PROVA TESTEMUNHAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário


I – A atividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de fatores, que têm a ver com as razões de ciência, as garantias de imparcialidade, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as coincidências e contradições, ademais de os conjugar com os demais elementos objetivos.
II - O depoimento do condutor interveniente no acidente é um meio de prova de natureza testemunhal e por isso sujeito à livre apreciação do julgador, que deve avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição em termos de coerência e consistência, espontaneidade e sinceridade e com a convicção que dele resultar.
III – Se o acidente não emerge de qualquer ação ilícita imputável ao condutor do veículo seguro que o torne incurso na previsão do artigo 483.º, nº1º do Código Civil, não impende sobre a seguradora a obrigação de ressarcir os danos invocados, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO
           
AA e BB, intentaram contra COMPANHIA DE SEGUROS EMP01... e FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, a presente ação, pedindo seja a R. Companhia de Seguros EMP01... condenada a pagar aos A.A., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais e como danos próprios na qualidade de herdeiros, a quantia total de 405.000,00€, subsidiariamente seja o R. Fundo de Garantia Automóvel condenado a pagar aos AA. a quantia de 405.000,00€; condenados quer a 1.º R. quer a 2.º R nas custas, procuradoria e tudo mais que for de lei e ainda, nos juros calculados à taxa legal em vigor, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Alegam os autores para tanto e em síntese serem únicos e universais herdeiros de CC falecido no dia 13.06.2021 em consequência de um acidente de viação provocado por um segurado da primeira ré e subsidiariamente, por condutor desconhecido, cuja responsabilidade recairá sobre o FGA.

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Citados os Réus, ambos contestaram invocando que o acidente se deveu única e exclusivamente ao de cujus, que se despistou sozinho, saindo da estrada e caindo numa ravina do lado direito atento o seu sentido de marcha, concluindo pela sua absolvição.
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Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo os Réus do pedido.
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Inconformados com a sentença vieram os Autores interpor recurso terminando com as seguintes conclusões:
[…]
9. No entendimento do Tribunal, decisivo para o desfecho do processo, foi o depoimento do condutor do ligeiro LC, DD, entendendo nós que ao depoimento desta testemunha não deve ser dada a credibilidade que o Tribunal efetivamente deu, porquanto se trata do depoimento de alguém que se comporta como parte interessada, já que, soubemos mais tarde, no local do acidente e no mesmo dia foi interrogado, percebeu que era suspeito do crime de homicídio e, mais tarde, foi constituído arguido, o que faz com que tenha todo o interesse em não contribuir para a sua própria condenação, não lhe sendo exigível que em julgamento alterasse o seu prévio depoimento, o que, infelizmente está de acordo com a regras da experiência comum neste tipo de acidentes.
10. A ser assim, face a um acidente em que naquelas circunstâncias (condutor morto, lugar ermo), várias são as vezes em que os condutores responsáveis pelos acidentes assim procedem, convencidos que estão de que não existem quaisquer provas. Impunha-se que o Tribunal fosse, mais cuidadoso, mais abrangente na sua apreciação e tivesse feito uma análise verdadeiramente critica das provas e circunstâncias, o que manifestamente e com o devido respeito por opinião contrária, não aconteceu.
11. Isto é, quanto ao facto verdadeiramente provocador do acidente e, por isso, o facto decisivo (o LC circulava fora de mão), tal e qual se lê no texto da decisão, o Tribunal baseou-se apenas no depoimento do tal condutor do LC, DD (e filha deste, que é a mesma coisa em termos de interesse direto).
12. Ao invés, entendeu o tribunal que as testemunhas que apresentamos como presenciais merecem reservas no comprometimento com a verdade, além do mais porque e continuando o Tribunal, são as únicas que sustentam a tese dos AA., como se se tratasse de uma questão de quantidade de testemunhas e não de qualidade de depoimentos, sendo certo que, conforme se evidenciou nos fundamentos do presente, os argumentos utilizados para evidenciar essa falta de crédito, na verdade e como ficou sobejamente demonstrado, não se verificam.
13. Quanto às contradições, em 16 dos factos provados, resulta que, aquando da interceção do XN com o ligeiro LC, este último foi obrigado a parar e encostar-se à sua direita.
14. Desde logo uma primeira contradição, porventura de menor importância, mas que é bem demonstrativa da falta de rigor: não é possível parar e depois encostar, antes o contrário – encostar e parar.
15. Mas a verdadeira contradição existe se pensarmos que, atendendo à largura da via, devidamente documentada nos autos e da hemi-faixa de rodagem, era impossível o ligeiro, no momento em que se depara com o trator, encostar à sua direita e negar-se que não circulava pela hemi-faixa contrária.
16. Se circulasse na sua hemi-faixa de rodagem, não só não precisava de se encostar à direita, como não tinha espaço para o fazer, atendendo à largura dessa hemi-faixa e à inexistência de berma, o que significa que o veículo ligeiro circulava, na verdade, pelo meio da estrada, obrigando assim o trator a desviar-se para a berma.
17. Este facto, dado como provado, resulta do depoimento do próprio condutor do ligeiro. Foi ele quem declarou que se encostou à direita e, dizemos nós, que só se poderia ter encostado à direita porque vinha circulando invadindo a hemi-faixa contrária.
18. Assim, não é possível em 16 dar como provado que, devido ao trator o LC, teve de se encostar à direita e parar e, ao mesmo tempo, dar como não provado o constante do item a) e z) dos factos não provados.
19. Esta contradição, só por si, obrigava a que no facto provado 16 fosse acrescentado “pois circula invadindo a hemi-faixa contrária” retirando a palavra “obrigado” e o a) dos não provados fosse dado como provado.
20. A este respeito da largura da via, a testemunha Guarda EE, que escreveu o auto e desenhou o croqui, dá-nos uma ajuda imprescindível, quando ouvido no dia 02/10/24 declara que a faixa de rodagem é de linha a linha, sendo, portanto, no local do acidente de 4,20m, mais declarando que desse lado descendente direito não existe berma, existindo barreira logo junto ao alcatrão.
21. Se atendermos que qualquer veículo ligeiro tem em média, pelo menos, 1,80m de largura, a que acrescem 30 cm para ambos os retrovisores, temos que a largura de 2,10m é a largura da hemi-faixa de rodagem onde circulava o ligeiro LC, pelo que, se no momento em que vai cruzar com o trator fosse nessa hemi-faixa de rodagem, não precisava, como afirma o próprio condutor, nem era possível, encostar-se (mais) à direita, porque na verdade não existe esse espaço.
22. Igual entendimento se retira dos documentos n.º 3 e 4 juntos com a petição, onde se vê o monte em cima do alcatrão, não existindo qualquer barreira e, percebendo-se que quem circula desse lado, não consegue fazê-lo normalmente sem invadir a faixa de rodagem contrária.
23. Isto quanto às contradições. Quanto ao demais, errada interpretação, vejamos as concretas provas que ditam resultado diferente do dado como assente:
24. A existência de erva alta do lado direito a subir e onde o trator deixou rastos, factos alegados pelos AA., deu o Tribunal como provados, já não assim quanto ao facto da erva ser espessa e o piso aí estar molhado, factos no nosso entendimento determinante para impedir que o trator voltasse ao alcatrão, já que a erva não deixava virar as rodas da frente e o piso molhado, impossibilitava a aderência e fez com que o trator fosse a escorregar, precipitando-se pela barreira.
25. Prova bastante existe no sentido em que choveu (aguaceiros naquele dia, o piso na berma (não no alcatrão) estava molhado e a erva era espessa). No entanto, refere o Tribunal que só as testemunhas FF e GG confirmaram este facto e nós atrevemo-nos a dizer que todas confirmaram este facto – piso molhado e erva espessa.
26. O Guarda HH, que acompanhou o colega EE no momento do acidente, ouvido no dia 02/10/2024 às 11:12 h, refere textualmente que o piso da estrada (leia-se alcatrão) estava seco, mas notava-se as ervas um bocado húmidas. Repare-se que estamos no Verão, tempo quente, aguaceiros, o que faz com que o alcatrão rapidamente fique seco, mas o chão onde estão as ervas continua molhado por baixo, que foi o que aconteceu.
27. O Guarda EE, questionado no mesmo dia, mas pelas 10h23, não teve dúvidas, quando interrogado sobre isto, esclareceu que o colega HH lhe tinha dito que as ervas estavam húmidas.
28. Mas, até o próprio DD, condutor do Ligeiro e quem, na ótica do Tribunal recorrido, merece toda a credibilidade, disse que, no local do acidente, “apareceram umas senhoras de galochas”, sabendo todos nós e por experiência que, quem anda no campo durante o verão, só usa galochas se a terra estiver molhada.
29. Portanto, não foram apenas duas testemunhas que confirmaram o piso molhado (da berma direita ascendente molhado), antes todas fizeram essa confirmação.
30. A testemunha GG relatou minuciosamente o que viu, explicou onde estava e porque estava, foi claro em afirmar que o veículo ligeiro circulava pelo meio da estrada, numa curva sem visibilidade e, por esse motivo, o trator dá uma guinada para a direita, entra na berma molhada e, porque não consegue corrigir a trajetória devido à erva e ao piso molhado, acaba por se despistar.
31. Sobre o motivo de o trator não ter parado no espaço em que, após guinar para a direita, também a testemunha FF explicou corretamente o motivo, mais referindo que, apesar de estar bastante desviado, não vendo o risco contínuo, viu o trator dar uma forte guinada para a direita para se desviar do veículo ligeiro, mais acrescentando que se não fosse a forma como este circulava, pelo meio da estrada, o trator não se despistava.
32. Ambos confirmaram e explicaram aquilo que as fotografias documentos n.º 3 e 4 juntas com a pi bem evidenciam: no local onde circulava o ligeiro, sentido descendente do lado direito, mesmo em frente ao sítio onde se despistou o trator, a curva não tem visibilidade, não existe berma, a estrada é muito apertada e no fundo da barreira em rocha que praticamente toca no alcatrão, existe uma saliência para a estrada, que obriga os condutores a invadir a faixa de rodagem contrária, nomeadamente quando essa saliência está coberta de monte como era o caso.
33. Não esquecer que a testemunha DD afirmou que viu no local um tal II, que é exatamente o pai da testemunha GG. E que este, DD, disse que parou junto de si um veículo ligeiro marca ..., sendo que a mesma testemunha também afirmou ter falado no local com o condutor deste ... e que o Guarda EE confirmou ter visto no local o seu colega polícia, a testemunha FF.
34. Resulta assim evidente que, das concretas provas e numa análise profunda, circunstancial e crítica, a decisão deveria ter sido pela procedência da ação e urge, por isso, alterar os factos provados e não provados conforme o exposto.
35. Este entendimento resulta ainda das regras da experiência e do normal do acontecer: o falecido era da aldeia onde se deu o acidente, manobrador de máquinas com grande experiência, passava ali, pelo menos, duas vezes ao dia e, por isso, conhecedor profundo da estrada, está a subir, conduz sem álcool, velocidade na casa dos 20 Km/hora, pois essa é a velocidade normal para um trator e então a questão que se coloca é a seguinte: o que de facto aconteceu para o trator sair para a berma e não ter voltado ao alcatrão?
36. A este propósito, bem respondeu o Guarda HH quando perguntado se é normal um trator despistar-se na estrada, ao que ao mesmo respondeu negativamente, não tendo conhecimento de qualquer despiste de um trator na estrada.
37. Analisar um acidente com trator é um exercício muito específico, cheio de particularidade, pois este tipo de veículo tem uma condução e comportamento bastante diferente de um automóvel, pelo que faz todo o sentido a tese de que se o mesmo entrar com as rodas de um lado em terra batida com erva e chão molhados, dificilmente volta ao alcatrão.
38. Dúvidas não nos restam que o trator sai do alcatrão para se desviar do ligeiro, que circulava invadindo a faixa de rodagem contrária, aparece rápido porque a curva não tem visibilidade.
39. Devemos, assim, concluir:
- O facto 6 dado como provado deve ter a seguinte redação: “Nas circunstâncias de momento e lugar referidas em 4.º, o piso do alcatrão estava seco, mas a berma direita ascendente e piso do mesmo lado estava molhado e com erva espessa.”
- O facto 7 dado como provado deve ter a seguinte redação: “a via não apresenta obstáculos, no entanto, no local do acidente, na parte inferior da barreira do lado descendente, existe uma saliência coberta de monte que obriga os condutores que aí circulam a invadir a hemi-faixa contrária”.
- No 16 dos factos provados, deve ser retirada a palavra “foi obrigado” ou dar-se como não provado.
- O facto a, b, c, d, f, g, h, i, j, k, l, e n, devem ser dados como provados.
40. E concluir-se pela procedência da ação, calculando-se os necessários danos sofridos pelos AA. e demais direitos destes, o que se requer.
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A Ré EMP01... apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação e manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
– Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Do mérito da sentença.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.2.1. Factos Provados
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. CC faleceu no dia 13.06.2021, no estado de casado com a primeira autora, AA.
2. O segundo autor, BB, é filho da primeira autora e de CC.
3. CC deixou como únicos e universais herdeiros os autores.
4. No dia 13.06.2021, entre as 20:00h e 20:30h, na estrada municipal ...10, entre o km 0,2 e 0,5, Freguesia ..., Concelho ..., ocorreu um sinistro de viação.
5. A estrada, no sentido ascendente, faz uma curva para a esquerda, sendo que o meio do angulo da curva não é visível para quem vem no sentido descendente ou ascendente, o que faz com que os veículos que se cruzam sensivelmente ao meio da curva e só naquele momento é que se avistam.
6. Nas circunstâncias de momento e lugar referidas em 4., o tempo estava bom e o piso seco,
7. A via não apresentava obstáculos, 8. E a visibilidade no local era boa,
9. A berma direita da estrada no local referido em 4., tinha erva com altura de 50/60 cm.
10. Foi interveniente no sinistro de viação apontado em 4. CC, que conduzia o veículo trator agrícola, matrícula ..-..-XN.
11. Tal veículo trator agrícola, matrícula ..-..-XN, tinha, à data referida em 4., a sua responsabilidade por danos causados por sinistro a terceiros transferida para a EMP01..., nos termos da apólice com o nº ...62.
12. No local e à hora indicada em 4., CC, conduzia o trator XN no sentido ascendente, em direção à aldeia das ....
13. O trator XN tinha apostas as guardas/arcos de proteção do condutor.
14. No local e à hora indicada em 4., o veiculo matricula ..-LC-.., conduzido por DD, circulava na direção ... – ..., em sentido descendente.
15. O veículo ..-LC-.. conduzia a uma velocidade adaptada à via e às suas características.
16. Aquando da interceção do XN e do LC este último foi obrigado a parar e encostar-se à sua direita, atento o seu sentido de marcha.
17. Após, o tractor XN, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas em 4 e em 12. prosseguiu, volvendo à sua direita, atento o seu sentido de marcha, rompendo ribanceira abaixo, pois CC não conseguiu imobilizá-lo na berma, em espaço livre e visível à sua frente.
18. Entre o momento da incursão do trator na berma direita da estrada e a da sua morte, JJ sofreu angústia e sentiu a percepção da morte.
19. O condutor do LC parou e telefonou para o 112 e bombeiros a fim de ser o condutor do trator socorrido.
20. Entre o período compreendido entre 21.12.2013 e 24.12.2023 o veículo ..-LC-.. tinha transferido, pela apólice n.º ...84, a responsabilidade pelos danos causados a terceiros para a companhia de seguros EMP01....
21. KK passava no local referido em 4., conduzindo, pelo menos 2 vezes ao dia, dado residir em ....
22. Exercia a sua profissão de forma cuidadosa, experiente e zelosa, 23. Não apresentava álcool no sangue no momento do sinistro.
24. Aos fins de semana e feriados o falecido dedicava-se à agricultura, plantando e colhendo produtos que consumiam em casa, nomeadamente castanhas.
25. Em 13.6.2021, CC tinha 58 anos,
26. Era motorista profissional, na empresa EMP02..., onde trabalhava há mais de 10 anos.
27. CC auferia, mensalmente, um salário base no valor de 650 euros, a que acrescia o valor das horas extraordinárias, acaso as realizasse,
28. Era um homem trabalhador, 29. Alegre,
30. Preocupado com a mulher e o filho, 31. Bem-disposto,
32. Sociável e
33. Estimado no meio onde vivia e pelos colegas.
34. Os autores tinham uma enorme estima, apreço, carinho, amizade e amor por CC.
35. A morte de CC constitui para os autores uma perda irreparável. 36. Os autores sentiram-se e sentem-se psicologicamente abalados,
37. Deprimidos, 38. Tristes.
39. O autor, filho de CC, tinha 20 anos em 13.6.2021.
40. A autora recebeu do IPSS, a título de subsidio por morte de CC, a quantia de 1.316,43 euros.
41. A autora recebe, desde 1.6.2021, do IPSS uma pensão de sobrevivência, no valor mensal de 281,27 euros.
42. A autora tinha, em 13.6.2021, 46 anos.
43. O sinistro em questão nestes autos deu origem ao inquérito com nº 61/21.9GAVNH, onde foram investigados factos suscetíveis, em abstracto de configurar a prática de um crime de homicídio por negligencia, p.e p. pelo artigo 137.º do Código Penal, o qual foi encerrado mediante prolação de despacho de arquivamento.
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3.1.2. Factos Não Provados

Inversamente, foram dados como não provadas os factos alegados:
a) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas em 4 e 12 dos factos provados o trator com matrícula ..-..-XN deparou-se com o veículo ligeiro de passageiros, com a matriculo ..-LC-.., a ocupar parte da sua hemi-faixa de rodagem.
b) E nessa sequência, para evitar a colisão, o trator com matrícula ..-..-XN guinou para a direita ingressando pela ribanceira abaixo.
c) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas em 4 e 10 dos factos provados o trator com matrícula ..-..-XN deparou-se com um veículo não identificado a ocupar parte da sua hemi-faixa de rodagem.
d) E nessa sequência, para evitar a colisão, guinou para a direita ingressando pela ribanceira abaixo.
e) Tal ribanceira tinha cerca de 2/3 metros de altura.
f) A faixa de rodagem no local da estrada referido em 4 e 10 dos factos provados mede 4,20m de largura.
g) Os condutores que circulam no sentido descendente (...), no local em causa, têm tendência para saírem fora da sua hemi-faixa de rodagem, pois ao meio da curva para a esquerda, no sentido ascendente, do lado direito, o talude, na base, apresenta um elemento rochoso e saliente que provoca nos condutores o reflexo de dele se desviarem e guinarem para a esquerda.
h) Os condutores que circulam no sentido descendente (...), atenta a largura da sua hemi-faixa rapidamente passam a circular, em parte na hemi-faixa contrária, ocupando-a.
i) No dia 13.6.2021 choveu, sob a forma de aguaceiro.
j) A erva na berma da estrada (referida em 9. dos factos provados) era espessa e encontrava-se molhada.
k) O referido no ponto precedente contribuiu para diminuir a aderência dos pneus do trator ao piso e impediu o seu condutor de colocar o veículo novamente no asfalto.
l) O tractor agrícola XN seguia a uma velocidade adequada para o local.
m) O tractor agrícola XN encontrava-se em perfeito estado de funcionamento,
n) Circulava, naquele momento, no máximo a 20 km/hora, dentro da sua hemi-faixa de rodagem e respeitando as demais regras estadais.
o) Os autores levam uma vida diária de sofrimento,
p) O falecimento de CC retirou aos autores a vontade de trabalhar, divertir, alimentar e demais prazeres da vida,
q) Os autores dependiam de CC para viver em termos económicos,
r) Ambos os autores estão sem emprego. s) CC teve morte imediata.
t) CC retirava do cultivo de castanheiros um montante anual que rondava os 2.000/2.500 kg e que vendia, um rendimento anual não inferior a 3.000,00€.
u) CC trataria da sua agricultura até aos seus 70 anos de idade, auferindo nesse âmbito da qual auferiria o valor de 36.000,00€.
v) Auferia mensalmente, a título de vencimento, uma quantia líquida não inferior a 1.000 euros.
w) O valor da reforma mensal de velhice de KK seria de 600 euros.
x) KK era um homem robusto.
y) CC pautava a sua condução na estrada em questão pelo facilitismo e desatenção.
z) Quando o veículo ..-LC-.. descrevia uma curva à sua direita surge-lhe o trator XN a velocidade superior a 40 Km/hora e em descontrolo total.
aa) A curva referida em 5. dos factos provados fica a 500 metros da aldeia de ....
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3.2. O Direito
3.2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
Os Recorrentes consideram que houve erro na apreciação da prova quanto aos factos provados n.ºs 6, 7 e 16 que deveriam ter sido julgados como não provados (ou provados com outra redação) e, quanto aos factos não provados sob as alienas a), b), c), d), f), g) , h), i), f) , k) , l) , n) e z), que deveriam considerar-se como provados.
Consideram ainda ser contraditório dar por provado o facto provado 16 com o não provado em a) e o não provado em z).
Fundamentam a sua impugnação sustentando que deve ser desvalorizado o depoimento do condutor do veículo LC, porque parte interessada, e ao invés do que considerou o tribunal deve dar-se prevalência ao depoimento das testemunhas GG e FF.
Apreciemos.
Os factos que vêm impugnados respeitam à dinâmica do acidente.
Começam os impugnantes por evidenciar contradição no facto provado 16º e não provado a). Referem quanto ao primeiro que não é possível “parar” e “encostar-se à direita”, sendo que possível será o contrário: encostar-se à direita e parar. Daqui decorre que se, no momento em que os veículos se cruzam, o LC tem de se encostar à direita da via, é porque não circulava no lado direito dessa via e assim forçoso será concluir que só se encostou à direita porque seguia pelo meio da estrada.
Ressalvado o devido respeito, a circunstância de se encostar à direita não permite sem mais a conclusão de que seguia pelo meio da estrada. Nem o cálculo efetuado tendo por base a largura da estrada (de 4,20 m, sendo de 2,10 a hemi-faixa), e a largura do veículo LC (aproximadamente de 1,80) autoriza essa conclusão.
Donde, quanto a estes factos não há contradição.
Insurgem-se depois quanto aos factos referentes ao tempo, se o piso estava seco, se existia erva espessa e húmida na berma da estrada e se isso afetou a aderência do trator – factos provados em 6.º e não provados em i), j) e k).
Fundamentam que sendo verdade que o guarda HH, que fez a ocorrência do acidente, disse que o piso estava seco, também é certo que referiu que quando andou a ajudar a tirar as medidas, ao “deitar as mãos às ervas notava-se que estavam um bocado húmidas”.
Tal corresponde ao declarado pela testemunha, mas isso não quer dizer, como pretendem os autores, que a berma direita ascendente e piso do mesmo lado estava molhado e com erva espessa, pois o que resultou com segurança foi tão só que o tempo estava bom e o piso, leia-se estrada, estava seco. Não deixa de se salientar que neste ponto, o guarda EE, que tomou conta da ocorrência, declarou não se recordar de as ervas estarem húmidas.
Quanto à configuração da via, admitindo os impugnantes que no momento a via não apresentava obstáculos, pretendem, no entanto, que se consigne que no local do acidente, na parte inferior da barreira do lado descendente, existe uma saliência coberta de monte que obriga os condutores que aí circulam a invadir a hemi-faixa contrária.
Nenhum meio de prova permite tal ilação, nada havendo que permita concluir pela existência de uma saliência que obriga os condutores a invadir a hemi-faixa contrária. Improcede, assim, a pretendida alteração.
Quanto à dinâmica do acidente, propriamente dita.
A pretensão dos autores vai no sentido de ser relevado o depoimento das testemunhas GG e FF e desconsiderado o depoimento das testemunhas DD, condutor do LC e LL, sua filha.
Quanto às testemunhas GG e FF, que em suma afirmaram terem presenciado o acidente o qual se deveu ao facto de o condutor do ligeiro ter invadido a hemifaixa de rodagem do condutor do trator, o que está em causa é aferir da credibilidade do seu testemunho.
Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
Exista ou não univocidade no teor dos depoimentos das testemunhas, os motivos pelos quais se lhes confere credibilidade têm subjacente elementos de racionalidade e experiência comum, avaliando-se a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante e numa base de verosimilhança.
Por isso, a atividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de fatores, que têm a ver com as razões de ciência, as garantias de imparcialidade, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as coincidências e contradições, ademais de os conjugar com os demais elementos objetivos.
Compreende-se, em razão disso, que a lei disponha que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Certo, no entanto, que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, mas apreciação que se realiza de acordo com critérios lógicos e objetivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objetivável e motivável.
Neste sentido, o depoimento das testemunhas GG e FF não pode ser relevado por uma razão fundamental. Afirmam encontrar-se no local e ter presenciado o acidente, quando não foram vistos por ninguém. É absolutamente inverosímil que um acidente desta magnitude e gravidade não impelisse estas testemunhas, que tão bem conheciam o condutor do trator, para junto dos intervenientes, desde logo para se inteirarem do seu estado de saúde e eventual prestação de socorro.
A justificação avançada sobre o motivo pelo qual os militares da GNR não viram a testemunha GG, assente no conhecimento geral que, num caso destes, o local é vedado e não é permitida a permanência de ninguém, ordem que é mantida pela G.N.R., obviamente não pode colher, pois que, isso sim é do conhecimento geral, a preocupação da GNR nestes casos é identificar testemunhas presenciais do acidente.
A mesma estranheza, inultrapassável, quanto à testemunha FF.
Esta testemunha referiu que no local onde se encontrava via perfeitamente o trator, que reconheceu ser do CC porque este tinha acabado de lhe entregar uma cisterna e seguia na estrada em direção às ..., e afirma que “à distância que estou não consigo ver a marcação da estrada, mas vejo perfeitamente que o trator se desvia do carro e se não fosse o carro não havia acidente”.
Todavia, admite que quando chegou ao local já lá estava a GNR e o INEM, e, não obstante ser policia e pessoa próxima do condutor do trator, não informou as autoridades que havia presenciado o acidente. Só após o funeral, contou à mulher do falecido CC que tinha visto o acidente. Explica que no momento do acidente não se apresentou porque estavam lá as autoridades e que nestas circunstâncias considera preferível não intervir.
Como está bom de ver, e a testemunha não tem como ignorar, não era a sua intervenção como profissional que se exigia, antes como cidadão, com responsabilidade acrescida, que impunha que declarasse, no momento, ter presenciado o acidente.
De notar, que apesar destas testemunhas serem amigos do falecido e afirmarem estarem próximos do local e terem presenciado o mesmo, foi o condutor do LC a telefonar para as autoridades e para linha de emergência médica.
Daí que, do mesmo modo que o tribunal recorrido, não nos convencemos da veracidade do depoimento destas testemunhas.
Sufragamos o que na sentença a este propósito se expressou: «Veja-se, desde logo, que são testemunhas que se predispõem à colaboração com a justiça em momento já avançado da investigação no inquérito 61/21.9GAVNH (e no qual a aqui autora declara que apenas apresentará testemunhas dos factos depois de saber o resultado da autopsia – cfr. despacho de arquivamento junto aos autos). Embora expressem ter estado no local, ninguém as viu e nem elas próprias se deram a ver, nem mesmo transmitiram aos militares ali presentes que tinham visto o sinistro e, por isso, podiam esclarecer o que havia sucedido. Tal omissão é particularmente espantosa no caso da testemunha FF, atenta a sua actividade profissional de policia de segurança pública».
Evidencia-se que não está em causa avaliar qualquer estratégia processual ou o uso do arquivamento do inquérito como prova indiciária, antes e tão só, avaliar a credibilidade das testemunhas como impõe uma análise séria e critica das provas.
 Por outro lado, não há motivo algum para que seja desvalorizado o depoimento das testemunhas DD, condutor do LC e LL, sua filha.
O argumento de que são partes interessadas, já que se trata do condutor do veículo interveniente e da sua filha, não pode colher.
Em primeiro lugar porque se estaria a fazer um pré-juízo quanto ao seu valor probatório. Estar-se-ia a desvalorizar o seu depoimento partindo do pressuposto de que elas se limitarão a confirmar a versão da seguradora, e dada a eminência de o condutor ser constituído arguido.
A demonstração de que o depoimento do condutor como testemunha, abstratamente considerado, não é um ato inútil para a decisão que ao juiz cabe proferir no processo radica, desde logo, na consagração legal do condutor como testemunha.
Circunstância diferente é a valoração do depoimento em face das especificidades concretas.
O depoimento do condutor interveniente no acidente é um meio de prova de natureza testemunhal e por isso sujeito à livre apreciação do julgador, que deve avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição em termos de coerência e consistência, espontaneidade e sinceridade e com a convicção que delas resultou.
Depois de proceder à audição do depoimento de DD, condutor do veículo ..-LC-.., convencemo-nos da credibilidade e fiabilidade do por si declarado.
Esta testemunha referiu, em síntese, que seguia na estrada no sentido descendente (... – ...) e que aquando da interceção com o trator agrícola foi obrigado a parar e encostar-se à direita, após o que o trator prosseguiu e voltou à sua direita, atento o seu sentido de marcha, rompendo ribanceira abaixo, pois o seu condutor não conseguiu imobilizá-lo na berma.
Este depoimento foi corroborado pelo depoimento da testemunha LL, filha do condutor do LC e que seguia no veículo como passageira no banco traseiro.
Estas testemunhas depuseram de forma fluída, espontânea, objetiva e os seus depoimentos apresentaram-se coerentes em si e entre si.
De notar que a testemunha LL (enfermeira de profissão) se dirigiu até ao local onde o trator ficou imobilizado após o acidente, verificando o estado do condutor, tendo afirmado de forma perentória, que no local não se encontravam as testemunhas GG e FF, do que ficamos convencidos.
De toda a prova produzida, para além da já analisada, também a prova documental, consubstanciada nos fotogramas, participação crime e relatório técnico de inspeção ao local elaborado pelo NICAV e ainda o que foi declarado pelos militares da GNR HH e EE, conclui-se pela indemonstração da versão do acidente nos termos descritos pelos autores.
Resulta do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida no que se refere à factualidade impugnada, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido.
Termos em que, nesta parte, improcede a apelação.
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3.2.2. Do mérito da sentença
O direito que os autores pretendem fazer valer através da presente ação inscreve-se no domínio da responsabilidade civil aquiliana que radica em quatro pressupostos essenciais: o facto ilícito, o nexo de imputação subjetiva, o dano e o nexo de causalidade.
Analisando a dinâmica do acidente, para em conformidade valorar juridicamente a ação dos respetivos intervenientes de molde a apurar o seu grau de contribuição ou responsabilidade na produção do mesmo, impõe-se considerar que apenas se apurou que o trator XN ao cruzar-se com o veículo LC a meio de uma curva, saiu da estrada e resvalou pela ribanceira, na sequência de uma viragem à direita, não sendo imputável esta ação ou efeito a qualquer conduta do condutor do veículo LC.
Com efeito, não se surpreende na atuação do condutor do veículo LC qualquer infração ou violação do dever de cuidado que o façam contribuir para a produção do acidente de forma culposa.
Por outro lado, também não contribuiu para a eclosão do sinistro o risco próprio do veículo.
Este concurso com o risco, está no caso afastado.
Na verdade, a medida do risco causado com a circulação rodoviária de certa viatura deve fixar-se em função da sua vocação ou aptidão para, em caso de colisão, provocar danos acrescidos no outro interveniente no sinistro. Tratando-se de um veículo ligeiro é até menor a sua capacidade de infligir danos relevantes no outro condutor que conduzia um trator agrícola.
Em suma, porque o acidente não emerge de qualquer ação ilícita imputável ao condutor do veículo LC que o torne incurso na previsão do artigo 483.º, nº1º do Código Civil, não impende sobre ré seguradora a obrigação de ressarcir os danos invocados pelos autores, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade.
Pelo exposto, impõe-se concluir pela improcedência dos fundamentos de recurso deduzidos pelos apelantes e pela consequente improcedência da presente apelação, com a confirmação da sentença recorrida.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 10 de Julho de 2025

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º Adj. - Des. Paula Ribas