Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO DA MEDIADORA
Sumário
1) A mediação caracteriza-se como a intermediação entre o comprador e o vendedor, ou entre as partes num outro tipo de negócio, em que o intermediário – o mediador – aproxima as partes no negócio, põe-nas em presença, por vezes até intervém na negociação para o promover, mas não participa no negócio; 2) O nexo de causalidade que deve existir entre a atividade do mediador e a conclusão do negócio visado, para o seu preenchimento: a) Basta que o trabalho do mediador tenha contribuído/influído decisivamente para a conclusão do negócio, integrando-se a sua atividade de forma idoneamente determinante na cadeia de factos que deram lugar ao negócio; b) Não é, para tanto, necessário que a atividade do mediador seja a única causa determinante da realização do negócio pretendido pelo comitente; c) Muito menos é necessário que a intervenção do mediador constitua a causa exclusiva da celebração do negócio, pois pode haver outras concausas concorrentes, afirmação que se justifica na hipótese de intervenção de vários mediadores; d) Não se impõe que o mediador esteja presente até à conclusão do negócio, bastando ao mediador a prova do nexo causal entre a sua atividade e a conclusão do negócio; e) Não obsta à existência do nexo causal terem os termos do contrato resultado, eventualmente, de negociações diretas entre os interessados que o mediador pôs em contacto; f) Assim como não se exige que a atividade do mediador, com vista à consecução do negócio, seja contínua e ininterrupta; g) Bastará, para esse efeito, ter o mediador posto em contacto as partes interessadas, desde que tal atividade tenha influído/contribuído decisivamente para o negócio; h) Não é suficiente a mera identificação de potenciais interessados ou interessados meramente virtuais: os interessados têm que ser reais e efetivos; i) Pode subsistir o nexo causal apesar de ter havido uma interrupção temporária das negociações entre o principal e o potencial comprador ou no caso de ter lugar uma quebra aparente desse mesmo nexo, por atos alheios ao comportamento do mediador.
Texto Integral
Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) EMP01..., Lda., veio intentar ação declarativa, com processo comum, contra AA, onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência:
a) A ré condenada no pagamento da quantia €8.100,00, acrescida de IVA, à taxa legal de 23%, num total de €9.963,00 à autora, a título de remuneração no âmbito do contrato de mediação celebrado, quantia esta acrescida de juros de mora à taxa legal desde seis de outubro de dois mil e vinte e três (data da realização da escritura) até efetivo e integral pagamento;
b) Ser ainda a ré condenada em custas e procuradoria a consignar.
Para tanto alega, em síntese, que foi celebrado um contrato de mediação imobiliária entre as partes, tendo sido acordado que caso a autora conseguisse encontrar interessado que concretizasse o negócio visado pelo contrato, a ré teria que pagar à autora 6% do preço do negócio concretizado (sendo que a remuneração da autora nunca poderia ser inferior a €6.000,00).
Mais alega que encetou várias diligências com vista à venda do imóvel descrito nos autos e que, em virtude dessas diligências, BB tomou conhecimento que o imóvel em causa estava à venda, tendo esta, inclusive, realizado uma visita ao mesmo com a autora a 7 de agosto de 2023.
Contudo, apesar disso, a ré vendeu diretamente à interessada BB o imóvel objeto do contrato de mediação imobiliária, pelo preço de €135.000,00, furtando-se ao pagamento da remuneração acordada.
*
Pela ré AA foi apresentada contestação onde conclui entendendo que deve a ação ser julgada improcedente e a ré absolvida do pedido, alegando, para tanto, que o contrato celebrado entre as partes era de não exclusividade e que a compradora (BB) teve conhecimento do imóvel através da publicação efetuada pelo irmão da ré no Marketplace (Facebook), pelo que não foi a atuação da autora que levou à concretização do negócio.
*
Foi elaborado despacho saneador, procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença onde foi decidido julgar procedente a ação e, em consequência, condenar a ré a pagar à autora a quantia de €9.963,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, contados desde 02/04/2024, até efetivo e integral pagamento.
*
C) Inconformada com tal decisão, veio a ré AA, interpor recurso que foi admitido como sendo deapelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo.
*
Nas alegações de recurso da ré e apelante AA, são formuladas as seguintes conclusões:
1. O que se pretende que o Tribunal ad quem avalie neste recurso é se tendo em conta os factos provados, a decisão proferida pelo Tribunal ad quo foi a mais acertada, em termos de conformidade com a Lei e as regras de Direito.
2. Tendo em conta os factos provados entende a apelante que o Tribunal não extraiu de forma correta as consequências jurídicas dos mesmos como se impõe o artigo 607 nº 3, 2ª parte CPC, tendo violado os artigos 16 nº 2 g) e artigo 19º nº 1 do Decreto-Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, e artigos 342º nº 1 do Código Civil e 607º nº 3, 2ª parte do CPC.
3, Face aos factos provados o Tribunal concluiu que: “foi a atuação da autora que conduziu à celebração do contrato de compra e venda entre a ré e BB.“
4. Mais concluiu que: Dúvidas não restam que no caso dos autos para além de se ter atingido a conclusão e perfeição do negócio visado verifica-se ainda o nexo entre a atividade da mediadora e o contrato final celebrado que que assiste à autora o direito a receber a sua remuneração, nos termos do artigo 19º nº 1 do Decreto-Lei 15/2013.
5. Os factos dados como provados são insuficientes para o Tribunal pudesse ter chegado a tal conclusão.
6. Não resulta que a autora tenha praticado qualquer ato que influiu ou foi determinante no negócio celebrado, não se verificando em conformidade qualquer nexo causal, não se aceitando a subsunção dos factos provados ao direito aplicável, efetuada pelo Tribunal a quo.
7. Entre as partes foi celebrado um contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade (ponto 4 dos factos provados), ao qual se aplica o regime do Decreto-Lei 15/2013, 8 de fevereiro, versão atual.
8. Como resulta provado, a autora publicitou a venda do imóvel descrito em 2 na sua página da internet (ponto 9).
9 O irmão da ré, CC, a pedido daquela, também publicitou a venda do imóvel no Marketplace (plataforma do Facebook) pelo preço de €135.000,00 (ponto 10 dos factos provados).
10. O direito à remuneração da mediadora dependeria da angariação de interessado que viesse a concretizar o negócio visado pela cliente, em conformidade, com o regime contido no art. 19º nº 1, da Lei 15/2013, segundo o qual, “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio, decorrendo ainda da interpretação da mesma norma que esta remuneração só é, no entanto, devida quando seja possível estabelecer um nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pela mediadora e a celebração do negócio, o que significa que tem de ser demonstrado por factos concretos que a atividade da mediadora contribuiu de forma importante para o processo decisório da interessada, determinando-a à celebração do negócio, recaindo sobre aquela (mediadora) o ónus da prova de tal requisito, porque constitutivo do seu direito (cf. art. 342º, nº 1, do Código Civil).
11. A decisão do Tribunal na matéria de facto tem de retratar os atos concretos que tiveram influência e que foram fulcrais na tomada de decisão por parte de quem celebra o negócio, requisitos que são essenciais à constituição do direito na esfera da mediadora.
12. Nos presentes autos, inexistem factos que demonstrem que a compradora, após a visita, ficou interessada em realizar o negócio.
13. Não resulta ter sido apresentada, em qualquer momento, (durante a visita ou mesmo depois dela) uma proposta de aquisição do imóvel por parte da cliente/compradora a quem a autora mostrou o imóvel,
14. Também não existem factos que demostrem que a autora, na sequência da visita tenha dirigido à ré qualquer comunicação dando conta de factos capazes de evidenciar a existência de interesse da compradora na aquisição do imóvel em consequência da sua atividade, designadamente da visita.
15. Não se acha provado que a autora tenha proporcionado, facilitado ou promovido algum contacto entre a ré e a compradora.
16. Nem se acha provado que a ré tenha tido acesso à compradora através da autora e que se tenha aproveitado de tal facto para vender o imóvel diretamente.
17. Pelo contrário, resulta provado que a compradora, encontrou o anúncio da publicitação da venda do imóvel da ré feito por esta no Marketplace bem como resulta provado que foi a compradora que tomou a iniciativa de agendar uma visita. (ponto 13 factos provados).
18. A ré procedeu de boa-fé.
19. Aliás, se tivesse havido negócio através da autora aquando da visita e pelo preço publicitado e pedido pela autora (€149.000,00) a ré teria sido beneficiada no valor que ia receber pela venda do imóvel, porque mesmo pagando a remuneração à autora receberia um valor superior.
20. O interesse da compradora e a concretização do negócio apenas surgiu no final de agosto com a visita com CC, irmão da ré, cuja publicidade a compradora visualizou na página do Marketplace e entrou em contacto, tendo mostrado interesse pelo imóvel e pelo preço apresentado (135 mil euros) valor pelo qual se veio a concretizar o negócio.
21. da visita efetuada pela autora a 7 de agosto nem sequer foi dado qualquer conhecimento à ré, sendo que consta apenas provado que foi efetuada, por carta registada remetida a 6 de setembro, (ponto 17 dos factos provados) uma comunicação pela autora à ré, isto quando o contrato promessa da ré com a compradora já tinha sido assinado a 5 do mesmo mês (ponto 15 dos factos provados).
22. E a sms enviada pela autora à ré que resulta do ponto 14 dos factos provados, refere tão só: “fomos nós que o apresentamos e fizemos visita e temos ficha de visita … essa cliente não pode fazer o negócio diretamente tem que passar por nós.”
23. A simples visita, por si só, o simples “ir ver“ o imóvel, desacompanhado de outros elementos factuais é insuficiente para que a autora adquira o direito a qualquer remuneração.
24. Do próprio sms enviado à ré, não consta sequer que a compradora se propôs realizar o negócio com a mediadora aquando da visita ou posteriormente,
25. E também não consta provado que a compradora tenha sequer oferecido e/ou proposto à mediadora um preço mais baixo ou que tenha havido qualquer negociação!
26. Os únicos factos valorados e ponderados na sentença para fundamentar o nexo causal e o direito à remuneração foram a visita ao imóvel e assinatura de ficha de visita, e ainda o conhecimento por parte da ré, no final de agosto quando a compradora a contactou, de que a compradora já tinha visitado o imóvel uma vez.
27. Salvo o devido respeito esses factos, desacompanhados de quaisquer outros dados factuais, não pode reputar-se como relevante e determinante da decisão de realizar o negócio.
28. O certo é que não foi pela atuação da autora que o negócio se veio concretizar e como tal não é legitimo que tenha direito a qualquer remuneração.
29. Deste modo, face ao exposto, e não estando factualmente provada a existência do nexo causal entre a atividade da mediadora e a outorga do contrato de compra e venda celebrado pela ré nos termos exigidos pelo sobredito art. 19º, nº 1, da Lei nº 15/2013, de 8/02, a sentença não poderia ser de procedência da ação.
30. Na verdade o Tribunal ao declarar a existência do nexo de causalidade e declarar o direito da autora a receber a remuneração violou o artigo 16º nº 2 g), e 19º nº 1 do decreto-lei 15/2013.
31. A ter que existir nexo causalidade entre a atuação da mediadora e a concretização do negócio, e sendo a prova desse nexo da responsabilidade da autora enquanto facto constitutivo do seu direito, o Tribunal deveria ter considerado não estar verificado tal nexo de causalidade face aos factos provados.
32 Ao assim não fazer violou também a referida norma do artigo 342º Código Civil nos termos da qual: “àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, neste caso não logrou a autora fazer prova do direito à remuneração.
33. Entende a apelante que não logrou o Tribunal extrair as consequenciais jurídicas adequadas dos fatos que se provaram, conforme impõe o artigo 607º nº 3, 2ª parte, do CPC, pelo que deveria o Tribunal ter decidido não estarem preenchidos os requisitos para preenchimento do nexo de causalidade e como tal o direito à remuneração, por falta de factos provados suficientes para o efeito e cujo ónus da prova cabia à autora.
Termina entendendo que deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso e revogada na totalidade a decisão recorrida, por ser de inteira e merecida Justiça.
*
Pela autora e apelada EMP01..., Lda. foi apresentada resposta onde entende que deve julgar-se totalmente improcedente o recurso interposto pela ré.
*
D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir é a de saber se deverá ser revogada a douta decisão proferida.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) I. FACTOS PROVADOS
1. A autora exerce a atividade de mediação imobiliária, sendo titular da licença nº ...10, emitida pelo Instituto da Construção e do Imobiliário IP.
2. No dia 14 de abril de 2023, autora e ré assinaram um documento escrito que intitularam de “Contrato de Mediação Imobiliária”, sob o n.º ...66, cujo objeto era a promoção da venda do imóvel urbano correspondente à fração ... destinado a habitação, tipo T2, sito na Rua ..., ..., ... (...), ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...35/... (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...11º-... de ... (...).
3. De acordo com o referido escrito, a autora comprometeu-se a diligenciar no sentido de angariar um interessado na venda do imóvel, pelo preço de €149.000,00 (cento e quarenta e nove mil euros).
4. Na secção “regime de contratação” do documento escrito referido em 2., consta que o regime acordado entre as partes foi o da não exclusividade, sendo que a cláusula VIII refere que “1- O CLIENTE contrata a MEDIADORA no regime indicado na secção REGIME DE CONTRATAÇÃO na segunda página do presente contrato (…)”.
5. Na secção “remuneração” do documento escrito referido em 2., consta o seguinte: “comissão equivalente a = 6% sobre o preço pelo qual o negócio efetivamente concretizado. Em todos os casos aplicam-se sempre um valor de comissão mínima de 6.000,00€”, sendo que a sua cláusula IX estipula que “A remuneração será devida à MEDIADORA, se esta ou se uma das sociedades de mediação que integram a Rede ERA em Portugal conseguir encontrar interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art.º 19º da Lei 15/2013, de 08 de fevereiro.”.
6. Na secção “prazo do contrato” do documento escrito referido em 2., consta “12 meses”, sendo que a cláusula XI refere que “O presente contrato tem a validade assinalada na secção PRAZO DO CONTRATO da segunda página do presente contrato, que conta a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo (…)”.
7. Na execução da angariação referida em 3. intervieram as angariadoras imobiliárias DD e EE.
8. A angariadora imobiliária DD explicou à ré as cláusulas contidas no documento escrito referido em 2.
9. A autora publicitou a venda do imóvel descrito em 2. na sua página da internet.
10. O irmão da ré, CC, a pedido daquela, publicitou a venda do imóvel no Marketplace (plataforma do Facebook) pelo preço de €135.000,00.
11. No dia 3 de agosto de 2023, a interessada BB contactou a autora, na pessoa da angariadora EE, tendo demonstrado interesse em adquirir um imóvel em ....
12. Nesse mesmo dia, EE enviou a BB o link da página da internet que continha a publicitação do imóvel referido no ponto 2., tendo ficada agendada uma visita ao mesmo para o dia 07 de agosto de 2023, que se veio a concretizar.
13. Após visualizar o link enviado por EE, BB encontrou o anúncio referido em 10. e, em virtude de já conhecer o imóvel e de o mesmo apresentar um preço inferior aquele publicitado pela autora, agendou uma visita ao mesmo com CC, que se veio a concretizar no final de agosto de 2023.
14. No dia 31 de agosto de 2023, a angariadora DD enviou uma mensagem de texto, via WhatsApp, à ré com o seguinte teor: “(…) tudo dá a entender que a nossa cliente BB, é a mesma pessoa que está a querer comprar o seu apartamento. Que fomos nós que lhe o apresentamos e fizemos visita com ela, e temos uma ficha de visita assinada por ela (…) Peço-lhe que veja com atenção se realmente é a mesma, pois essa cliente não pode fazer negócio diretamente têm que passar por nós”.
15. No dia 5 de setembro de 2023, a ré e BB celebraram um documento escrito intitulado “contrato-promessa de compra e venda”, no qual a ré declarou prometer vender e BB declarou prometer comprar pelo preço global de €135.000,00 o imóvel referido no ponto 2.
16. Aquando da celebração do documento referido no ponto anterior, a ré sabia que BB ficou a conhecer o imóvel em virtude das diligências encetadas pela autora e melhor descritas nos pontos 9. e 12.
17. No dia 6 de setembro de 2023, a autora remeteu uma carta registada com aviso de receção à ré a comunicar-lhe a lista de pessoas que manifestaram interesse na aquisição do imóvel, da qual constava o nome de BB.
18. No dia 6 de outubro de 2023, a ré e BB celebraram um documento escrito intitulado “contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca”, através do qual BB adquiriu o imóvel referido no ponto 2. mediante a entrega de €135.000,00.
19. Do documento referido no ponto anterior consta que “Pelos signatários foi declarado que, no presente negócio jurídico, as partes não recorreram a intervenção de mediação imobiliária”.
20. No dia 28 de dezembro de 2023, a mandatária da autora remeteu à ré uma carta registada com aviso de receção, da qual constava o seguinte: “Na qualidade de Mandatária da EMP01... Lda. solicito a V. Exa. o pagamento da remuneração acordada com a N/ constituinte uma vez que celebrou a escritura pública de compra e venda com a Sra. BB, compradora angariada pela N/ constituinte. Deste modo, agradeço a presença de V. Exa. neste escritório no sentido de apresentar proposta para o efeito. Na eventualidade de não no contactar no prazo de oito dias após a receção desta carta, informamos desde já que recorreremos à via judicial”.
*
II. FACTOS NÃO PROVADOS
Não há.
*
B) Cumpre, nesta Instância proferir acórdão.
*
C) Na origem do litígio dos autos está um contrato de mediação imobiliária – visando a autora, enquanto mediadora, que pretende que lhe seja paga a retribuição acordada face à sua intervenção no negócio mediado, centrando-se a controvérsia suscitada no recurso em saber se face ao teor do contrato de mediação celebrado, com não exclusividade e circunstâncias da celebração negócio, a autora tem direito à remuneração acordada.
Uma vez que a recorrente não colocou em causa a matéria de facto apurada, a questão a aferir centra-se no mérito da decisão proferida, que culminou na condenação da recorrente, ré na ação, a efetuar o pagamento à mediadora, autora, da remuneração acordada no contrato.
Vejamos.
Consiste o contrato de mediação no acordo pelo qual uma parte (a mediadora) se vincula para com a outra (o comitente ou solicitante) a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros (os solicitados) com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico (como se salienta no Ac. R.C. de 17.1.2012, in www.dgsi.pt).
Sustenta a apelante que não está factualmente provada a existência do nexo causal entre a atividade da mediadora e a outorga do contrato de compra e venda celebrado pela ré nos termos exigidos pelo artigo 19º, nº 1, da Lei nº 15/2013, de 8/02, pelo que a sentença não poderia ser de procedência da ação.
Considerando a data da celebração do contrato de mediação imobiliária em causa na ação, 14//04/2023, é-lhe aplicável o regime previsto na Lei 15/2013, de 8 de fevereiro (que estabelece o regime jurídico a que fica sujeito o acesso e o exercício da atividade de mediação imobiliária).
Diz o artigo 16º da citada Lei que:
«1. O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito.
2. Do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos:
a) A identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam;
b) A identificação do negócio visado pelo exercício de mediação;
c) As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável;
(…) g) A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente. (…)».
Resulta inquestionado que na situação dos autos, estamos, conforme se salienta na sentença, perante um contrato de mediação imobiliária, uma vez que a autora se obrigou perante a ré a angariar interessados para a compra de um imóvel, ou seja, a conseguir interessado para certo negócio, desenvolvendo os atos necessários a pôr em contacto esses interessados e a ré.
A apelante sustenta que face à cláusula de não exclusividade do contrato, também incontestada, não se mostram verificados os pressupostos para atribuição de remuneração à autora relativamente ao negócio de compra e venda que veio a ser celebrado sobre o imóvel.
Da matéria de facto dada como provada resulta, designadamente, que:
9. A autora publicitou a venda do imóvel descrito em 2. na sua página da internet.
10. O irmão da ré, CC, a pedido daquela, publicitou a venda do imóvel no Marketplace (plataforma do Facebook) pelo preço de €135.000,00.
11. No dia 3 de agosto de 2023, a interessada BB contactou a autora, na pessoa da angariadora EE, tendo demonstrado interesse em adquirir um imóvel em ....
12. Nesse mesmo dia, EE enviou a BB o link da página da internet que continha a publicitação do imóvel referido no ponto 2., tendo ficada agendada uma visita ao mesmo para o dia 07 de agosto de 2023, que se veio a concretizar.
13. Após visualizar o link enviado por EE, BB encontrou o anúncio referido em 10. e, em virtude de já conhecer o imóvel e de o mesmo apresentar um preço inferior aquele publicitado pela autora, agendou uma visita ao mesmo com CC, que se veio a concretizar no final de agosto de 2023.
Resulta, assim, da matéria de facto que o primeiro contacto da cliente e interessada com a ré, se deveu ao conhecimento da venda do imóvel através da publicidade que esta tinha do mesmo, na sua página da internet, que levou a que a interessada BB efetuasse uma visita ao mesmo em 07/08/2023 e só posteriormente esta encontrou a publicitação do imóvel referenciada em 10 dos factos provados, por um preço inferior e contactou o irmão da ré, CC, tendo sido agendada uma visita ao mesmo imóvel no final de agosto de 2023.
Diz-nos o artigo 19º da Lei 15/2013, nos seus nºs 1 e 2 que:
«1. A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2. É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.»
A questão que se coloca é a de saber se é devida a remuneração à autora e apelada pela venda que a ré efetuou à referida BB, não tendo a mediadora logrado intervir na escritura de compra e venda.
Não há qualquer dúvida que o regime acordado entre as partes, no contrato de mediação, foi de não exclusividade
Tal questão reconduz-se a saber se a atividade da autora foi causal da celebração do negócio visado pelo contrato de mediação, devendo entender-se que assim é quando a atividade do mediador tenha contribuído de forma decisiva para a conclusão do contrato, não tendo, porém, que ser a sua única causa – Cfr., Higina Orvalho Castelo, op. cit., págs. 298 e 299.
Concretizando, com recurso à jurisprudência, o nexo de causalidade que deve existir entre a atividade do mediador e a conclusão do negócio visado, explica Fernando Baptista de Oliveira, in Manual da Mediação Imobiliária, Almedina, 2019, págs. 139 a 140, que, para o seu preenchimento:
- Basta que o trabalho do mediador tenha contribuído/influído decisivamente para a conclusão do negócio, integrando-se a sua atividade de forma idoneamente determinante na cadeia de factos que deram lugar ao negócio;
- Não é, para tanto, necessário que a atividade do mediador seja a única causa determinante da realização do negócio pretendido pelo comitente;
- Muito menos é necessário que a intervenção do mediador constitua a causa exclusiva da celebração do negócio, pois pode haver outras concausas concorrentes, afirmação que se justifica na hipótese de intervenção de vários mediadores;
- Não se impõe que o mediador esteja presente até à conclusão do negócio, bastando ao mediador a prova do nexo causal entre a sua atividade e a conclusão do negócio;
- Não obsta à existência do nexo causal terem os termos do contrato resultado, eventualmente, de negociações diretas entre os interessados que o mediador pôs em contacto;
- Assim como não se exige que a atividade do mediador, com vista à consecução do negócio, seja contínua e ininterrupta;
- Bastará, para esse efeito, ter o mediador posto em contacto as partes interessadas, desde que tal atividade tenha influído/contribuído decisivamente para o negócio;
- Não é suficiente a mera identificação de potenciais interessados ou interessados meramente virtuais: os interessados têm que ser reais e efetivos;
- Pode subsistir o nexo causal apesar de ter havido uma interrupção temporária das negociações entre o principal e o potencial comprador ou no caso de ter lugar uma quebra aparente desse mesmo nexo, por atos alheios ao comportamento do mediador.”
Na verdade, tal como resulta da matéria de facto provada, foi a autora quem apresentou o imóvel à interessada, acompanhando-a na visita ao mesmo; foi através da autora – ou seja, da atividade de divulgação por esta realizada – que a interessada soube que o imóvel estava à venda, .
O contrato de mediação constitui um contrato atípico com natureza similar a uma subespécie do contrato de prestação de serviços.
Pedro Pais de Vasconcelos caracteriza a mediação como a «intermediação entre o comprador e o vendedor, ou entre as partes num outro tipo de negócio, em que o intermediário – o mediador – aproxima as partes no negócio, põe-nas em presença, por vezes até intervém na negociação para o promover, mas não participa no negócio. O mediador é um facilitador……não atua por conta de nenhuma das partes, embora contratado por uma delas… mas nunca representa qualquer delas no negócio que vem a ser celebrado» - cf. Direito Comercial, Volume I, 2011, Parte Geral, Contratos Mercantis, Almedina, pág. 197 apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2012, processo n.º 5223/05.3TBOER.L1.S1.
Como se salienta, ainda, no Ac. da Relação de Lisboa de 22.02.2022, in www.dgsi.pt “À luz dos diplomas anteriores à Lei 15/2013, de 8-02, que regulavam o contrato de mediação imobiliária (DL 77/99, de 16-03 e DL 211/2004, de 20-08), entendia-se a prestação característica do contrato de mediação imobiliária como uma obrigação de atividade ou de meios, mas a doutrina e a jurisprudência mantinham-se divididas nessa matéria, como disso dá nota Higina Orvalho da Silva Castelo, in Contrato de Mediação - Estudo Das Prestações Principais, Dissertação de Doutoramento em Direito Privado, Setembro de 2013, pp. 356-357[3], onde elenca decisões jurisprudenciais que identificam a obrigação do mediador como uma obrigação de meios e outras que a qualificam como uma obrigação de resultado, onde se faz corresponder tal resultado à obtenção ou concretização de um negócio atinente a um determinado imóvel.
Esta autora refere, contudo, que o entendimento da prestação do mediador como uma obrigação de resultado incorre quer no erro da identificação entre o conteúdo da obrigação do mediador e um evento futuro e incerto do qual as partes fazem depender a remuneração, quer no do entendimento de que o resultado contido na noção de contrato de prestação de serviço, constante do art. 1154º do Código Civil, implica que o prestador de serviço assume uma obrigação de resultado (os contratos de prestação de serviço, implicando sempre obrigações de facere, comportam quer obrigações de resultado, quer obrigações de meios).
Todavia, face à amplitude dos negócios hoje visados pelo contrato de mediação imobiliária (cf. art. 2º da Lei n.º 15/2013) a prestação do mediador passou a ser encarada de outro modo, ou seja, o mediador “obriga-se a diligenciar no sentido de procurar interessado no negócio visado no contrato. Mas não se obriga a encontrar mesmo esse interessado que leve a cabo o negócio. É que não depende do mediador a realização do negócio visado, pois isso depende das vontades do cliente e do interessado encontrado. Daí que não faça parte da obrigação do mediador garantir o negócio, mas, sim, a procura de destinatário para o mesmo (se fará, ou não, o negócio, logo se verá; mas isso já nada tem a ver com o contrato de mediação imobiliária).” – cf. Fernando Baptista de Oliveira, Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial, pág. 45[4].
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3-11-2015, processo nº 115257/14.5YIPRT.C1 identifica-se a obrigação principal do mediador com a aproximação de diferentes pessoas, através da sua intermediação, “na busca comum e convergente para a celebração de um contrato entre ambas (obrigação de fazer), numa relação de causa/efeito (obrigação de resultado)” tendo o comitente, por contrapartida, a obrigação de remunerar os serviços prestados, através de uma comissão, concluindo que se está perante um contrato oneroso, “já que tanto o mediador (que é remunerado), como o comitente (que encontra no terceiro interessado aproximado pelo mediador a possibilidade concreta de realização do negócio visado), auferem vantagens ou benefícios patrimoniais.”
Mais se refere em tal aresto que:
“[…] o contrato de mediação, ainda que autónomo, é acessório ou preparatório de um outro contrato, a ser concluído entre o comitente (que contratou previamente com o mediador) e terceiro interessado (identificado e aproximado pelo mediador ao comitente).
Na vigência do DL nº 285/92, de 25/9, algumas dúvidas se suscitavam no sentido de saber o momento em que nasce a obrigação de o cliente remunerar o mediador, sustentando a jurisprudência ser necessário uma relação de causa/efeito entre a atividade do mediador e o negócio realizado, exigindo-se que o negócio se concluísse como consequência adequada da atividade do mediador (…). Por isso, o DL nº 77/99, entre cujas motivações esteve a de “clarificar o momento e estabelecer as condições em que é devida a remuneração pela atividade de imediação imobiliária” (Preâmbulo), veio estabelecer no seu art. 19º nº 1 que “a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, e que passou para o art. 18º nº 1 do DL nº 211/2004 de 20/10 e agora para a norma do art. 19º da Lei nº 15/2013.
Continua, assim, a ser válida a orientação jurisprudencial sobre a exigência do nexo causal entre a atividade do mediador e a conclusão do negócio.”
Em síntese, o mediador obriga-se a procurar interessado e a aproximá-lo do comitente para a realização do negócio no sector do imobiliário e este último obriga-se a remunerá-lo pelo serviço prestado, o que confere a este tipo de contrato a natureza de contrato bilateral e oneroso.
Quanto à obrigação essencial do mediador esta será a de angariar interessado para o negócio, ou seja, não constitui sua obrigação fundamental concluir o contrato, que, aliás, raramente concluirá ele próprio – cf. Fernando Baptista de Oliveira, Contratos Privados – Das Noções à Prática Judicial, Vol. III, pág. 74.»
A retribuição será assim devida sempre que a atividade do mediador se apresente como causa adequada do fecho do contrato definitivo; será ainda devida se o fecho do contrato foi alcançado como efeito de intervenção do mediador, se a atuação do mediador tiver contribuído para o êxito final. E, em linha de raciocínio com tal ideia/critério, a retribuição também será devida na hipótese do contrato definitivo só não ser concluído por causa imputável ao comitente; na hipótese de ser este a “bloquear” o contrato definitivo (Como se salienta no Ac. R.C. de 17.01.2012, in www.dgsi.pt).
Importa ter em consideração que, em qualquer relação contratual e designadamente na de mediação – seja de exclusividade ou não – há que observar o princípio da boa-fé (art.º 762º/2, do C. Civil), há que ter um comportamento honesto, correto, leal e fiel, há que cumprir os deveres acessórios e laterais de conduta ao caso atinentes; pelo que as partes – mediador e comitente – devem prestar mutuamente todas as informações pertinentes e relevantes, devem manter-se leais, praticando todas as condutas que viabilizem o escopo do negócio.
No caso, apesar de estarmos perante um contrato de “não exclusividade”, resulta nos termos expostos que a autora/mediadora, fez diligências quanto à promoção do imóvel, publicitou-o, fez visita ao imóvel e obteve/angariou pelo menos uma interessada, que o viria a adquirir, designadamente, a interessada BB, facto que a ré não desconhecia (cfr. ponto 14 dos factos provados), mormente quando com esta celebrou, sem conhecimento da autora, a escritura de compra e venda do imóvel, declarando não ter existido intervenção de mediador imobiliário no negócio.
Destarte, resulta evidenciado que a ré não podia deixar de ter consciência da atividade de mediador da autora e da forma como a interessada em questão chegou até si, através da angariação da autora, pelo que a celebração do negócio diretamente concretizado (apenas entre a ré e a dita interessada) não pode afastar a relação de causa e efeito entre a provada atividade da autora e o negócio concretizado, razão por que assiste à autora/apelada o direito ao pagamento, a título de retribuição/comissão, fixada no contrato de mediação imobiliária celebrado.
A considerar-se que apenas uma intervenção ao longo de todo o processo, nos casos de não exclusividade, permitiria à mediadora auferir a compensação contratualmente prevista, conduziria a que se estivessem a premiar expedientes ardilosos de molde a privar o mediador da devida retribuição a que na economia do contrato a parte outorgante/cliente se vinculou.
Deste modo, nenhuma censura há a apontar à sentença recorrida quanto à condenação da ré no pagamento da remuneração acordada no contrato, acrescida de juros, que, pelo exposto, será de manter, improcedendo por isso a apelação interposta, não se mostrando violada qualquer norma legal, nomeadamente das referenciadas pela apelante.
Face ao decaimento total da pretensão da apelante, sobre a mesma recai o encargo de suportar as custas, sem prejuízo do apoio judiciário, de que beneficia.
*
D) Em conclusão e sumariando:
…
*
III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida. Custas, pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.
*
Guimarães, 26/06/2025
Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Alexandra Rolim Mendes
2ª Adjunta: Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira