EXECUÇÃO
PERSI
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário


1 – Se é verdade que o tribunal pode conhecer (oficiosamente) da exceção dilatória mesmo depois do decurso do prazo de dedução de embargos de executado e ainda que não tivesse sido ali invocada, não é menos certo que, ao abrigo do referido art.º 734º, nº 1, jamais o pode fazer depois do primeiro ato de transmissão de bens penhorados praticado no processo.
2 - Nesse momento ocorre preclusão do conhecimento das exceções dilatórias não supríveis, de conhecimento oficioso, como é o caso da preterição do PERSI pela execução.
3 - Por tal razão, nos citados termos do art.º 734º, nº 1, do Código de Processo Civil, estava já vedado ao tribunal apreciar, mesmo oficiosamente, a exceção dilatória inominada em causa.

Texto Integral


AA apresentou reclamação para a conferência da decisão singular proferida pela Relatora, nestes autos, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 3 do CPC.

A decisão singular em causa, julgou procedente a apelação que havia sido interposta pela exequente, revogando a decisão recorrida que havia declarado extinta a execução por considerar não estar demonstrado o cumprimento das exigências previstas no PERSI (integração dos executados no procedimento PERSI) e, em consequência, determinou a prossecução da execução.
Vem, agora, a executada, que, oportunamente, não deduziu contra-alegações, suscitar a intervenção da conferência, peticionando a confirmação da decisão proferida em 1.ª instância e suscitando, ainda, a questão da nulidade da decisão sumária por falta de fundamentação.

A recorrente respondeu, pugnando pela manutenção da decisão sumária.

Em primeiro lugar, e relativamente à questão da nulidade por falta de fundamentação, deve dizer-se que a reclamante não tem razão.
A decisão sumária, como o próprio nome indica destina-se a conhecer de forma rápida e simples questão que, não revelando especial dificuldade, não obriga à intervenção do coletivo, sendo proferida de forma individual pelo relator. Necessariamente que a fundamentação, devendo ser clara e inequívoca, não poderá ser extensa e complexa, sob pena de se pôr em causa aquela ideia que esteve na base do disposto no artigo 656.º do CPC.

No caso concreto, e considerando, também, que a falta de fundamentação que conduz à nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, tem vindo a ser considerada uniformemente pela jurisprudência, como a absoluta falta de fundamentação («Uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença» - Acórdão do STJ de 05/05/2005, in www.dgsi.pt), não pode considerar-se que a decisão padece de tal nulidade, uma vez que está sustentada nos factos pertinentes e na legislação e jurisprudência aplicáveis.
Improcede, portanto, tal arguição.

A questão submetida ao tribunal de recurso prende-se com o seguinte (transcrevemos o relatório da decisão sumária):
“Banco 1..., SA” deduziu requerimento executivo contra BB e AA pelo valor de € 128.758,76, proveniente de dois contratos de mútuo, garantidos por hipoteca, celebrados com os executados em 30/08/2006 e que estes deixaram de cumprir em outubro e novembro de 2014. 
O processo seguiu os seus termos, os executados foram notificados, a 03/10/2016, e nada disseram. A penhora foi sustada quanto a metade do imóvel por já se encontrar penhorada noutros autos de execução. Relativamente à outra metade, iniciaram-se as diligências de venda, tendo a mesma sido realizada, através de leilão eletrónico encerrado a 12/03/2019, e o bem adjudicado ao primitivo exequente, tendo, assim, sido transmitida a propriedade da metade indivisa do bem penhorado.
A 03/01/2024, a requerida apresentou requerimento no qual invoca diversas exceções, tanto perentórias como dilatórias. 
Tal requerimento foi indeferido por despacho de 05/03/2024, por ter sido apresentado anos depois do momento estipulado para a oposição à execução.
No entanto, considerando que a exceção dilatória pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, decidiu este conhecer da exceção dilatória inominada de falta de integração dos executados no procedimento PERSI e, considerando não demonstrado o cumprimento das exigências aí previstas (dando como não provada a integração dos executados no PERSI), declarou extinta a execução e absolveu a executada da instância executiva.
Discordando de tal decisão, dela interpôs recurso a exequente (…).
Não foram oferecidas contra-alegações”.
Por decisão sumária foi revogada aquela decisão.

Quanto ao fundo da questão, submetido o caso à conferência, o coletivo revê-se na decisão proferida pela relatora, entendendo confirmar o já decidido, nos seguintes termos:
“Sumariamente se dirá que, sendo a integração do cliente bancário no PERSI, aprovado pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, obrigatória, quando verificados os respetivos pressupostos, a ação executiva só pode ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento. Assim, tratando-se de condição objetiva de procedibilidade, terá que ser enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias. Exceção dilatória inominada que, como previsto no artigo 576º, nº 2, do Código de Processo Civil, «obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância». 
“A tese de que a preterição do PERSI pela instauração da execução constitui uma exceção dilatória inominada ou atípica, do conhecimento oficioso, determinante da absolvição da instância, com a consequente extinção da execução, tem sido sufragada na generalidade da mais recente jurisprudência, como se extrai do acórdão da Relação de Lisboa de 29.9.2020, Proc. 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, in www.dgsi.pt, onde são citados outros arestos, nomeadamente os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-06-2018, proc. n.º 144/13.9TCFUN-A-2; do Tribunal da Relação de Évora de 8-03-2018, proc. 2267/15.0T8ENT-A.E1; do Supremo Tribunal de Justiça de 9-02-2017 e de 19-02-2019, proc. n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1” – Acórdão da Relação do Porto de 10/03/2022, processo n.º 8027/14.7T8PRT.P1 (Filipe Caroço), in www.dgis.pt.
Ora, sendo as exceções dilatórias de conhecimento oficioso - artigo 578º do CPC -, a sua arguição em termos de defesa não está circunscrita a um momento próprio (artigo 573.º, n.º 2 do CPC).
Com efeito, resulta do disposto no artigo 734º, nº 1, do Código de Processo Civil, que “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”. Uma daquelas questões é a ocorrência de exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso.
Contudo, como se verifica pela análise dos autos, foi já vendida em leilão eletrónico, com adjudicação do bem ao exequente, uma parte do imóvel hipotecado, ou seja, ocorreu já um ato de transmissão de bem penhorado, o que implica que já não possa conhecer-se oficiosamente daquelas questões.
Assim, se é verdade que o tribunal poderia conhecer (oficiosamente) da exceção dilatória mesmo depois do decurso do prazo de dedução de embargos de executado e ainda que não tivesse sido ali invocada, não é menos certo que, ao abrigo do referido art.º 734º, nº 1, jamais o poderia fazer depois do primeiro ato de transmissão de bens penhorados praticado no processo.
“Nesse momento ocorre preclusão do conhecimento das exceções dilatórias não supríveis, de conhecimento oficioso, como é o caso da preterição do PERSI pela execução” – cfr. Acórdão da Relação do Porto já citado. Por tal razão, nos citados termos do art.º 734º, nº 1, do Código de Processo Civil, estava já vedado ao tribunal apreciar, mesmo oficiosamente, a exceção dilatória inominada em causa.
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que os autos prossigam os seus normais termos”.

Uma última palavra para dizer que não se verifica qualquer inconstitucionalidade por violação do artigo 20.º da CRP pois que, pese embora, este normativo preveja o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, e estando o legislador vinculado a criar meios jurisdicionais de tutela efetiva dos direitos e interesses ofendidos dos cidadãos, “o legislador não deixa de ser livre de os conformar, não sendo de todo o modo obrigado a prever meios iguais para situações diversas, considerando ainda que a identidade ou diversidade das situações em presença há-de resultar de uma perspetiva global que tenha em conta a multiplicidade de interesses em causa, alguns deles conflituantes entre si” (Acórdão n.º 63/2003) – acórdão do T. Constitucional n.º 451/2006, 2.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Paulo Mota Pinto, in www.tribunalconstitucional.pt.
Esta questão, aliás, não foi suscitada nem apreciada na decisão sumária e é sobre o projeto elaborado pelo relator que o coletivo terá que incidir. A reclamação para a conferência prevista no artigo 652.º, n.º 3 do CPC, não encerra em si a possibilidade de colocação de novas questões ou argumentos, sendo que a decisão proferida singularmente delimita o objeto do posterior acórdão – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Luís de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, pág. 789 e Lebre de Freitas, Armando Mendes e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 3.ª edição, vol. 3.º, pág. 149.
           
DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se, em conferência, manter a decisão reclamada.
Custas pela reclamante.

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Guimarães, 26 de junho de 2025

Ana Cristina Duarte
Joaquim Boavida
Afonso Cabral de Andrade