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RENÚNCIA AO MANDATO
NOTIFICAÇÃO AO MANDANTE
Sumário
I- A contagem do prazo de 20 dias previsto no art. 47.º n.º 3 do CPC inicia-se com a primeira notificação pessoal da parte da renúncia do mandatário; a eventual repetição da notificação pelo tribunal, por excesso de zelo, não suspende nem reinicia o prazo legal. II- Num caso de patrocínio obrigatório e operando a renúncia ao mandato e não constituindo mandatário naquele prazo, prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor ( exequente, requerente), se faltar advogado ao réu ( executado ou requerido). III- Apenas se se frustrar a notificação pessoal do mandante réu ( executado, requerido, reconvindo), e o patrocínio for obrigatório, há lugar, por imposição do nº4 , à nomeação oficiosa de advogado pelo juiz da causa. IV- A realização da audiência de julgamento sem a apelante/ré estar representada por mandatário, não posterga o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, nem viola o princípio do contraditório, princípios consagrados no artigo 20.º da CRP. V- Para que um vício relativo à tramitação processual seja suscetível de, eventualmente, inquinar a validade da sentença, é necessário que a nulidade processual apenas seja evidenciada na própria decisão.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- RELATÓRIO:
AA, titular do NIF ...03, residente na Rua ..., ..., em ..., veio requerer a conversão da separação judicial de pessoas e bens em divórcio contra BB, titular do NIF ...65, residente na Rua ..., ..., em ..., alegando, além do mais, que, depois de decretada a separação de bens e pessoas por mútuo consentimento, está separado de facto da requerida há mais de sete anos estando a relação irremediavelmente finda, pelo que requer seja determinado o seu divórcio.
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Citada, a requerida deduziu oposição, sustentando que não estão comprometidos os laços do casamento, pois que o casal viveu junto, e ininterruptamente, desde a celebração do seu casamento até Agosto de 2021, tendo o propósito de manter o vínculo matrimonial, pelo que, pede que não seja determinado o seu divórcio.
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Em 14-01-21025 foi proferido o seguinte despacho : “ Os autos foram remetidos a este ... de ... pela CRC .... Autor e re residem em .... O autor veio aos autos declarar que não se opõe à remessa dos autos ao .... Pelo exposto, determino em conformidade a remessa dos autos ao ... Dn Após, trânsito remeta os autos ao ....”
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Em 21-01-2025, vieram as mandatárias da ré, renunciar ao mandato e requereram “ que sejam feitas as notificações previstas no art. 47.º, nr. 1 do Código do Processo Civil “.
Em 3 de fevereiro de 2025, a secretaria enviou carta com aviso de receção para a recorrente ser notificada da renúncia ao mandato efetuado por ambas as mandatárias constituídas, sendo que o aviso de receção de tal notificação indica como data de recebimento o dia 5 de fevereiro de 2025 ( cfr. aviso de receção junto aos autos em 12-02-2025) e é assinado por terceira pessoa, encontrando-se junto aos autos a devolução da carta com informação “ mudou-se” e “ recebida por engano, não se encontra nesta morada” ( cfr. junta aos autos em 10-03-2025).
- Em 18/02/2025, as mandatárias são notificadas pelo Tribunal do Porto – Juízo de Família e Menores de Matosinhos, com a informação que a renúncia ao mandato foi operada com efeitos a 05/02/2025 (refªs ...72 e ...75).
- Em 03-03-2025, foi proferido despacho saneador e designada data para a realização da audiência de julgamento.
- Por oficio junto aos autos em 06-03-2025, verifica-se que a recorrente, no dia 28 de fevereiro de 2025, remeteu um email aos autos ( dirigido ao tribunal de ...), informando a sua nova morada, a qual corresponde à Rua ..., ... ... – ....
- Em 12-03-2025, foi efetuada, para a nova morada da recorrente, notificação, com o seguinte conteúdo:
“ Fica por este meio devidamente notificada a destinatária: Da revogação/renúncia ao mandato de que se envia duplicado – art.º 47.º, nº 1 do Código do Processo Civil. Os efeitos da renúncia, produzem-se a partir da notificação ao mandante. Os efeitos da revogação, produzem-se a partir da notificação ao mandatário. Mais fica notificada de que se encontra designado o próximo dia 31/03/2025, pelas 14.00 horas, para a audiência de discussão e julgamento. Para o efeito deverá fazer-se acompanhar da presente notificação.”, cuja carta foi devolvida, conforme se constata da devolução junta aos autos em 31-03-2025.
- Nessa mesma data de 12-03-2025 foram as mandatárias renunciantes também notificadas da data de julgamento.
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Realizada a audiência de julgamento na data designada ( 31-03-2025), foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “ Pelo exposto, julga-se procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, decreta-se o divórcio entre o requerente, AA, e a requerida, BB, declarando dissolvido o seu casamento. Custas pela Requerida (art.º 527º, nº 1, do C.P.C).”
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Depois de proferida sentença final vem interposto recurso pela R e terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):
“1- A Ré e ora Recorrente discorda da douta decisão proferida por entender existir violação do princípio constitucional fundamental previsto no artigo 20ºdaCRP que garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos;
2- Nos presentes autos, processo n.º 5934/24.4T8MTS – Comarca de Braga Juízo de Família e Menores de Braga - Juiz 2 – foi realizada audiência de discussão e julgamento e proferida sentença que decretou o divórcio da Ré, ora Recorrente, sem que a mesma tivesse sido notificada da data da audiência de julgamento, nem tivesse mandatário constituído;
3- A questão de direito que se discute é saber se uma audiência de julgamento pode ter lugar sem haver mandatário da Ré e saber se o Tribunal recorrido esteve bem em não proceder à nomeação de patrono oficioso como decorre do artigo 47.º nºs 3 e 4 do CPC;
4- A Recorrente não foi devidamente notificada da data da audiência de julgamento, em violação do disposto nos artigos 247.º e 249.º do Código do Processo Civil;
5- Além disso, à data da realização da audiência, em 31/03/2025, a Recorrente não tinha mandatário judicial constituído, conforme resulta dos autos;
6-Numa ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, é obrigatória a constituição de mandatário, sendo a representação das partes por um profissional munido de mandato, indispensável à adequada defesa das mesmas;
Vejamos,
7- Em 21/01/2025, as mandatárias da recorrente apresentaram requerimento aos autos, no qual apresentam a renúncia ao mandato (refªs ...91 e ...66);
8- Em 18/02/2025, as mandatárias são notificadas pelo Tribunal do Porto – Juízo de Família e Menores de Matosinhos, com a informação que a renúncia ao mandato foi operada com efeitos a 05/02/2025 (refªs ...72 e ...75);
9- Dúvidas não restam que as mandatárias viram, ambas, por via destas notificações, a renúncia aos seus mandatos confirmadas;
10- Por via do disposto no nº 3 do artigo 47.º CPC, nos casos de patrocínio obrigatório, como é o caso dos autos, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias concedido ao mandante, para constituir novo mandatário, salvo se aquele, antes do termo desse prazo, constituir novo mandatário em substituição do renunciante.
11- Portanto, contas feitas, este direito esteve assegurado à recorrente e permaneceu até 10 de Março de 2025 (18/02/2025- data da notificação às mandatárias + 20 dias), data em que extinguiu-se efetivamente o mandato;
12- Não obstante, o Tribunal “a quo” notificou eletronicamente, a 12 de Março de 2025, as mandatárias da data de audiência e discussão de julgamento apesar de estas já terem o mandato extinto desde o dia 10 de Março de 2025 (ref.s ...89 e ...93);
13- E considerou as mandatárias como faltosas no dia da realização do julgamento;
14- Compulsados os autos, é forçoso concluir que, na data designada para a audiência de discussão e julgamento a recorrente, não constitui novo mandatário e o prazo de 20 dias a que alude o artigo 47ºnº3 do CPC para manutenção do mandato já tinha sido ultrapassado;
15- Pelo que já não caberia às mandatárias assegurar a realização e patrocínio em representação da recorrente;
16- Como sabemos, nos casos de renúncia efetiva do mandato, a lei contempla mecanismos que permitem assegurar a representação processual da parte em falta sem prejuízo para a defesa dos seus interesses que se pretende valer na ação.
17- Assim, na esteira deste entendimento legal, o Tribunal “a quo”, confrontado com a inexistência de mandatário constituído no prazo máximo que se estendeu a 10 de Março de 2025, deveria ter procedido de acordo com o prescrito no artigo 47.º nº 4 e nomeado patrono oficioso à ré, ora recorrente.
18- No dia 31 de Março de 2025, o Tribunal “a quo” rececionou a devolução da carta enviada à recorrente com A/R ...- e realiza a diligência omitindo a circunstância de que a Ré não tinha conhecimento da sua realização;
19- Esta omissão e ausência de notificação para a audiência configura nulidade processual nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC, por afetar o direito de defesa da recorrente;
20- Ora, não tendo a recorrente sido notificada para a audiência de julgamento e não tendo patrocínio assegurado, foi-lhe blindado o efetivo exercício do seu direito fundamental de defesa e a possibilidade de se pronunciar o que, necessariamente, influenciou a boa decisão da causa e configura uma ofensa aos princípios constitucionais do processo equitativo, previsto no artigo 20º da CRP;
21- Não obstante a inexistência de mandatário, a falta de nomeação de um patrono oficioso e não estando presente a Ré, a realização da audiência de julgamento não foi adiada;
22- Assim sendo, a sentença proferida padece de nulidade por violação do princípio do contraditório – vide artigo 3.º, n.º 3 do CPC e por omissão de pronúncia, conforme o artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC;
23- O princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC e o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa garantem o direito de todas as partes serem ouvidas antes de qualquer decisão judicial, garantindo-se assim a justiça e a equidade processual;
24- Não será necessário análise profunda para, facilmente, constatarmos que a decisão que decretou o divórcio deve ser revogada com anulação de todos os atos posteriores à omissão de notificação (artigo 195.º nº2 do CPC), devendo ser designada nova data para audiência de julgamento;
25- O art.20.º da CRP é uma norma princípio estruturante do Estado de direito democrático que reconhece vários direitos conexos, todos eles integrando um direito geral à proteção jurídica: a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, que engloba o direito ao patrocínio judiciário enquanto direito de os particulares serem técnico- juridicamente aconselhados em vista a obterem uma cabal defesa das suas posições jurídicas.
26- In casu, a recorrente viu absolutamente gorada a sua expectativa na obtenção de um desfecho distinto da ação porque pura e simplesmente se viu de pés e mãos atadas, não teve o seu direito de defesa garantido.
27- Foi produzida prova testemunhal pelo Autor na audiência de julgamento, indevidamente realizada, sem qualquer respeito pelo exercício do contraditório, violando o princípio consagrado no art.º 517º do CPC.
28- Mal andou o Juiz do Tribunal “a quo” já que, a sentença proferida e ora em crise, violou os artigos 3.º nº 3, 247.º, 249.º. 615 nº1, alíneas b) e c), todos do CPC e 20.º da CRP.
Termos em que, e no mais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve: O presente recurso merecer provimento, julgando-se procedente e, consequentemente, revogado o despacho que ordenou a realização da audiência de julgamento e revogada a sentença, considerando-se inválida a realização do julgamento, procedendo-se a novo julgamento da matéria de facto em 1ª instancia, com as consequências legais.”
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Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida por não se verificar qualquer nulidade.
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O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - Delimitação do objeto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, verifica-se que a recorrente não ataca diretamente a sentença – quer em termos da sua fundamentação (de facto e/ou de direito), quer em termos da tal decisão – mas tão só o facto de a audiência de discussão e julgamento não ter sido adiada, desatendendo-se ao facto de não ter sido notificada da data de julgamento por ter sido devolvida a carta de notificação e porque na data de julgamento não tinha mandatário constituído, não tendo sido cumprido o disposto no nº4 do art. 47º do CPC.
Sendo assim, a única questão que aqui nos cumpre apreciar, traduz-se em saber se a audiência de discussão e julgamento realizada nestes autos, deveria, ou não, ter sido adiada,
- por a recorrente não ter sido devidamente notificada da data de julgamento, por ter sido devolvida a carta enviada para notificação da data da audiência de julgamento;
- saber se na data da audiência de julgamento, tendo sido operada a renúncia ao mandato, e não tendo sido constituído novo mandatário, deveria ter sido cumprido o nº4 do art. 47º do CPC, nomeando-se oficiosamente advogado;
- e, em caso de resposta afirmativa, quais as consequências para a ré daí decorrentes ao não ser adiada ( “foi-lhe blindado o efetivo exercício do seu direito fundamental de defesa e a possibilidade de se pronunciar o que, necessariamente, influenciou a boa decisão da causa e configura uma ofensa aos princípios constitucionais do processo equitativo, previsto noa artigo 20º da CRP”- conclusão 20ª)
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III – Fundamentação
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Como factualidade relevante interessa aqui ponderar apenas os trâmites processuais já atrás consignados no relatório do presente Acórdão.
B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Isto dito e como supra se referiu a primeira questão que vem posta no recurso prende-se com: a)- saber se a apelante não foi devidamente notificada da data de julgamento, por ter sido devolvida a carta enviada para a nova morada indicada.
Desde já diremos que a resposta é negativa.
Os artigos 247º a 250º do CPC regulam as formalidades das notificações às partes em processos pendentes.
A regra é esta: a notificação é feita, não diretamente à parte, mas ao seu mandatário.
E as notificações às partes - quer constituam, quer não constituam mandatário - em processo pendente, são, por via de regra, efetivadas via postal, ou seja, por carta registada –atuais arts. 249º e 250º do CPC ( artº 254º nº1 e 255º nº1 do CPC na redação anterior ao DL 41/2013).
E só em casos excecionais a notificação é pessoal.
Na verdade, este tipo de notificação apenas é exigível nos casos em que ela se destina a chamar a parte ao tribunal para a prática de ato pessoal ou quando a lei expressamente a prevê - cfr. Alberto do Reis, Comentário, 2º, 727, com ensinamento que ainda hoje, perante a lei que temos, se mantém válido.
E apenas nos casos da parte não ter constituído mandatário.
Também por regra, se ela tiver constituído advogado, mesmo que a notificação se destine a chamá-la para a prática de ato pessoal, apenas é exigido – para além da notificação daquele - que a parte seja notificada mediante aviso registado – atual art.247, nº2 do CPC ( artº 253º nº2 do CPC ( na redação anterior ao DL 41/2013).
Presentemente e desde a reforma de 1995, os casos de exigência de notificação pessoal vêm previstos no art.250º do CPC.
O qual, sob a epígrafe de “Notificação pessoal às partes ou seus representantes”, estatui:“ Para além dos casos especialmente previsto, aplicam-se as disposições relativas à citação pessoal às notificações a que aludem os nº4 do artigo 18º, 3 do artigo 27º e 2 do art. 28º.”
Sendo que, nestes casos, a notificação deve efetivar-se, por via de regra, mediante carta registada com aviso de receção – artº 225º nº2 al.b) do CPC. ( antigo 253º, nº2, al. a)), sendo que se for entregue em pessoa diversa deverá ser cumprido o art. 233º ( antigo 241º).
Volvendo ao caso sub judicio, diga-se que a notificação em causa à ré (comunicação da data de julgamento) se basta com envio de carta registada para a nova e mais recente morada indicada nos autos, pelo que ainda que tenha sido devolvida aos autos ( por não reclamada), não havia motivo para adiamento da audiência de julgamento ( cfr. art. 630º do CPC).[1] .
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b)- saber se na data da audiência de julgamento havia operado, ou não, a renúncia ao mandato e, em caso afirmativo, deveria ter sido cumprido o nº4 do art. 47º do CPC.
Cremos que a apelante aceita que a renúncia operou os seus efeitos antes da data de julgamento ( conclusão 9ª e 11ª), ainda que entenda reportados à data de 10-03-2025, por considerar que o prazo de 20 dias se conta a partir da data da notificação às mandatárias da notificação da mandante (dia 18/02/2025- data da notificação às mandatárias + 20 dias), quando é certo que se conta a partir da data da notificação pessoal da mandante ( no caso 05-02-2025- data assinatura do aviso de receção e ainda que assinado por terceira pessoa e a carta tenha sido devolvida).
Ora, dispõe o artigo 47.º, nº 1 do CPC que no caso de renúncia ao mandato tal renúncia deve ser notificada à parte (mandante), acrescentando o nº 2 do mesmo preceito, que os efeitos da renúncia se produzem com a notificação da mesma ao mandante, e que esta notificação deve ser feita pessoalmente e com a advertência do seu efeito cominatório que, no caso vertente, é o prosseguimento dos autos.
Dúvidas não existem de que a renúncia foi notificada à recorrente no dia 05/02, data em que foi por ela assinado o aviso de receção (cfr. devolução do aviso de receção em 12-2) (cfr. artigo 230.º, nº 1 do CPC aplicável ex vi artigo 250.º do mesmo diploma legal).
No caso sub judicio, sendo o patrocínio obrigatório, a renúncia já não produz os seus efeitos imediatamente após a notificação pessoal do mandante, mas sim quando este constitua novo advogado ou decorrido o prazo de 20 dias após a notificação da renúncia (corpo do n.º 3 do citado artigo 47.º).
Portanto, nesse ínterim, a parte continua a ser assistida pelo mandatário renunciante, que continua vinculado às obrigações decorrentes do mandato forense.
Esta diversidade de regimes (patrocínio obrigatório/e não obrigatório) vem, aliás, bem explicitada por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[2] do seguinte modo, dando nós enfoque ao patrocínio obrigatório por ser o que nos interessa para o presente caso:
“ se o patrocínio for obrigatório e o mandatário renunciar, regem os nºs 3 a 6.
Estabelece-se um prazo de 20 dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial, visto que o processo entretanto prossegue. Logo que dentro do prazo, a parte constitua novo advogado, a renuncia produz os seus efeitos, o mesmo acontecendo no termo do prazo se não o constituir. Neste caso, deixando a parte de ter mandatário, dá-se a suspensão da instância, se faltar advogado ao autor ( ou exequente ) ou extingue-se o incidente, se faltar ao requerente () ou embargante; mas prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor, exequente, requerente, se faltar advogado ao réu, executado ou requerido…”
Aqueles mesmos autores inclusive citando jurisprudência ( AC RL de 19-06-2007, dgsi) fazem consignar que “seja ou não o patrocínio obrigatório, a notificação da renúncia ao mandante não tem de ser feita nos termos do art.250º… A acompanhá-la é feita a advertência dos efeitos da não constituição de novo mandatário, dentro do prazo do nº3.
Se se frustrar a notificação pessoal do mandante réu ( executado, requerido, reconvindo), e o patrocínio for obrigatório, há lugar, por imposição do nº4 , à nomeação oficiosa de advogado pelo juiz da causa.”
Revertendo para o caso sub judicio, após as mandatárias renunciarem ao mandato, a secretaria notificou por carta registada com AR a ré, para a morada onde foi feita a citação, tendo sido assinado o AR em 05-02-2025, pelo que o prazo de 20 dias inicia a sua contagem a partir desse dia, ainda que o AR tenha sido assinado por terceira pessoa e a carta tenha sido devolvida.[3]
Ou seja, o mandato manteve-se até ao dia 25.02.2025.
No dia 28-02-2025, a ré envia email endereçado ao tribunal de ... e que após foi reencaminhado para os presentes autos, dando conta, além do mais, da sua nova morada.
Ora, uma vez que se considerou e bem que a ré estava devidamente notificada nos termos do art. 47º,nº3 do CPC, e não constituindo mandatário naquele prazo de 20 dias, os autos prosseguiram os seus termos e foi proferido despacho saneador e designada data para a audiência de julgamento.
A notificação deste despacho foi feita para a ré na nova morada indicada, e além de se ter comunicado a data de julgamento, ainda voltou a fazer-se a notificação nos termos do art. 47º, uma segunda vez.
Desde já, se dirá que entendemos que como a primeira notificação foi válida e respeitou os requisitos formais, como vimos, a segunda notificação não reinicia o prazo dos 20 dias. Essa segunda comunicação não suspende nem prolonga os efeitos da renúncia.
Ou seja, "A notificação da renúncia tem efeitos a partir do momento em que a parte dela toma efetivo conhecimento. Uma nova notificação, posterior, não tem o condão de suspender ou reiniciar os efeitos já produzidos."[4]
Dito de outro modo: a contagem do prazo de 20 dias previsto no art. 47.º n.º 3 do CPC inicia-se com a primeira notificação pessoal da parte da renúncia do mandatário. A eventual repetição da notificação pelo tribunal, por excesso de zelo, não suspende nem reinicia o prazo legal.
Em suma: não pode considerar-se reiniciado o prazo legal do art. 47.º apenas por haver segunda notificação ao mandante, quando a primeira foi suficiente para os efeitos legais.
Por tudo o exposto, aquela segunda notificação para aqueles efeitos do art. 47º não tem qualquer efeito.
Por outro lado, também a notificação das mandatárias cujo mandato se extinguiu da data da audiência de julgamento, não faz renascer o mandato.
Assim sendo, a notificação para a data da audiência de julgamento daquelas advogadas cujo mandato já estava extinto igualmente nenhum relevo jurídico terá, assim como a consignação em ata da sua falta.
A questão que se coloca é se, no caso de ter sido operada a renúncia antes da data de julgamento, teria de se dar cumprimento ao disposto no art. 47º, nº4 do CPC no caso concreto e a audiência de julgamento teria de ter sido adiada, conforme sustentado pela apelante?
Como vimos tal apenas ocorreria no caso de se ter frustrado a notificação pessoal da ré, mandante.
Ora, in casu, ocorreu validamente a notificação pessoal da mandante, pelo que não se verificam os requisitos para o juiz da causa acionar o nº4 do art. 47º do CPC.
Por conseguinte, na data designada para a realização da audiência de discussão ( 31-03-2025) e julgamento, as mandatárias da ré não estiveram presentes nem tinham de estar pois o mandato estava extinto e dado que nessa data já tinha decorrido o assinalado prazo de 20 dias (a renúncia ao mandato, como acima se afirmou foi notificada à apelante no dia 05/2/2025), o tribunal recorrido, e bem, determinou a realização da audiência de julgamento, porquanto o processo prossegue se faltar advogado à ré, não sendo causa de adiamento ( cfr. art. 603º do CPC).
Por outro lado, ao contrário do que sugere a apelante, a realização da audiência de julgamento sem a apelante estar representada por mandatário, não posterga o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, princípios consagrados no artigo 20.º da CRP, e que consubstanciam uma manifestação do imperativo de constitucionalização de direitos fundamentais numa dimensão organizacional, procedimental e processual[5]. Mutatis mutandis, dir-se-á a respeito da alegada violação do princípio do contraditório.
Com efeito, tais direitos mantiveram-se incólumes na medida em que, como supra se referiu, a renúncia ao mandato já havia produzido efeitos e a ré não constituiu mandatário, tendo sido notificada com a advertência dos efeitos da não constituição de mandatário nos termos do nº3: o processo prossegue se faltar advogado à ré.
Na confrontação dos interesses em presença-interesses do mandante e o desiderato de boa administração da justiça-distinta conclusão hermenêutica redundaria, necessariamente, num expediente dilatório, que atentaria contra o dever de administração célere da justiça.
Ainda sob este conspecto importa referir que a ausência da apelante na data agendada para a audiência também não constituía motivo de adiamento da mesma.
Diga-se ainda a talhe de foice que não se verificando qualquer nulidade praticada também não se verifica qualquer nulidade que se repercuta na sentença, tal como foi alegado, nomeadamente por omissão de pronúncia, porquanto todas as formalidades legais foram observadas, não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia nos termos do art. 615º do CPC.
Com efeito, é consabido que para que um vício relativo à tramitação processual seja suscetível de, eventualmente, inquinar a validade da sentença, é necessário que a nulidade processual apenas seja evidenciada na própria decisão[6], o que não ocorre in casu.
Por tudo o exposto, improcede a apelação.
IV Decisão.
Por tudo o exposto, acordam as Juízes que constituem este Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar a apelação improcedente, nessa medida, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela apelante ( cfr. art. 527º do CPC).
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Guimarães, 10 de julho de 2025
Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Maria Amália Santos e
Paula Ribas
[1] Trata-se de notificação diferente da ocorrida nos termos do art. 47º, notificação pessoal e que no âmbito dos presentes autos teve lugar anteriormente, constatando-se que apesar de ter ocorrido uma irregularidade ( não se deu cumprimento ao art. 241º do CPC), não foi a mesma arguida nem nos autos nem no recurso, pelo que não sendo de conhecimento oficioso não a apreciamos. [2] CPC Anotado, 4ºed, p. 122. [3] Vide neste sentido e por todos, com as devidas adaptações à notificação pessoal, o AC da RL de 29-09-2022, proc. , como seguinte sumário: “ I) A citação efectuada em pessoa diversa do citando, encarregue de lhe transmitir o conteúdo do acto, é equiparada à citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento, considerando-se a citação efetuada no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (cfr. artigo 238.º do CPC, anterior ao de 2013 e artigo 230º, nº 1, do CPC de 2013). II) Verificando-se que foi remetida carta para citação dirigida para o domicílio do executado, que foi rececionada por terceiro, não ocorreu falta de citação, não tendo o ato sido omitido, nem se verificando qualquer das demais situações que determinariam tal falta. III) Se a carta for entregue a terceira pessoa, deve esta ser advertida do necessário cumprimento do dever de pronta entrega ao citando e detetando-se que o aviso de receção foi assinado por terceiro e a carta entregue a pessoa diversa do citando, haverá que remeter carta registada ao citado, nos termos e com as prescrições legais (cfr. artigo 241.º do CPC, anterior ao de 2013 e artigo 233.º do CPC de 2013). IV) O envio desta (segunda) carta registada - no prazo de dois dias úteis, após se mostrar que a citação seja efetuada em pessoa diversa do citando - constitui uma formalidade complementar que visa reforçar os mecanismos de conhecimento da pendência da ação, não constituindo condição da citação, nem do início da contagem do prazo da apresentação de contestação/defesa. V) O não cumprimento do preceituado no mencionado normativo do artigo 233.º do CPC de 2013 (correspondente ao artigo 241.º do precedente CPC), quando seja legalmente imposto, ou o seu deficiente cumprimento (como a remessa de missiva para morada diversa da do executado), não gera falta de citação (prevista nos art.ºs 187.º, al. a), 188.º, nº 1, als. a), b) ou e) e 189º. do CPC em vigor, correspondentes aos artigos 194.º, al. a), 195.º, nº 1, als. a), b) ou e) e 196.º do precedente CPC). VI) A nulidade da citação (a que alude o artigo 191.º, nºs. 1 e 2 do CPC de 2013/artigo 198.º, nºs. 1 e 2, do precedente CPC), com tal fundamento, é apenas arguível pelo citando, dentro do prazo indicado para oferecer a sua contestação, dependendo a procedência dessa nulidade, da alegação e prova pelo citando de que a carta destinada à citação não lhe foi oportunamente entregue pelo terceiro - que a rececionou - e que, por isso, por motivo que não lhe é imputável, não teve conhecimento da citação, sendo que, nos termos do nº 4 deste último artigo, “a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado”. VI) Ainda que se considere tempestiva a arguição de nulidade da citação, com o mencionado fundamento (envio da correspondência em cumprimento do prescrito no, à data vigente, artigo 241.º do CPC, para morada diversa da do citando), ainda assim, a arguição não conduz à declaração de nulidade da citação, por não se poder concluir que a inobservância de tal formalidade, com o envio assim efetuado, prejudicou o direito de defesa do executado.” [4] Abrantes Geraldes, in "Temas da Reforma do Processo Civil" [5] Vide neste sentido, AC da RP de 27-11-2023, proc. 13284/21.1T8PRT-A.P1, dgsi. [6] Vide neste sentido, Ac. da RP de 27-01-2025, proc. 464/24.7YIPRT.P1, dgsi