 3 do Cód. Penal.
Foi pois essa factualidade provada e descrita na sentença, acima referida, que conduziu à decisão sobre a matéria de direito e consequentemente, à condenação do arguido pela prática em autoria matéria e na forma consumada deste crime e também à determinação da escolha e medida da respectiva pena, não se verificando a alegada insuficiência da matéria de facto provada para a decisão – não valem assim, repetimos, os argumentos invocados, para tentar afastar a incriminação por este crime, não tendo qualquer consistência a alegação feita em sede de recurso, de não se mostrarem apurados factos suficientes para a decisão de Direito.
Nestes termos, não tem qualquer sentido a invocação deste vício, nos termos em que é feita pelo arguido, quando não se aponta em concreto, qualquer omissão da matéria de facto provada, que efectivamente pudesse impedir na realidade, a decisão jurídica tal como ela foi proferida no que respeita ao crime de insolvência dolosa.
Tal como já acima ficou dito, os factos seleccionados como relevantes para a decisão recorrida, descritos na matéria de facto provada sob os pontos 1 a 37 (elementos objectivos deste tipo de ilícito imputado ao arguido) e nos pontos 38 a 55 (elementos subjectivos do crime de insolvência dolosa, em especial pontos 41) a 49) e 51) a 55), além de abrangerem o objecto do processo, são suficientes para a decisão de Direito, sendo essa decisão tomada, uma solução plausível e adequada a essa factualidade.
Por outras palavras, tudo aquilo que segundo a lei pode e deve ser valorado pelo juiz de julgamento (para efeitos de determinar se o arguido incorreu em responsabilidade penal, isto é, se a sua conduta preencheu todos os elementos subjectivos e objectivos do crime de insolvência dolosa que lhe foi imputado e para fixar o quantum da respectiva pena concreta), foi oportunamente considerado e apreciado pelo Tribunal a quo no caso presente, como resulta da simples leitura do texto da decisão recorrida.
Tudo visto, concluimos que não padece a sentença recorrida, de qualquer vício da insuficiência da factualidade provada para a decisão, previsto no artº 410º/2 a) do CPP.
Improcede pois a arguição deste vício, nos termos supra expostos.
2- Da alegada contradição insanável, na fundamentação e entre esta e a decisão, relativamente a factos susceptíveis de integrar o crime de insolvência dolosa (vício previsto no artº 410º/2 b) do CPP).
Veio com efeito, invocar o arguido recorrente que a decisão recorrida padece do vício previsto na alínea b) do nº 2 do artº 410º do C.P.P - contradição insanável entre a própria fundamentação e da fundamentação com a decisão de Direito - porque segundo alega, existe uma notória contradição, a propósito de um eventual reconhecimento judicial do crédito que foi reclamado pela ..., na insolvência da ..., há contradição insanável entre a matéria que foi dada como assente no facto provado sob o nº 35, por um lado, e o que foi levado aos factos assentes sob os nºs 43 e 52, bem assim, o que vem refe­rido no Enquadramento Jurídico-Penal.
O MP veio contraditar esta prentensão do arguido, defendendo que inexiste qualquer contradição, muito menos insanável, entre a fundamentação e entre esta e a decisão.
Ora analisada a decisão recorrida, nomeadamente os factos provados acima mencionados constata-se, que o arguido não tem razão também neste segmento do seu recurso, porquanto não existe na realidade, qualquer contradição entre os factos provados sob os nsº 35, 43 e 52 e entre eles e a decisão de Direito, muito menos uma contradição insanável.
Para melhor esclarecimento da factualidade em causa transcrever-se-ão, mais uma vez, os aludidos factos provados:
“35. Posteriormente, a ...., apresentou reclamação de créditos nesse processo de insolvência, em consequência do que veio o supra mencionado (suposto) crédito a ser reconhecido, com natureza comum, no valor global de 7.241.268,50 €, dos quais 6.000.000 €, a título de capital, e 1.241.268 €, a titulo de juros de mora vencidos, nos termos da lista provisória de credores (Apenso 1».
43. Sabia ainda o arguido AA que, arrogando-se a titularidade de um crédito de 6.000.000 €, reconhecido judicialmente, poderia, através da ..., decidir os destinos do activo da ..., com prejuízo dos interesses dos seus legítimos credores, e assegurar que a maior parcela do resultado da liquidação do património desta viria a ser entregue àquela sociedade comercial, que igualmente o arguido AA controlava, detinha e geria de facto, o que ainda não ocorreu por motivos alheios à sua vontade, mais concretamente porque o Processo n° 443/12.7... não chegou ainda ao seu termo.
52. No âmbito do proc. nº 622/13.0…-B foi proferida sentença de graduação de créditos, transitada em julgado em ........2023, na qual o crédito da ....sobre a sociedade ... não foi reconhecido, por não terem resultado provados os seguintes factos: m) Insolvente, na qualidade de senhoria, e ..., como arrendatária celebraram em ... de ... de 2005, um contrato de arrendamento da fábrica explorada pela insolvente, o qual teria início em ... de ... de 2005, com a entrega do imóvel pela insolvente à ..., mediante o pagamento de renda mensal no valor de € 17.000,00, conforme documentos juntos com a impugnação de Abanca com a referência 2027367, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; n) Na data acordada a insolvente não entregou o imóvel à ..., pelo que ... interpelou a insolvente, com vista ao cumprimento do negócio ou à conversão do incumprimento em definitivo, conforme documentos juntos com a impugnação de Abanca com a referência 2027367, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, conferindo-lhe o prazo limite até .../.../2006; o) A insolvente não efectuou qualquer pagamento a ... por força do acordo referido em 15) dos factos provados; p) O comportamento da insolvente e da ... já alvo de denúncia junto das entidades competentes, aguardando os autos, que correm termos sob o nº 6549/13.8..., ulteriores termos; q) Abanca, à data ainda denominada ..., teve conhecimento do negócio existente entre a insolvente e a credora ..., e foi por instruções da própria ..., que foi feito a referida Transação Judicial, com a concordância da devedora, de forma a evitar o pedido de INSOLVENCIA, e permitir a reestruturação bancária da mesma, no interesse da ...” (sublinhados nossos).
Assim, podemos fácilmente concluir da simples leitura do texto da sentença recorrida, inexistir qualquer contradição entre esta matéria de facto provada, e entre essa matéria e a decisão jurídica, no que respeita à imputação ao arguido do crime de insolvência dolosa.
Na verdade, o que sucede é que nesses pontos da matéria de facto são contextualizadas diferentes realidades, onde o crédito de valor global de 7.241.268,50 €, dos quais 6.000.000 €, a título de capital, e 1.241.268 €, a titulo de juros de mora vencidos, é enquadrado e qualificado no âmbito de processos judiciais de diferente natureza, pelo que nenhuma contradição se verifica, já que as situações onde o mesmo é considerado, também são distintas, produzindo as respectivas decisões juidiciais efeitos jurídicos distintos.
Assim, o facto provado sob o nº 35 reporta-se ao crédito de 6 milhoes, de euros, reconhecido provisoriamente à ... no processo de insolvência da … e não a um crédito com reconhecimento definitivo.
O facto provado sob o nº 43 reporta-se ao reconhecimento do crédito, na sequência da homologação da transação judicial, no âmbito do proc. nº 443/12.7..., (acção declarativa de condenação instaurada contra a ...), conforme decorre dos factos provados sob os pontos 23) e 24).
Por último, o facto provado sob o nº 52, reporta-se ao processo de reclamação de créditos (processo nº 622/13.0…-B), instaurado na sequência do decretamento da insolvência da ..., onde foi proferida sentença de graduação de créditos, transitada em julgado em ........2023, na qual, o crédito da ... de 6 milhóes de euros e respectivos juros sobre a sociedade ... não foi reconhecido (crédito esse com natureza comum, no valor global de 7.241.268,50 €, dos quais 6.000.000 €, a título de capital, e 1.241.268 €, a titulo de juros de mora vencidos), por não terem aí resultado provados os factos, nos quais o mesmo era suportado, factos esses aí mencionados nesse ponto nº 52.
Quanto ao referido no penúltimo parágrafo de fls. 30 da sentença, no final da análise do enquadramento jurídico relativo ao tipo do crime de burla qualificada na forma tentada, praticado pelo arguido, também ficou expresso o seguinte:
Contudo, provou-se também que o arguido não logrou realizar os seus intentos. Efectivamente, e por circunstâncias alheias à sua vontade aquela quantia que quis fosse reconhecida no âmbito de um processo de insolvência a intentar, não ocorreu, pois tal crédito não foi reconhecido.”
Tal como bem referiu o MP na sua resposta, esta conclusão extraída pelo Tribunal de julgamento, mais não é do que a explicitação do facto provado sob o nº 52 e nenhum destes factos provados, estão em contradição emtre si ou obstaculizam o preenchimento do tipo legal de crime de insolvência dolosa pela conduta do arguido, nos termos acima já expostos, aquando da análise do vício previsto no artº 410º/2 a) do CPP.
Não se vislumbra assim, nas situações de facto acabadas de enunciar e analisar, a contradição invocada pelo arguido, pelo que é manifesto que nesta parte, e com este fundamento, não padece a decisão recorrida, do vício previsto na alínea b) do nº 2 do artº 410º do C.P.P.
O recurso do arguido é julgado não provido neste segmento.
3- Do alegado erro notório na apreciação da prova (artº 410º/2 c) do CPP);
O erro notório na apreciação da prova tem pois que resultar impreterivelmente do próprio teor da sentença, existe este erro, quando considerado o texto da decisão recorrida por si só ou conjugado com as regras de experiência comum se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal.
Ocorre este vício quando se dão por provados factos que face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzem uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e por isso incorrecta, quando se violam as regras sobre prova vinculada ou de “leges artis” ou quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do “in dubio”.
Neste segmento, o arguido começa desde logo por referir que o Tribunal a quo fez uso de prova proibida, assim formando a sua convicção, com base no depoimento da testemunha DD, Advogado do arguido, sujeito ao dever de sigilo profissional, o que torna esse depoimento nulo com as necessárias e devidas consequências
Mais referiu, que a matéria de facto provada assenta totalmente em presunções que não têm suporte fático que lhes dê tamanho alcance e a segurança que uma decisão condenatória exige.
Resulta assim expresso nas suas conclusões o seguinte:
“Assim é relativamente ao juízo feito na sentença recorrida relativamente a querm decidiu forjar uma dívida (f.p. 17.); redigiu aquilo que pretendeu que parecesse um contrato de arrendamento comercial, apôs como data de celebração (f.p. 18.); redigiu como sendo para parecer o dito contrato de arrendamento (f.p. 19.); apôs pelo seu próprio punho a sua assinatura, na qualidade de representante legal da ..., enquanto senhoria, e no local próprio para a assinatura da arrenda­tária, diligenciou pela aposição daquilo que pretendeu passasse pelas assinaturas dos representantes legais da ... (f.p. 20.); redigiu aquilo que pretendeu pas­sasse por uma carta da autoria da gerência da ..., para a administração da ..., no que apôs a data de .../.../2006 (f.p. 21.); entregou esse suposto contrato e essa suposta carta - que fabricara em ambos os casos - ao Advogado DD(f.p. 22.); DD deu cumprimento às instruções que o arguido AA lhe deu (f.p.23.); redigiu e assinou, no campo aí identificado como sendo da administração da ... aquilo que quis que passasse, como passou, por documento de transacção judicial (f.p. 25); entregou esse suposto documento de transacção judicial a Advogado DD, dando a este instruções para que o fizesse juntar ao Processo n.° 443/12.7… (f.p. 26.); fazendo chegar às mãos do Advogado DD o supra aludido (suposto) contrato de arrendamento, o (suposto) termo de transacção e a sentença judicial homologatória proferida no âmbito do Processo n° 443/12.7…, o arguido AA deu-lhe instruções (f.p. 28.); seguiu igualmente aquilo que o arguido AA quis que parecesse uma declara­ção (f.p. 30.); fez ainda chegar às mãos do dito Advogado uma relação de cre­dores da ..., que foi igualmente entregue junto com o requerimento de processo especial de revitalização, no qual fez constar a ..., como credora (f.p. 31.), sabia (f.p..36.), quis obter (f.p. 45.); praticou os supra descritos factos com intenção conseguida de impedir o ressarcimento dos credores da ... (f.p. 46); agiu como descrito querendo e sabedor de que provocaria a decla­ração de insolvência da ... (f.p. 48); e, fez aquilo que passasse pela assinatura de representante legal da ... (f.p. 51), que invariavelmente para o tribunal a quo tem sempre a mesma resposta: o Recorrente.
Ainda que tal suceda sem suporte probatório para tanto mas, antes, como decor­rência das presunções, por vezes de presunções, feitas a partir de prova indirecta.
O princípio da livre apreciação da prova ínsito no artº 127º do C.P.P. permite ao tribunal valorar as provas apresentadas, sejam elas diretas ou indiretas, de forma a formar a sua convicção sobre os factos relevantes para a decisão, no entanto exige-se que a convicção seja racional e fundamentada.
No entanto, o tribunal não pode basear exclusivamente a sua decisão em pre­sunções ou provas indiretas, sob pena de violação do princípio in dubio pro reo e da proibição de decisões arbitrárias, como é o caso, razão pela qual os factos im­pugnados devem merecer resposta Não Provado.”
Em síntese, defende que existe erro de julgamento, porquanto o Tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida quanto à matéria de facto tendente à formação da con­vicção de que o recorrente praticou os crimes pelos quais a final veio a ser condenado sendo claro e evidente que o Tribunal a quo referiu ter formado a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento e, na au­sência de prova directa dos factos, refere ter lançado mão de prova indirecta ou indiciária.
Sublinha pois o recorrente que:
“Em qualquer circunstância, mostram-se erradamente julgados os factos provados na sentença em crise sob os números 4., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 25., 26., 28., 29., 30., 31., 32., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50. e 51., o que ocorre por força do errado juízo formulado na mesma relati­vamente aos elementos de prova constantes da documentação referida na fundamen­tação e dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas, associado ao re­curso massivo a prova indirecta e a presunções, o que torna a decisão arbitrária rela­tivamente à globalidade dos factos provados, violando assim o dever de fundamenta­ção-
Uma correcta apreciação e valoração do conjunto da prova produzida neste particular, em especial dos depoimentos das testemunhas que declararam a propósito, cotejados com a prova documental associada, impunha, como impõe, diferente resposta àqueles factos, quando menos com recurso ao princípio universalmente aceite do in dúbio pro reo, com as necessárias consequências relativamente aos crimes pelos quais o arguido foi condenado”.
Conclui assim que se “deve revogar a sentença recorrida e substituí-la por sentença que faça uma correcta apreciação e valoração da prova com as legais consequências”.
Cumpre apreciar antes de mais, a imputação feita pelo recorrente de nulidade à sentença recorrida, resultante do Tribunal a quo ter feito uso de prova proibida, assim formando a sua convicção, com base no depoimento da testemunha DD, Advogado do arguido, sujeito ao dever de sigilo profissional
Vejamos então se assiste razão ao arguido, impondo-se começar por apreciar se efectivamente se verificou a alegada utilização pelo Tribunal de julgamento, de prova proibida, decorrente de depoimento prestado em audiência por Advogado, com violação de sigilo profissional.
Veio alegar o arguido, que o M.P arrolou como testemunha o Dr. DD, Advogado, que foi inquirido em audiência sobre matéria da acusação - pres­tando aí depoimento sobre vários factos em que ele próprio teve intervenção directa na qualidade de Advogado da empresa ..., - na esteira do que já havia feito em inquérito.
Mais referiu que a referida testemunha, respondeu às questões que lhe foram colocadas a propósito de vários aspectos do mandato forense que lhe foi conferido por ...,, designadamente a propósito da matéria constante dos factos provados sob os n.ºs 15., 16., 22., 23., 26., 28., 29. e 30.
E que o fez sem escusa, em violação do segredo profissional a que está obrigado como Advogado, nos termos do disposto no artº 92º do Estatuto da ordem dos Advogados, aprovado pelo Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro.
Acrescentou ainda que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo consignou, ter formado convicção relativamente aos factos provados sob os nºs 15 e 16, no depoimento as­sim prestado em julgamento pelo Advogado Dr. DD
Sublinhou assim, que o depoimento de advogado prestado sobre factos abrangidos pelo sigilo profissional, constitui prova obtida com violação do referido dever, tratando-se por tal razão, de prova materialmente proibida e, por isso, ilícita, não podendo fazer prova em juízo (artº 92 nº 5 do EOA e 125º do C.P.P.).
Requer por fim, que o depoimento do Dr. DD seja declarado nulo, com as ne­cessárias consequências relativamente à prova decorrente do mesmo, da qual o tri­bunal a quo se que serviu, para dar como provada matéria assente na decisão em crise sob os números 15., 16., 22., 23., 26., 28., 29. e 30, com as legais consequên­cias.
O MP na sua resposta ao recurso veio contraditar esta sua pretensão, revelando não estar de acordo com o arguido neste ponto.
Sustenta que o depoimento da mencionada testemunha, conforme referido na motivação de facto foi “muito evasivo” (cfr. fls. 22 da Sentença) e praticamente limitou-se a confirmar ter sido ele a elaborar e a dar entrada da petição inicial no proc. cível nº 443/12.7… e submeter nesses mesmos autos o termo de transacção as quais aliás constavam já dos autos (cfr. fls. 111 a 114 e 127 dos autos e cfr. fls. 15 e 16 da Sentença).
Conclui assim o MP, que não se verificou qualquer violação do dever de sigilo profissional por parte da mencionada testemunha que quando questionada sobre algum aspecto mais em concreto da relação Advogado / cliente sempre foi – conforme se salienta na Sentença a fls. 22 – “muito evasivo”, limitando-se basicamente a confirmar ter elaborado e dado entrada da petição inicial no processo cível nº 443/12.7… e a submeter nesses mesmos autos o termo de transacção, documentos esses que constam dos autos.”
Cumpre pois decidir, se no caso em apreço, o depoimento da testemunha DD (Advogado) não podia ser tido em conta pelo Tribunal a quo, como efectivamente foi, para sustentar a sua convicção, porquanto os factos sobre os quais a mesma prestou depoimento, estavam a coberto do sigilo profissional e não foi o mesmo levantado, tal como veio invocar o arguido.
Vejamos.
Importa antes de mais ter presente o Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela lei nº 145/2015 de 9.9, quanto a esta questão concreta, sendo de especial relevância o preceituado no artº 92º/1 a), f) nº 3 e nº 5 deste diploma legal.
Artigo 92.º
Segredo profissional
1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no nº 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no nº 5.
8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração, consistindo em infração disciplinar a violação daquele dever.
Igualmente se impõe observar o preceituado no artº 135º/1 do CPP (segredo profissional), onde se permite que certas pessoas, como ministros de religião, advogados, médicos, jornalistas e outros, se escusem de testemunhar sobre factos protegidos pelo seu segredo profissional.
Neste artigo, o CPP também regula os procedimentos para lidar com dúvidas sobre a legitimidade ou justificação da mencionada escusa, nomeadamente o incidente da quebra do sigilo profissional, designadamente quando o Tribunal de julgamento, entenda ser imprescindível para a descoberta da verdade material, a prestação do depoimento coberto pelo segredo profissional.
E por fim dispõe o artº 125º do CPP: “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”.
E o artº 355º/1 do CPP preceitua que “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de fornaçao da convicção do Tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.”
Ora no caso em apreço, sem dúvida que a prestação do depoimento deste Advogado Dr. DD, estava sujeito ao segredo profissional e que o mesmo, ainda que qualificado de “muito evasivo” pela Sr Juíza do Tribunal a quo, se pronunciou em audiência sobre factos, cobertos pelo segredo profissional, pois que teve acesso aos mesmos, no ânbito mandato forense que lhe foi conferido por ..., em relação à qual, foi julgado provado na sentença recorrida, que o arguido era gerente de facto, na data em que os crimes foram cometidos, e além do mais tratam-se de factos em relação aos quais, não foi possível obter prova directa.
Na verdade, face à negação da prática dos crimes pelo arguido, o depoimento desta tesmunha foi importante para formar a convicção do Tribunal a quo:
- não só quanto à qualidade de gerente de facto do arguido, mas também quanto à intervenção directa deste arguido, na feitura do contrado de arrendamento e termo de transação judicial e autoria das respectivas assinaturas, bem assim quanto à autoria do responsável pela decisão: da instauração pela firma ..., em ........2012 da acção declarativa de condenação contra a ... (processo 443/12.7…); e também quanto à identificação do responsável pela decisão de se juntar a este último processo em ........2012, o referido termo de transação, a fim de ser obtida a sentença homogatória da transação onde o Tribunal, viria a homologar o acordo das duas empresas litigantes nessa acção, referente à forma de pagamento gradual do crédito de 6000.000,00 euros;
- e ainda quanto à identidade do responsável pela decisão de apresentação do requerimento para instauração em juízo de um processo especial de revitalização (PER), apresentado por este Advogado em ........2012 em Tribunal, segundo iniciativa do arguido, tendo esse requerimento sido instruído com os documentos que foram fornecidos ao referido mandatário pelo arguido – requerimento esse que originou o processo n° 1173/13.8..., do Tribunal do Comércio de Lisboa.
Com efeito na motivação da decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente sobre a factualidade provada descrita sob os pontos 15., 16., 22., 23., 26., 28., 29. e 30, ficou expresso na sentença, o seguinte:
1) – o Tribunal a quo consignou, a página 15 e 16, Assim, para a prova dos factos dados como provados e constantes dos pontos 1 a 3, 5, 11, 13, 14, 24, 27, 32 a 35, 52 a 55, o Tribunal formou a sua convicção com base na prova documental junta aos autos, designadamente (...), a petição inicial subscrita pelo advogado Dr. DD, de fls. 111 a 114, (...), o termo de transacção judicial” datado de ........2012, de fls. 127, despacho judicial homologatório de transacção proferido no âmbito do proc. nº 443/12.7… de fls. 129 e 130 (...) a reclamação de créditos da sociedade ... (...)”; - e a página 22:Louvou-se ainda o Tribunal no depoimento da testemunha DD advogado que subscreveu a petição inicial da ... contra a ... e bem assim quem remeteu àqueles autos o termo de transacção. Esta testemunha, apesar de ter prestado um depoimento muito evasivo, ainda assim confirmou que em 2012 quando intentou a acção judicial em causa nos autos falou ao telefone com o Dr. AA a propósito desta acção e que os documentos necessários para esta acção e o termo de transação lhe foram deixados no seu escritório pelo estafeta das empresas do arguido. Mais referiu que na altura estava em início de carreira (perfil ideal), tendo sido por recomendação do Dr. UU, advogado que há muito tra­balhava para o arguido e suas empresas, que foi estagiário do seu pai e que estando “sobrecarregado” e porque tinha alguns processos em que havia “incompatibilidade”, teria indicado o seu nome para intentar esta acção e assegurar outros processos”; e a páginas 27 e 28 “No caso dos autos, resultou demonstrado que o arguido recorreu ao Advogado DD, dando a estes instruções para em nome da ..., instaurar em .../.../2012 uma acção declarativa de condenação contra a ...., com fundamento no incumprimento de um suposto contrato de ar­rendamento. Essa acção veio a correr termos nas então denominadas Varas Cíveis de Lisboa, com o nú­mero de processo 443/12.7…. Em data anterior e próxima a .../.../2012, o arguido AA redigiu e assinou, no campo aí identificado como sendo da administração da ... aquilo que quis que passasse, como passou, por documento de transacção judicial, segundo o qual esta sociedade comercial reconheceu perante a ..., ser devedora da quantia de 6.000.000 € e se obrigou a pagá-la em vinte e quatro prestações semestrais, cada uma no valor de 250.000€, vencendo-se a primeira destas em .../.../2012. Seguidamente, o arguido AA fez aquilo que passasse pela assinatura de repre­sentante legal da ...
Após o arguido AA entregou esse suposto documento de transacção judicial a Advogado DD, dando a este instruções para que o fizesse juntar ao Processo n° 443/12.7…, o que este fez em .../.../2012. Nessa sequência, em .../.../2012 foi proferida sentença homologatória da referida transacção no âmbito desse Processo n° 443/12.7…”
Não vale assim, vir invocar como fez o MP, que o depoimento deste Advogado se limitou a confirmar documentos existentes nos autos, quando em rigor, resulta evidente que o mesmo se revelou essencial (até no que respeita à questão da autoria das assinaturas apostas nos referidos documentos, uma vez que não foi realizada prova pericial quanto a essas assinaturas) e foi o mesmo utilizado pelo Tribunal a quo, para formar a sua convicção quanto a vários factos (descritos sob os pontos 15., 16., 22., 23., 26., 28., 29. e 30. e 31.da factualidade provada) em que o arguido alegadamente teve intervenção directa (mas negada por este em juízo).
A prova destes factos, é determinante para se conseguir sustentar a tese da acusação, no sentido de que o arguido agiu sempre como gerente de facto das duas empresas e simulou as situações de facto retratadas nos referidos documentos (nomeadamente o arrendamento, a existência do crédito de 6.000.000,00 euros, e o acordo inerente ao termo de transação apresentado em juízo, na mencionada acção declarativa de condenação), com vista a conseguir alcançar os objectivos que o MP lhe aponta na acusação e surgem descritos na sentença, sob os pontos 37. a 50. da factualidade provada.
Deste modo, tudo visto, na óptica do arguido, o depoimento de advogado prestado sobre factos abrangidos pelo sigilo profissional, constitui prova obtida com violação do referido dever tratando-se, por tal razão, de prova materialmente proibida e, por isso, ilícita, não podendo fazer prova em juízo (artºs 92 nº 5 do EOA e 125º do C.P.P.).
Sublinha também, que o segredo profissional não está na disponibilidade da vontade das partes, sendo um imperativo de interesse público (cfr artº 26º e 27º da sua motivação).
Entendemos que assiste razão ao recorrente neste segmento do seu recurso.
A convicção de um Tribunal assente num meio de prova proibido, que é insusceptível de valoração (artº 92º/5 do Estatuto da AO e artº 125º do CPP), tem como consequência insuperável e inegável, que se trata de uma convicção inválida, pois que a prova que a sustenta é nula.
Em consequência, este Tribunal julga nulo o depoimento do Advogado prestado em audiência (por ser uma prova proibida por lei), em consequência julga-se também nula a sentença recorrida proferida na 1ª instância, na medida em que fez assentar a condenação do arguido pela prática do crime de burla qualificada tentada e insolvência dolosa consumada, no depoimento do Advogado DD, que constitui uma prova proibida - por ter sido prestado, sem a necessária dispensa da sujeição ao dever de segredo profissional, a requerer nos temos e para os efeitos do artº 135º do CPP.
No sentido de que por norma, aquele que está sujeito ao dever de guardar segredo ou sigilo, se obteve o conhecimento de factos, devido a uma especial relação de confiança com quem lhe presta a informação, justifica-se a sua não divulgação, quando não existe consentimento ou causa justificativa, vde o Ac. do TRC de ........2017.
No sentido de que, a invocação pelo arguido condenado de que, contra si, foram usados métodos proibidos de prova deve ser decidida pelo Tribunal de recurso, ainda que se trate de questão nova, pois da resposta que for dada irá depender a validade da matéria de facto estabelecida através de tal uso indevido e ilegal. Isto é, a nulidade das provas que decorre do uso de métodos proibidos pode e deve ser conhecida a qualquer tempo, vde o Ac. STJ de ...-...-2012.
No sentido de que, a nulidade de tal meio de prova (depoimento de Advogado sujeito a segredo profissional e não dispensado do mesmo) importa a nulidade da sentença que se fundamenta na prova assim obtida, veja-se o Ac. TRP de 23-04-2008, CJ, 2008, T2, pág.233 - quanto a uma situação de natureza similar, em que a convicção do julgador assentou em prova obtida pelo sistema de videovigilância mandado instalar pelo ofendido, no seu estabelecimento comercial sem autorização da Comissão nacional de Protecção de Dados, sem parecer da Comissão de Trabalhadores e sem a afixação de dístico a anunciar a sua existência.
Quanto à quebra do sigilo profissional, releva ainda o já decidido no Ac. TRL de 24-09-2008, CJ, 2008, T4, pág.134:
“I. A quebra de sigilo profissional dos advogados impõe uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a salvaguarda do sigilo profissional deve ceder ou não perante outros interesses, designadamente o da colaboração com a realização da justiça penal, ponderando-se a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime em causa e a necessidade de proteção dos bens jurídicos.
II. Ouvida a Ordem dos Advogados, nos termos do artº 135º, nº4 do CPP, o parecer emitido por este organismo não é vinculativo para o tribunal a quem compete decidir o incidente de quebra de segredo profissional.”.
Tudo visto, o recurso do arguido procede nos termos acima expostos, impondo-se o reenvio dos autos para a 1ª instância, a fim de ser reaberta a audiência e aí ser inquirido o referido mandatário Dr DD, com obediência aos preceitos legais – nomeadamente, promovendo o incidente de levantamento do segredo profissional, com audição da Ordem dos Advogados, como previsto no artigo 135º nº 4, do CPP – podendo ainda complementarmente, serem também realizadas outras diligências probatórias, que se entendam pertinentes e absolutamente necessárias para a descoberta da verdade.
Importa na verdade explicitar, que declarada a nulidade da sentença nos termos acabados de expor e ordenado o reenvio, a 1ª instância não fica vinculada à valoração da prova anteriormente produzida, devendo reapreciar integralmente os factos, respeitando o princípio do contraditório.
Fica prejudicada a análise por este Tribunal de recurso, das restantes questões colocadas pelo arguido.
V – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar provido o recurso interposto pelo arguido AA, nos termos supra expostos e em consequência, julgar nula a sentença recorrida, por utilização indevida de prova proibida, determinando o reenvio dos autos, para a 1ª instância, onde deverá ser reaberta a audiência de julgamento, a fim de aí ser inquirido de novo o Advogado DD, com observância dos preceitos legais (em particular o artº 92º/5 do Estatuto da AO e artº 125º e 135º do CPP), e com eventual realização de outras diligências probatórias que se considerem pertinentes, e após ser proferida nova sentença, com sanação da nulidade acima assinalada.
b) Sem custas.

Lisboa, 10 de Julho de 2025
Ana Paula Grandvaux Barbosa
Hermengarda do Valle Frias
Alfredo Costa
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1. DD, advogado, testemunha, inquirido em 27.05.2024, pelas 11:00h a 11:22h, fls. 137 a 156 do Anexo de transcrições da prova oralmente produzida em audiência
2. in “Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal”, Ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1988, págs. 221 e 222
3. cfr. Cavaleiro Ferreira in “Curso de Processo Penal – tomo II, pág. 298.
4. CAEIRO, Pedro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, pág.408
5. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, pág. 626.
6. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, pág. 626.
7. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, pág. 626.