ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
FRAUDE FISCAL
TIPO DE ILÍCITO
ELEMENTO SUBJECTIVO
Sumário


I – Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
II – O dolo, constituindo um facto subjectivo, da vida interior do agente, não é directamente apreensível por terceiro. Daí que a sua demonstração probatória, especialmente naqueles casos em que não existe confissão do agente, tenha que ser feita por inferência, devendo resultar da conjugação da prova de factos objectivos, com especial relevo para aqueles que integram o tipo objectivo de ilícito, com as regras de experiência comum e da normalidade das coisas e por meio de presunções ligadas a tal princípio.
III – Ao dar como provados a factualidade que, na sua essência, consubstancia os elementos objectivos e objectivamente integradores do crime de fraude fiscal, p. e p. pelos Artºs. 6º, nº 1, 7º, nº 3, e 103º, nºs. 1, al. a), e 3, do RGIT, e, posteriormente, ao dar como não provada a matéria atinente ao elemento subjectivo do referido crime, incorreu o tribunal a quo em erro notório na apreciação da prova. Na verdade, ao terem sido considerados como provados os aludidos factos, a consequência lógica daí recorrente é que, efectivamente, os arguidos quiseram efectivamente e lograram induzir a ATA em erro, diminuindo o montante do IVA apurado e dessa forma, locupletando-se das aludidas quantias, impedindo que as mesmas entrassem nos cofres do Estado.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

*
I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 6/20.3IDVRL, do Juízo Central Criminal de Vila Real, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, foram submetidos a julgamento os arguidos:
1.1.EMP01..., LDA.” [entre 29.06.2015 e 10.07.2019, com a denominação social “EMP02..., LDA.”], sociedade por quotas com o NIPC ...12, e com sede na Rua ..., ..., ...;
1.2. AA, divorciado, comerciante, filho de BB e de CC, natural de ..., nascido em ../../1973, residente na Quinta ..., ..., Lugar ..., ..., ..., e titular do nº de identificação civil ...68;
1.3. CC, casada, reformada, filha de DD e de EE, natural da freguesia ..., concelho ..., nascida em ../../1951, residente na Rua ..., ..., ...;
1.4. FF, solteira, administrativa, de nacionalidade portuguesa, filha de GG e HH, natural de ..., ..., onde nasceu em ../../1987, residente na ..., Edf. ...., Bairro ..., em ..., e titular do Cartão de Cidadão nº ...58; e
1.5. II, casada, contabilista certificada, de nacionalidade portuguesa, filha de JJ e KK, natural de ..., onde nasceu em ../../1979, residente na Rua ..., em ..., titular do Cartão de Cidadão nº ....
*
2. Em 24/10/2024 foi proferido o respectivo acórdão, depositado no mesmo dia, do qual emerge o seguinte dispositivo (transcrição [1]):
“Por todo o exposto, acordam os Juízes que integram o Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Vila Real: 
a) Absolver os arguidos EMP01..., Lda., CC, AA, FF e II, da prática como co-autores e na forma consumada (artigos 7º nº 1, 14.º, n.º 1, 26.º e 22.º, todos do Código Penal) de um crime de fraude fiscal simples, previsto e punido pelo artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias [Lei n.º 15/2001, de 05-06], de que vinham acusados no apenso A (proc. nº 14/21.7IDVRL);
b) Condenar o arguido AA pela prática, com dolo directo e na forma consumada, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, e 26.º do Código Penal, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 3, e 103.º n.ºs 1, alínea a), e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), no montante global de € 2.000,00 (dois mil euros), sendo certo que se a referida multa não for paga, poderá converter-se em prisão subsidiária, ao abrigo do disposto no art. 49º nº 1 do C. Penal. ex vi art. 3º alínea a) do R.G.I.T.  
c) Condenar a arguida EMP01..., Lda. pela prática, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 do Código Penal, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 1, e 103.º n.ºs 1, alínea a), e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), no montante global de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).
d) Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, e individualmente na taxa de justiça que se fixa em 2 UC (artigos 513º nºs 1 a 3, 514º, 524º do Código de Processo Penal e art. 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-lei nº 34/2008 de 26/02 por referência à tabela III).
e) Julgar procedente o pedido formulado pelo MP nos autos principais (6/20.3IDVRL) e em consequência declarar perdido a favor do Estado o montante global da vantagem patrimonial obtida pelos arguidos AA e EMP01..., Lda. o qual se cifra em € 29.515,07 (vinte e nove mil, quinhentos e quinze euros e sete cêntimos) e em consequência condenar os arguidos solidariamente a pagar ao Estado tal quantia[2] (cfr. artigo 110º nº 1 alínea b), 2 e 3 do CP).
f) Julgar improcedente o pedido formulado pelo MP no apenso A (6/20.3IDVRL) e em consequência absolver os arguidos CC, AA, FF, II e EMP01..., Lda. do pedido de perda de vantagem ali formulado pelo M.P.  
(...)”.
*
3. Inconformados com tal decisão, dela vieram interpor recurso os arguidos AA e “EMP01..., Lda.” [em peça processual conjunta], bem como o Ministério Público, cujas motivações são rematadas pelas seguintes conclusões e petitórios (transcrição):
*
3.1. Arguidos AA e “EMP01..., Lda.
1.
Após uma aturada leitura da sentença proferida, verificam os Recorrentes AA e EMP01..., Lda. que, com a acostumada vénia sempre respeitadora, não se fez a devida Justiça, com a decisão de prolatada relativa aos presentes autos de processo n.º 6/20.3IDVRL que os condenou:
b) Condenar o arguido AA pela prática, com dolo directo e na forma consumada, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, e 26.º do Código Penal, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 3, e 103.º n.ºs 1, alínea a), e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), no montante global de € 2.000,00 (dois mil euros), sendo certo que se a referida multa não for paga, poderá converter-se em prisão subsidiária, ao abrigo do disposto no art. 49º nº 1 do C. Penal. ex vi art. 3º alínea a) do R.G.I.T.
c) Condenar a arguida EMP01..., Lda. pela prática, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 do Código Penal, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 1, e 103.º n.ºs 1, alínea a), e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), no montante global de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).
d) Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, e individualmente na taxa de justiça que se fixa em 2 UC (artigos 513º nºs 1 a 3, 514º, 524º do Código de Processo Penal e art. 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-lei nº 34/2008 de 26/02 por referência à tabela III).
e) Julgar procedente o pedido formulado pelo MP nos autos principais (6/20.3IDVRL) e em consequência declarar perdido a favor do Estado o montante global da vantagem patrimonial obtida pelos arguidos AA e EMP01..., Lda. o qual se cifra em € 29.515,07 (vinte e nove mil, quinhentos e quinze euros e sete cêntimos) e em consequência condenar os arguidos solidariamente a pagar ao Estado tal quantia6 (cfr. artigo 110º nº 1 alínea b), 2 e 3 do CP)
2.
Encontra-se errada e incorretamente julgada a matéria de facto vertida nos pontos 14, 16, 18, 19, 20, 21, 25, 26, 27, 28.º e 29 DOS FACTOS PROVADOS os quais deveriam ter sido dados como não provados, porque assim o impunha a prova validamente produzida;
3.
Estes concretos pontos da matéria de facto que aqui impugnamos por se encontrarem incorretamente julgados, e que impugnaremos especificadamente, mas conjugadamente – usando a metodologia do Tribunal a quo, uma vez que estão concatenados, os quais deveriam antes ter sido dados respetivamente como não provados, nos termos e pelas razões que infra elencaremos e porque a prova infra indicada e transcrita e toda a prova produzida assim o impunha e também a ausência de prova em sentido contrário.
4.
O Tribunal a quo, na Motivação da Sentença prolatada, começa por esclarecer que formou a sua convicção, no que concerne aos factos descritos em 14.º a 16.º dos factos provados, “Para prova dos factos descritos em 13 a 17, 21, 22, 23, 24, 25, 26 considerou o Tribunal a vasta prova documental constante dos autos principais nomeadamente participação de folhas 3; auto de notícia de 65/66; relatório de inspecção tributária e documentos anexos de folhas 67/85 e 86/91; prints de folhas 101, 102, 103, 109 e 117, facturas de folhas 132/142, 163, 166, 212/222 e 224/229; “Declaração” de folhas 164; “Contrato” de folhas 165; “Declaração” de folhas 167; Declaração periódica de folhas 168; Registo de folhas 169/172; Informação de folhas 173; Visão integrada do contribuinte de folhas 174; Informação de folhas 175/176; Parecer de folhas 178/197; Informação da Segurança Social de folhas 124; Documentos recolhidos pelo serviço de inspecção tributária de folhas 231/321; Listagem de contas bancárias tituladas pela sociedade comercial arguida de folhas 355/356; Informação do “Banco 1...” de folhas 367 e CD junto na contracapa; Informação prestada e elementos remetidos pela “Banco 2...” de folhas 372/374; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 3...” de folhas 380/390; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 4...” de folhas 391/398; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 5...” de folhas 412/417; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 6...” de folhas 420/449 e 457/466; Informação prestada e elementos remetidos pela “Banco 7...” de folhas 450/454 e Prints dos veículos automóveis identificados na acusação de folhas 518/544.
O teor do parecer de folhas 178 a 197 foi aliás confirmado em audiência de julgamento pela testemunha e inspector tributário, LL que o elaborou e bem assim MM, também inspector tributário, o qual participou na instrução do processo e explicou ao Tribunal num depoimento isento, pormenorizado e claro, a forma como procedeu à fiscalização á sociedade arguida e bem assim os dois grandes blocos de factos a que se reporta a acusação, assim confirmado o teor do relatório de inspecção tributária por si elaborado e junto aos autos a fls. 67 e ss
5.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária e pela apreciação crítica da prova produzida em audiência levada a cabo pelo Tribunal, segundo as regras da experiência e da livre convicção, cremos que, tal entendimento é contrário às regras da experiência e da normalidade do acontecer. Aliás, o que aqui está em causa é a absoluta ausência de prova que demonstre que os aqui Recorrentes tenha deliberadamente cometido os factos pelos quais vem acusado, na execução de um plano com o intuito de defraudar o Estado nos referidos valores devidos a título de IVA, apropriando-se de tais quantias. 
6.
Importa desde logo fixar, que a sociedade EMP01..., Lda., é uma sociedade que iniciou actividade em 13.08.2009 e no período temporal em referência [Outubro de 2015] tinha como objecto social a compra e venda de automóveis ligeiros; manutenção e reparação de veículos automóveis; construção civil e construção de imóveis para venda; aquisição, aquisição para revenda, alienação e arrendamento de bens imóveis. Facto Provado em 5º dos Factos Provados no Processo Principal (aqui sob recurso).
7.
E que, No contexto da actividade desenvolvida de comercialização de veículos automóveis no período temporal em referência a sociedade arguida, através do arguido AA, seu gerente, adquiriu diversos veículos automóveis em segunda mão no mercado nacional e no mercado comunitário, tendo os respetivos fornecedores aplicado o regime geral do IVA, designadamente regime geral na aquisição intracomunitária de bens, procedendo posteriormente o arguido, em representação da sociedade arguida, à sua venda em território nacional. Facto Provado em 12º dos Factos Provados no Processo Principal (aqui sob recurso).
8.
No decurso desta atividade e antes mesmo da inspeção tributária que deu origem aos factos acusatórios no Processo Principal (aqui sob recurso), ou seja, inspeção tributária ao exercício de 2015, iniciada em 2018, a referida sociedade era objeto de inspeções tributarias anualmente, isto é, a Recorrente EMP01..., Lda. todos os anos era alvo de inspeções tributária,
9.
O que era do conhecimento e até expectado pelo seu gerente e pela sua TOC, isto é, o Recorrente AA e a Arguida II tinham esse conhecimento, tinham essa “certeza”, a qual, aliás, advinha do tipo de negócio que a empresa prosseguia.
10.
Isso é dito especificamente nas declarações prestadas pela Arguida II, pela testemunha MM e ,ainda, é confirmado com a informação carreada para os autos pela AT a 19.07.2024, com a referência ...46,
Isso é dito especificamente nas declarações prestadas pela Arguida II, pela testemunha MM e ,ainda, é confirmado com a informação carreada para os autos pela AT a 19.07.2024, com a referência ...46,
11.
Com efeito, é dito, de forma clara e inequívoca pela Arguida II – cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12:22:27 horas e o seu termo pelas 13:59:51 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – concretamente a minuto 00:00:01 a minuto 00:02:49 do seu depoimento, cujo depoimento infra parcialmente se transcrevem.
Cfr. Declarações da Arguida II – cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12:22:27 horas e o seu termo pelas 13:59:51 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – concretamente a minuto 00:00:01 a minuto 00:02:49 do seu depoimento:

Minuto:
[00:00:01] – Meritíssimo Juiz Presidente: Boa tarde D. II. Quer então prestar declarações, D. II?
[00:00:03] – II: Sim.
[00:00:20] – Meritíssimo Juiz Presidente: (impercetível);
[00:00:21] - II: Aquilo que posso dizer, neste sentido, não fez muito sentido nos estarmos aqui, porque a empresa tem sido fiscalizada anualmente, tinha sido fiscalizada a anualmente e todos os finais das fiscalizações houve correções que foram propostas à gerência da empresa e ela foram feitas e pagou-se as devidas correções de alguns erros que haviam sido detectados. E neste, e no ano 2016 em concreto nunca chegamos a essa fase.
[00:00:56] – Meritíssimo Juiz Presidente: Quando é que começaram as inspeções a esta empresa?
[00:00:58] - II: Eu quando comecei a pegar na contabilidade, ou seja, quando foi transferida para mim.
[00:01:03] – Meritíssimo Juiz Presidente: Quando é que foi?
[00:01:04] - II: 2011. Não sei precisar o mês, mas sei que foi em 2011. Eu já peguei na contabilidade já estava a ser fiscalizada, ou seja, peguei numa contabilidade que já vinha com uma inspeção anterior. Era uma empresa que todos os anos era fiscalizada, quer pelas finanças, quer pela Alfândega que, no mínimo, uma vez ou duas por ano iam lá fazer o reconhecimento das matrículas todas que havia nos stands e sempre havia fiscalizações, ou seja, no término havia a reunião com o fiscal e chegava-se a um acordo, a um entendimento sobre algumas regularizações, quando havia regularizações a fazer. No ano de 2016 não aconteceu isso, daí se não ter chegado a nenhum acordo.
[00:01:55] – Meritíssimo Juiz Presidente: Então nos anos anteriores houve fiscalizações das finanças?
[00:01:56] - II: Julgo que só não houve, julgo que só não houve no ano de 2014, julgo que foi o único ano. Houve da Alfândega, mas não houve da parte das finanças.
[00:02:07] – Meritíssimo Juiz Presidente: Mas é normal as finanças fiscalizarem…
[00:02.08] - II: Neste tipo de negócio sim.
[00:02:10] – Meritíssimo Juiz Presidente: é?
[00:02.11] - II: Neste tipo de negócio sim.
[00:02:14] – Meritíssimo Juiz Presidente: Não sei, estou-lhe a perguntar porque … (impercetível).
[00:02.16] - II: É um tipo de negócio que é suscetível a fiscalizações a nível nacional, a tudo que tenha a ver com viaturas e então, estava sempre, quer fosse a Alfândega, estava lá um dia e fazia o levantamento de todas as viaturas que estivessem na exposição do stand e depois posteriormente tínhamos de enviar a cópia das faturas de aquisição das mesmas, do comprovativo de como elas estavam no stand. E depois havia as inspeções no âmbito tributário.
12.
E, bem assim, – concretamente a minuto 00:33:50 a minuto 00:02:49 do seu depoimento, cujo depoimento infra parcialmente se transcrevem.
Cfr. Declarações da Arguida II – cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12:22:27 horas e o seu termo pelas 13:59:51 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – concretamente a minuto 00:33:50 a minuto 00:36:16 do seu depoimento:

Minuto:
[00:33:50] – Mandatário da Arguida II: Olhe, Olhe, quanto ao relatório da inspeção, das inspeções que já falamos aqui, que foram sendo acompanhadas, esta que está aqui em causa, em 2016, de que forma é que foi acompanhada da sua parte?
[00:34.02] - II: ela iniciou comigo, ou seja, eu prestei todo o apoio, todas as declarações e toda a documentação ao fiscal que me foi solicitado, entretanto ela já não terminou comigo, terminou com a minha colega, mas não sei como é que lhe foi solicitado. A mim depois não me foi solicitado mais nada.
[00:34:21] – Mandatário da Arguida II: Quando é que soube como é que ia terminar este procedimento?
[00:34.26] - II: quando recebi a carta do tribunal que teria sido para, para regularização, não foi, peço desculpa, eu fui chamada ainda de ir a tribunal a primeira vez, fui chamada às finanças para prestar testemunho. Não sei se é assim que se diz. Fui lá para prestar declarações. Fui lá uma primeira vez para prestar declarações, eu prestei, disse aqui que já tinha enviado ao fiscal. Fui uma segunda vez e perguntaram-se se eu sabia para que é que estava ali. Eu disse que, é por causa de um processo e eles disseram-me ai que já não estava como testemunha, estava sim como arguida. E perguntaram-me se eu tinha conhecimento e eu disse que nem sequer vi a carta. Que tinha de vir cá e fui lá.
 [00:35:09] – Mandatário da Arguida II: Portanto, não teve nenhuma intervenção no encerramento do procedimento ou eventual correção tributária?
 [00:35:19] - II: Não. Nem sei se houve essa possibilidade de haver uma possibilidade de correção, como tinha hábito todas as vezes que era fiscalizada. No fim da inspeção, normalmente há esse tipo de procedimento.
[00:35:34] – Mandatário da Arguida II: Nos anos anteriores que referiu houve sempre regularização voluntária?
[00:35:37] - II: Houve sempre regularização voluntária da parte do Sr. AA.
[00:35:40] – Mandatário da Arguida II: (impercetível)
[00:35:41] - II: Não. Houve sempre regularização voluntária por parte do Sr. AA e foram pagos os respetivos impostos que lhe foram atribuídos.
[00:35:51] – Mandatário da Arguida II: Olhe, e nessa perspetiva, com este cliente, havia ou não a expectativa, do próprio cliente, que seria inspecionado sempre ou com frequência?
 [00:36:04] - II: Já era regra habitual, que fosse pela Alfândega, quer fosse pelas Finanças.
[00:36:10] – Mandatário da Arguida II: Portanto, parece-lhe boa ideia que aquilo que foi feito, por lapso, parece-lhe boa ideia para evitar o pagamento de impostos?
[00:36:16] - II: Não, porque da maneira que ela foi lançada no diária respetivo, não há qualquer tipo de ocultação, seja ela… tinha de ser lançado no diário de vendas e foi lançado, foi é mal classificado e mal lançado.
13.
E di-lo também, de igual sorte, a testemunha MM, Inspetor Tributário – depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15:00:31 horas e o seu termo pelas 16:12:10 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – concretamente a minuto 00:04:13 a minuto 00:05:57 do seu depoimento, cujo depoimento infra parcialmente se transcrevem.
Cfr. Declarações da testemunha MM, Inspetor Tributário – depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15:00:31 horas e o seu termo pelas 16:12:10 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – concretamente a minuto 00:04:13 a minuto 00:06:05 do seu depoimento

[00:04:13] – Exma. Procuradora do MP: Aqui também se referiu, passando um bocadinho ao fim, já voltamos ao início se não de importar,
[00:04.16] – MM: Sim, sim, sim, à vontade.
[00:04:17] – Exma. Procuradora do MP: Aqui esta sociedade, esta EMP01... também já teria sido, já teria tido outra designação social, não é?
[00:04.25] – MM: Sim, sim, EMP02... Lda.
[00:04:26] – Exma. Procuradora do MP: Muito bem, que também já teria sido sujeita a outro tipo de, de inspeções, de fiscalizações. Sabe alguma coisa a respeito, Sr. Inspector?
[00:04.34] – MM: Sim, sim, faz parte do nosso trabalho, de certa forma avaliar, aliás isso está refletido no relatório porque faz parte da informação geral sobre a empresa, ah, ver as inspeções anteriores, dar uma vista de olhos nas inspeções anteriores, ver o que é que foi encontrado, ver o que não foi, porquê, portanto, fazer uma avaliação mínima dessa situação, que também nos ajuda a para parametrizar o nosso trabalho que,
[00:04:57] – Exma. Procuradora do MP: Obviamente.
[00:04.59] – MM: Sim, sim, sim, com certeza que sim.
[00:05:00] – Exma. Procuradora do MP: Obviamente.
[00:05:01] – MM: Aliás, está no relatório logo na fase inicial, está lá refletido quais, o que era relevante, está lá refletivo.
[00:05:07] – Exma. Procuradora do MP: Relativamente e especificadamente àquilo que nos prende hoje principalmente, sobretudo, será a aplicação ou não do regime da margem.
[00:05:14] – MM: Exatamente.
[00:05:15] – Exma. Procuradora do MP: Nesse particular, nesse particular, esta, esta sociedade já tinha sido sujeita a inspeções anteriores relativamente à aplicação ou não do regime da margem e à declaração de valores a título de IVA?
[00:05:28] – MM: Não lhe posso confirmar isso, eu, eu.
[00:05:30] – Exma. Procuradora do MP: Não sabe?
[00:05:31] – MM: Eu fui ver, portanto, é assim, a análise, o que nós vamos ver não é propriamente os relatórios, é, é, se existiram, se houve correções, que tipo de correções, agora pormenorizar que as correções tiverem origem nisto, ou naquilo, ou… a não ser que seja alguma coisa extremamente relevante, na, na….por norma, eu não vou ver, não vou ver isso.
[00:05:55] – Exma. Procuradora do MP: Pronto. Muito bem.
[00:05:57] – MM: Mas isso não lhe posso responder com certeza se havia já razões anteriores relacionadas com o mesmo assunto.
14.
Daqui resulta inquestionável e erroneamente apreciado pelo Tribunal a quo o facto da Arguida EMP01..., Lda.  ser inspecionada anualmente desde 2011, o que era já esperado e do conhecimento do seu gerente, aqui Recorrente AA, e a sua TOC.
15.
Por outro lado, não resulta demonstrado cabalmente de acordo com aqueles depoimentos, que nas inspeções aos períodos anteriores a Outubro de 2015 as fiscalizações tivessem por objeto a errónea aplicação do regime da margem/regime geral em aquisições intracomunitárias. E isso, não só não é confirmado a testemunha MM, Inspetor Tributário – depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15:00:31 horas e o seu termo pelas 16:12:10 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – concretamente a minuto 00:04:00 a minuto 00:06:05 do seu depoimento, nem tal é confirmado pelo Parecer a que se refere o n.º 3 do artigo 42.º do RGIT, fls. 178/197.
16.
Da conjugação destes concretos excertos dos depoimentos suprarreferidos e transcritos da Arguida II e da testemunha MM e da ausência de qualquer menção em sentido contrário pelo Parecer referido, dúvidas não podem subsistir de que, o Tribunal a quo ignorou este facto, que se afigura essencial para se perceber o contexto factual em que a Recorrente EMP01..., Lda. se enquadrada desde, pelo menos, o ano de 2011 e, consequentemente, para apreciar o quadro mental/elemento volitivo em que os Recorrentes EMP01..., Lda. e AA agiam.
17.
Ditam as regras da experiência comum que, quem sabe (e não duvida) que vai ser inspecionado ou ver a sua conduta apreciada pelas respetivas atividades fiscalizadoras se iniba de praticar quaisquer factos que possam não subsumir-se aos termos prescritos pela Lei.
18.
Por outro lado, não existe nos autos, nem a decisão a quo logra identificar, qualquer meio de prova que infirme, demonstre ou evidencie que, nos períodos tributários anteriores a Outubro de 2015 – factos em apreciação dos presentes autos principais – tenha a Recorrente EMP01..., Lda. sido fiscalizada e identificados erros anteriores com a aplicação indevida do regime da margem. E que, mesmo que o tenham cometido e tenham os mesmos sido identificados, sempre seriam os mesmos excecionais, corrigidos e liquidados os respetivos impostos, como aliás esclarece a Arguida NN, nas declarações prestadas – gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12:22:27 horas e o seu termo pelas 13:59:51 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – concretamente a minuto 00:33:50 a minuto 00:36:16 do seu depoimento:
19.
Por isso, para a apreciação dos factos imputados aos Recorrentes EMP01..., Lda. e  AA nos presentes autos principais, a decisão a quo, face aos concretos meios de prova sobreditos (de acordo com os excertos identificados), tinha o Tribunal a quo  obrigatoriamente de assumir que desde 2011 a EMP01..., Lda. era alvo, todos os anos, de fiscalizações, não se tendo demonstrados, nos autos, que nestas alguma vez tenham sido detetados problemas com aquisições intracomunitárias e a errada aplicação da margem.
20.
Por outro lado, ignora a decisão a quo que a Recorrente EMP01..., Lda., quer no período tributário de 2015 – respeitantes aos factos imputados no processo 6/20.3IDVRL – quer até anteriormente, individualiza-se já como um operador instalado e estabilizado no mercado (sabemos, já desde 2009), com património mobiliário e imobiliário e, nesse sentido, sem evidenciar quaisquer riscos relacionados e/ou indiciados com não liquidação de IVA ou errónea aplicação do regime IVA (margem ou geral) ou até com a chamada Fraude Carrossel.
21.
Aliás, é a própria testemunha MM, Inspetor Tributário – depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15:00:31 horas e o seu termo pelas 16:12:10 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – que refere, concretamente a minuto 00:12:13 a minuto 00:16:26 do seu depoimento, que esses indícios e/ou riscos não se verificavam quanto à Recorrente EMP01..., Lda. cujo depoimento infra parcialmente se transcrevem.
Cfr. Declarações da testemunha MM, Inspetor Tributário – depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15:00:31 horas e o seu termo pelas 16:12:10 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – concretamente a minuto 00:12:13 a minuto 00:16.26 do seu depoimento

[00:12:13] – Exma. Procuradora do MP: Então, explique-nos lá, se fizer o favor, Sr. Inspetor,
[00:12:15] – MM: Então é assim. O regime da margem é um regime de bens usados, que existe, para dar cobertura a venda entre particulares, por exemplo, ou a, não sendo particulares, podem ser outros sujeitos passivos instalados em qualquer país da União Europeia, existe a nível nacional e existe também noutros países regimes equivalentes, em que não é liquidado IVA e o IVA devido ao Estado é só o resultante da diferença entre a compra e a venda da, desse bem. Pronto, existe para alguns, alguns regimes específicos, para o ouro, para objetos de antiguidade e genericamente para os bens usados. Não era o que tínhamos ali. Tínhamos ali aquisições intracomunitárias puras e duras, na sua maior parte.  Portanto…
[00:13:10] – Exma. Procuradora do MP: Mas quando diz aí, peço desculpa interrompê-lo,
[00:13:11] – MM: sim, sim,
[00:13:12] – Exma. Procuradora do MP: Não perca o fio de raciocínio, nem quero fazê-lo perder, mas quando diz outros sujeitos passivos não particulares, está a falar de pessoas não singulares, pessoas coletivas também?
 [00:13:20] – MM: sim, sim, pessoas coletivas e sujeitos passivos,
[00:13:22] – Exma. Procuradora do MP: Pronto
[00:13:23] – MM: outros sujeitos passivos de outros estados membros que podem utilizar esse regime, caso, é assim, o regime só é utilizável por, num determinado bem, se for adquirido nesse regime, ou seja, a EMP02..., EMP01..., tinha legitimidade, em alguns casos isso aconteceu, havia lá casos em que estava correto, em que a aquisição foi feita no regime da margem e a venda foi feita no regime da margem. Corretíssimo. Nada a dizer.
[00:13:51] – Exma. Procuradora do MP: É um daqueles casos específicos em que particulares…
[00:13:55] – MM: Agora a maior parte dos casos eram aquisições no regime das aquisições intracomunitárias, que depois eram transformadas diretamente pela EMP01... em aquisições no regime da margem. Pronto. São coisas completamente diferentes, porque a partir do momento em que é considerado uma aquisição intracomunitária a empresa tem obrigação de liquidar Iva pelo regime normal no momento da venda. E as correções vieram essencialmente dai. Pronto, depois houve ali outras situações que também, enfim, encontrei uma miria de situações, pronto, todas elas foram corrigidas, pronto, havia, até porque depois há aqui uma situação em que não é muito, não era muito frequente, num operador como a EMP02..., EMP01..., perfeitamente estabelecido no mercado, foi essa a perceção que eu tinha, que era um operador com muitos anos, com património, com, com, estabelecido no mercado, normalmente este sistema da fraude internacional ao IVA, normalmente não é praticado pela, por essa empresa. É praticado num momento a montante por alguém, por uma empresa muitas vezes criada para esse fim, que aparece e desaparecer. Pronto, e o que e foi isso que nós já tínhamos encontrado noutras situações em que a recomendação estava no operador estabelecido, era perfeitamente legal, só que, a montante já tinha sido feita a formação por um desses operadores que são conhecidos na fraude internacional do Iva como missing trader. Como o próprio nome indica é um comerciante que desaparece, pronto, não tem património, tem um gerente, normalmente um gerente de facto e um gerente de direito, não tem qualquer património, faz umas quantas declarações durante um certo tempo e depois deixa de operar, desaparece.
 [00:15:54] – Exma. Procuradora do MP: Mas não é o caso da EMP01..., não é? Como estava a dizer
[00:15:56] – MM: Não era o caso da EMP01.... Transformação direta do regime normal para o regime da margem não era muito habitual, aquele tipo de operador, embora tivéssemos encontrado. Tal como havia esta outra situação em que eu estou agora a falar, portanto, também havia ali o envolvimento de um desses operadores, concretamente, aliás, operador está citado no relatório que era a EMP03... de que,
[00:16.25] – Exma. Procuradora do MP: Sim.
[00:16:26] – MM: EMP03... que era gerida por um senhor que eu nunca conheci, OO, com quem a EMP02.../EMP01... fazia alguns negócios. Pronto, nesse sistema, ou seja, a EMP03... fazia a transformação para o regime do iva e a ou então havia ali outra nuance também, isto para dar um exemplo, do género de coisas que eu encontrei que era faturar comissões à EMP03... por intermediação de negócio, quando na realidade estávamos perante uma venda, uma compra e venda e não

22.
Neste contexto, para a apreciação dos factos imputados aos Recorrentes EMP01..., Lda. e AA nos presentes autos principais, no que tange ao preenchimento do elemento subjetivo da prática dos factos em apreciação no processo 6/20.3IDVRL, tinha o Tribunal a quo obrigatoriamente de assumir que, a Arguida EMP01..., Lda. não preenchia quaisquer riscos relacionados e/ou indiciados com a não liquidação de IVA ou errónea aplicação do regime IVA (margem ou geral).
23.
Mas mais: cumpre vincar que, a problemática das aquisições intracomunitárias e/ou a aplicação do regime do IVA geral/da margem, apesar do período em que tal legislação se encontrar em vigor e daquilo que se pretendeu fazer crer na Audiência de Discussão e Julgamento não é pacifica, isto é, não é de fácil subsunção a um determinado o caso em concreto a fixação do regime de Iva a aplicar.  Não se pode dizer, sem mais, como foi por diversas vezes dito em Audiência de Discussão e Julgamento, que se se adquirir a uma pessoa singular aplica-se o regime X e se se adquirir a uma pessoa coletiva aplica-se o regime Y.
24.
E isso ficou devidamente explicitado pela testemunha MM, Inspetor Tributário que esclareceu os contornos exatos em que se aplica um ou outro regime e que se prende grosso modo com a replicação do regime de IVA em que se encontra enquadrado o vendedor/alienante: Vide declarações da testemunha MM, Inspetor Tributário cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15:00:31 horas e o seu termo pelas 16:12:10 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024, concretamente a minuto 00:43:50 a minuto 00:44:39 do seu depoimento.
25.
Confrontado com os factos pelos quais vem acusado neste processo principal, o Recorrente AA, nas declarações que prestou – e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11:23:17 horas e o seu termo pelas 12:22:24 horas – esclareceu que, apenas no decurso da inspeção tributária aos períodos de 2015 e 2016, cujo inicio se verificou em 2018 – conforme Parecer a que se refere o n.º 3 do artigo 42.º do RGIT, fls. 178/197 dos autos principais – é que se viu confrontado de que existia erros na aplicação do regime de IVA adequado, que nessa sequência percebeu que não estava a aplicar corretamente o regime de IVA, embora tivesse a convicção que estaria a aplicar corretamente o respetivo regime.  Tanto assim é que, confirmou-o com outros colegas do ramo. 

Vide, a este propósito, as declarações do Arguido AA, que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11:23:17 horas e o seu termo pelas 12:22:24 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024, cujo depoimento infra parcialmente se transcrevem, concretamente a minuto 00:13:45 a minuto 00:17:42:

Minuto:
[00:13:45] – Meritíssimo Juiz Presidente: Então o senhor achava que pelo simples facto do carro ser comprado em segunda-mão eram sempre pelo regime da margem?
[00:13:54] – AA: Sim.
[00:13:55] – Meritíssimo Juiz Presidente: É isso?
[00:13:56] – AA: Sim.
[00:13.58] – Meritíssimo Juiz Presidente: Depois temos aqui em 2016…
[00:14:06] – AA: Quanto a estes carros, pronto, eu sei que poderá não ter até interesse aqui para o caso, mas falando com colegas meus, dentro da mesma profissão, e comprávamos os carros no mesmo lugar, quando fui fiscalizados mais tarde, falei, falamos, ainda hoje falamos, pelo menos das pessoas com quem eu falo e estão no ramo automóvel e quem importa carros, as faturas, o modo de fazer a contabilidade e as faturas são sempre emitidas dessa forma, pelo regime da margem. Foi isso que eu disse também ao Fiscal. Mas pronto. Porque apresentou esse senhor da EMP04..., era como digo, era só se fossem coisas pontuais, carros que eu não tivesse em stock, porque como é lógico se eu pudesse vender os meus não ia vender os das outras pessoas. As margens eram diferentes. 
[00:15:10] – Meritíssimo Juiz Presidente: o senhor não averiguava qual é que era o regime que existia no país em que comprava e o fornecedor, qual era o regime de IVA aplicável, isso não dependia o tipo de regime que ia aplicar, ou não?
[00:15:21] – AA: Como assim.
[00:15:22] – Meritíssimo Juiz Presidente: Qual é que era o regime que vigorava a quem comprava, o regime de IVA.
[00:15:28] – AA: A confusão foi que há viaturas em que, segundo dizia o Fiscal, se eu comprar a viatura a um particular, por exemplo na ..., aplica-se o regime da margem; se eu comprasse por exemplo o carro numa empresa já se aplicava o regime geral. Foi o que ele me disse.
[00:15:46] – Meritíssimo Juiz Presidente: Então a EMP05... é o quê? É uma empresa, não é? Olhe e os outros fornecedores também eram empresa. De acordo com as faturas do quadro, os fornecedores eram empresa (imperceptivel) então sempre que fossem pessoas coletivas o senhor sabia que não podia aplicar o regime da margem e que tinha de aplicar o regime geral?
[00:16:18] – AA: Senhora Doutora se eu soubesse que tinha de aplicar o regime geral tinha aplicado o regime geral. 
[00:16:24] – Meritíssimo Juiz Presidente: Então acabou de me dizer que só se fosse comprado a sociedade é que tinha de aplicar o regime geral.
[00:16:29] – AA: Soube mais tarde.
[00:16:30] – Meritíssimo Juiz Presidente: Ah, soube mais tarde, quando é que soube então?
[00:16:33] – AA: Quando fui fiscalizado.
[00:16:35] – Meritíssimo Juiz Presidente: Quanto é que foi fiscalizado?
[00:16:36] – AA: Não posso precisar, não sei quando foi. Sei que foi há alguns anos.
[00:17:01] – Meritíssimo Juiz Presidente: então desde 2012 que foi quando o senhor começou a importar os carros andou a fazer sempre assim? Fez sempre assim? Até ao momento em que as Finanças vieram e o senhor soube, pela primeira vez, que não podia aplicar o regime da margem, era sempre a aplicar indevidamente o regime da margem, desde que começou até á altura da inspeção. Estou a dizer bem? Portanto, todas as faturas que o senhor emitiu, antes deste período, 2015, andou a emitir mal, aqui neste quadro, andou a emitir mal, tudo para trás, porque não sabia, não é?.
[00:17:42] – AA: Aqui também penso que foi, que deu origem a esta minha asneira que foi antes… eu antes ia eu própria à ... e nos íamos à ... os carros eram sempre comprados, eu penso que até poderia ter feito bem as coisas até essa altura, por esta simples razão: nos íamos a uma feira comprar os carros e quem lá colocava os carros eram pessoas particulares e nos comprovamos ali. Depois deixei de comprar e passei a comprar pela internet, nessa empresa na EMP06.... E aí essa empresa tinha viaturas particulares e viaturas de empresa e aí é que deu origem a esse problema. Não quer dizer que antes possa ter feito asneira. Poderia eventualmente ter feito a alguns, não faço ideia. Há uma coisa que eu sei. Há uma coisa que eu sei: o que fiz, está feito. Não há nada a fazer e ponto final. Não o fiz deliberadamente. Não sabia. E outra coisa também o sei.

26.
Corroborando esta ignorância, diz-nos a Arguida II nas suas declarações – cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12:22:27 horas e o seu termo pelas 13:59:51 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – concretamente a minuto 00:05.50 a minuto 00:10:00 do seu depoimento, que após as inspeções tributárias ao período em objeto nos presentes autos principais (outubro de 2015), fez inclusive uma formação da Ordem dos TOC sobre esta mesma problemática, creio uma tabela para melhor agregar a informação relativa aos veículos adquiridos, respetivos vendedores e regime de IVA aplicável.
27.
E tanto assim é que, a própria Arguida II nas suas declarações esclarece, de forma autêntica e espontânea, que após a fiscalização ao ano de 2015, iniciada em 2018, e após os esclarecimentos prestados pelos Fiscal e na sequência da formações por si feita, todas as faturas foram todas corretamente emitidas. O que é comprovável nos presentes autos principais e, ainda, no apenso, em que tal situação não é imputada. 
Vide, a este propósito, as declarações do Arguida II nas suas declarações – cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12:22:27 horas e o seu termo pelas 13:59:51 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – concretamente a minuto 00:36.40 a minuto 00:10:00 do seu depoimento, que parcialmente infra se transcrevem:
Minuto:
[00:36:40] – Meritíssimo Juiz Presidente: Em relação a Outubro de 2015, sabe o que aconteceu? (…)
[00:36:44] – II: É assim, eu se vir as faturas posso… mas já é muito tempo a fazer, agora em 2015 tenho ideia que, não vou precisar, mas tenho ideia que foi quando nós começamos a fazer a verificar melhor se era pelo regime da margem, se era pelo regime geral. Em 2016 já fez tudo direitinho, as faturas pelo regime geral, em 2015 só vendo mesmo as coisas.

28.
O que é igualmente corroborado pela própria testemunha MM, Inspetor Tributário – depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15:00:31 horas e o seu termo pelas 16:12:10 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – que refere, concretamente a minuto 00:12:13 a minuto 00:13:23 do seu depoimento, que houve a aplicação correta (nas palavras descomprometida deste testemunha, “corretíssima”) do regime da margem.
29.
Neste contexto, para a apreciação dos factos imputados aos Recorrentes EMP01..., Lda. e AA nos presentes autos principais, no que tange ao preenchimento do elemento subjetivo da prática dos factos em apreciação no processo 6/20.3IDVRL, a decisão a quo tinha obrigatoriamente de assumir e reconhecer que, só no início da inspeção tributária ao ano de 2015, iniciada em 2018, é que o Recorrente AA foi confrontado de que aplicava erroneamente o regime de IVA geral e/ou margem nas aquisições intracomunitárias realizadas. Sendo certo que inexiste qualquer prova que infirme este facto.
30.
Tanto assim é que, a decisão a quo, para assumir como preenchido o elemento subjetivo da prática do crime, ancora-se cegamente na “declaração” de fls. 167 dos autos encontrada na contabilidade da sociedade arguida.
31.
Não obstante, em audiência de julgamento, o arguido AA não conseguir explicar a razão de ser daquela declaração, a verdade é que a mesma, à luz da regra da experiência comum é inidónea a demonstrar ou evidenciar qualquer fito ou propósito para evidenciar o dolo na atuação dos Recorrentes EMP01..., Lda., visto que, se por um lado, do elenco de vendas em 16.º dos Factos Provados – no presente processo principal n.º 6/20.3IDVRL – apenas há um veículo adquirido à EMP04..., Unipessoal, Lda., precisamente o veículo com a matrícula ..-QF-... Mais nenhum foi adquirido a esta empresa. Trata-se, portanto, de um veículo isolado.
32.
Por outro lado, a própria testemunha MM, Inspetor Tributário – depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15:00:31 horas e o seu termo pelas 16:12:10 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024 – refere, concretamente a minuto 00:13:51 a minuto 00:16:26 do seu depoimento, que esse tipo de atuação ou declaração era usada nos esquemas Fraude de IVA internacional relacionada com operadores denominado de missing traders, o que manifestamente não é o caso da Recorrente EMP01..., Lda. Há esse reconhecimento expresso por parte desta testemunha.
33.
Baseia-se a decisão a quo numa declaração relativa à transação de um único veículo, das dezenas que foram analisadas e fiscalizadas pela Autoridade Tributária em 2015 e 2016, para daí extrair para as demais transações descritas em 16.º dos Factos Provados (e sem mais nenhum meio de prova que o corrobore) uma motivação dolosa/propositada dos Recorrentes AA e EMP01..., Lda. de aplicar erradamente o regime de IVA devido, frustrando a satisfação do crédito tributário devido,
34.
Tudo isto quando os Recorrentes AA e EMP01..., Lda.  sabiam e esperavam que todas estas transações iam ser escalpelizadas pela Alfândega e pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
35.
Pior, apresenta o Tribunal a quo um silogismo reprovativo e extensivo da “declaração” de fls. 167 dos autos que esbarra, desde logo, com a posição expressa, em julgamento, pelo próprio Inspetor Tributário MM, porquanto, o mesmo refere que, esse tipo de procedimento (diga-se, tipo de declaração) é usado pelas denominadas “missing traders”, empresas criadas ad hoc,  não estabilizadas no mercado, sem património, o que manifestamente não é o caso da Recorrente EMP01..., Lda., 
36.
Esta tese aqui apresentada pelo Tribunal a quo não só não é verdadeira, como ofende o que é de mais elementar nas regras do viver e da experiência comum. Aliás, só fazendo tabua rasa de tudo o sobredito, é que o Tribunal a quo pode admitir que os Recorrentes EMP01..., Lda. e AA vise frustrar a satisfação de créditos tributários (com a incorreta aplicação do regime de Iva devido), quando sabe que todos os seus negócios de compra e venda de automóveis vai ser fiscalizados.
37.
Pior, ignorou ainda a decisão a quo que o IVA respeitante ao período tributário inerente aos autos principais n.º 6/20.3IDVRL está a ser pedido no Processo de Execução Fiscal n.º .... Vide oficio da Direção de Finanças ... de 27.09.2024, junto aos autos principais a 27.09.2024, através do requerimento com a ref.ª ...57. Resulta, concretamente da primeira página daquele ofício, que,
Processo de InquéritoPeríodo de ImpostoValor em divida do período (€)N.º Certidão de dívidaN.º Processo de Execução FiscalValor total do Processo de Execução Fiscal (€)Valor Global pago no processo de execução fiscal (€)
NUIPC6/20.3IDVRL2015/1020.327,28...82...78.720,920

38.
Resulta, ainda, a fls. 9 daquele mesmo ofício que, foi constituída uma hipoteca voluntária a 24.09.2024, para garantia do crédito peticionado naqueles presentes autos.
39.
Para reforçar aquela mesma informação, o aqui Recorrente AA, através do requerimento junto aos autos a 29.09.2024, com a ref.ª ...32, reforça a fls. 1 daquele requerimento que,
4) Com efeito, registe-se, para garantia da escorreita e integral satisfação dos créditos tributários peticionado no PEF n.º ...58 2020 0100 5855 (onde se encontra em cobrança o tributo aduzido nos presentes autos), a 24/09/2020 a Arguida EMP01..., Lda constituiu hipoteca voluntária sobre os seguintes prédios urbanos de que é proprietária:
Ø Prédio Urbano, situado na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casa de rés-do chão e primeiro andar com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...66 e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...69 da aludida freguesia, com o VPT de € 58.563,75;
Ø Prédio Urbano, situado no Largo ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, anexo e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob n.º ...00 e inscrita na matriz urbana sob artigo ...86 da citada freguesia, com VPT de € 75.353,60.Tudo como melhor exsuda da Escritura de Constituição de Hipoteca Voluntária, que à frente se junta, integra e reproduz para todos os legais efeitos sob doc. n.º 1.
40.
Por sua vez, a Direção de Finanças ..., através do oficio de 27.09.2024, junto aos autos principais a 27.09.2024, através do requerimento com a ref.ª ...57, confirma a fls. 9 daquele oficio a constituição da referida hipoteca voluntária.
41.
Ora, como é bom de ver, se ab initio houve por parte do Recorrente AA algum intuito de lesar os cofres do Estado ou até frustrar o Estado a receber o IVA em objeto nos presentes autos principais (6/20.3IDVRL), nunca teria a EMP01..., Lda. constituído uma Hipoteca Voluntária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira para garantir este crédito. se o fez, é porque nunca teve qualquer intenção de lesar os cofres do Estado. 
42.
É, pois, inelutável que a fundamentação da decisão a quo, quando ao preenchimento do elemento subjetivo do crime aqui imputado aos Recorrentes EMP01..., Lda. e ao AA não se ancora em nenhuma prova, é contraditória à prova produzida e supra especificada, além de ofensiva às regras da experiência comum
43.
Neste contexto, para a apreciação dos factos imputados aos Recorrentes AA e EMP01..., Lda. nos presentes autos principais, no que tange ao preenchimento do elemento subjetivo da prática dos factos em apreciação no processo 6/20.3IDVRL, a decisão a quo tinha obrigatoriamente de assumir e reconhecer a constituição desta garantia real prestada no processo de execução fiscal n.º ...55 como demonstrativo da inexistência de qualquer intenção de lesar os cofres do Estado.
44.
E como tal, com base nos concretos excertos indicados e transcritos extraídos das declarações da Arguida II – cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12:22:27 horas e o seu termo pelas 13:59:51 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024; das declarações do arguido que AA – gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11:23:17 horas e o seu termo pelas 12:22:24 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024; das declarações da testemunha MM, Inspetor Tributário – gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15:00:31 horas e o seu termo pelas 16:12:10 horas, conforme ata da 1ª sessão da audiência da discussão e julgamento de 23.09.2024,
45.
E bem assim, com fundamento nos concretos excertos individualizados da prova documental produzida e acima devidamente identificada,
46.
Complementada com toda a demais prova produzida, devidamente conjugada entre si, através de critérios de razoabilidade e veracidade e à luz das regras da experiência do viver, não podem restar quaisquer dívidas de que, ao contrário do que resulta do:
Ø Ponto 14.º dos Factos Provados, nunca houve, nem se provou, nem se pode dar por provado que, “com o propósito de não liquidar, nem entregar a totalidade do imposto devido ao Estado, actuando por intermédio do arguido AA, a sociedade “EMP01...” recorreu ao regime da margem de lucro aplicável em transações de bens em segunda mão (doravante, regime da margem), previsto no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18.10 (RETBSM), na venda dos veículos automóveis identificados na tabela constante do artigo 16.º, mencionando tal facto nas respectivas facturas, assim apurando quantias a liquidar em sede de IVA substancialmente inferiores às legalmente devidas.”
Ø Ponto 16.º dos Factos Provados não se provou, nem se pode dar por provado que, “Não obstante ter conhecimento de que os referidos veículos não tinham sido adquiridos segundo o regime da margem ou [nos casos de aquisição intracomunitária] regime equivalente em vigor no Estado Membro da transação, a sociedade comercial arguida, actuando por intermédio do seu sócio gerente, também arguido, procedeu à venda dos veículos, de seguida, identificados nas datas, aos adquirentes e pelos valores discriminados, tendo aplicado indevidamente o regime da margem na respectiva venda, conforme mencionado na tabela infra:”
Ø Ponto 18.º dos Factos Provados, não se provou, nem se pode dar por provado que, “Por forma a aplicar, indevidamente, o regime da margem na posterior venda do referido veículo a PP, o arguido AA, actuando no interesse da sociedade arguida, formulou o propósito de criar a aparência, não coincidente com a realidade, de que a sociedade comercial arguida “EMP01...” tinha, ao invés, adquirido o veículo a QQ.”
Ø Ponto 19.º dos Factos Provados não se provou, nem se pode dar por provado que, “Para tanto, o arguido AA elaborou, por si ou por intermédio de terceira pessoa a seu mando e em conluio com aquele, um documento intitulado “Declaração”, não registado contabilisticamente, do qual consta que “QQ” declara que vendeu à “empresa EMP02..., Lda.” o referido veículo automóvel pelo valor de € 15.000,00.”
Ø Ponto 20.º dos Factos Provados não se provou, nem se pode dar por provado que, “O arguido sabia, porém, que o referido documento não traduzia a verdade relativa à aquisição, pela sociedade comercial arguida, do identificado veículo automóvel, não correspondendo a uma operação efectivamente realizada, o que fez de forma artificiosa, com o propósito, concretizado, de, mediante a interposição da alegada aquisição a QQ na cadeia de transmissões e dando a aparência real daquele acto, aplicar o regime da margem na sua venda a PP.”
Ø Ponto 21.º dos Factos Provados não se provou, nem se pode dar por provado que, “Em consequência da aplicação indevida do regime da margem, em detrimento do regime legalmente admissível, na venda dos veículos automóveis identificados na tabela supra [artigo 16.º], a sociedade comercial “EMP01...” não liquidou, nem entregou ao Estado IVA no montante global de € 28.377,49 (vinte e oito mil trezentos e setenta e sete euros e quarenta e nove cêntimos), assim se locupletando ilegitimamente, na medida do correspondente empobrecimento do Estado.”
Ø Ponto 25.º dos Factos Provados não se provou, nem se pode dar por provado que, “Por conseguinte, considerando que a sociedade arguida liquidou, na respectiva declaração apresentada à Autoridade Tributária e Aduaneira, apenas o valor de € 6.371,36, sonegou do imposto devido a quantia total de € 29.515,07 (vinte e nove mil quinhentos e quinze euros e sete cêntimos).”
Ø Ponto 26.º dos Factos Provados não se provou, nem se pode dar por provado que, “Com as condutas descritas, logrou a sociedade comercial arguida apropriar-se do referido valor referente à soma dos montantes globais indicados nos artigos 21.º e 24.º, causando o correspondente prejuízo patrimonial ao Estado.”
Ø Ponto 27.º dos Factos Provados não se provou, nem se pode dar por provado que, “O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, em representação e no interesse da sociedade comercial arguida, com o propósito concretizado de, [i] fazendo constar da declaração periódica apresentada e relativa ao mês de outubro de 2015 valores de liquidação de IVA inferiores aos devidos, em resultado da intencionada inserção de valores de imposto calculados, de forma indevida, de acordo com o regime da margem relativamente às operações indicadas no artigo 16.º, recorrendo, em parte, a um negócio ficticiamente celebrado e, por outro lado, [ii] mediante a omissão de apuramento, liquidação e inserção na referida declaração periódica da base tributável referente às transmissões de veículos identificadas no artigo 23.º, eximir, de forma ilegítima, a sociedade do pagamento da totalidade do imposto que sabiam ser devido.”
Ø Ponto 28.º dos Factos Provados não se provou, nem se pode dar por provado que, “Ao actuar da forma descrita, ocultando factos e valores que deviam constar da contabilidade e da declaração fiscal apresentada, o arguido AA logrou obter, como era seu propósito, uma vantagem patrimonial indevida para a sociedade comercial arguida no valor total de € 29.515,07 (vinte e nove mil quinhentos e quinze euros e sete cêntimos), que integrou no património da mesma e usou em proveito e no interesse da sociedade arguida, com a inerente diminuição da receita tributária.”
Ø Ponto 29.º dos Factos Provados não se provou, nem se pode dar por provado que, “Sabia o arguido que as condutas descritas eram, como são, proibidas por lei e criminalmente punidas.”
47.
Destarte, sendo notória a ausência de prova testemunhal e documental produzida no decurso dos presentes autos a este propósito deve ser dado como NÃO PROVADO OS FACTOS DESCRITOS EM 14.º, 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º E 29.º DOS FACTOS DADOS POR PROVADOS NOS AUTOS PRINCIPAIS N.º 6/20.3IDVRL quanto à prática dos factos sub judice pelos aqui Recorrentes EMP01..., Lda. e AA.
48.
Assim se harmonizando os específicos meios de prova supra identificada e o princípio in dúbio pro re.
49.
Nos termos do artigo 103º do R.G.I.T.: «1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
 a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
 b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
 c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000. 3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária».
50.
In casu, foi o arguido, ora Recorrente AA, pela prática, com dolo direto e na forma consumada, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, e 26.º do Código Penal, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 3, e 103.º n.ºs 1, alínea a), e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), no montante global de € 2.000,00 (dois mil euros), sendo certo que se a referida multa não for paga, poderá converter-se em prisão subsidiária, ao abrigo do disposto no art. 49º nº 1 do C. Penal. ex vi art. 3º alínea a) do R.G.I.T.
51.
Mais foi a Recorrente EMP01..., Lda. pela prática, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 do Código Penal, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 1, e 103.º n.ºs 1, alínea a), e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), no montante global de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).
52.
Sucede que, de acordo com a prova produzida, nos exatos termos e fundamentos aduzidos supra em sede de impugnação da matéria de facto, ressuma inequívoco que jamais poderiam os Recorrentes serem condenados no sobredito ilícito-penal, uma vez que, não se verificam in casu todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime, mormente o elementos subjetivo da prática do crime.
53.
Assim, face à factualidade que exsuda da prova documental e testemunhal produzida é claro e cristalino que não se encontram preenchidos in totum, relativamente aos Recorrentes EMP01..., Lda. e AA, o elemento subjetivo da pratica do crime, o que equivale por dizer que, a condenação dos Recorrentes no ilícito penal supra aduzidos não se harmoniza com a Verdade apurada nos presentes autos e, muito menos, com o direito que lhe é subsumível, sendo certo que, in casu, nenhuma prova foi produzida pelo MP que corroborasse a sua Acusação Pública, isto no que concerne à atuação do aqui Recorrente.
54.
Logo, em prol da Justiça deve a decisão a quo ser revogada e alterada por uma outra que absolva o aqui Recorrente do crime de que vinha acusado, pois só assim se fará inteira e sã Justiça!
           
Consequentemente,
Tem de ser revogada, não só a condenação dos arguidos, aqui Recorrentes AA e EMP01..., Lda., no pagamento das custas do processo, e individualmente na taxa de justiça que se fixa em 2 UC (artigos 513º nºs 1 a 3, 514º, 524º do Código de Processo Penal e art. 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-lei nº 34/2008 de 26/02 por referência à tabela III).
Mas também o pedido formulado pelo MP nos autos principais (6/20.3IDVRL) de declarar perdido a favor do Estado o montante global da vantagem patrimonial de € 29.515,07 (vinte e nove mil, quinhentos e quinze euros e sete cêntimos) e de condenar os arguidos solidariamente a pagar ao Estado tal quantia6 (cfr. artigo 110º nº 1 alínea b), 2 e 3 do CP).

SEM PRESCINDIR
55.
Não pode a decisão a quo ser aceite, no que concerne à pena de multa aplicada aos aqui Recorrentes, por manifestamente exagerado, quer no que respeita aos dias de multa fixado, quer no que toca ao quantitativa pecuniário diário, uma vez que, não se compatibiliza com a realidade fáctica advinda da prova produzida, daí que, com o devido respeito por melhor opinião em contrário não se realizou in casu o Direito e não se fez a acostumada Justiça.
56.
Salvo o devido respeito por melhor opinião em sentido contrário, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não considerou, devidamente, as circunstâncias atenuantes provadas e documentadas nos autos e que influem na determinação da pena aplicável que lhe foi aplicável.
57.
Desde logo, resulta apodítico da prova produzida, no que concerne ao aqui Recorrente, que:
Ø O arguido AA nasceu em ../../1973.
Ø Reside sozinho numa moradia, pese embora mantenha uma relação de namoro desde há pelo menos 10 anos, com FF, co-arguida no presente processo.
Ø O arguido tem dois filhos, actualmente com 27 e 3 anos de idade, fruto de outros relacionamentos, que integram o agregado ocasionalmente, sendo o relacionamento caracterizado como funcional, com trocas comunicacionais e afectivas favoráveis entre os seus elementos.
Ø Concluiu o 12º ano de escolaridade e exerceu actividade de militar da GNR de 1996 a 2011, reformando-se por invalidez.
Ø O arguido atravessou uma doença oncológica tendo sido submetido a tratamentos em 2003, 2011 e 2016.
Ø Assume actualmente a actividade profissional de vendedor de automóveis na empresa “EMP01...” e assume, desde 2020 a gerência da empresa “EMP07...”, verbalizando satisfação face à sua situação profissional e motivação para permanecer nesta área com a qual se identifica.
Ø Aos técnicos da DGRSP o arguido referiu auferir 1.360 euros mensais, sendo 860 euros de salário mais 498 euros de reforma, aos quais acrescem as comissões, variáveis, mediante o número de vendas.
Ø Mais referiu possuir despesas de 1.057 euros mensais, sendo 100 euros de luz e gás; 307 euros com amortização com empréstimos bancários e bem assim 500 euros mensais, decorrentes de despesas com alojamento e educação da filha e 150 euros mensais, de pensão de alimentos do filho mais novo.
Ø O arguido referiu vivenciar uma situação económica estável.
Ø AA tem o seu quotidiano centrado na actividade profissional, ocupando os seus tempos livres na prática de crossfit, ginásio e ainda, junto dos familiares e amigos. 72. Na comunidade, AA encontra-se integrado em todas as áreas vivenciais, tendo uma imagem social globalmente positiva.
Ø O arguido não tem antecedentes criminais registados.
Vide relatório da DGRSP de 22.09.2024, junto aos autos a 22.09.2024, com a ref.ª ...53.
58.
Mas mais, resulta ainda que,
Ø O crédito de IVA ínsito aos presente autos de processo principal n.º 6/20.3IDVRL, está garantido por hipoteca voluntária sobre os seguintes prédios urbanos de que é proprietária:
· Prédio Urbano, situado na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casa de rés-do chão e primeiro andar com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...66 e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...69 da aludida freguesia, com o VPT de € 58.563,75;
· Prédio Urbano, situado no Largo ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, anexo e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob n.º ...00 e inscrita na matriz urbana sob artigo ...86 da citada freguesia, com VPT de € 75.353,60.Tudo como melhor exsuda da Escritura de Constituição de Hipoteca Voluntária, que à frente se junta, integra e reproduz para todos os legais efeitos sob doc. n.º 1.
59.
Além disso, importa reiterar que o Recorrente AA está integrado social, profissional e familiarmente. Por consequência, a censura penal concreta a ser-lhe deverá estar bem mais próxima do seu limite mínimo,
60.
O quantitativo de 200 dias de multa mostram-se exagerados, atento o grau de culpa e o quantum do dano, porquanto fomentam um estigma preocupante, obstaculizando a ressocialização do agente, isto é, não satisfaz convenientemente as exigências de prevenção especial. Neste sentido, face ao exposto, impõe-se uma redução equitativa dos dias de multa a aplicar in casu ao Recorrente até ao limite máximo de 100 (cem) dias de multa.
61.
Paralelamente, na definição do quantitativo diário da multa, o Julgador terá, forçosamente, de compatibilizar a situação económica e financeira do agente, ajustando-a à quantia diária dentro dos limites legais. Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter maior ponderação na definição da medida concreta da pena aplicada, porquanto, a taxa diária de € 10.00 constitui um sacrifício excessivo para o aqui recorrente e, obviamente, para o seu agregado familiar.
62.
Aliás, deveria o Tribunal a quo ter em atenção “o mínimo dos mínimos” de subsistência económica de qualquer pessoa nos termos da alínea a) do n.º2 do art. 59º e dos n.ºs 1 e 3 do art. 63º, ambos da Constituição, atento o princípio da dignidade da pessoa humana, imanente a qualquer Estado de Direito Democrático (art. 1º, 24º n.º 1 e 25.º da Constituição). Assim, e mediante este princípio, proíbe-se qualquer tipo de tratamento desprezível da condição humana ou que impeça arbitrariamente a sua realização. Como tal, atendendo ao disposto no normativo legal ínsito ao art. 15.º, n.º 1 do RGIT, o quantitativo diário definido pelo Tribunal a quo ao Recorrente AA nunca poderá ser superior a € 5,00 (cinco euros).
63.
Quanto à Recorrente EMP01..., Lda., decisão aqui proferida não foi, à semelhança, de todo materialmente justa, nem proporcional, nem adequada, no que se refere ao número de dias de multa, não tendo em conta a concreta situação económica do mesmo, nem consequente os fins das penas e as concretas necessidades de prevenção geral e especial.
64.
Pelo que, se impõe igualmente uma redução equitativa dos dias de multa a aplicar in casu até ao limite máximo de 200 (duzentos) dias de multa, sendo que, o quantitativo diário definido não  poderá ser superior a € 10,00 (dez euros).
65.
Nesse sentido, a pena de multa aplicável ao aqui Recorrente tem forçosamente de ser inferior, quer no quantitativo diário de dias de multa, quer no quantitativo diário da multa à aplicável com a decisão a quo.
66.
Assim, ao Recorrente AA a pena de multa aplicável nunca poderia exceder o limite máximo de 100 dias de multa, sendo que o quantitativo diário da multa jamais poderia ultrapassar os € 5,00 (cinco) euros porquanto, a isso o proíbe as exigências de prevenção geral e especial
67.
Quanto à Recorrente EMP01..., Lda. a pena de multa aplicável nunca poderia exceder o limite máximo de 200 dias de multa, sendo que o quantitativo diário da multa jamais poderia ultrapassar os € 10,00 (dez) euros porquanto, a isso o proíbe as exigências de prevenção geral e especial
68.
Por tudo exposto, verifica-se que o Tribunal a quo não valorou devidamente a factualidade que deriva da prova produzida, sendo certo que, a hermenêutica jurídica daquela mesma factualidade não obedece ao direito que lhe é aplicável,
69.
Por conseguinte, em prol da verdade, da justiça e do direito deve a decisão a quo ser revogada e alterada por uma outra, nos exatos termos acima enunciados.
70.
As presentes alegações de recurso apresentam suporte legal nos artigos 399.º, 401.º, 406.º, 407.º, 408.º, 411.º, 412.º, 428.º, 431.º do Código de Processo Penal, artigo art.º 103.º do RGIT, o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, em todas as demais disposições legais que V/Exas. consideram aplicáveis ao caso sub judice.
Nestes termos e nos melhores de direito que V/Exas. superiormente suprirão, devem as presentes alegações de recurso ser recebidas, por provadas, e em consequência, revogar-se a decisão a quo, substituindo-a por uma outra que absolva os Recorrentes do crime, de que vinham acusados, com todos os legais efeitos, com a qual farão V/ Exas. a devida e aliás acostumada Justiça!
*
3.2. Ministério Público 

1. O Ministério Público não se conforma com o acórdão proferido que absolveu a arguida da prática, em co-autoria com os demais arguidos e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal simples, p. e p. pelos artigos 7.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º e 103.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n º15/2201, de05.06 (doravante abreviadamente designado por RGIT).
2. Com efeito, o presente recurso versa sobre matéria de facto e de Direito, na medida em que o Ministério Público não se conforma com o acórdão proferido, porquanto existe contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, em conformidade com o disposto no artigo 410.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código de Processo Penal; e erro notório na apreciação da prova, em conformidade com o disposto no artigo 410.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
3. A contradição da fundamentação ou entre esta e a decisão só importa a verificação do vício quando não seja viável a sua supressão através do mecanismo previsto no artigo 380.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do Código de Processo Penal, ou seja, quando tal correcção não seja suprível pelo tribunal ad quem.
4. Compulsada a decisão ora em crise, salvo o devido respeito, facilmente se constata a existência de contradição insanável entre a fundamentação, senão vejamos a factualidade descrita nos pontos 31.º a 58.º e 99.º a 102.º dos factos provados e as alíneas b) a i) dos factos não provados, relativos ao Apenso A, bem como entre a factualidade provada e a fundamentação e, bem assim, entre esta e a decisão.
5. Com efeito, mal se compreende por que motivo se deu como provado que a factualidade descrita e susceptível de integrar a tipicidade objectiva do crime de fraude fiscal tenha sido levada a efeito pela sociedade arguida EMP01..., através do arguido AA e, após, dar-se como não provado a existência de qualquer intenção, inclusivamente da parte do próprio arguido AA, para, a final, condenar-se este arguido pela respectiva prática.
6. Não pode dizer-se que a sociedade – através de uma pessoa singular determinada – quis praticar (e praticou) determinada factualidade, para depois se afastar a componente subjectiva relativamente àquela pessoa singular.
7. O Tribunal a quo, ao dar simultaneamente como provado que «[55.] Por fim, na venda das viaturas alienadas no período de 2016.08, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” liquidou IVA pelo regime normal, todavia, em termos contabilísticos, somente o valor do IVA apurado pelo regime da margem era lançado na conta 2433 correspondente ao IVA liquidado a favor do Estado, sendo o remanescente [ou seja a diferença entre o valor apurado pelo regime normal que a empresa liquidou e cobrou aos clientes e aquele valor da margem] contabilizado indevidamente na conta 278 “outros devores e credores”» para de seguida dar como não provado que: «[d)] Com a prática descrita em 55, nomeadamente o lançamento dessa diferença na conta “outros devedores e credores”, leia-se credores que não existiam e nunca reclamavam esse valor, o objectivo dos arguidos era sonegar a aludida diferença de IVA ao Estado, levando a que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” retira-se esses montantes em momento ulterior, através de qualquer documento interno, para os fins que esta viesse a entender.»
8. Refere-se na decisão sob análise que «[N]ão negou que tanto ela como o arguido AA estivessem por dentro das regras do regime da margem até porque tinha havido anteriores inspecções tributárias e até uma formação que a arguida referiu ter tido na Ordem dos Contabilistas em 2015 ou 2016. (…) Relativamente ao período de Agosto de 2016, esclareceu que efectivamente algumas facturas foram bem emitidas pela sociedade aplicando devidamente o regime da margem e lhe foram entregues, mas por lapso da contabilidade não foi calculada a base tributável e em relação a outras, foram as mesmas bem emitidas pela arguida pelo IVA normal mas as mesmas foram mal inseridas na contabilidade pelo regime da margem, nos termos melhor descritos em 55, sendo que tal terá sido feito, por lapso de uma funcionária sua na altura, com a sua palavra passe. (…) não valorizou muito tais omissões uma vez que na sequência de anteriores inspecções que haviam sido realizadas pela AT à sociedade, tinham ocorrido outros lapsos semelhantes tais como falta de envio de declaração (…)» (sublinhados e negritos nossos)
9. Donde, não podia o Tribunal ter concluído, ao arrepio de todas as regras da lógica, pelos factos constantes das alíneas c) e d) dos factos não provados, pois que se contradizem automática e mutuamente.
10. Do exposto se conclui que a forma como surgem relatadas as matérias supra referidas no acórdão recorrido constituem um atropelo às regras da lógica e da experiência, consubstanciando diversas situações subsumíveis ao disposto no artigo 410.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
11. Tais vícios impedem que esse Venerando Tribunal possa decidir da causa, pelo que se torna necessário o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, no qual cumprirá diligenciar pelo cabal esclarecimento dos factos pertinentes, de modo a colmatarem-se as anomalias detectadas (cf. artigos 426.º, n.º 1, e 426.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal).
12. Entende o Ministério Público que, da simples leitura da decisão ora em crise, resulta que o Tribunal Colectivo incorreu em manifesto equívoco na apreciação da prova constante dos autos.
13. Foram incorrectamente julgados os pontos de facto sob as alíneas b) a i) da factualidade dada como não provada.
14. Em conformidade com o disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, impõem decisão diversa as declarações do arguido AA transcritas supra.
15. Tal renovação dos meios de prova acima mencionados impunha que no douto Acórdão se tivesse dado como provado os factos seguintes:
«(…)
b) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 2016, cientes da forma como funcionava a incidência fiscal, em sede de IVA, os arguidos AA e II puseram em prática um plano que visava, em nome, representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pagar ao Estado menos impostos na aquisição de veículos no estrangeiro e a sua posterior venda em Portugal.
c) Os arguidos AA e II, nomeadamente esta última na qualidade de contabilista certificada, conhecedores das regras de aplicação do RETBSM, utilizaram-no ao completo arrepio das regras previstas naquele regime, fazendo seu critério para a utilização deste regime apenas a sua vontade, maximizando deste modo o lucro da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pois o preço de venda das viaturas, aplicando o referido regime da margem no IVA liquidado, seria sempre mais baixo do que a concorrência, distorcendo ainda com esta prática as regras da concorrência no sector de actividade onde esta última se insere.
d) Com a prática descrita em 55, nomeadamente o lançamento dessa diferença na conta “outros devedores e credores”, leia-se credores que não existiam e nunca reclamavam esse valor, o objectivo dos arguidos era sonegar a aludida diferença de IVA ao Estado, levando a que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” retira-se esses montantes em momento ulterior, através de qualquer documento interno, para os fins que esta viesse a entender.
e) Ao actuarem do modo descrito em 38 a 57, os arguidos AA II agiram sempre em representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, sempre com base na resolução única de diminuir os montantes de IVA que a sociedade que geriam tinha de pagar ao Estado no mês de Dezembro de 2016 e de não declararem esses valores.
f) Bem sabendo que a sociedade que geriam, ao liquidar indevidamente nas facturas de IVA pelo regime especial da margem diminuía os reais valores de IVA que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” devia à Fazenda Pública, o que quiseram, fizeram e lograram conseguir.
g) Sabiam, ainda, que a sua actuação não lhe era permitida por as referidas facturas titularem transacções que não correspondiam à verdade, nos termos acima descritos (fazendo constar, nas facturas correspondentes às vendas realizadas, aplicando, quando não podiam, o regime da margem à aquisição intracomunitária de veículos [que omitiram] e à sua posterior venda, levando a que o imposto de IVA incidisse sobre um montante tributável inferior ao real), e que estavam a encobrir factos e valores relevantes para o apuramento do imposto devido ao Estado e que tinham de ser comunicados à Autoridade Tributária.
h) Actuaram com o propósito firme, concretizado e assumido de, sempre que possível, nas facturas das suas vendas omitir a aquisição de veículos junto de membro da União Europeia (sujeita a isenção de tributação, por regime geral, neste último), como aquisição intracomunitária, sujeitando a sua posterior venda ao regime da margem, com a inerente diminuição do imposto apurado, de forma a induzir os Serviços de Administração Tributária em erro.
i) Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, sempre na qualidade de gerentes de facto e direito da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, em nome e no interesse desta e com o perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.»
16. Do teor da prova produzida e reexaminada na Audiência de Discussão e Julgamento, resultará não haver dúvidas de que os arguidos AA e II incorreram na prática, como co-autores, de um crime de fraude fiscal simples, p. e p. pelos artigos 7º, nº 1, 14º, nº 1, 26º e 103º, nº 1, alíneas a) e b), do RGIT.
17. Da sua audição e reexame, resultarão provados os factos descritos supra em 15. que impõem necessariamente decisão diversa da tomada.
18. Com efeito, entendemos que com a sua actuação, os arguidos AA e II quiseram diminuir os montantes de IVA que a sociedade arguida tinha a liquidar a favor do Estado e de não declararem esses valores, o que quiseram, fizeram e lograram alcançar, bem sabendo que a actuação de ambos não lhes era permitida por as facturas titularem transacções que não correspondentes às vendas realizadas aplicando, quando não podiam, o regime da margem à aquisição intracomunitária de veículos [que omitiram] e à sua posterior venda, levando a que o imposto do IVA incidisse sobre um montante tributável inferior ao real, e que estavam a encobrir factos e valores relevantes para o apuramento do imposto devido ao Estado e que tinham de ser comunicados à Autoridade Tributária.
19. Actuaram com o propósito firme, concretizado e assumido de, sempre que possível, nas facturas das suas vendas omitir a aquisição de veículos junto de membro da União Europeia (sujeita a isenção de tributação, por regime geral, neste último), como aquisição intracomunitária, sujeitando a sua posterior venda ao regime da margem, com a inerente diminuição do imposto apurado, de forma a induzir os Serviços de Administração Tributária em erro, conseguindo os arguidos que as aludidas quantias não entrassem nos cofres do Estado, locupletando-se com as mesmas nos termos acima descritos conseguindo, com a prática de tais actos, que a Administração Fiscal visse o seu património prejudicado a título de IVA, no montante de € 47.916,22.
20. Na verdade, o elemento subjectivo do tipo legal de crime infere-se por presunções naturais dos factos materiais correspondentes à acção objectivamente considerada.
21. Se o Tribunal valorar a prova contra todos os ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou apesar de proibições legais, incorre em erro na apreciação da prova; e se se esse erro for notório e resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, consubstanciará o vício da matéria de facto que, podendo ser invocado como fundamento do recurso mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal ad quem à matéria de direito, é também do conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de processo Penal.
22. E, entendemos que o douto Acórdão a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, na medida em que, dando como provados os factos vertidos nos pontos 39 a 58 – elementos objectivos e objectivamente integradores do crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 3, e 103.º n.ºs 1, alínea a), e 3, do RGIT, viria depois a dar como não provados os factos descritos nas alíneas b) a i), ou seja, o elemento subjectivo do referido crime.
23. Mal se compreende que se conclua pela ausência do elemento subjectivo por banda dos arguidos AA e II. É que, com o devido respeito, parece-nos que o Tribunal a quo incorreu em lapso patente porquanto, considerando a formação profissional da arguida II, a formação posterior que a mesma havia frequentado junto da ATA e, bem assim, o muito especial facto de a sociedade arguida ter sido já, por várias vezes, fiscalizada pela Autoridade Tributária e, inclusivamente, o declarado pelos próprios arguidos, não poderia dar-se como não provado que esta arguida tenha levado a efeito os factos acima descritos por meros lapsos do seu escritório de contabilidade.
24. E de pouco importa estribar-se tal raciocínio, como se diz no ponto 59. dos factos provados, que «[A] Autoridade Tributária, até à presente data, não deu cumprimento ao preceituado no art.º 24.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária contra a contabilista certificada II.», pois que a responsabilidade aqui prevista (responsabilidade pelas dívidas fiscais) não se pode confundir, nem se confunde, com a responsabilidade criminal aqui em apreço (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.06.2022).
25. Do que aqui se trata, em suma, é verificar se um contabilista certificado normalmente diligente actuaria de modo similar.
26. Vejamos:
. A arguida II não fez qualquer conciliação bancária;
. A arguida II não dirigiu à OTOC qualquer pedido de escusa da assinatura na declaração fiscal de rendimentos com fundamento em limitações de âmbito técnico verificadas por parte da sociedade;
. A arguida II não informou a ATA de que não foi dado cumprimento à obrigação declarativa e qual o respectivo motivo, o que demonstra a falta de interesse e de vontade em regularizar a situação;
. Todas as informações de que dispunha – e que se encontravam na sua posse – permitiam-lhe levar a sua actividade a efeito de modo correcto, já que tinha acesso aos ficheiros SAFT (contabilidade e facturação), aos balancetes analíticos e ao extracto de contas;
. A arguida II tinha conhecimento dos CAE dos vendedores e, logo, do regime do IVA aplicável;
. A arguida II tinha acesso ao VIES – Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA – que é preenchido pelos fornecedores, do mesmo constando o regime de IVA aplicável;
. A arguida II não sinalizou que as faltas que diz serem do arguido AA e de uma sua funcionária, consubstanciavam a prática de crime, em clara violação do ETOC;
. As declarações periódicas de IVA em referência foram elaboradas e assinadas através da sua senha de acesso ao Portal das Finanças, senha essa de natureza pessoal e intransmissível (cf. fls. 115 e ss. dos autos).
27. No que concretamente tange ao regime da margem, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, de 18.10, este tinha, à data da prática dos factos apreciados, quase vinte anos desde a sua entrada em vigor.
28. Mais, vejam-se as operações de maquilhagem ou cosmética contabilística, as quais nos permitem infirmar as declarações dos arguidos, mormente no que tange ao indevido lançamento das facturas pelo regime da margem na conta 278 «outros credores e devedores», ao invés de fazê-lo na conta 2433, tudo por forma a sonegar da ATA os valores do IVA a apurar e a liquidar, pois que tais credores não existiam e, por conseguinte, nunca iriam cobrar os seus créditos.
29. Este tipo de operação contabilística não se reduz, contrariamente ao que foi dito, à de um mero lapso, pois que requer conhecimentos técnicos que o homem médio naturalmente não possui.
30. Relativamente às facturas do período de Agosto de 2016, cumpre referir que o modo de cálculo da tributação pelo regime normal do IVA incide sobre a base tributável do valor global constante da factura – o que é manifestamente diferente daqueloutro regime da margem, no qual a base tributável se reconduz apenas à diferença entre o valor da aquisição e o valor da venda.
31. Donde, a prática dos factos só alcançou o resultado pretendido porque contou para o efeito com a prestimosa e preciosa colaboração da responsável pela execução da contabilidade: a arguida II.

Donde, ante tudo quanto acaba de se expor supra, bem como o demais que V.ªs. Exªs. doutamente suprirão, entende-se que deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso, assim fazendo INTEIRA E JUSTIÇA!”.
*
4. Admitidos os recursos, pelo despacho de 02/12/2024, apresentaram-se a responder:
4.1. O Ministério Público ao recursos dos arguidos AA e “EMP01..., Lda.”, pugnando pela sua improcedência.
4.2. A arguida II ao recurso do Ministério Público, pugnando pela respectiva improcedência, e pela manutenção da decisão recorrida, terminando a sua peça processual com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“A) O Ministério Público apresenta recurso do acórdão do Tribunal a quo na parte em que decidiu pela absolvição da Arguida II.
B) Alega que se verifica uma contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido. Em concreto, argumenta que há contradições entre os factos provados (31 a 58, 99 a 102) e os factos não provados (alíneas b) a i)), bem como entre a factualidade provada, a fundamentação e a decisão.
C) Nenhuma contradição existe no acórdão recorrido. Simplesmente, o Ministério Público discorda dos termos da apreciação de facto e de direito feito pelo Tribunal a quo.
D) O Ministério Público continua sem entender que o que está em causa quanto à Arguida II nada tem que ver com a emissão de faturas erradas ao abrigo do regime da margem ou com qualquer manipulação ou aproveitamento ilícito deste regime. Tão só a forma como faturas bem emitidas foram erradamente contabilizadas (no período de agosto de 2016) e a não apresentação de uma declaração periódica quanto todo o trabalho contabilístico de preparação tinha sido feito (no período de dezembro de 2016).
E) O Ministério Público sustenta ainda que se verifica erro notório na apreciação da prova. Prova que entende que não deixam, quanto a nós, quaisquer dúvidas de que a arguida II é co-autora dos factos.
F) A solidez da prova produzida pelo Ministério Público em audiência de julgamento é de tal forma, que o único meio de prova que vem indicar no seu recurso são as declarações do Arguido AA. Depoimento que de nenhuma forma belisca o que foi decidido pelo Tribunal a quo.
G) Proceda-se por isso à reapreciação da prova, com análise dos depoimentos dos três funcionários da Autoridade Tributária. O da testemunha MM (depoimento de 23.09.2024, início pelas 15:00:31 horas e termo pelas 16:12:10 hora), que foi o inspetor tributário que conduziu a ação inspetiva e elaborou o relatório de inspeção aqui em causa; o da testemunha RR (depoimento de 30.09.2024, início pelas 09:58:04 horas e termo pelas 10:21:56 horas), que foi o instrutor do processo na parte criminal; o da testemunha LL (depoimento de 23.09.2024, início pelas 16:15:09 horas e termo pelas 16:44:16 horas), chefe da testemunha RR, quem se percebe ter tomado a decisão final na esfera da Autoridade Tributária de que a Arguida II devia ser acusada.
H) Não têm os autos um único elemento que sustente que a Arguida II agiu de forma dolosa, pelo que tinha que terminar absolvida. Não merece por isso o acórdão recorrido qualquer reparo.

Termos em que deve a decisão de absolvição da Arguida II ser mantida na íntegra.”.
*
5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal da Relação proferiu douto parecer, defendendo a improcedência do recurso dos arguidos AA e “EMP01..., Lda.”, e a procedência do recurso do Ministério Público, pelas razões nele aduzidas, adiantando pertinente argumentação jurídica acerca das questões aí suscitadas.
*
6. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal [3], não foi apresentada qualquer resposta.
*
7. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2 [4].
Assim sendo, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelos recorrentes, são as seguintes as questões que basicamente a este tribunal importa dirimir:
Arguidos AA e “EMP01..., Lda.”:
- Saber se existe erro de julgamento quanto aos factos constantes dos pontos 14, 16, 18 a 21, e 25 a 29, dados como assentes;
- Saber se foi violado o princípio in dubio pro reo;
- Saber se (não) se verifica o preenchimento do tipo legal de crime imputado aos arguidos; e
- Saber se são excessivas as penas que lhes foram aplicadas.

Ministério Público:
- Saber se se verificam os vícios da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e do erro notório na apreciação da prova, previstos no Artº 410º, nº 2, als. b) e c), respectivamente; e
- Saber se existe erro de julgamento no que tange aos factos dados como não provados sob as alíneas b) a i), referentes ao Apenso A.
*
2. Porém, para uma melhor compreensão das questões colocadas, e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.
2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
1. A sociedade “EMP01..., LDA.” (doravante, “EMP01...”) é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 12.08.2009, matriculada sob o n.º 509 094 ...12 e desde 10.07.2019 com sede na Rua ..., ..., em ..., concelho ....
2. Desde 14.03.2019 a sociedade arguida tem o seguinte objecto social: compra e venda de automóveis ligeiros; manutenção e reparação de veículos automóveis; construção civil e construção de imóveis para venda; aquisição, aquisição para revenda, alienação e arrendamento de bens imóveis; outras actividades auxiliares de serviços financeiros, excepto seguros e fundos de pensões e as actividades constantes no artigo 4º, nº 2 do D. L. 81-C de 7 de julho, compostas por operações bancárias sujeitas à supervisão do Banco de Portugal que não se encontrem expressamente previstas no regime jurídico citado e contratos de crédito concedidos ou a conceder por pessoa singular ou colectiva que não seja um mutuante, na acepção da alínea n) do artigo 3º do D. Lei 81-C de 7 de Julho; e hotéis sem restaurante.
3. No período compreendido entre os dias 29.06.2015 e 10.07.2019 a sociedade arguida tinha a designação social “EMP02..., LDA.” e tinha, já desde 14.04.2014, sede na Zona Industrial ..., na Rua ..., união das freguesias ..., ..., concelho ....
4. Nas referidas instalações, a sociedade dispunha de um estabelecimento comercial de venda de veículos automóveis, com a designação comercial “EMP07...” e ainda de uma oficina de reparação de automóveis.
5. A sociedade “EMP01...” iniciou actividade em 13.08.2009 e no período temporal em referência [Outubro de 2015] tinha como objecto social a compra e venda de automóveis ligeiros; manutenção e reparação de veículos automóveis; construção civil e construção de imóveis para venda; aquisição, aquisição para revenda, alienação e arrendamento de bens imóveis.
6. No período temporal em referência a referida sociedade encontrava-se inscrita para o exercício da actividade principal de comércio de veículos automóveis ligeiros (CAE 45110).
7. Para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), a sociedade comercial arguida encontrava-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável e, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante, IVA), no regime normal mensal.
8. No período temporal em referência, a efectiva administração da sociedade arguida esteve a cargo de AA, seu gerente de direito, assumindo ainda aquele, de facto, as suas funções de gerência.
9. A arguida CC renunciou à gerência da sociedade no dia 20.07.2017 e o arguido AA renunciou à gerência no dia 02.10.2017, tendo sido designada como gerente FF.
10. Assim, no período temporal em referência, o arguido AA assumiu efectivamente os poderes de administração da sociedade arguida, praticando todos os actos necessários à sua gestão financeira e comercial, sendo o responsável pela efectiva gestão da sociedade “EMP01...”, tomando todas as decisões relacionadas com a actividade da mesma, quer do ponto de vista comercial, quer financeiro, agindo em nome e por conta da sociedade comercial arguida e dependendo do mesmo o cumprimento das obrigações que recaíam sobre a sociedade, designadamente as de natureza fiscal.
11. Incumbia-lhe designadamente a obrigação de proceder à apresentação das declarações periódicas à Autoridade Tributária e Aduaneira e efectuar a entrega, junto dos cofres do Estado, das quantias recebidas a título de IVA, em resultado das operações tributáveis.
12. No contexto da actividade desenvolvida de comercialização de veículos automóveis no período temporal em referência a sociedade arguida, através do arguido AA, seu gerente, adquiriu diversos veículos automóveis em segunda mão no mercado nacional e no mercado comunitário, tendo os respetivos fornecedores aplicado o regime geral do IVA, designadamente regime geral na aquisição intracomunitária de bens, procedendo posteriormente o arguido, em representação da sociedade arguida, à sua venda em território nacional.
13. Nessa sequência, às vendas pela sociedade “EMP01...” dos veículos automóveis adquiridos nos moldes referidos no artigo antecedente deveria ser aplicado o regime normal do IVA, incidido o imposto sobre a totalidade do preço da venda.
14. Porém, com o propósito de não liquidar, nem entregar a totalidade do imposto devido ao Estado, actuando por intermédio do arguido AA, a sociedade “EMP01...” recorreu ao regime da margem de lucro aplicável em transações de bens em segunda mão (doravante, regime da margem), previsto no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18.10 (RETBSM), na venda dos veículos automóveis identificados na tabela constante do artigo 16.º, mencionando tal facto nas respectivas facturas, assim apurando quantias a liquidar em sede de IVA substancialmente inferiores às legalmente devidas.
15. Assim, no período de Outubro de 2015 a sociedade “EMP01...”, actuando por intermédio do arguido, procedeu à venda dos veículos automóveis identificados no artigo seguinte e que previamente adquiriu no mercado nacional e/ou comunitário segundo o regime normal de IVA, aplicando, para tanto e fora dos condicionalismos legalmente previstos, o referido regime da margem, assim liquidando valor de IVA inferior [margem = valor da venda – valor da compra; valor tributável = margem x 100/123; valor IVA = valor tributável x 23%] ao efectivamente devido segundo o regime normal [valor IVA = valor facturado x 23%].
16. Não obstante ter conhecimento de que os referidos veículos não tinham sido adquiridos segundo o regime da margem ou [nos casos de aquisição intracomunitária] regime equivalente em vigor no Estado Membro da transação, a sociedade comercial arguida, actuando por intermédio do seu sócio gerente, também arguido, procedeu à venda dos veículos, de seguida, identificados nas datas, aos adquirentes e pelos valores discriminados, tendo aplicado indevidamente o regime da margem na respectiva venda, conforme mencionado na tabela infra:
Veículos Fornecedor Valor aquisição
[fornecedor]
Designação/
NIF adquirente
N.º e data fatura Montante faturado Iva liquidado
(margem)
Valor 
IVA em falta
..-BR-..
 
...
 
[Print de folhas
518/519]
EMP08... &
Filhos, Lda.
(NIPC
...00)
[folhas 217]
€12.000,00 SS
(NIF
...75)
...05, emitida em
06.10.2015
[folhas 132]
€16.000,00 €1.167,56 €3.411,46
..-QI-..
 
...
             
[Print de folhas
520/521]
EMP06... ... –
...
...
...
...
(...)
[folhas 134]
€8.913,00
 
TT

(NIF
...87)
...10, emitida em
19.10.2015
[folhas 133]
€17.000,00 €1.512,20 €3.562,19
..-QL-..
 
...
EMP06... ... –
...
€ 9.780,00 UU
UU
UU
...13, emitida em
20.10.2015
€18.000,00 €1.537,07 €3.786,47
 
[Print de folhas
522/523]
...
...
(...)
[folhas 139]
(NIF
...73)
[folhas 138]
..-QJ-..
 
...
 
[Print de folhas
524/525]
EMP06... ... –
...
...
...
...
(...)
[folhas 137]
€15.465,00 VV

(NIF
...79)
...12, emitida em
20.10.2015
[folhas 136]
€25.500,00 €1.876,46 €5.433,41
..-QJ-..
 
...
 
[Print de folhas
526/527]
EMP06... ... –
...
...
...
...
(...)
[folhas 221]
€14.115,00 WW
(NIF
...73)
...15, emitida em
21.10.2015
[folhas 140]
€24.900,00 €2.016,71 €5.263,16
..-QL-..
 
...
 
[Print de folhas
528/529]
EMP06... ... –
...
...
...
...
(...)
[folhas 142]
€ 8.875,00 XX

(NIF
...79)
...18, emitida
26.10.2015
[folhas 141]
€15.520,00 €1.242,56 €3.283,81
..-QF-..
 
...
 
[Print de folhas 531]
EMP05..., Unipessoal, Lda.
[folhas 166]
€ 9.050,00 PP

(NIF
...91)
[folhas 164;
165]
...11, emitida em
19.10.2015
[folhas 135]
€16.000,00  €3.636,99
TOTAL DE IVA NÃO LIQUIDADO/ENTREGUE = € 28.377,49
[vinte e oito mil trezentos e setenta e sete euros e quarenta e nove cêntimos]

17. O veículo com a matrícula ..-QF-.. foi adquirido pela arguida “EMP01...” à sociedade “EMP05..., Unipessoal, Lda.”, a qual, por sua vez, o havia adquirido no âmbito de transação intracomunitária, segundo o regime normal de IVA.
18. Por forma a aplicar, indevidamente, o regime da margem na posterior venda do referido veículo a PP, o arguido AA, actuando no interesse da sociedade arguida, formulou o propósito de criar a aparência, não coincidente com a realidade, de que a sociedade comercial arguida “EMP01...” tinha, ao invés, adquirido o veículo a QQ.
19. Para tanto, o arguido AA elaborou, por si ou por intermédio de terceira pessoa a seu mando e em conluio com aquele, um documento intitulado “Declaração”, não registado contabilisticamente, do qual consta que “QQ” declara que vendeu à “empresa EMP02..., Lda.” o referido veículo automóvel pelo valor de € 15.000,00.
20. O arguido sabia, porém, que o referido documento não traduzia a verdade relativa à aquisição, pela sociedade comercial arguida, do identificado veículo automóvel, não correspondendo a uma operação efectivamente realizada, o que fez de forma artificiosa, com o propósito, concretizado, de, mediante a interposição da alegada aquisição a QQ na cadeia de transmissões e dando a aparência real daquele acto, aplicar o regime da margem na sua venda a PP.
21. Em consequência da aplicação indevida do regime da margem, em detrimento do regime legalmente admissível, na venda dos veículos automóveis identificados na tabela supra [artigo 16.º], a sociedade comercial “EMP01...” não liquidou, nem entregou ao Estado IVA no montante global de € 28.377,49 (vinte e oito mil trezentos e setenta e sete euros e quarenta e nove cêntimos), assim se locupletando ilegitimamente, na medida do correspondente empobrecimento do Estado.
22. Para além das situações descritas, no âmbito da actividade comercial desenvolvida no período de outubro de 2015 a sociedade “EMP01...” procedeu à venda dos veículos automóveis, de seguida, indicados, aplicando devidamente o regime da margem à sua venda, sem que, porém, tivesse apurado o valor da base tributável, omitindo-a da declaração periódica apresentada em 07.12.2015.
23. Assim, a sociedade comercial arguida, actuando por intermédio do seu sócio gerente, também arguido, procedeu à venda dos veículos, de seguida, identificados nas datas, aos adquirentes e pelos valores discriminados, não apurando, nem declarando a respectiva base tributável, conforme discriminado na tabela infra:
24. Conforme descrito, a sociedade comercial “EMP01...” não apurou – de acordo com o regime especial de tributação aplicável – a base tributável das identificadas transmissões de veículos, omitindo-a na declaração periódica apresentada e, consequentemente, não liquidou e não entregou ao Estado o valor de imposto devido pelas referidas vendas, num total de € 1.137,58 (mil cento e trinta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), assim se locupletando ilegitimamente, na medida do correspondente empobrecimento do Estado.
25. Por conseguinte, considerando que a sociedade arguida liquidou, na respectiva declaração apresentada à Autoridade Tributária e Aduaneira, apenas o valor de € 6.371,36, sonegou do imposto devido a quantia total de € 29.515,07 (vinte e nove mil quinhentos e quinze euros e sete cêntimos).
26. Com as condutas descritas, logrou a sociedade comercial arguida apropriar-se do referido valor referente à soma dos montantes globais indicados nos artigos 21.º e 24.º, causando o correspondente prejuízo patrimonial ao Estado.
27. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, em representação e no interesse da sociedade comercial arguida, com o propósito concretizado de, [i] fazendo constar da declaração periódica apresentada e relativa ao mês de outubro de 2015 valores de liquidação de IVA inferiores aos devidos, em resultado da intencionada inserção de valores de imposto calculados, de forma indevida, de acordo com o regime da margem relativamente às operações indicadas no artigo 16.º, recorrendo, em parte, a um negócio ficticiamente celebrado e, por outro lado, [ii] mediante a omissão de apuramento, liquidação e inserção na referida declaração periódica da base tributável referente às transmissões de veículos identificadas no artigo 23.º, eximir, de forma ilegítima, a sociedade do pagamento da totalidade do imposto que sabiam ser devido.
28. Ao actuar da forma descrita, ocultando factos e valores que deviam constar da contabilidade e da declaração fiscal apresentada, o arguido AA logrou obter, como era seu propósito, uma vantagem patrimonial indevida para a sociedade comercial arguida no valor total de € 29.515,07 (vinte e nove mil quinhentos e quinze euros e sete cêntimos), que integrou no património da mesma e usou em proveito e no interesse da sociedade arguida, com a inerente diminuição da receita tributária.
29. Sabia o arguido que as condutas descritas eram, como são, proibidas por lei e criminalmente punidas.
Proc. nº 14/21.7IDVRL (apenso A) 
30. A arguida “EMP01... Lda.” é uma sociedade por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... desde ../../2009, pessoa colectiva n.º ...12, com sede na Travessa ..., ..., em ...¸ ..., tendo por objecto social de comércio de veículos automóveis ligeiros.
31. Desde a sua constituição que a sua gerência cabia ao arguido AA, competindo-lhe, enquanto administrador de direito e de facto, o poder de decisão, quer no domínio da gestão comercial, quer financeira, estando de si dependente o cumprimento das obrigações fiscais que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” constituía.
32. A partir de 03/10/2017 a arguida FF passou a constar como gerente de direito da referida sociedade. 
33. Mais especificamente, à data dos factos que infra se descreverão, era ao arguido AA que competia a celebração de contratos de compra e venda de veículos automóveis a fornecedores, a fixação do preço da venda aos consumidores, a subsequente venda, assim como todas as decisões necessárias a organizar e gerir a sociedade arguida “EMP01... Lda.”, tendo em vista a prossecução do seu objecto social que é a venda de veículos automóveis. 
34. À data dos factos que infra se descreverão, a arguida II era contabilista certificada da sociedade arguida “EMP01... Lda.” e responsável pela execução da contabilidade desta, nomeadamente pela classificação e relevação contabilística das facturas, quer de compra no mercado intracomunitário, quer das subsequentes vendas efectuadas em território nacional, funções que exerceu até ao mês de Março de 2019.
35. A arguida II foi igualmente responsável pelo apuramento do imposto nos períodos de Agosto e Dezembro de 2016 e bem assim pela transposição dos valores para a declaração periódica de IVA referente ao período de 2016.08, que foi submetida em nome da sociedade arguida “EMP01... Lda.” aos serviços da Autoridade Tributária.
36. Na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” encontrava-se colectada em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), no regime geral de tributação, pelo exercício da actividade (principal)[5] de “Comércio de veículos automóveis ligeiros”, com o CAE 45110, e estava enquadrada no regime normal de periodicidade mensal em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).
37. Por conseguinte, estava obrigada a enviar aos serviços de Administração Tributária as declarações periódicas com o IVA apurado.
38. No exercício da sua actividade principal e ao longo do ano de 2016, concretamente nos meses de Agosto e Dezembro (períodos 2016.08 e 2016.12), a sociedade arguida “EMP01... Lda.” comprou e vendeu veículos automóveis usados, adquiridos maioritariamente no mercado comunitário.
39. Por se tratarem de aquisições intracomunitárias de bens (AIC) constituem operações tributadas em Portugal, pelo que a sociedade arguida “EMP01... Lda.”, por intermédio do arguido AA, tinha de fazer constar, nas declarações periódicas de IVA, essas aquisições, a fim de ser liquidado o imposto devido pelas mesma (AIC), como obriga o artigo 1.º al. b) e 2.º, n.º 1 e 23.º, l. a) do Decreto-lei n.º 290/92, de 28 de Dezembro.
40. Assim, realizada uma aquisição intracomunitária, a sociedade arguida “EMP01... Lda.”, tinha de registar na sua contabilidade essa aquisição, liquidá-la na declaração periódica de IVA e deduzir o imposto.
41. Quando esse veículo fosse vendido, no território nacional, a sociedade “EMP01... Lda.”, tinha de emitir a respectiva factura e liquidar o imposto, que incide sobre a totalidade do preço, cujo valor lhe foi pago pelo adquirente com o preço do veículo, e, subsequentemente, entregar o valor do imposto (IVA) aos Cofres do Estado.
42. Tal regime (normal de IVA) apenas seria afastado e aplicado o regime da margem, previsto no Decreto-Lei n.º 199/96 de 18.10, que aprovou o regime especial de tributação dos bens em segunda mão, doravante designado apenas por – RETBSM), caso a sociedade arguida “EMP01... Lda.”, tivesse adquirido os veículos a pessoa da União Europeia, também esta revendedora e se também essa transmissão tivesse sido efectuada ao abrigo do regime especial da venda de bens em segunda mão ou de regime idêntico vigente no Estado-Membro, onde a transmissão ocorreu.
43. O que não se verificou, já que as aquisições intracomunitárias realizadas pela sociedade arguida “EMP01... Lda.”, estavam, no país (de origem) onde os bens foram adquiridos, isentas de IVA, ao abrigo de um regime geral (e não especial).
44. Não tendo a montante sido aplicado qualquer regime especial, não estavam observados os condicionalismos legais para que, nas vendas efectuadas a jusante, fosse liquidado IVA pelo regime da margem, como efectivamente sucedeu.
45. Com efeito, no período de 2016.12 a sociedade arguida “EMP01... Lda.” não enviou as declarações de IVA à Direcção de Finanças relativas às aquisições intracomunitárias de bens que realizou e não procedeu à liquidação aos Cofres do Estado do valor do imposto calculado sobre a totalidade do preço que lhe foi entregue pelos adquirentes dos veículos que vendeu.
46. Antes, registou essas vendas como vendas em segunda mão, sujeitando-as ao RETBSM, e não entregou ao Estado os montantes devidos, a título de IVA pelas primeiras transacções realizadas no território nacional (23% sobre a totalidade do preço de cada aquisição).
47. Assim, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” não entregou os seguintes montantes devidos a título de imposto de IVA, pelas operações de venda de veículos que agora se discriminam:
IVA – Correcções por aplicação irregular do RETBSM – Período 2016.12

Aquisição Transmissão Correcções

Inquérito

Matrícula N.º DAV N.º DOC Aquisição ... (regime normal)
Fornecedor
(Inf. obtida através da Coop.
Adm.
Internacional)
Valor aquisição
(1)
Data
Factura
Venda
N.º
Factura
Venda
Valor
Factura Venda
(2)
VT
considerado na
contabilidade
Regime da margem
(3) = (2) – (1)
IVA considerado na
contabilidade
Regime de margem
(4) = (3)* 0,23
IVA devido
Regime
Normal
(5) = (2) *
0,23
IVA
Correção
Regime normal
(6) = (5) –
(4)
..-SE-.. 2016/...55 ...08-
...06
EMP06...
.../SA
 
16.200,00
31-12-
2016
 
1/326
 
28.000,00
 
11.800,00
 
2.714,00
 
6.440,00
 
3.726,00
..-RP-.. 2016/...03 ...03-
...99
EMP06...
.../SA
 
6.200,00
31-12-
2016
 
1/325
 
12.565,00
 
6.365,00
 
1.463,95
 
2.889,95
 
1.426,00
..-SG-.. 2016/...99
 
...10-
...93
EMP06...
.../SA
 
7.800,00
31-12-
2016
 
1/329
 
15.065,00
 
7.265,00
 
1.670,95
 
3.464,95
 
1.794,00
..-RH-.. 2016/...91 ...02-
...86
EMP06...
.../SA
 
7.200,00
31-12-
2016
 
1/331
 
14.130,85
 
6.930,85
 
1.594,03
 
3.250,03
 
1.656,00
..-SC-.. 2016/...47 ...08-
...67
EMP06...
.../SA
 
10.600,00
31-12-
2016
 
1/328
 
18.565,00
 
7.965,00
 
1.831,95
 
4.269,95
 
2.438,00
..-RQ-.. 2016/...76 ...03-
0637
EMP06...
.../SA
 
6.700,00
31-12-
2016
 
1/332
 
12.500,00
 
5.800,00
 
1.334,00
 
2.875,00
 
1.541,00
..-SA-.. 2016/...42 ...08-
...30
EMP06...
.../SA
 
6.600,00
31-12-
2016
 
1/327
 
12.000,00
 
5.400,00
 
1.242,00
 
2.760,00
 
1.518,00
..-SC-.. 2016/...00 ...08-
...33
EMP06...
.../SA
 
6.500,00
31-12-
2016
 
1/330
 
18.000,00
 
11.500,00
 
2.645,00
 
4.140,00
 
1.495,00
..-RB-.. 2016/...17 ...01-
...30
EMP06...
.../SA
 
6.700,00
31-12-
2016
 
1/333
 
13.500,00
 
6.800,00
 
1.564,00
 
3.105,00
 
1.541,00
   Total                                                                                                                                                       144.325,58          69.825,58              16.059,88               33.194,88            17.135,00

48. Naquele período, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” não declarou, liquidou e entregou aos cofres do Estado, o montante global de € 17.135,00 (dezassete mil cento e trinta e cinco euros) de imposto de IVA, obtendo, assim, uma vantagem patrimonial indevida de igual valor. 
49. Além de ter alterado o regime do IVA (regime normal para RETBSM) a sociedade arguida “EMP01... Lda.” não entregou a declaração periódica de IVA relativa àquele período (2016.12) como estava obrigada.
50. Não obstante essa omissão declarativa, verificou-se que registou naquele período na contabilidade os valores de €43.210,37 e €6.324,59 a título de IVA liquidado e IVA dedutível, respectivamente, conforme se descreve no quadro infra:

    
        Regime normal      
                                         
 
               Regime Margem (contabilidade)                                              
                            
 
Correcção do IVA
N.º da factura Data da emissão Matrícula da
Viatura
Prestação de
Serviços/Peças
 Base Tributável       IVA  Liquidado   Reg. Normal
  Total da
Factura           
 
 
     Valor da
Aquisição 
(1)
   Valor
da
Venda 
(2)
  Margem
(3) =
 (2) – (1) 
 Iva Liq. Reg.
Margem
Considerado na
contabilidade 
(4)= (3)* 0,23
Iva Liq.
Regi
Normal
(5) =
(2) +
0,23
Correcção Reg.
Normal
(6) = ((5)
– (4)
FS 1/36 02-...16  Peças 35.00 8,05 43,05       
FS 1/37 09-...16  Peças 65,84 15,14 80,98       
FS 1/38 15-...16  Peças 64,00 14,72 78,72       
FS 1/39 15-...16  Peças 60,00 13,80 73,80       
FS 1/40 20-...16  Peças 52,80 12,14 64,94       
FAC
1/304
02-...16  Peças 91,09 20,95 112,04       
FAC
1/306
05-...16  Manutenção e Reparação 243,90 56,10 300,00       
FAC
1/307
13-...16  Peças 152,80 35,14 187,94       
FAC
1/308
15-...16 ..-RP-..  10.215,45 2.349,55 12,565,00       
FAC
1/309
16-...16 ..-NN-..  9.756,10 2.243,90 12.000,00       
FAC
1/310
16-...16  Peças 227,78 52,39 280,17       
FAC
1/311
20-...16  Peças 772,36 177,64 950,00       
FAC
1/312
21-...16 ..-SE-..  22.764,23 5.235,77 28.000,00       
FAC
1/313
21-...16 ..-SA-..  9.756,10 2.243,90 12.000,00       
FAC
1/314
27-...16  Peças 133,80 30,77 164,57       
FAC
1/315
28-...16 ..-SC-..  15.093,50 3.471,51 18.565,01       



FAC
1/317
28-...16  Manutenção e Reparação 280,09 64,42 344,51       
FAC
1/318
28-...16  Manutenção e Reparação 120,41 27,69 148,10       
FAC
1/319
29-...16  Manutenção e Reparação 308,22 70,89 379,11       
FAC
1/320
29-...16 ..-SG-..  12.247,97 2.817,03 15.065,00       
FAC
1/321
29-...16 ..-NN-..  8.943,09 2.056,91 11.000,00       
FAC
1/322
30-...06  Manutenção e Reparação 222.06 66,48 355,54       
FAC
1/323
30-...06 ..-SC-..  14.634,15 3.365,85 18.000,00       
FAC
1/324
30-...06 ..-RH-..  11.488,28 2.642,30 14.130,58       
MI-
OFICINA
31-...16    57,46        
    117.796,02 27.150,54 144.889,10
 
      
FAC
1/325
31-...16 ..-RP-..  12.565,00 0,00 12.565,00 6.200,00 12.565,00 6.35,00 1.463,95 2889,95 1.426,00
FAC
1/326
31-...16 ..-SE-..  28.000,00 0,00 28.000,00 16.200,00 28.000,00 11.800,00 2.714,00 6440 3.726,00
FAC
1/327
31-...16 ..-SA-..  12.000,00 0,00 12.000,00 6.600,00 12.000,00 5.400,00 1.242,00 2760 1.518,00
FAC
1/328
31-...16 ..-SC-..  18.565,00 0,00 18.565,00 10.600,00 18.565,00 7.965,00 1.831,95 4269,95 2.438,00
FAC
1/329
31-...16 ..-SG-..  15.065,00 0,00 15.065,00 7.800,00 15.065,00 7.265,00 1.670,95 3464,95 1.784,00
FAC
1/330
31-...16 ..-SC-..  18.000,00 0,00 18.000,00 6.500,00 18.000,00 11.500,00 2.645,00 4140 1.495,00
FAC
1/331
31-...16 ..-RH-..  14.130,58 0,00 14.130,58 7.200,00 14.130,58 6.930,58 1.594,03 3250,0334 1.656,00
FAC
1/332
31-...16 ..-RQ-..  12.500,00 0,00 12.500,00 6.700,00 12.500,00 5.800,00 1.334,00 2875 1.541,00
FAC
1/333
31-...16 ..-RB-..  13.500,00 0,00 13.500,00 6.700,00 13.500,00 6.800,00 1.564,00 3105 1.541,00
FAC
1/303
02-...16   192,60  192,60       
FAC
1/305
05-...16   1.365,78  1.365,78       
FAC
1/306
28-...16   7.565,00  7.565,00       
    262.121,60 27.150,49 289,214,68    16.059,88 33.194,88 17.135,00
 
Total IVA liquidado na Contabilidade (Conta ...31 do SNC)
(IVA liquidado Reg. Normal + IVA liquidado Reg. Margem)
 
 
43.210,37
  
N.C.1/16 42.735,00 ..-RP-..  10.215,45 2.349,55 12565,00 Anula a factura n.º ...08, foi substituída pela ...25
N.C.1/17 42.735,00 ..-SE-..  22.764,23 5.235,77 28.000,00 Anula a factura n.º ...12, foi substituída pela ...26
N.C.1/18 42.735,00 ..-SA-..  9.756,10 2.243,90 12.000,00 Anula a factura n.º ...13, foi substituída pela ...27
N.C.1/19 42.735,00 ..-SC-..  15.093,50 3.471,51 18.565,01 Anula a factura n.º ...15, foi substituída pela ...28
N.C.1/15 42.735,00   280,09 64,42 344,51 Anula a factura n.º ...17, foi substituída pela ...19
N.C.1/20 42.735,00 ..-SG-..  12.247,97 2.817,03 15.065,00 Anula a factura n.º ...20, foi substituída pela ...29
N.C.1/21 42.735,00 ..-SC-..  14.634,15 3.365,85 18.000,00 Anula a factura n.º ...23, foi substituída pela ...30
N.C.1/22 42.735,00 ..-RH-..  11.488,28 2.642,30 14.130,58 Anula a factura n.º ...24, foi substituída pela ...31
Total das Notas de Crédito 96.479,77 22.190,35 118.670,12  
 
Total do IVA liquidado na Contabilidade não declarado (Conta ...31 do SNC)
(IVA liquidado Reg. Normal + IVA liquidado Reg. Margem- IVA anulado Notas de Crédito)
 
 
 
21.020,02

51. Com efeito, com a omissão declarativa de imposto (IVA), registado na contabilidade, no período de 2016.12, no valor de €21.020,02, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” obteve vantagens patrimoniais indevidas de idêntico montante.  
52. O valor de imposto relevante neste período é de €31.830,48 (trinta e um mil e oitocentos e trinta euros e quarenta e oito cêntimos) porquanto ao valor apurado de €43.210,73 é necessário abater o montante de €22.190,35 referente às notas de crédito emitidas para anular as vendas, sendo que por via dessa correcção e após se abater o valor do IVA dedutível, o valor do imposto a que corresponde a vantagem patrimonial indevida é de €31.83048 (17.135,00 + 21.020,02 – 6. 324,59 IVA dedutível).
53. Relativamente às transacções às quais era efectivamente aplicável o RETBSM, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” não apurou o valor da base tributável e consequentemente não o incluiu na declaração periódica referente ao período de 2016.08, o que teve como consequência a falta de liquidação e pagamento do IVA devido pelas operações realizadas, conforme se descreve no quadro infra:
IVA – Correcção por falta de apuramento do IVA pelo RBTBSM (Regime da Margem)

 
Matrícula
 
N.º DAV
 
Aquisição
 
 
Transmissão
 
Valor
Tributável a considerar
Regime da margem 
(art. 4.º do  
 
 
IVA
Correcção
 
(4) = (3) *
0,23
N.º factura de compra  
Valor (1)
RETBSM) 
(3) = [(2) – Data Doc.
 
N.º
Doc.
 
Valor
Tributável Doc.
(2)
 
..-FH-..
 
2007/...82
 
Declaração
 
14.500,00
 
04-08-2016
 
FAC
1/242
 
15.500,00
 
813,01
 
186,99
..-RN-.. 2016/...46 ...05-
...22
 
19.250,00
 
 
29-08-2016
 
FAC
1/253
 
25.185,00
 
4.825,20
 
1.109,80
Total da correcção: 1.296,79


54. Com a falta de apuramento e consequente falta de pagamento do IVA (RETBSM) nas transacções de viaturas às quais era aplicável o regime da margem, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” obteve uma vantagem patrimonial indevida no valor de €1.296,79 (mil duzentos e noventa e seis euros e setenta e nove cêntimos).
55. Por fim, na venda das viaturas alienadas no período de 2016.08, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” liquidou IVA pelo regime normal, todavia, em termos contabilísticos, somente o valor do IVA apurado pelo regime da margem era lançado na conta 2433 correspondente ao IVA liquidado a favor do Estado, sendo o remanescente [ou seja a diferença entre o valor apurado pelo regime normal que a empresa liquidou e cobrou aos clientes e aquele valor da margem] contabilizado indevidamente na conta 278 – “outros devores e credores”, conforme se descreve no quadro infra:

IVA – Correcção por apuramento parcial (Registo na conta 278) Período 2016.08

 
Matrícula
 
N.º DAV
 
Aquisição
 
 
Transmissão
 
 
 
 
IVA
(Correcção)
IVA erradamente
contabilizado na conta 278
N.º factura de compra  
Valor
(1)
 
 
Elementos das Facturas de Venda
 
Contabilização do IVA liquidado nas Facturas de
Venda
 
 
 
 
..-RH-..
 
 
 
 
2016/...29
 
 
 
 
...03-
...98
 
 
 
 
5.300,00
 
 
Data da
Factura Venda
 
 
N.º da factura
 
 
Valor total da Factura
(2)
 
 
Valor tributável
(3)     =
(2)/1,23)
 
IVA liquidado na factura
Regime
Normal (4) =
(3) * 0,23
 
IVA
Contab.
Conta 278
(6)= (4)-(5)
 
IVA
Contab.
278 (6)= (4)
– (5) 
05-08-2016 FAC
1/243
9.500,00 7.723,58 1.776,42 557,42 1.219,00 1.219,00
..-RQ-.. 2016/...72 ...04-
...03
5.600,00 08-08-2016 ...45 13.065,00 10.621,95 2.443,05 1.155,05 1.288,00 1.288,00
..-RP-.. 2016/...90 ...03-
...24
7.100,00 10-08-2016 ...46 13.065,00 10.621,95 2.443,05 810,05 1.633,00 1.633,00
..-RE-.. 2016/...10 ...01-
...46
7.600,00 15-08-2016 ...47 14.600,00 11.869,92 2.730,08 982,08 1.748,00 1.748,00
..-RS-.. 2016/...30 ...06-
...49
15.000,00 17-08-2016 ...48 25.656,00 21.597,56 4.967,44 1.517,44 3.450,00 3.450,00
..-RT-.. 2016/...68 ...07-
...74
14.500,00 25-08-2016 ...51 24.900,00 20.243,90 4.656,10 1.321,10 3.335,00 3.335,00
..-RS-.. 2016/...35 ...06-
...49
9.200,00 30-08-2016 ...55 16.500,00 13.414,63 3.085,37 969,37 2.116,00 2.116,00
                                                                                                                                                       TOTAL            14.789,00

56. Com a ocultação por prática contabilística indevida/irregular de IVA liquidado pelo regime da margem nas transmissões de viaturas a sociedade arguida “EMP01... Lda.” obteve uma vantagem patrimonial indevida no valor de €14,789,00 (catorze mil setecentos e oitenta e nove euros).
57. Com a prática dos factos supra descritos, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” cometeu omissões e/ou inexactidões na sua contabilidade e consequentemente nas declarações periódicas de IVA referentes aos períodos de 2016.08 e 2016.12, respectivamente, logrando com isso obter vantagens patrimoniais nesses períodos que correspondem ao valor do IVA não entregue ao Estado no valor total de € 47.916,22 (quarenta e sete mil novecentos e dezasseis euros e vinte e dois cêntimos), conforme discriminado no quadro infra:

ANO 2016
IMPOSTO PERÍODO MONTANTE
IVA 2016.08 16.085,79
IVA 2016.12 31.830,43
                       TOTAL GLOBAL                                                                                          € 47.916,22

58. Com a prática de tais actos, a Administração Fiscal viu o seu património prejudicado a título de IVA, no montante de € 47.916,22 (quarenta e sete mil e novecentos e dezasseis euros e vinte e dois cêntimos).
(...)
59. A Autoridade Tributária, até à presente data, não deu cumprimento ao preceituado no art.º 24º, n.º 3 da Lei Geral Tributária contra a contabilista certificada II.
60. Até à presente data, foram efectuados pagamentos pela sociedade arguida à AT e referentes aos presentes autos, nos valores de 864,74€ no PEF ...63; 19.295,27€ no PEF ...97 e 0,00€ no PEF ..., o que ocorreu em 11/08/2021, 03/02/2022 por meio de compensação. 
61. No dia 24/09/2020 a sociedade arguida outorgou escritura pública, na qual constituiu a favor da Autoridade Tributária hipoteca voluntária sobre os prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...66 e ...00 e inscritos na matriz urbana sob o artigo ...69 e ...86, com os VPT de € 58.563,75 e € 75.353,60, respectivamente, para garantia da satisfação dos créditos tributários peticionado no PEF n.º ...58 2020 0100 5855 (onde se encontra em cobrança os tributos aduzidos nos presentes autos). 
(...)
62. O arguido AA nasceu em ../../1973.
63. Reside sozinho numa moradia, pese embora mantenha uma relação de namoro desde há pelo menos 10 anos, com FF, co-arguida no presente processo.
64. O arguido tem dois filhos, actualmente com 27 e 3 anos de idade, fruto de outros relacionamentos, que integram o agregado ocasionalmente, sendo o relacionamento caracterizado como funcional, com trocas comunicacionais e afectivas favoráveis entre os seus elementos.
65. Concluiu o 12º ano de escolaridade e exerceu actividade de militar da GNR de 1996 a 2011, reformando-se por invalidez.
66. O arguido atravessou uma doença oncológica tendo sido submetido a tratamentos em 2003, 2011 e 2016.
67. Assume actualmente a actividade profissional de vendedor de automóveis na empresa “EMP01...” e assume, desde 2020 a gerência da empresa “EMP07...”, verbalizando satisfação face à sua situação profissional e motivação para permanecer nesta área com a qual se identifica.
68. Aos técnicos da DGRSP o arguido referiu auferir 1.360 euros mensais, sendo 860 euros de salário mais 498 euros de reforma, aos quais acrescem as comissões, variáveis, mediante o número de vendas.
69. Mais referiu possuir despesas de 1.057 euros mensais, sendo 100 euros de luz e gás; 307 euros com amortização com empréstimos bancários e bem assim 500 euros mensais, decorrentes de despesas com alojamento e educação da filha e 150 euros mensais, de pensão de alimentos do filho mais novo.
70. O arguido referiu vivenciar uma situação económica estável.
71. AA tem o seu quotidiano centrado na actividade profissional, ocupando os seus tempos livres na prática de crossfit, ginásio e ainda, junto dos familiares e amigos.
72. Na comunidade, AA encontra-se integrado em todas as áreas vivenciais, tendo uma imagem social globalmente positiva.
73. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
74. A arguida CC nasceu em ../../1951 e é mãe do co-arguido AA.
75. Como habilitações literárias possui a 4ª Classe.
76. Reside numa moradia com o cônjuge, sendo ambos reformados.
77. O relacionamento entre ambos é caracterizado como funcional, com trocas comunicacionais e afectivas favoráveis entre os seus elementos.
78. À data dos factos a arguida encontrava-se activa profissionalmente, explorando um café, na aldeia de ....
79. Subsistia com o rendimento que retirava da exploração do café e, ainda, do que o cônjuge realizava com o transporte de pessoas para o ..., não conseguindo precisar os valores auferidos.
80. Actualmente o agregado aufere as pensões de reforma nos valores de 690 e 590 euros mensais e possui como despesas cerca de 200 euros mensais com luz, água e gás.
81. A arguida é doente oncológica, realizando tratamentos com frequência no IPO no ... não conseguindo, contudo, quantificar os gastos com as deslocações e medicamentos.
82. Presentemente ocupa o seu quotidiano com as lides domésticas.
83. Na comunidade, CC encontra-se integrada em todas as áreas vivenciais, tendo uma imagem social globalmente positiva.
84. A arguida não tem antecedentes criminais registados.
85. A arguida FF nasceu em ../../1987.
86. Reside num apartamento, tipo T2, com a progenitora, pensionista e com quem reporta uma relação afectiva gratificante.
87. FF refere manter uma relação de namoro com AA, que perdura há cerca de 10 anos, relacionamento este que caracteriza como satisfatório.
88. Possui uma Licenciatura em Ciências da Comunicação, concluída em 2009.
89. FF iniciou o seu percurso profissional num Jornal Local, em ..., tendo depois realizado um Estágio Profissional na Associação Empresarial do ... (...).
90. Em 2012, a arguida iniciou actividade profissional na Empresa EMP01... como administrativa embora assuma a gerência de direito daquela sociedade desde 2017. 
91. A arguida verbalizou aos técnicos da DGRSP satisfação face à sua situação profissional e motivação para permanecer nesta área.
92. As informações recolhidas em contexto comunitário evidenciam que a arguida tem um desempenho positivo e responsável, tanto no exercício das suas funções como em contexto comunitário.
93. A arguida referiu auferir € 820,00 de salário a que acrescem ainda € 709,06/mês relativos a pensões de invalidez e viuvez da sua progenitora.
94. Mais referiu possuir despesas de 687,62/mês, sendo € 150/mês para pagamento de água, luz e gás, € 479/mês referentes a crédito bancário para aquisição de casa própria e € 58,62/mês para seguros da habitação.
95. A arguida afirma vivenciar uma situação económica estável.
96. O seu quotidiano é centrado no trabalho, no convívio com a progenitora, ocupando os tempos livres com actividades desportivas, tais como padel, crossfit e corrida.
97. Na comunidade, FF está adequadamente integrada em todas as dimensões da sua vida, tendo uma imagem social, globalmente positiva.
98. A arguida não tem antecedentes criminais registados.
99. A arguida II nasceu em ../../1979.
100. Integra agregado constituído pela própria, cônjuge agente da PSP e dois filhos menores de idade e estudantes, sendo o relacionamento caracterizado como funcional, com trocas comunicacionais e afectivas favoráveis entre os seus elementos.
101. A arguida possui a licenciatura em Gestão Financeira e Fiscal, obtida no Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais, ....
102. II exerce actividade profissional como Contabilista, Sócia Gerente da Empresa “Agência ...”, desde 2000.
103. A arguida verbalizou aos técnicos da DGRSP satisfação face à sua situação profissional e motivação para permanecer nesta área com a qual se identifica.
104. As informações recolhidas em contexto comunitário, evidenciam que a mesma tem um desempenho positivo e responsável no exercício das suas funções.
105. A arguida verbalizou auferir 1000 euros mensais e o seu cônjuge 1400 euros mensais, sendo as despesas de cerca de 200 euros referentes a luz, água e gás e 800 euros mensais, decorrentes de empréstimo bancário, para aquisição da habitação.
106. A arguida diz vivenciar uma situação económica estável.
107. Na comunidade, II encontra-se integrada em todas as áreas vivenciais, tendo uma imagem social globalmente positiva, não tendo sido afectada negativamente pela existência do presente processo.
108. A arguida não tem antecedentes criminais registados.
109. A arguida EMP01... Lda. não tem antecedes criminais registados.
110. A sociedade mantém-se activa, sendo sua trabalhadora e gerente de direito a arguida YY e seu gerente de facto o arguido AA.
111. A sociedade possui dois imóveis.”.
*
2.2. Considerou não provado que (transcrição):
Processo nº 14/21.7IDVRL (apenso A)
a) Desde a sua constituição que a gerência da sociedade “EMP01.... Lda.” cabia à arguida CC, competindo-lhe, enquanto administradora de direito e de facto, o poder de decisão, quer no domínio da gestão comercial, quer financeira, estando de si dependente o cumprimento das obrigações fiscais que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” constituía, funções que foram assumidas, de facto, a partir de 03/10/2017 pela arguida FF.
b) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 2016, cientes da forma como funcionava a incidência fiscal, em sede de IVA, os arguidos CC, AA, FF e II puserem em prática um plano que visava, em nome, representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pagar ao Estado menos impostos na aquisição de veículos no estrangeiro e a sua posterior venda em Portugal. 
c) Os arguidos CC, AA, FF e II, nomeadamente esta última na qualidade de contabilista certificada, conhecedores das regras de aplicação do RETBSM, utilizaram-no ao completo arrepio das regras previstas naquele regime, fazendo seu critério para a utilização deste regime apenas a sua vontade, maximizando deste modo o lucro da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pois o preço de venda das viaturas, aplicando o referido regime da margem no IVA liquidado, seria sempre mais baixo do que a concorrência, distorcendo ainda com esta prática as regras da sã concorrência no sector de actividade onde esta última se insere.
d) Com a prática descrita em 55, nomeadamente o lançamento dessa diferença na conta “outros devedores e credores”, leia-se credores que não existiam e nunca reclamavam esse valor, o objectivo dos arguidos era sonegar a aludida diferença de IVA ao Estado, levando a que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” retira-se esses montantes em momento ulterior, através de qualquer documento interno, para os fins que esta viesse a entender.
e) Ao actuarem do modo descrito em 38 a 57, os arguidos CC, AA, FF e II agiram sempre em representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, sempre com base na resolução única de diminuir os montantes de IVA que a sociedade que geriam tinha de pagar ao Estado no mês de Dezembro de 2016 e de não declararem esses valores.
f) Bem sabendo que a sociedade que geriam, ao liquidar indevidamente nas facturas de IVA pelo regime especial da margem diminuía os reais valores de IVA que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” devia à Fazenda Pública, o que quiserem, fizeram e lograram conseguir.
g) Sabiam, ainda, que a sua actuação não lhe era permitida por as referidas facturas titularem transacções que não correspondiam à verdade, nos termos acima descritos (fazendo constar, nas facturas correspondentes às vendas realizadas, aplicando, quando não podiam, o regime da margem à aquisição intracomunitária de veículos [que omitiram] e à sua posterior venda, levando a que o imposto de IVA incidisse sobre um montante tributável inferior ao real), e que estavam a encobrir factos e valores relevantes para o apuramento do imposto devido ao Estado e que tinham de ser comunicados à Autoridade Tributária.
h) Actuaram com o propósito firme, concretizado e assumido de, sempre que possível, nas facturas das suas vendas omitir a aquisição de veículos junto de membro da União Europeia (sujeita a isenção de tributação, por regime geral, neste último), como aquisição intracomunitária, sujeitando a sua posterior venda ao regime da margem, com a inerente diminuição do imposto apurado, de forma a induzir os Serviços de Administração Tributária em erro.
i) Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, sempre na qualidade de gerentes de facto e direito da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, em nome e no interesse desta e com o perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.”.
*
2.3. E motivou a essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):
“A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento e na prova documental constante dos autos, devidamente conjugada com as regras da experiência comum.
Em julgamento, apenas os arguidos AA e II prestaram declarações, sendo que as arguidas YY e CC se remeteram ao silêncio.
Os arguidos AA e II não contestaram o teor dos documentos constantes dos autos assim como os valores apurados a título de IVA devido ao Estado e não entregue e constantes da acusação pública. Assumiram, portanto, os factos objectivos constantes da acusação pública, negando apenas o elemento subjectivo, ou seja, que tenham cometido estes factos na execução de um plano entre eles elaborado e com o intuito de defraudar o Estado nos referidos valores devidos a título de IVA, visando com isso apropriarem-se de tais quantias não as entregando ao Estado e locupletando-se com as mesmas.  
Vejamos então as duas acusações.
Relativamente aos autos principais com o nº 6/20.3IDVRL, temos que a prova dos factos descritos em 1 a 3 e 5 e 9 resultaram da análise da certidão comercial da sociedade arguida junta aos autos principais com a refª ...09. 
Os factos descritos em 4, 6 e 7 resultam da análise do relatório de inspecção tributária a fls. 67 e ss. dos autos principais.
Os factos descritos em 8, 10 a 12 foram assumidos pelo arguido AA que confirmou ser apenas ele o gerente de facto da referida sociedade naquele período temporal. 
Para prova dos factos descritos em 13 a 17, 21, 22, 23, 24, 25, 26 considerou o Tribunal a vasta prova documental constante dos autos principais nomeadamente participação de folhas 3; auto de notícia de 65/66; relatório de inspecção tributária e documentos anexos de folhas 67/85 e 86/91; prints de folhas 101, 102, 103, 109 e 117, facturas de folhas 132/142, 163, 166, 212/222 e 224/229; “Declaração” de folhas 164; “Contrato” de folhas 165; “Declaração” de folhas 167; Declaração periódica de folhas 168; Registo de folhas 169/172;  Informação de folhas 173; Visão integrada do contribuinte de folhas 174; Informação de folhas 175/176; Parecer de folhas 178/197; Informação da Segurança Social de folhas 124; Documentos recolhidos pelo serviço de inspecção tributária de folhas 231/321; Listagem de contas bancárias tituladas pela sociedade comercial arguida de folhas 355/356; Informação do “Banco 1...” de folhas 367 e CD junto na contracapa; Informação prestada e elementos remetidos pela “Banco 2...” de folhas 372/374; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 3...” de folhas 380/390; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 4...” de folhas 391/398; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 5...” de folhas 412/417; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 6...” de folhas 420/449 e 457/466; Informação prestada e elementos remetidos pela “Banco 7...” de folhas 450/454 e Prints dos veículos automóveis identificados na acusação de folhas 518/544.
O teor do parecer de folhas 178 a 197 foi aliás confirmado em audiência de julgamento pela testemunha e inspector tributário, LL que o elaborou e bem assim MM, também inspector tributário, o qual participou na instrução do processo e explicou ao Tribunal num depoimento isento, pormenorizado e claro, a forma como procedeu à fiscalização á sociedade arguida e bem assim os dois grandes blocos de factos a que se reporta a acusação, assim confirmado o teor do relatório de inspecção tributária por si elaborado e junto aos autos a fls. 67 e ss.
Quanto aos factos descritos em 19, considerou o Tribunal o teor da “declaração” de fls. 167 dos autos encontrada na contabilidade da sociedade arguida. Em audiência de julgamento, o arguido AA foi confrontado com o referido documento e numa primeira fase, assumiu ter sido ele a elaborar o mesmo. Posteriormente já referiu que não tinha sido ele a elaborar aquele documento e até desconhecia quem fosse a dita QQ. Apesar de insistentemente questionado, referiu não saber a razão de ser daquela declaração.
Ora está bom de ver que a referida declaração apenas poderia ter sido elaborada pelo arguido, já que a mesma não corresponde à verdade, na medida em que a dita viatura de matrícula ..-QF-.. foi na verdade comprada pela sociedade arguida à EMP05..., Unipessoal, Lda. como resulta evidente da documentação de fls. 166. Ora sendo o arguido AA o único gerente de facto da sociedade e responsável pela elaboração destes documentos, só poderia ser aquele a proceder à elaboração da dita declaração, pois só ele teria interesse na mesma.
No que se refere ao elemento subjectivo referido em 18, 20, 27 a 29 convém referir que, pertencendo as intenções à esfera íntima de cada pessoa, o Tribunal só as pode apreender de forma indirecta, através da submissão de actos de natureza externa, empiricamente observáveis, ao crivo das regras da experiência e da ordem natural das coisas.
Como bem se refere no douto Acórdão do Tribunal do Porto de 13/10/2010, Proc. Nº 900/06.4JAPRT.P1, disponível na base de dados do ITIJ em www.dgsi.pt: «É frequente a prova do dolo produzir-se de uma forma indirecta: o saber humano dispõe de certezas emergentes do id quod plerumque accidit (o que geralmente acontece) ou seja, de imposições da experiência comum que decorrem das especificidades do caso concreto e apoiam a objectividade da livre convicção do julgador».
Na verdade, não vemos qualquer outra razão para o arguido elaborar a dita declaração falsa que não fosse o propósito, concretizado, de, mediante a interposição da alegada aquisição a QQ na cadeia de transmissões e dando a aparência real daquele acto, aplicar o regime da margem na sua venda a PP. Ora tal documento por si só já evidencia que o arguido conhecia bem o regime da margem e a forma como o deveria aplicar na emissão das facturas.
Por isso não colheram minimamente as declarações prestadas pelo arguido AA em julgamento, quando referiu que ao emitir as facturas pelo regime da margem achou que o estaria a fazer correctamente e desconhecia como funcionava o referido regime, só tendo chegado a saber que estava a emitir mal as facturas posteriormente, quando veio a ser alvo da fiscalização da AT, em 2018. Negou, portanto, que tivesse emitido as facturas aplicando mal o regime da margem de forma deliberada. Aliás, note-se, que relativamente a aos veículos descritos em 22 e 23, o regime da margem foi aplicado devidamente, pelo que não se percebe como é, desconhecendo a forma de aplicação do regime (como refere o arguido) aquele, em outras vendas realizadas no mesmo mês – Outubro de 2015 – aplica devidamente o regime da margem.
Aliás, o arguido nem poderia desconhecer o funcionamento deste regime da margem, porquanto como resulta dos relatórios de inspecção tributária da AT juntos aos autos em 19/07/2024 com a refª citius 3712246, já a sociedade arguida tinha sido alvo de anteriores inspecções desde 2010 em que havia sido analisada a utilização indevida pela sociedade deste regime da margem. Como referiu a testemunha MM, inspector tributário, o regime da margem está consolidado em legislação desde 1996/1997, tendo havido diversos ofícios circulares, informações vinculativas às empresas. Mais referiu que a sociedade arguida estava instalada no mercado de venda automóvel há muito tempo e já adquiria veículos no mercado intracomunitário anteriormente, pelo que não seria credível que o seu gerente desconhecesse o funcionamento do regime da margem.   
Nas suas declarações o arguido não forneceu qualquer explicação quanto aos factos descritos em 22º e ss. relativamente à falta de apuramento do valor da base tributável quanto aos veículos referidos em 23.
Por sua vez, a arguida II, contabilista da sociedade à data (e que não se mostra acusada nestes autos principais), referiu não saber em concreto o que se passou neste período temporal, sendo certo que o responsável pela emissão das facturas era o arguido AA. Quanto à falta de apuramento da base tributável quanto aos veículos referidos em 23 referiu não se recordar em concreto destes factos/facturas, diferentemente dos factos descritos no apenso A, nos quais assumiu claramente que tais situações resultaram de um lapso seu uma vez que o arguido AA lhe entregou as facturas para o efeito. Note-se que quanto às facturas referidas em 23 a contabilista II não assumiu que estas facturas lhe tivessem sido entregues atempadamente pelo arguido AA, ao contrário do por si assumido quanto aos factos descritos no apenso A. Será pois legítimo concluir que o arguido não terá entregue as facturas atempadamente à contabilista que por isso mesmo não apurou a base tributável e por isso se omitiu o IVA na declaração periódica quanto a elas e que naturalmente o fez de forma deliberada, tal como nesse mesmo período, deliberadamente emitiu facturas usando indevidamente o regime da margem. 
Assim, de todo o comportamento do arguido AA, devidamente conjugado com a prova testemunhal e sobretudo documental constante dos autos, resultaram provados tais factos atinentes ao elemento subjectivo. 
Relativamente aos factos descritos no proc. nº 14/21.7IDVRL (apenso A), cumpre referir que os factos descritos em 30 e 32 resultaram da análise da certidão comercial da sociedade arguida junta aos autos principais com a refª ...09, sendo que os factos descritos em 36 resultam da análise do relatório de inspecção tributária a fls. 31 e ss. do apenso.
O facto descrito em 31 e 33 foram assumidos pelo arguido AA que confirmou ser apenas ele o gerente de facto da referida sociedade naquele período temporal. Já os factos descritos em 34 e 35 foram também aceites pela arguida II.  
Para prova dos factos descritos em 36 a 58 considerou o Tribunal a vasta prova documental constante do apenso nomeadamente autos de notícia de fls. 3 a 4; relatório de inspecção tributária de fls. 87 a 107; anexos de fls. 108 a 113; comprovativo de entrega de declaração periódica de fls. 115 a 116; lista de Processos de Contencioso Judicial de fls. 117; síntese Cadastral de fls. 134 a 143 verso; quadro Resumo de Correcções Aritméticas de IVA de fls. 252; elementos contabilísticos de fls. 254 a 483; pesquisas de fls. 484 a 493; parecer final de fls. 71 a 81; extractos de conta de fls. 35 verso a 141 verso; balancetes analíticos de fls. 142 a 149 verso; comprovativo de entrega de fls. 150 a 153; certidão de dívidas de fls. 213 e 213; consulta de fls. 159 e 160 e consultas de IRC de fls. 162 e 164.
Na verdade, também aqui os arguidos AA e II nas suas declarações não contestaram directamente a documentação constante dos autos e tais factos objectivos constantes da acusação resultantes dessa documentação mas apenas negaram o elemento subjectivo descrito na acusação pública.
Os factos descritos em 59 a 61 resultam do teor do ofício da AT com a refª ...58 de 04/10/2024 e da análise da cópia da escritura pública junta aos autos com a refª ...32 de 29/09/2024.
Os factos descritos em 62 a 109 e relativos às condições sociais e económicas dos arguidos resultam da análise dos relatórios da DGRSP com as refªs ...54, ...53, ...55 de 18/09/2024 e ...49 de 19/08/2023.  Os factos ali descritos relativos à idade dos arguidos, aos antecedentes criminais dos arguidos ou á ausência deles, resultaram dos certificados de registo criminal dos arguidos juntos aos autos com as refªs ...13, ...11, ...14 e ...15 de 18/09/2024 e bem assim refª ...14 de 21/10/2024.
Os factos descritos em 66, 110 e 111 resultaram das declarações prestadas pelo arguido AA em audiência de julgamento que nessa parte, nos mereceram credibilidade e não foram contrariadas por nenhum outro meio de prova produzido. 
Quanto aos factos não provados e relativos ao apenso A não considerou o Tribunal que se tivesse realizado prova cabal e suficiente dos mesmos.
Relativamente aos factos descritos em a) e mais concretamente quanto á intervenção das arguidas CC e YY referida em b) a i), efectivamente não se fez qualquer prova de que aquelas assumissem a gerência de facto da sociedade arguida no período temporal em discussão.
O arguido AA referiu que era apenas ele quem assumia os desígnios da sociedade e assumia a gerência de facto da mesma. Referiu que a sua mãe e a namorada, YY, apenas davam o nome à sociedade, devido a questões relacionadas com o seu divórcio não podendo aquele a partir de determinada altura continuar a assumir a gerência de direito. Referiu que a sua mãe, na altura, explorava um estabelecimento comercial de café e apenas passava nas instalações da sociedade para tomar café consigo ao passo que a arguida YY era uma mera administrativa que o substituía no escritório quando aquele não estava mas que nada fazia sem ser por ordens suas. 
Efectivamente tais declarações do arguido AA foram depois corroboradas, na sua generalidade, por todas as testemunhas, trabalhadores à data dos factos na sociedade arguida, nomeadamente pelas testemunhas ZZ e AAA ambos mecânicos; BBB, que procedia à limpeza dos automóveis e CCC, vendedor de automóveis. Por todos foi referido unanimemente que viam a YY como uma colega de trabalho e mera administrativa, sendo que o patrão era o arguido AA e era dele que recebiam ordens. Referiram também que só de vez em quando viam a arguida CC na empresa, mas que a viam apenas como sendo “a mãe do Sr. AA”, nunca a tendo assumido como patroa e nunca tendo recebido qualquer ordem da parte daquela.
Também a arguida II referiu que tratava de todas as questões relativas á contabilidade e facturação com o arguido AA, sendo que nunca tratou de nada com a arguida CC e quanto à YY a mesma poderia vir entregar facturas por estar no escritório mas tinha a ideia que “aquela poderia apenas emitir facturas com ordens do AA”. 
Relativamente aos factos descritos em b) a i) cremos que também não se fez prova cabal e suficiente dos mesmos.
Neste particular relevaram para a formação da convicção do Tribunal as declarações prestadas em audiência de julgamento pela arguida II, a qual diga-se, foi apenas acusada no âmbito do apenso (proc. nº 14/21.7IDVRL) não o tendo sido no âmbito dos autos principais, não obstante ser a contabilista certificada da empresa em ambos os períodos temporais em discussão.
Ora, no que se refere aos factos relativos ao proc. nº 14/21.7IDVRL, a arguida II referiu que, quanto ao ocorrido em Agosto e em Dezembro de 2016, todo o sucedido se ficou a dever a lapsos do seu escritório de contabilidade pelos quais assumia inteiramente a responsabilidade. Não negou que tanto ela como o arguido AA já estivessem por dentro das regras do regime da margem até porque já tinha havido anteriores inspecções tributárias e até uma formação que a arguida referiu ter tido na Ordem dos Contabilistas em 2015 ou 2016. Referiu até que, depois disso, passou a fazer uma tabela de excel para calcular o regime da margem. Contudo tal não impediu que houvessem lapsos na contabilidade até porque não trabalhava sozinha e tinha uma outra funcionária a fazer também a contabilidade com a sua palavra passe.
Declarou a arguida que, em relação a Dezembro de 2016, a declaração periódica de IVA não foi enviada por culpa sua, sendo certo que o arguido AA lhe remeteu atempadamente todas as facturas e por isso não se liquidou o IVA referente àquele período.
Relativamente ao período de Agosto de 2016, esclareceu que efectivamente algumas facturas foram bem emitidas pela sociedade aplicando devidamente o regime da margem e lhe foram entregues, mas por lapso da contabilidade não foi calculada a base tributável e em relação a outras, foram as mesmas bem emitidas pela arguida pelo IVA normal mas as mesmas foram mal inseridas na contabilidade pelo regime da margem, nos termos melhor descritos em 55, sendo que tal terá sido feito, por lapso de uma funcionária sua na altura, com a sua palavra passe. 
Esclareceu a arguida, que em nenhuma destas situações, a sua conduta ou a conduta da sua funcionária que agia sob as suas ordens foi levada a cabo com o objectivo de deturpar o regime da margem, beneficiar a sociedade arguida maximizando o seu lucro e muito menos sonegar o IVA devido ao Estado levando ao enriquecimento da sociedade arguida com tais vantagens indevidas. Tudo se deveu a negligência sua e falta de cuidado, sendo certo que não valorizou muito tais omissões uma vez que na sequência de anteriores inspecções que haviam sido realizadas pela AT à sociedade, já tinham ocorrido outros lapsos semelhantes tais como falta de envio de declaração e a AT notificou para fazer correcções voluntárias o que a sociedade fez. Mais referiu que nesses casos em que se omite a entrega atempada da declaração de IVA o que sucede é que a AT liquida oficiosamente e depois a contabilista assume os juros e coimas perante o cliente (o que aliás já tinha sucedido anteriormente com esta sociedade arguida).      
 Também o arguido AA, no que respeita a estes factos ocorridos em Agosto e Dezembro de 2016 referiu que entregou as facturas na contabilidade desconhecendo se depois a contabilista deu ou não o adequado tratamento às mesmas, sendo certo que no que se refere aos factos descritos em 55 desconhece os mesmos por completo, até porque isso são procedimentos da contabilista que desconhece por completo, nem sequer tendo acesso a esses elementos e contas.
Ademais é importante referir que não se apurou qualquer facto ou sequer indício da existência de um plano elaborado pelos arguidos AA e pela contabilista II para com isto, em nome, representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pagar ao Estado menos impostos na aquisição de veículos no estrangeiro e a sua posterior venda em Portugal. Nem se vê sequer o que poderia a contabilista II ganhar com isto. Como é sabido e é jurisprudencialmente uniforme, a co-autoria pressupõe um elemento subjectivo, o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, o tomar parte directa na execução (cfr. artigo 26º do CP). Ora não se apurou a existência de qualquer relação especial entre o arguido AA e a arguida II. Esta era apenas a contabilista da sociedade arguida, o que aliás vinha fazendo desde 2011 e fez até Março de 2019. Referiu o arguido AA que pagava à arguida II € 150,00 mensais para esta fazer a contabilidade da empresa. A arguida II tinha uma sociedade da qual era gerente e que fazia a contabilidade de diversas outras empresas. Quando a arguida II pegou na contabilidade da sociedade sabia que aquela tinha sido e continuava a ser alvo de diversas inspecções tributárias, o que aliás ocorreu desde 2010 a 2016 como resulta dos relatórios da AT juntos aos autos em 19/07/2024. Saberia, pois, a arguida que ao fazer estas manobras na contabilidade acabaria por ser apanhada e isso naturalmente iria colocar em causa, no mínimo, toda a sua carreira. O que ganhava então a arguida com isto?! Parece-nos, pois, que o que ocorreu foi antes uma evidente falta de cuidado e negligência (diríamos até grosseira) da parte da arguida no tratamento da contabilidade, quiçá ciente de que os seus lapsos seriam depois corrigidos nas futuras inspecções sem consequências de maior para si ou para a sociedade arguida, como aliás aconteceu em situações anteriores. 
Note-se que como referiu a testemunha MM, inspector tributário, os elementos contabilísticos descritos em 55 só são acessíveis ao contabilista e não ao sujeito passivo e pressupõem especiais conhecimentos de contabilidade. Já a testemunha RR, também inspector tributário, referiu a dada altura que não compreendia muito bem porque razão haveria naquele processo de se constituir a contabilista como arguida mas que só o fez porque “o seu chefe o mandou fazer”, sendo certo que não se apercebeu nem apurou motivo nenhum que levasse a contabilista a agir de tal forma.
Podemos naturalmente censurar a arguida porque não entregou a declaração periódica de IVA, porque não verificou bem as facturas e a sua documentação de suporte quanto ao regime da margem, não apurou a base tributável de facturas que tinha em seu poder quando o devia ter feito… De facto, o erro praticado pela contabilista na elaboração da contabilidade é clamoroso mas não passa cremos nos, disso mesmo, um erro!
O contabilista agindo dentro de um contrato de prestação de serviços tem deveres de diligência, zelo e competência para com o seu cliente e tem um dever de ter uma actuação lícita. Ao actuar da forma como fez, a arguida II violou diversas normas legais desde logo os artigos 70º e 73º da Lei n.º 139/2015, de 7 de Setembro (anexo I) mas isso apenas pode pressupor a sua responsabilidade civil perante o contribuinte e cliente (veja-se a titulo de exemplo o Acórdão do STJ de 06/07/2023, Proc. nº 6864/18.4T8ALM.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Sucede que o crime de fraude fiscal não é punível a título de negligência porquanto é um tipo de crime necessariamente doloso e o dolo tal como descrito na acusação, cremos que não existiu pelos motivos explanados. Aliás nem se vislumbra a que que título se acusa a contabilista como co-autora dos factos no processo apenso (por factos de Agosto e Dezembro de 2016) e já não se acusa aquela nos autos principais (por factos de Outubro de 2015) quando a contabilidade já era, naquela altura, assumida pela arguida…
E mais estranho ainda é que a Autoridade Tributária tenha reclamado a responsabilização criminal da arguida no seu parecer final mas depois não tenha sequer accionado o disposto no artigo 24º, n.º 3 da Lei Geral Tributaria contra a contabilista certificada II, como resultou do facto provado e descrito em 59. Dispõe aquele artigo que «A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos contabilistas certificados desde que se demonstre a violação dolosa dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos».
Se é certo que a responsabilidade tributária e a responsabilidade criminal não se confundem, não dependendo esta última da existência, ou não, de reversão contra o arguido da prestação tributária, no âmbito do processo tributário, sempre se diga que é de estranhar que havendo dolo da parte da contabilista no entendimento da AT como resulta claro do seu parecer final, aquela não tenha efectivamente lançado mão do mecanismo previsto no artigo 24º, n.º 3 da Lei Geral Tributaria.
Em relação ao artigo 24º nº 3 da LGT citamos o entendimento do STA no seu acórdão de 08/06/2022, Proc. nº 0415/12.1BEBJA 01361/17, disponível em www.dgsi.pt segundo o qual:
«No artº.24º, nº.3, da L.G.T., na redacção decorrente da Lei nº 60-A/2005, de 30/12 - ESTATUTO DA ORDEM DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS – consagra-se a atribuição de uma responsabilidade subsidiária aos contabilistas certificados, a qual esteada fundamentalmente na violação da legis artis. (…) Os meros erros técnicos não envolvem a responsabilidade do contabilista a qual só deve ser activada quando as falhas assentem numa violação tão profunda do normativo contabilístico que ponha em causa a própria função de que a contabilidade foi investida pelo ordenamento fiscal (sublinhado nosso). O nomeado regime não traduz - contrariamente ao que a alteração legislativa que eliminou a expressão “violação dolosa” e a introduzida pela Lei n.º 7/2021 de 26 de Fevereiro que a reintroduziu parece pressupor - uma verdadeira modalidade de responsabilidade objectiva. A responsabilidade continua a ser, ainda, subjectiva: o requisito da culpa continua a ser objecto de consideração pela hipótese legal».
Ora a responsabilidade tributária do contabilista não é objectiva assim como não o é, por maioria de razão, a sua responsabilidade criminal. É que se a responsabilidade criminal do contabilista resultasse apenas objectivamente da violação dos seus deveres funcionais por não ter submetido a declaração de IVA, não ter alertado o cliente para a errada emissão das facturas, não o ter alertado para a entrega atempada das mesmas…então tínhamos de acusar todos os contabilistas na esmagadora maioria dos crimes fiscais existentes, pois que são estes, sempre, os responsáveis pela regularidade contabilística do sujeito passivo.
O crime em causa, sendo essencialmente doloso, pode consumar-se sob todas as formas de dolo: dolo directo, necessário ou eventual e cremos que nenhuma destas formas de culpa se provou, com a certeza necessária, no caso concreto em relação aos arguidos II e AA.”.
*
3. Isto posto, debrucemo-nos, então, sobre as questões concretas que são colocadas à nossa apreciação pelos recorrentes.
*
3.1. Recurso dos arguidos AA e “EMP01..., Lda.
Como supra se referiu, da leitura e análise das conclusões formuladas pelos arguidos e recorrentes AA e “EMP01..., Lda.”, extrai-se que os mesmos, em síntese:
- Impugnam os factos dados dados como provados sob os pontos nºs. 14., 16., 18. a 21. e 25. a 29., dados como assentes, por erro de julgamento;
- Invocam a violação do princípio in dubio pro reo;
- Sustentam não se verificar o preenchimento do tipo legal de crime que lhes foi imputado; e
- Aduzem ser excessivas as penas que lhes foram aplicadas.
Apreciando, atentemos, antes de mais, se se verifica o alegado erro de julgamento, quanto aos aludidos factos dados como provados no acórdão recorrido, que os recorrentes pretendem sejam considerados como não provados.
Como se sabe, a matéria de facto pode ser impugnada através de duas formas: desde logo por via da invocação do Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, ou seja, pela comummente designada “revista alargada”; ou através da chamada “impugnação ampla” da matéria de facto, nos termos do disposto no Artº 412º, nºs. 3 e 4, do mesmo diploma legal.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido Artº 410º, os quais têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos àquela, para a fundamentar.
Já no segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mas sempre dentro dos limites do ónus de especificação imposto pelos nºs. 3 e 4, do Artº 412º, do C.P.Penal.
Na situação em apreço, sustentam os arguidos e recorrentes AA e “EMP01..., Lda.” que, ao dar como provados os supra identificados factos, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, tendo redundado num errado juízo de condenação.
No entender de tais recorrentes, a apreciação crítica da prova produzida em audiência levada a cabo pelo Tribunal é contrária às regras da experiência e da normalidade do acontecer, estando aqui em causa a absoluta ausência de prova que demonstre que [eles, recorrentes] tenham deliberadamente cometido os factos pelos quais vêm acusados, na execução de um plano com o intuito de defraudar o Estado nos referidos valores devidos a título de IVA, apropriando-se de tais quantias. 
Fazendo alusão, a esse propósito, basicamente, a alguns excertos das declarações dos arguidos II e AA, e ao depoimento da testemunha MM, que concretizaram por referência aos respectivos minutos das passagens das mesmas declarações e depoimento, e ainda à constituição, em 24/09/2020, por banda da arguida “EMP01..., Lda.”, de uma hipoteca voluntária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre dois prédios urbanos, garantindo o crédito peticionado.
Nos sobreditos termos, defendem tais recorrentes não ter ficado demonstrado terem praticado o crime que lhes foi imputado, do qual deverão ser absolvidos.
Por conseguinte, tendo em conta o conteúdo da motivação e das conclusões do recurso, foi propósito dos recorrentes, quanto a todos os factos que impugnam, suscitar o erro de julgamento da matéria de facto, cujas regras de invocação se encontram previstas no Artº 412º, nºs. 3 e 4, do C.P.Penal.
Ora, relativamente ao erro de julgamento a que alude o Artº 412º, nº 3, aIs. a) e b), do C.P.Penal, a lei é clara ao estabelecer que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, assim como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Na verdade, foi propósito do legislador com a referida norma delimitar claramente o âmbito do recurso interposto sobre a decisão a matéria de facto, em termos de o permitir apenas nos casos em que haja uma identificação do concreto erro de julgamento ocorrido, bem como dos específicos meios de provas que concretamente o demonstram.
Acresce que o nº 4 do Artº 412º estabelece que, no caso de as provas terem sido gravadas, as especificações previstas na aI. b) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do Artº 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Ora, a identificação concreta do erro de julgamento, por via da indicação dos pontos de facto incorretamente julgados, e dos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, são verdadeiramente essenciais para que o tribunal de recurso possa conhecer do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto.
Assim definido o objeto da impugnação da matéria de facto, na situação em apreço facilmente se constata que os recorrentes AA e “EMP01..., Lda.” se insurgem quanto à forma como o tribunal a quo procedeu à apreciação da prova, criticando o modo como, em concreto, foi aplicado o princípio da livre apreciação da prova consagrado no Artº 127º, do C.P.Penal, segundo o qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
Ora, este princípio assume particular relevância na fase de julgamento.
Pois se é certo que a convicção do juiz não pode ser puramente subjectiva e imotivável [e por isso, o Artº 374º, nº 2, do C.P.Penal, exige que a sentença contenha “uma exposição tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação do exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”], também não se pode esquecer que, como sublinha o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Primeiro Volume, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, págs. 204/205, a decisão do juiz é sempre uma convicção pessoal, «até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais».
Ao princípio da livre apreciação da prova estão necessária e intimamente associados os princípios da imediação e da oralidade. Na verdade, o juiz, mercê do contacto directo com a testemunha, ao valorar o seu depoimento, tem de atender a vários aspectos que têm a ver, designadamente, com a razão de ciência, a imparcialidade, a espontaneidade do depoimento, as hesitações, as contradições, os gestos, etc..
Sucede que, como referiu o Tribunal Constitucional no acórdão nº 198/2004, de 24/03/2004, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040198.html, “A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.
Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.
Ao tribunal de recurso, compete, pois, sindicar a aplicação ao caso concreto do princípio da livre apreciação da prova consagrado no Artº 127º, do C.P.Penal. Para tanto devendo socorrer-se da motivação em sede de matéria de facto da sentença, por forma a constatar o caminho percorrido pelo tribunal de primeira instância ao abrigo do disposto no Artº 374º, nº 2, do C.P.Penal.   
Contudo, como é pacífico, nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria [como se não tivesse ocorrido um julgamento anterior], agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente – cfr., neste sentido, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2012, de 08/03/2012, in DR, DR, I Série, nº 77, de 18/04/2012.
Ora, transpondo para o caso vertente as nomas e princípios jurídicos supra sumariamente enunciados, constatamos que os aspectos evidenciados pelos recorrentes AA e “EMP01..., Lda.”, contrariamente ao que preconizam, não têm a virtualidade de impor uma decisão diversa da decisão recorrida, nos termos do disposto na alínea b), do nº 3, do Artº 412º, do C.P.Penal.
 Na verdade, para contrariar a decisão fundamentada com objectividade pelo tribunal recorrido, procedendo a uma análise crítica da prova, os recorrentes basicamente limitam-se a esgrimir com as declarações e o depoimento que cirurgicamente trazem à liça, e a fazer a sua leitura dos mesmos, não identificando qualquer meio concreto de prova ou passagem da fundamentação da decisão que imponha - e não apenas permita - decisão diversa.
Pois que a imposição de decisão diversa terá de advir da circunstância dos meios probatórios invocados não comportarem ou não consentirem aquilo que o tribunal deles retirou, designadamente porque os depoentes ou declarantes disseram algo diverso ou contraditório daquilo que o tribunal apreendeu, ou porque os documentos não permitem extrair o que deles foi retirado pelo tribunal e com base no qual veio a formar a sua convicção.
Relembremos o que aduziu o tribunal a quo na sua motivação da decisão de facto a respeito da factualidade que deu como assente, com base na qual considerou preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de fraude fiscal perpetrado pelos arguidos AA e “EMP01..., Lda.”, ora recorrentes:
“(...)
Em julgamento, apenas os arguidos AA e II prestaram declarações, sendo que as arguidas YY e CC se remeteram ao silêncio.
Os arguidos AA e II não contestaram o teor dos documentos constantes dos autos assim como os valores apurados a título de IVA devido ao Estado e não entregue e constantes da acusação pública. Assumiram, portanto, os factos objectivos constantes da acusação pública, negando apenas o elemento subjectivo, ou seja, que tenham cometido estes factos na execução de um plano entre eles elaborado e com o intuito de defraudar o Estado nos referidos valores devidos a título de IVA, visando com isso apropriarem-se de tais quantias não as entregando ao Estado e locupletando-se com as mesmas.  
(...)
Relativamente aos autos principais com o nº 6/20.3IDVRL, temos que a prova dos factos descritos em 1 a 3 e 5 e 9 resultaram da análise da certidão comercial da sociedade arguida junta aos autos principais com a refª ...09. 
Os factos descritos em 4, 6 e 7 resultam da análise do relatório de inspecção tributária a fls. 67 e ss. dos autos principais.
Os factos descritos em 8, 10 a 12 foram assumidos pelo arguido AA que confirmou ser apenas ele o gerente de facto da referida sociedade naquele período temporal. 
Para prova dos factos descritos em 13 a 17, 21, 22, 23, 24, 25, 26 considerou o Tribunal a vasta prova documental constante dos autos principais nomeadamente participação de folhas 3; auto de notícia de 65/66; relatório de inspecção tributária e documentos anexos de folhas 67/85 e 86/91; prints de folhas 101, 102, 103, 109 e 117, facturas de folhas 132/142, 163, 166, 212/222 e 224/229; “Declaração” de folhas 164; “Contrato” de folhas 165; “Declaração” de folhas 167; Declaração periódica de folhas 168; Registo de folhas 169/172;  Informação de folhas 173; Visão integrada do contribuinte de folhas 174; Informação de folhas 175/176; Parecer de folhas 178/197; Informação da Segurança Social de folhas 124; Documentos recolhidos pelo serviço de inspecção tributária de folhas 231/321; Listagem de contas bancárias tituladas pela sociedade comercial arguida de folhas 355/356; Informação do “Banco 1...” de folhas 367 e CD junto na contracapa; Informação prestada e elementos remetidos pela “Banco 2...” de folhas 372/374; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 3...” de folhas 380/390; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 4...” de folhas 391/398; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 5...” de folhas 412/417; Informação prestada e elementos remetidos pelo “Banco 6...” de folhas 420/449 e 457/466; Informação prestada e elementos remetidos pela “Banco 7...” de folhas 450/454 e Prints dos veículos automóveis identificados na acusação de folhas 518/544.
O teor do parecer de folhas 178 a 197 foi aliás confirmado em audiência de julgamento pela testemunha e inspector tributário, LL que o elaborou e bem assim MM, também inspector tributário, o qual participou na instrução do processo e explicou ao Tribunal num depoimento isento, pormenorizado e claro, a forma como procedeu à fiscalização á sociedade arguida e bem assim os dois grandes blocos de factos a que se reporta a acusação, assim confirmado o teor do relatório de inspecção tributária por si elaborado e junto aos autos a fls. 67 e ss.
Quanto aos factos descritos em 19, considerou o Tribunal o teor da “declaração” de fls. 167 dos autos encontrada na contabilidade da sociedade arguida. Em audiência de julgamento, o arguido AA foi confrontado com o referido documento e numa primeira fase, assumiu ter sido ele a elaborar o mesmo. Posteriormente já referiu que não tinha sido ele a elaborar aquele documento e até desconhecia quem fosse a dita QQ. Apesar de insistentemente questionado, referiu não saber a razão de ser daquela declaração.
Ora está bom de ver que a referida declaração apenas poderia ter sido elaborada pelo arguido, já que a mesma não corresponde à verdade, na medida em que a dita viatura de matricula ..-QF-.. foi na verdade comprada pela sociedade arguida à EMP05..., Unipessoal, Lda. como resulta evidente da documentação de fls. 166. Ora sendo o arguido AA o único gerente de facto da sociedade e responsável pela elaboração destes documentos, só poderia ser aquele a proceder à elaboração da dita declaração, pois só ele teria interesse na mesma.
No que se refere ao elemento subjectivo referido em 18, 20, 27 a 29 convém referir que, pertencendo as intenções à esfera íntima de cada pessoa, o Tribunal só as pode apreender de forma indirecta, através da submissão de actos de natureza externa, empiricamente observáveis, ao crivo das regras da experiência e da ordem natural das coisas.
Como bem se refere no douto Acórdão do Tribunal do Porto de 13/10/2010, Proc. Nº 900/06.4JAPRT.P1, disponível na base de dados do ITIJ em www.dgsi.pt: «É frequente a prova do dolo produzir-se de uma forma indirecta: o saber humano dispõe de certezas emergentes do id quod plerumque accidit (o que geralmente acontece) ou seja, de imposições da experiência comum que decorrem das especificidades do caso concreto e apoiam a objectividade da livre convicção do julgador».
Na verdade, não vemos qualquer outra razão para o arguido elaborar a dita declaração falsa que não fosse o propósito, concretizado, de, mediante a interposição da alegada aquisição a QQ na cadeia de transmissões e dando a aparência real daquele acto, aplicar o regime da margem na sua venda a PP. Ora tal documento por si só já evidencia que o arguido conhecia bem o regime da margem e a forma como o deveria aplicar na emissão das facturas.
Por isso não colheram minimamente as declarações prestadas pelo arguido AA em julgamento, quando referiu que ao emitir as facturas pelo regime da margem achou que o estaria a fazer correctamente e desconhecia como funcionava o referido regime, só tendo chegado a saber que estava a emitir mal as facturas posteriormente, quando veio a ser alvo da fiscalização da AT, em 2018. Negou, portanto, que tivesse emitido as facturas aplicando mal o regime da margem de forma deliberada. Aliás, note-se, que relativamente a aos veículos descritos em 22 e 23, o regime da margem foi aplicado devidamente, pelo que não se percebe como é, desconhecendo a forma de aplicação do regime (como refere o arguido) aquele, em outras vendas realizadas no mesmo mês – Outubro de 2015 – aplica devidamente o regime da margem.
Aliás, o arguido nem poderia desconhecer o funcionamento deste regime da margem, porquanto como resulta dos relatórios de inspecção tributária da AT juntos aos autos em 19/07/2024 com a refª citius 3712246, já a sociedade arguida tinha sido alvo de anteriores inspecções desde 2010 em que havia sido analisada a utilização indevida pela sociedade deste regime da margem. Como referiu a testemunha MM, inspector tributário, o regime da margem está consolidado em legislação desde 1996/1997, tendo havido diversos ofícios circulares, informações vinculativas às empresas. Mais referiu que a sociedade arguida estava instalada no mercado de venda automóvel há muito tempo e já adquiria veículos no mercado intracomunitário anteriormente, pelo que não seria credível que o seu gerente desconhecesse o funcionamento do regime da margem.   
Nas suas declarações o arguido não forneceu qualquer explicação quanto aos factos descritos em 22º e ss. relativamente à falta de apuramento do valor da base tributável quanto aos veículos referidos em 23.
Por sua vez, a arguida II, contabilista da sociedade à data (e que não se mostra acusada nestes autos principais), referiu não saber em concreto o que se passou neste período temporal, sendo certo que o responsável pela emissão das facturas era o arguido AA. Quanto à falta de apuramento da base tributável quanto aos veículos referidos em 23 referiu não se recordar em concreto destes factos/facturas, diferentemente dos factos descritos no apenso A, nos quais assumiu claramente que tais situações resultaram de um lapso seu uma vez que o arguido AA lhe entregou as facturas para o efeito. Note-se que quanto às facturas referidas em 23 a contabilista II não assumiu que estas facturas lhe tivessem sido entregues atempadamente pelo arguido AA, ao contrário do por si assumido quanto aos factos descritos no apenso A. Será pois legítimo concluir que o arguido não terá entregue as facturas atempadamente à contabilista que por isso mesmo não apurou a base tributável e por isso se omitiu o IVA na declaração periódica quanto a elas e que naturalmente o fez de forma deliberada, tal como nesse mesmo período, deliberadamente emitiu facturas usando indevidamente o regime da margem. 
Assim, de todo o comportamento do arguido AA, devidamente conjugado com a prova testemunhal e sobretudo documental constante dos autos, resultaram provados tais factos atinentes ao elemento subjectivo.”.
Como bem afirma a Exma. PGA, “Sindicar a matéria de facto dada como provada é, pois, algo de muito distinto de questionar a valoração da matéria de facto que o Tribunal faça, em obediência ao princípio da liberdade que tem na apreciação da prova.
O tribunal a quo foi claro e proficiente ao indicar a prova que lhe mereceu credibilidade e aquela que lhe mereceu desconfiança, justificando e motivando as suas razões.
Por outro lado, é o tribunal de primeira instância que, por beneficiar da imediação e da oralidade, estará numa posição privilegiada relativamente ao material probatório, por forma a optar entre depoimentos divergentes em pormenores, ou até contraditórios, por aquele que lhe surge como o mais acertado à luz da sua convicção.
Foi precisamente esse juízo de valoração, devidamente fundamentado, que conduziu o Tribunal a quo ao enquadramento fático carreado ao douto acórdão recorrido, o qual, aliás, se mostra bem fundamentado.
Não basta, pois, aos recorrentes exporem a sua divergência e indicar provas que lhes permitem assumir diferente convicção, para que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada. Esta só terá que ser modificada se não houver outra explicação que não aquela que apresentam.
Não se vislumbrando qualquer juízo arbitrário por parte do tribunal a quo, há que concluir que ele fez, acertadamente, um juízo positivo acerca dos pontos impugnados.”.
Outrossim se concordando com a Distinta Magistrada quando, mais à frente, sublinha  que, no concreto circunstancialismo, “(...) não faz qualquer sentido a invocação de que o arguido não tinha consciência da ilicitude do seu comportamento como vem injustificadamente invocado”, pois que “É da situação objetiva descrita e assente que se retira o elemento subjetivo e, por isso, dela resultam os factos impugnados e que integram a intenção de atuação dos arguidos.”.
Pelo que, “(...) atentos os factos dados como provados torna-se evidente que o arguido tinha perfeita consciência da censurabilidade da sua conduta porque sabia que não podia beneficiar do regime da margem e que ao fazê-lo queria obter vantagens/benefícios económicos.”.
Não tendo, ademais, a relevância que os recorrentes pretendem conferir à hipoteca voluntária constituída pela “EMP01..., Lda.” a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre dois prédios urbanos, garantindo o crédito peticionado.
Pois, como se afigura evidente, a regularização das dívidas fiscais não é indiciadora de falta de consciência da ilicitude dos factos praticados, sendo antes uma circunstância a considerar pelo tribunal no momento da escolha e da medida concreta da pena a aplicar, como ocorreu no caso vertente.
Sendo certo que, como sagazmente refere a Exma. PGA, a execução fiscal e o crime fiscal são realidades completamente diferentes. Aquela visa a extinção da dívida tributária. Este visa sancionar um comportamento delituoso.
Neste circunstancialismo, e recordando-se que os factos em causa, impugnados pelos recorrentes, basicamente dizem respeito ao elemento subjectivo do ilícito [factos esses que, a menos que haja  confissão por banda do arguido, são, em regra, objecto de prova indirecta, só sendo susceptíveis de serem provados com base em inferências a partir dos factos materiais e objetivos dados como assentes, analisados à luz das regras da experiência comum [6]], apenas nos resta sancionar o raciocínio feito pelo tribunal colectivo no que tange a tal matéria, nos termos que, ex abundanti, constam do acórdão recorrido, e que anteriormente transcrevemos, não se vislumbrando minimamente que tenham ocorrido quaisquer atropelos às regras legais de apreciação da prova e/ou qualquer ofensa às regras da experiência, como verberam os recorrentes, e/ou uso indevido dos poderes que lhe conferiam o Artº 127º.
O mesmo sucedendo com a alegada violação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, que os recorrentes também relacionam com a impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento.
O princípio da presunção de inocência do arguido encontra-se previsto no Artº 32º, nº 2, 1ª parte, da Constituição da República Portuguesa, sendo o in dubio pro reo uma decorrência daquele, e tem o significado de que o juiz quando não tiver a certeza sobre a ocorrência de factos relevantes que prejudiquem o arguido, e subsistir a dúvida, deverá decidir em favor do arguido .
Mas, nesse caso, teremos de estar perante uma dúvida razoável, inultrapassável, que impeça a convicção do tribunal .
 Como é sabido, em processo penal não existe um ónus da prova que impenda sobre os sujeitos processuais, devendo o tribunal investigar autonomamente o caso submetido a julgamento.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, ibidem, pág. 213, “À luz do princípio da investigação, bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (…) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal, também não possam considerar-se como «provados». E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir todas as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova (…) tem de ser sempre valorado a favor do arguido”.
A violação do in dubio pro reo ocorre, pois, quando o tribunal, tendo ficado com dúvidas sobre factos relevantes, mesmo assim, tenha decidido contra o arguido.
Ou seja, se produzida a prova subsiste no espírito do julgador um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, impõe-se proferir uma decisão favorável ao arguido.
A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.
Nesta fase do recurso, a demonstração da sua violação passa pela respectiva notoriedade, aferida pelo texto da decisão, isto é, em termos idênticos aos que vigoram para os vícios da sentença, o que significa que tem que resultar da fundamentação desta, de forma clara, que o juiz, pese embora tenha permanecido na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente o considerou provado.
Porém, a dúvida relevante para este efeito, não é a dúvida que o(s) recorrente(s) entende(m) que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que o julgador não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.
Como se expendeu no acórdão da Relação de Coimbra, de 25/01/2017, proferido no âmbito do Proc. nº 802/14.0GCVIS.C1, in www.dgsi.pt, o tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito do princípio in dubio pro reo se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido.
Nesse conspecto, se na fundamentação veiculada na sentença o tribunal não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.
Ora, na situação em apreço, da simples leitura e análise do acórdão recorrido resulta de forma clara que o tribunal colectivo considerou provados os factos que elencou, ora impugnados pelos recorrentes, para além de qualquer dúvida razoável sobre qualquer deles, sem qualquer dúvida em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos.
Por conseguinte, não se divisando do acórdão recorrido a existência ou confronto dos Mmºs. Juízes que compuseram o tribunal colectivo com qualquer dúvida insanável sobre factos, motivo pelo qual não houve nem há dúvida para ser valorada a favor dos arguidos, torna-se manifesto e evidente não ter aplicação o princípio do in dubio pro reo.
Nestas circunstâncias, improcede esta questão recursória.
Insurgem-se ainda os recorrentes AA e “EMP01..., Lda.” contra a sua condenação pela prática do crime de fraude fiscal, p. e p. pelo Artº 103º, nºs. 1, al. a), e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), que lhes foi imputado, sustentando, em síntese, que não se mostram preenchidos os respectivos elementos objectivos e subjectivos.
Pretensão essa que, no entanto, atendendo ao modo como estruturaram o seu recurso, tem como pressuposto único a procedência do mesmo quanto à impugnação da matéria de facto, o que, como se viu, não sucedeu.
Porém, tendo improcedido totalmente a impugnação da matéria de facto efectuada pelos recorrentes, e considerando-se definitivamente provados os factos dados como assentes no acórdão sub-judice, dúvidas não há de que se verificam inteiramente os elementos objectivos e subjectivos do ilícito criminal em causa, nos termos devidamente explicitados no acórdão recorrido, para os quais remetemos, e que se subscrevem.
Como dúvidas não há quanto ao decidido acerca da “perda de vantagens”, contra a qual, pela mesma exclusiva razão, dissentem os recorrentes.
Pois, como se expende no acórdão impugnado, sendo a decisão de declaração da perda de vantagens uma consequência necessária da prática de um facto ilícito criminal, e sendo manifesto que, por via da sua comprovada conduta, os arguidos indevidamente auferiram e beneficiaram de uma vantagem patrimonial no montante de € 29.515,07, impõe-se o pagamento ao Estado do respectivo valor, nos termos do disposto no Artº 110º, nºs. 1, al. b), 2, 3 e 4, do Código Penal.
Tanto basta para se concluir, como se conclui, pela improcedência desta questão recursória.
Finalmente, defendem os recorrentes AA e “EMP01..., Lda.” serem excessivas as penas que lhes foram cominadas.
Preconizando que ao recorrente AA seja aplicada uma pena máxima de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e que à recorrente sociedade seja aplicada uma pena de multa que não ultrapasse os 200 dias de multa, à taxa diária não superior a € 10,00.

Vejamos.
Como se referiu no acórdão recorrido, o crime perpetrado pelos arguidos e recorrentes AA e “EMP01..., Lda.” é abstractamente punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias para as pessoas singulares (Artº 103º, nº 1, do R.G.I.T.), e com pena de multa de 20 até 720 dias, para as pessoas colectivas (Artº 12º, nºs. 2 e 3, do R.G.I.T., conjugado com o Artº 103º, nº 1, do mesmo diploma legal).

No caso vertente, o tribunal a quo, discorrendo acerca das exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, optou por aplicar ao arguido AA uma pena não privativa da liberdade, ou seja, uma pena de multa, por concluir que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, o que, ademais, não vem minimamente questionado pelos recorrentes.
Quanto à substância da questão, há que sublinhar que a determinação da medida concreta da pena deverá ser concretizada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção (geral de integração e especial de socialização) que se façam sentir no caso concreto, nos termos do disposto no Art.º 71°, nº 1, do Código Penal.
Através das exigências de prevenção, dá-se satisfação à necessidade comunitariamente sentida de reafirmação da validade da norma violada, bem como ao objectivo de reinserção social do delinquente e, deste modo, à realização dos fins das penas no caso concreto (cfr. o Art.º 40°, n° 1, do Código Penal).
A consideração de culpa do agente liga-se à vertente pessoal do crime e decorre do incondicional respeito pela eminente dignidade da pessoa humana - a culpa é entendida como um princípio liberal, limitador do poder punitivo do Estado, e estabelece um limite inultrapassável às exigências de prevenção (cfr. o Art.º 40°, n° 2, do Código Penal).

A operação de determinação da(s) pena(s), dentro dos apontados limites, faz-se, segundo o Artº 71º, nº 1, do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Atendendo-se, conforme prescreve o nº 2 do mesmo preceito legal, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente:
- Ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a); 
- À intensidade do dolo ou da negligência – al. b);
- Aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- al. c);
- Às condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d);
- À conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – al. e); e
- À falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – al. f).

Ora, no caso vertente, após tecer assertivas considerações jurídicas acerca da determinação concreta das penas, o tribunal a quo expendeu o seguinte (transcrição):
“A culpa dos arguidos é elevada, tendo actuado com dolo directo.
No que se refere à ilicitude do facto, esta é mediana, uma vez que a quantia sonegada à Administração Fiscal é de valor apreciável - € 29.515,07 (vinte e nove mil quinhentos e quinze euros e sete cêntimos).
Quanto às condições pessoais do arguido AA e à sua situação económica, ficou demonstrado que aquele se encontra bem inserido em termos sociais, laborais e familiares (tem actualmente 51 anos, exerce a actividade profissional de empresário, tem dois filhos com os quais mantém boa relação). Provou-se que AA tem o seu quotidiano centrado na actividade profissional, ocupando os seus tempos livres na prática de crossfit, ginásio e ainda, junto dos familiares e amigos. Na comunidade o arguido encontra-se integrado em todas as áreas vivenciais, tendo uma imagem social globalmente positiva.
No que se refere à sociedade arguida, esta não tem antecedentes criminais registados. A mesma mantém-se actualmente activa, sendo sua trabalhadora e gerente de direito a arguida YY e seu gerente de facto o arguido AA. A sociedade possui dois imóveis.
De salientar que o arguido não tem antecedentes criminais registados e já procedeu ao pagamento de parte da quantia em dívida, sendo que a sociedade arguida outorgou escritura pública na qual constituiu a favor da AT hipoteca voluntária sobre dois prédios urbanos de sua propriedade para garantia da satisfação dos créditos tributários (cfr. factos provados e descritos em 59 a 61).
De acordo com o disposto no art. 13º do R.G.I.T., na determinação da medida da pena, deve igualmente atender-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime. Ora tal prejuízo efectivamente causado ao Estado (de € 29.515,07) é de valor apreciável, mas não excessivamente elevado.
Tudo ponderado, entende o Tribunal ser adequado impor ao arguido AA a pena de 200 dias de multa e à sociedade arguida a pena de 350 dias de multa.”.

Concordamos genericamente com as considerações expendidas pelo tribunal a quo, sobre esta matéria, as quais subscrevemos.
Efectivamente, ponderadas todos as aludidas circunstâncias, em especial as atinentes à intensidade da culpa e, sobretudo, à necessidade da pena, e vistas as penas abstractas, entendemos que só as penas concretas aplicadas pelo tribunal de 1ª instância conseguirão satisfazer as sentidas necessidades de afirmação dos bens jurídicos violados, bem como a de procurar que os arguidos AA e “EMP01..., Lda.” não voltem a delinquir, não existindo, de modo algum, motivo para as reduzir.
Ademais, há que referir que, tendo o Tribunal recorrido beneficiado da imediação e oralidade, este Tribunal de recurso apenas deveria intervir nas penas, modificando-as, se detectasse evidentes incorrecções ou distorções no seu processo de aplicação, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Sendo certo que, nesta sede, o recurso não deve visar nem pretender eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar [7].
Aliás, a propósito da controlabilidade da pena em sede de recurso, também o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 196/197, §§ 254 e 25, ensina que, sobre a determinação do seu quantum, a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que tiveram sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”, o que não é claramente o caso.
E quanto ao montante diário da multa?
Como se viu, neste particular aspecto, a cada dia de multa o tribunal a quo fez corresponder a quantia de € 10,00 em relação ao arguido AA, e a quantia de € 15,00 em relação à sociedade “EMP01..., Lda.”, defendendo os recorrentes um montante diário que não ultrapasse os € 5,00 e € 10,00, respectivamente.

Vejamos.
De acordo com o disposto no Artigo 15º, nº 1, do R.G.I.T., “Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 1 e (euro) 500, tratando-se de pessoas singulares, e entre (euro) 5 e (euro) 5000, tratando-se de pessoas colectivas ou entidades equiparadas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos.”.
Devendo atentar-se, também, ao disposto no Artº 47º, nº 2, do Código Penal, que impõe que na fixação da taxa diária o tribunal atenda à situação económica e financeira do condenado, e aos seus encargos pessoais.

Como adverte o Prof. Figueiredo Dias, ibidem, pág. 129, § 148, o silêncio da lei quanto a critérios mais precisos para a fixação da taxa diária da multa este silêncio “(...) só pode significar (…) o desejo do legislador de oferecer ao juiz o maior campo possível de eleição de factores relevantes. É seguro que deverá atender-se (…) à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte (…). Como é seguro, por outro lado, que àqueles rendimentos hão-de ser deduzidos os gastos com impostos, prémios de seguro (…) e encargos análogos. Como igualmente parece legítimo tomar em conta (…) rendimentos e encargos futuros, mas já previsíveis no momento da condenação (…)”.
Por outro lado, já em 1993 o mesmo Mestre alertava na sua citada obra, ibidem, pág. 152, § 189, que uma observação atenta da jurisprudência publicada conduz à convicção de que a média do número de dias de multa e o quantitativo diário “(…) conduz à convicção de serem aqueles valores muito baixos – se não por vezes risíveis – por relação com os limites mínimos e máximos fixados na lei; e não terem assim correspondência com o sofrimento que implicaria a privação da liberdade pelo número de dias (mesmo que só normativamente) correspondente.”.
Logo acrescentando: “Se esta convicção for exacta, contrariam-se deste modo as finalidades da prevenção e de adequação à culpa necessariamente presentes em qualquer pena criminal; e que deveriam ser prezadas de forma particular, na pena pecuniária, quando não se queira transformá-la em uma espécie encapotada de coima.”.
Em consonância com esta doutrina, que subscrevemos, está a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que desde há muito, e reiteradamente, vem afirmando que, sendo a pena de multa uma verdadeira pena, a mesma deverá representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, sendo certo que do seu cumprimento deverá resultar um efectivo sacrífico para o condenado.
Podendo citar-se, nesse sentido, e a título meramente exemplificativo, o acórdão da Relação de Coimbra, de 19/02/2003, proferido no âmbito do Proc. nº 4266/02, cujo sumário se encontra disponível in www.dgsi.pt, o acórdão da Relação de Évora de 03/11/2015, proferido no âmbito do Proc. nº 104/13.0TAFAR.E1, e o acórdão deste TRG, de 18/10/2010, proferido no âmbito do Proc. nº 22709.6TABCL.G1 [8], os dois últimos também disponíveis in www.dgsi.pt. E também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/06/2004, proferido no âmbito do Proc. nº 04P1266, in www.dgsi.pt, no qual lapidarmente se expendeu que “A pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar ao arguido, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável”.

Ora, transpondo para o caso vertente as normas e princípios jurídicos supra sumariamente expostos, e revisitando a factualidade que a esse propósito se provou, constata-se que o arguido AA:
- Aufere a quantia mensal de € 1.360, sendo € 860,00 de salário e € 498,00 de reforma, à qual acrescem as comissões, variáveis, mediante o número de vendas; e
- Tem despesas mensais no montante de € 1.057,00, sendo € 100,00 de luz e gás, € 307,00 com amortização com empréstimos bancários, € 500,00 mensais decorrentes de despesas com alojamento e educação da filha, e € 150,00 mensais de pensão de alimentos do filho mais novo.
Já quanto à sociedade arguida apurou-se:
- Que se mantém activa, sendo sua trabalhadora e gerente de direito a arguida YY, e seu gerente de facto o arguido AA; e
- Que possui dois imóveis.

Assim sendo, perante este circunstancialismo, tudo analisado e ponderado, e face às considerações jurídicas supra efectuadas, afiguram-se-nos justos, certos e adequados os montantes diários de € 10,00 e de € 15,00 fixados no acórdão recorrido para o arguidos AA e “EMP01..., Lda.”, respectivamente, situados bem próximos dos respectivos limites mínimos previsto na lei.
Pelo que, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, conclui-se que não foi violada nenhuma das normas legais e/ou constitucionais invocadas pelos arguidos AA e “EMP01..., Lda.”, nem qualquer outra, e que, quanto a eles, nenhuma censura nos merece o acórdão recorrido, que nessa parte se confirma, improcedendo, in totum, o recurso.
*
3.2. Recurso do Ministério Público
Como expressamente emerge da respectiva motivação, o recurso do Ministério Público “(...) apenas pretende pôr em crise a parte relativa à absolvição da arguida II porquanto [...], a prova produzida permitia dar-se como provada toda a factualidade inserta no libelo acusatório e, em consequência, condenar a arguida em conformidade.”.
Nesse pressuposto sustentando o recorrente, como se viu, que se verificam os vícios da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e do erro notório na apreciação da prova, previstos no Artº 410º, nº 2, als. b) e c), respectivamente, e bem assim que existe erro de julgamento no que tange aos factos dados como não provados sob as alíneas b) a i), referentes ao Apenso A.
Como já referimos anteriormente a propósito da apreciação do recurso dos arguidos AA e “EMP01..., Lda.”, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito restrito, no que se convencionou chamar de “revista alargada”, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no Artº 410º, nº 2, ou por via da impugnação ampla a que se reporta o Artº 412º, nº 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação se alarga à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência.

Sob a epígrafe “Fundamentos do recurso”, prescreve o citado Artº 410º:
“(...)
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
(...)
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) O erro notório na apreciação da prova.
(...)”.
Como logo flui do transcrito preceito legal, neste âmbito dos vícios da decisão [que são do conhecimento oficioso, conforme Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995, já supra citado], não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Com efeito, os vícios a que alude o Artº 410º, nº 2, pressupõem uma outra evidência na justa medida em que correspondem a deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna [9].
Em termos breves, tomemos em consideração cada um dos aludidos vícios.
A respeito do vício a que alude a citada alínea b), do nº 2 – a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – esclarecem os Exmos. Conselheiros Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II volume, 2ª edição, pág. 737, que “Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade.
Para os fins do preceito (al. b) do nº2) constitui contradição apenas e só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras de experiência.
Só existe, pois, contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.
As contradições insanáveis que a lei considera para efeitos de ser decretada a renovação da prova são somente as contradições internas, rectius intrínsecas da própria decisão considerada como peça autónoma.
Não são levadas em conta as eventuais contradições entre a decisão e o que do processo consta em outros locais, designadamente no inquérito ou na instrução.
Podem indicar-se vários exemplos de contradição insanável (…) v.g. quando se dá como provado que em determinado dia os arguidos se dirigiram à residência do ofendido, onde entraram e donde retiraram diversos valores e, logo depois, dá como não provado que os mesmos arguidos se tivessem dirigido e entrado na mesma residência”.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/5/1996, proferido no âmbito do Proc. nº 96P306, relatado pelo Exmo. Conselheiro Andrade Saraiva, disponível in www.dgsi.pt, “Para se verificar contradição insanável de fundamentação, têm que constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso”.
Já o erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que igualmente prescinde da análise da prova produzida para se ater apenas ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
Como ensina o Prof. Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal", Verbo, 2011, Vol. II, pág.188, regras da experiência comum, “são generalizações empíricas fundadas sobre aquilo que geralmente ocorre. Têm origem na observação de factos, que rotineiramente se repetem e que permite a formulação de uma outra máxima (regra) que se pretende aplicável nas situações em que as circunstâncias fáticas sejam idênticas. Esta máxima faz parte do conhecimento do homem comum, relacionado com a vida em sociedade.”
Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Existe, designadamente, “... quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”. - Cfr. Conselheiros Leal-Henriques e Simas Santos, in “Código de Processo Penal anotado”, 2.ª edição, Vol. II, pág. 740.
Por esta razão, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (cfr. Artº 374º, nº 2).
Este erro na apreciação da prova tem de ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média.
Dito de outro modo, o requisito da notoriedade afere-se, como bem refere o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 326, pela circunstância de não passar “despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando um homem de formação média facilmente dele se dá conta”, ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.
Ora, na situação em apreço, estarão verificados os dois alegados vícios decisórios, tal como sustenta o recorrente Ministério Público?
Atentemos, antes de mais, na factualidade que o tribunal a quo deu como não provada, e que na sua essência consubstancia os elementos subjectivos do crime de fraude fiscal que aos arguidos “EMP01..., Lda.”, CC, AA, FF, e II era imputado no âmbito do Proc. nº 14/21.7IDVRL, apensado aos autos principiais na sequência do despacho de 25/04/2024.
É essa, efectivamente, a factualidade que está em causa, e que o Ministério Público impugna [também] por esta via, visando, a final, como se disse, unicamente a condenação da arguida II pela prática daquele ilícito criminal.

Trata-se dos factos constantes das alíneas b) a i), com o seguinte teor (transcrição):
b) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 2016, cientes da forma como funcionava a incidência fiscal, em sede de IVA, os arguidos CC, AA, FF e II puserem em prática um plano que visava, em nome, representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pagar ao Estado menos impostos na aquisição de veículos no estrangeiro e a sua posterior venda em Portugal. 
c) Os arguidos CC, AA, FF e II, nomeadamente esta última na qualidade de contabilista certificada, conhecedores das regras de aplicação do RETBSM, utilizaram-no ao completo arrepio das regras previstas naquele regime, fazendo seu critério para a utilização deste regime apenas a sua vontade, maximizando deste modo o lucro da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pois o preço de venda das viaturas, aplicando o referido regime da margem no IVA liquidado, seria sempre mais baixo do que a concorrência, distorcendo ainda com esta prática as regras da sã concorrência no sector de actividade onde esta última se insere.
d) Com a prática descrita em 55, nomeadamente o lançamento dessa diferença na conta “outros devedores e credores”, leia-se credores que não existiam e nunca reclamavam esse valor, o objectivo dos arguidos era sonegar a aludida diferença de IVA ao Estado, levando a que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” retira-se esses montantes em momento ulterior, através de qualquer documento interno, para os fins que esta viesse a entender.
e) Ao actuarem do modo descrito em 38 a 57, os arguidos CC, AA, FF e II agiram sempre em representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, sempre com base na resolução única de diminuir os montantes de IVA que a sociedade que geriam tinha de pagar ao Estado no mês de Dezembro de 2016 e de não declararem esses valores.
f) Bem sabendo que a sociedade que geriam, ao liquidar indevidamente nas facturas de IVA pelo regime especial da margem diminuía os reais valores de IVA que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” devia à Fazenda Pública, o que quiserem, fizeram e lograram conseguir.
g) Sabiam, ainda, que a sua actuação não lhe era permitida por as referidas facturas titularem transacções que não correspondiam à verdade, nos termos acima descritos (fazendo constar, nas facturas correspondentes às vendas realizadas, aplicando, quando não podiam, o regime da margem à aquisição intracomunitária de veículos [que omitiram] e à sua posterior venda, levando a que o imposto de IVA incidisse sobre um montante tributável inferior ao real), e que estavam a encobrir factos e valores relevantes para o apuramento do imposto devido ao Estado e que tinham de ser comunicados à Autoridade Tributária.
h) Actuaram com o propósito firme, concretizado e assumido de, sempre que possível, nas facturas das suas vendas omitir a aquisição de veículos junto de membro da União Europeia (sujeita a isenção de tributação, por regime geral, neste último), como aquisição intracomunitária, sujeitando a sua posterior venda ao regime da margem, com a inerente diminuição do imposto apurado, de forma a induzir os Serviços de Administração Tributária em erro.
i) Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, sempre na qualidade de gerentes de facto e direito da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, em nome e no interesse desta e com o perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.”.

Devendo recordar-se, também, para melhor dilucidarmos esta questão, os factos que no âmbito desse Apenso o tribunal a quo considerou provados (transcrição):
30. A arguida “EMP01... Lda.” é uma sociedade por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... desde ../../2009, pessoa colectiva n.º ...12, com sede na Travessa ..., ..., em ...¸ ..., tendo por objecto social de comércio de veículos automóveis ligeiros.
31. Desde a sua constituição que a sua gerência cabia ao arguido AA, competindo-lhe, enquanto administrador de direito e de facto, o poder de decisão, quer no domínio da gestão comercial, quer financeira, estando de si dependente o cumprimento das obrigações fiscais que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” constituía.
32. A partir de 03/10/2017 a arguida FF passou a constar como gerente de direito da referida sociedade. 
33. Mais especificamente, à data dos factos que infra se descreverão, era ao arguido AA que competia a celebração de contratos de compra e venda de veículos automóveis a fornecedores, a fixação do preço da venda aos consumidores, a subsequente venda, assim como todas as decisões necessárias a organizar e gerir a sociedade arguida “EMP01... Lda.”, tendo em vista a prossecução do seu objecto social que é a venda de veículos automóveis. 
34. À data dos factos que infra se descreverão, a arguida II era contabilista certificada da sociedade arguida “EMP01... Lda.” e responsável pela execução da contabilidade desta, nomeadamente pela classificação e relevação contabilística das facturas, quer de compra no mercado intracomunitário, quer das subsequentes vendas efectuadas em território nacional, funções que exerceu até ao mês de Março de 2019.
35. A arguida II foi igualmente responsável pelo apuramento do imposto nos períodos de Agosto e Dezembro de 2016 e bem assim pela transposição dos valores para a declaração periódica de IVA referente ao período de 2016.08, que foi submetida em nome da sociedade arguida “EMP01... Lda.” aos serviços da Autoridade Tributária.
36. Na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” encontrava-se colectada em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), no regime geral de tributação, pelo exercício da actividade (principal)[10] de “Comércio de veículos automóveis ligeiros”, com o CAE 45110, e estava enquadrada no regime normal de periodicidade mensal em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).
37. Por conseguinte, estava obrigada a enviar aos serviços de Administração Tributária as declarações periódicas com o IVA apurado.
38. No exercício da sua actividade principal e ao longo do ano de 2016, concretamente nos meses de Agosto e Dezembro (períodos 2016.08 e 2016.12), a sociedade arguida “EMP01... Lda.” comprou e vendeu veículos automóveis usados, adquiridos maioritariamente no mercado comunitário.
39. Por se tratarem de aquisições intracomunitárias de bens (AIC) constituem operações tributadas em Portugal, pelo que a sociedade arguida “EMP01... Lda.”, por intermédio do arguido AA, tinha de fazer constar, nas declarações periódicas de IVA, essas aquisições, a fim de ser liquidado o imposto devido pelas mesma (AIC), como obriga o artigo 1.º al. b) e 2.º, n.º 1 e 23.º, l. a) do Decreto-lei n.º 290/92, de 28 de Dezembro.
40. Assim, realizada uma aquisição intracomunitária, a sociedade arguida “EMP01... Lda.”, tinha de registar na sua contabilidade essa aquisição, liquidá-la na declaração periódica de IVA e deduzir o imposto.
41. Quando esse veículo fosse vendido, no território nacional, a sociedade “EMP01... Lda.”, tinha de emitir a respectiva factura e liquidar o imposto, que incide sobre a totalidade do preço, cujo valor lhe foi pago pelo adquirente com o preço do veículo, e, subsequentemente, entregar o valor do imposto (IVA) aos Cofres do Estado.
42. Tal regime (normal de IVA) apenas seria afastado e aplicado o regime da margem, previsto no Decreto-Lei n.º 199/96 de 18.10, que aprovou o regime especial de tributação dos bens em segunda mão, doravante designado apenas por – RETBSM), caso a sociedade arguida “EMP01... Lda.”, tivesse adquirido os veículos a pessoa da União Europeia, também esta revendedora e se também essa transmissão tivesse sido efectuada ao abrigo do regime especial da venda de bens em segunda mão ou de regime idêntico vigente no Estado-Membro, onde a transmissão ocorreu.
43. O que não se verificou, já que as aquisições intracomunitárias realizadas pela sociedade arguida “EMP01... Lda.”, estavam, no país (de origem) onde os bens foram adquiridos, isentas de IVA, ao abrigo de um regime geral (e não especial).
44. Não tendo a montante sido aplicado qualquer regime especial, não estavam observados os condicionalismos legais para que, nas vendas efectuadas a jusante, fosse liquidado IVA pelo regime da margem, como efectivamente sucedeu.
45. Com efeito, no período de 2016.12 a sociedade arguida “EMP01... Lda.” não enviou as declarações de IVA à Direcção de Finanças relativas às aquisições intracomunitárias de bens que realizou e não procedeu à liquidação aos Cofres do Estado do valor do imposto calculado sobre a totalidade do preço que lhe foi entregue pelos adquirentes dos veículos que vendeu.
46. Antes, registou essas vendas como vendas em segunda mão, sujeitando-as ao RETBSM, e não entregou ao Estado os montantes devidos, a título de IVA pelas primeiras transacções realizadas no território nacional (23% sobre a totalidade do preço de cada aquisição).
47. Assim, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” não entregou os seguintes montantes devidos a título de imposto de IVA, pelas operações de venda de veículos que agora se discriminam:
(...)
48. Naquele período, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” não declarou, liquidou e entregou aos cofres do Estado, o montante global de € 17.135,00 (dezassete mil cento e trinta e cinco euros) de imposto de IVA, obtendo, assim, uma vantagem patrimonial indevida de igual valor. 
49. Além de ter alterado o regime do IVA (regime normal para RETBSM) a sociedade arguida “EMP01... Lda.” não entregou a declaração periódica de IVA relativa àquele período (2016.12) como estava obrigada.
50. Não obstante essa omissão declarativa, verificou-se que registou naquele período na contabilidade os valores de € 43.210,37 e € 6.324,59 a título de IVA liquidado e IVA dedutível, respectivamente, conforme se descreve no quadro infra:
(...)
51. Com efeito, com a omissão declarativa de imposto (IVA), registado na contabilidade, no período de 2016.12, no valor de € 21.020,02, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” obteve vantagens patrimoniais indevidas de idêntico montante.  
52. O valor de imposto relevante neste período é de € 31.830,48 (trinta e um mil e oitocentos e trinta euros e quarenta e oito cêntimos) porquanto ao valor apurado de € 43.210,73 é necessário abater o montante de € 22.190,35 referente às notas de crédito emitidas para anular as vendas, sendo que por via dessa correcção e após se abater o valor do IVA dedutível, o valor do imposto a que corresponde a vantagem patrimonial indevida é de € 31.83048 (17.135,00 + 21.020,02 – 6. 324,59 IVA dedutível).
53. Relativamente às transacções às quais era efectivamente aplicável o RETBSM, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” não apurou o valor da base tributável e consequentemente não o incluiu na declaração periódica referente ao período de 2016.08, o que teve como consequência a falta de liquidação e pagamento do IVA devido pelas operações realizadas, conforme se descreve no quadro infra:
(...)
54. Com a falta de apuramento e consequente falta de pagamento do IVA (RETBSM) nas transacções de viaturas às quais era aplicável o regime da margem, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” obteve uma vantagem patrimonial indevida no valor de € 1.296,79 (mil duzentos e noventa e seis euros e setenta e nove cêntimos).
55. Por fim, na venda das viaturas alienadas no período de 2016.08, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” liquidou IVA pelo regime normal, todavia, em termos contabilísticos, somente o valor do IVA apurado pelo regime da margem era lançado na conta 2433 correspondente ao IVA liquidado a favor do Estado, sendo o remanescente [ou seja a diferença entre o valor apurado pelo regime normal que a empresa liquidou e cobrou aos clientes e aquele valor da margem] contabilizado indevidamente na conta 278 – “outros devores e credores”, conforme se descreve no quadro infra:
(...)
56. Com a ocultação por prática contabilística indevida/irregular de IVA liquidado pelo regime da margem nas transmissões de viaturas a sociedade arguida “EMP01... Lda.” obteve uma vantagem patrimonial indevida no valor de € 14,789,00 (catorze mil setecentos e oitenta e nove euros).
57. Com a prática dos factos supra descritos, a sociedade arguida “EMP01... Lda.” cometeu omissões e/ou inexactidões na sua contabilidade e consequentemente nas declarações periódicas de IVA referentes aos períodos de 2016.08 e 2016.12, respectivamente, logrando com isso obter vantagens patrimoniais nesses períodos que correspondem ao valor do IVA não entregue ao Estado no valor total de € 47.916,22 (quarenta e sete mil novecentos e dezasseis euros e vinte e dois cêntimos), conforme discriminado no quadro infra:
(...)
58. Com a prática de tais actos, a Administração Fiscal viu o seu património prejudicado a título de IVA, no montante de € 47.916,22 (quarenta e sete mil e novecentos e dezasseis euros e vinte e dois cêntimos).
(...)
59. A Autoridade Tributária, até à presente data, não deu cumprimento ao preceituado no art.º 24º, n.º 3 da Lei Geral Tributária contra a contabilista certificada II.
60. Até à presente data, foram efectuados pagamentos pela sociedade arguida à AT e referentes aos presentes autos, nos valores de 864,74€ no PEF ...63; 19.295,27€ no PEF ...97 e 0,00€ no PEF ..., o que ocorreu em 11/08/2021, 03/02/2022 por meio de compensação. 
61. No dia 24/09/2020 a sociedade arguida outorgou escritura pública, na qual constituiu a favor da Autoridade Tributária hipoteca voluntária sobre os prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...66 e ...00 e inscritos na matriz urbana sob o artigo ...69 e ...86, com os VPT de € 58.563,75 e € 75.353,60, respectivamente, para garantia da satisfação dos créditos tributários peticionado no PEF n.º ...58 2020 0100 5855 (onde se encontra em cobrança os tributos aduzidos nos presentes autos). 
(...).

Bem como a fundamentação a propósito expendida pelo tribunal colectivo (transcrição):
“A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento e na prova documental constante dos autos, devidamente conjugada com as regras da experiência comum.
Em julgamento, apenas os arguidos AA e II prestaram declarações, sendo que as arguidas YY e CC se remeteram ao silêncio.
Os arguidos AA e II não contestaram o teor dos documentos constantes dos autos assim como os valores apurados a título de IVA devido ao Estado e não entregue e constantes da acusação pública. Assumiram, portanto, os factos objectivos constantes da acusação pública, negando apenas o elemento subjectivo, ou seja, que tenham cometido estes factos na execução de um plano entre eles elaborado e com o intuito de defraudar o Estado nos referidos valores devidos a título de IVA, visando com isso apropriarem-se de tais quantias não as entregando ao Estado e locupletando-se com as mesmas. 
(...)
Relativamente aos factos descritos no proc. nº 14/21.7IDVRL (apenso A), cumpre referir que os factos descritos em 30 e 32 resultaram da análise da certidão comercial da sociedade arguida junta aos autos principais com a refª ...09, sendo que os factos descritos em 36 resultam da análise do relatório de inspecção tributária a fls. 31 e ss. do apenso.
O facto descrito em 31 e 33 foram assumidos pelo arguido AA que confirmou ser apenas ele o gerente de facto da referida sociedade naquele período temporal. Já os factos descritos em 34 e 35 foram também aceites pela arguida II.  
Para prova dos factos descritos em 36 a 58 considerou o Tribunal a vasta prova documental constante do apenso nomeadamente autos de notícia de fls. 3 a 4; relatório de inspecção tributária de fls. 87 a 107; anexos de fls. 108 a 113; comprovativo de entrega de declaração periódica de fls. 115 a 116; lista de Processos de Contencioso Judicial de fls. 117; síntese Cadastral de fls. 134 a 143 verso; quadro Resumo de Correcções Aritméticas de IVA de fls. 252; elementos contabilísticos de fls. 254 a 483; pesquisas de fls. 484 a 493; parecer final de fls. 71 a 81; extractos de conta de fls. 35 verso a 141 verso; balancetes analíticos de fls. 142 a 149 verso; comprovativo de entrega de fls. 150 a 153; certidão de dívidas de fls. 213 e 213; consulta de fls. 159 e 160 e consultas de IRC de fls. 162 e 164.
Na verdade, também aqui os arguidos AA e II nas suas declarações não contestaram directamente a documentação constante dos autos e tais factos objectivos constantes da acusação resultantes dessa documentação mas apenas negaram o elemento subjectivo descrito na acusação pública.
Os factos descritos em 59 a 61 resultam do teor do ofício da AT com a refª ...58 de 04/10/2024 e da análise da cópia da escritura pública junta aos autos com a refª ...32 de 29/09/2024.
(...)
Quanto aos factos não provados e relativos ao apenso A não considerou o Tribunal que se tivesse realizado prova cabal e suficiente dos mesmos.
(...)
Relativamente aos factos descritos em b) a i) cremos que também não se fez prova cabal e suficiente dos mesmos.
Neste particular relevaram para a formação da convicção do Tribunal as declarações prestadas em audiência de julgamento pela arguida II, a qual diga-se, foi apenas acusada no âmbito do apenso (proc. nº 14/21.7IDVRL) não o tendo sido no âmbito dos autos principais, não obstante ser a contabilista certificada da empresa em ambos os períodos temporais em discussão.
Ora, no que se refere aos factos relativos ao proc. nº 14/21.7IDVRL, a arguida II referiu que, quanto ao ocorrido em Agosto e em Dezembro de 2016, todo o sucedido se ficou a dever a lapsos do seu escritório de contabilidade pelos quais assumia inteiramente a responsabilidade. Não negou que tanto ela como o arguido AA já estivessem por dentro das regras do regime da margem até porque já tinha havido anteriores inspecções tributárias e até uma formação que a arguida referiu ter tido na Ordem dos Contabilistas em 2015 ou 2016. Referiu até que, depois disso, passou a fazer uma tabela de excel para calcular o regime da margem. Contudo tal não impediu que houvessem lapsos na contabilidade até porque não trabalhava sozinha e tinha uma outra funcionária a fazer também a contabilidade com a sua palavra passe.
Declarou a arguida que, em relação a Dezembro de 2016, a declaração periódica de IVA não foi enviada por culpa sua, sendo certo que o arguido AA lhe remeteu atempadamente todas as facturas e por isso não se liquidou o IVA referente àquele período.
Relativamente ao período de Agosto de 2016, esclareceu que efectivamente algumas facturas foram bem emitidas pela sociedade aplicando devidamente o regime da margem e lhe foram entregues, mas por lapso da contabilidade não foi calculada a base tributável e em relação a outras, foram as mesmas bem emitidas pela arguida pelo IVA normal mas as mesmas foram mal inseridas na contabilidade pelo regime da margem, nos termos melhor descritos em 55, sendo que tal terá sido feito, por lapso de uma funcionária sua na altura, com a sua palavra passe. 
Esclareceu a arguida, que em nenhuma destas situações, a sua conduta ou a conduta da sua funcionária que agia sob as suas ordens foi levada a cabo com o objectivo de deturpar o regime da margem, beneficiar a sociedade arguida maximizando o seu lucro e muito menos sonegar o IVA devido ao Estado levando ao enriquecimento da sociedade arguida com tais vantagens indevidas. Tudo se deveu a negligência sua e falta de cuidado, sendo certo que não valorizou muito tais omissões uma vez que na sequência de anteriores inspecções que haviam sido realizadas pela AT à sociedade, já tinham ocorrido outros lapsos semelhantes tais como falta de envio de declaração e a AT notificou para fazer correcções voluntárias o que a sociedade fez. Mais referiu que nesses casos em que se omite a entrega atempada da declaração de IVA o que sucede é que a AT liquida oficiosamente e depois a contabilista assume os juros e coimas perante o cliente (o que aliás já tinha sucedido anteriormente com esta sociedade arguida).      
Também o arguido AA, no que respeita a estes factos ocorridos em Agosto e Dezembro de 2016 referiu que entregou as facturas na contabilidade desconhecendo se depois a contabilista deu ou não o adequado tratamento às mesmas, sendo certo que no que se refere aos factos descritos em 55 desconhece os mesmos por completo, até porque isso são procedimentos da contabilista que desconhece por completo, nem sequer tendo acesso a esses elementos e contas.
Ademais é importante referir que não se apurou qualquer facto ou sequer indício da existência de um plano elaborado pelos arguidos AA e pela contabilista II para com isto, em nome, representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pagar ao Estado menos impostos na aquisição de veículos no estrangeiro e a sua posterior venda em Portugal. Nem se vê sequer o que poderia a contabilista II ganhar com isto. Como é sabido e é jurisprudencialmente uniforme, a co-autoria pressupõe um elemento subjectivo, o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, o tomar parte directa na execução (cfr. artigo 26º do CP). Ora não se apurou a existência de qualquer relação especial entre o arguido AA e a arguida II. Esta era apenas a contabilista da sociedade arguida, o que aliás vinha fazendo desde 2011 e fez até Março de 2019. Referiu o arguido AA que pagava à arguida II € 150,00 mensais para esta fazer a contabilidade da empresa. A arguida II tinha uma sociedade da qual era gerente e que fazia a contabilidade de diversas outras empresas. Quando a arguida II pegou na contabilidade da sociedade sabia que aquela tinha sido e continuava a ser alvo de diversas inspecções tributárias, o que aliás ocorreu desde 2010 a 2016 como resulta dos relatórios da AT juntos aos autos em 19/07/2024. Saberia, pois, a arguida que ao fazer estas manobras na contabilidade acabaria por ser apanhada e isso naturalmente iria colocar em causa, no mínimo, toda a sua carreira. O que ganhava então a arguida com isto?! Parece-nos, pois, que o que ocorreu foi antes uma evidente falta de cuidado e negligência (diríamos até grosseira) da parte da arguida no tratamento da contabilidade, quiçá ciente de que os seus lapsos seriam depois corrigidos nas futuras inspecções sem consequências de maior para si ou para a sociedade arguida, como aliás aconteceu em situações anteriores. 
Note-se que como referiu a testemunha MM, inspector tributário, os elementos contabilísticos descritos em 55 só são acessíveis ao contabilista e não ao sujeito passivo e pressupõem especiais conhecimentos de contabilidade. Já a testemunha RR, também inspector tributário, referiu a dada altura que não compreendia muito bem porque razão haveria naquele processo de se constituir a contabilista como arguida mas que só o fez porque “o seu chefe o mandou fazer”, sendo certo que não se apercebeu nem apurou motivo nenhum que levasse a contabilista a agir de tal forma.
Podemos naturalmente censurar a arguida porque não entregou a declaração periódica de IVA, porque não verificou bem as facturas e a sua documentação de suporte quanto ao regime da margem, não apurou a base tributável de facturas que tinha em seu poder quando o devia ter feito… De facto, o erro praticado pela contabilista na elaboração da contabilidade é clamoroso mas não passa cremos nos, disso mesmo, um erro!
O contabilista agindo dentro de um contrato de prestação de serviços tem deveres de diligência, zelo e competência para com o seu cliente e tem um dever de ter uma actuação lícita. Ao actuar da forma como fez, a arguida II violou diversas normas legais desde logo os artigos 70º e 73º da Lei n.º 139/2015, de 7 de Setembro (anexo I) mas isso apenas pode pressupor a sua responsabilidade civil perante o contribuinte e cliente (veja-se a titulo de exemplo o Acórdão do STJ de 06/07/2023, Proc. nº 6864/18.4T8ALM.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Sucede que o crime de fraude fiscal não é punível a título de negligência porquanto é um tipo de crime necessariamente doloso e o dolo tal como descrito na acusação, cremos que não existiu pelos motivos explanados. Aliás nem se vislumbra a que que título se acusa a contabilista como co-autora dos factos no processo apenso (por factos de Agosto e Dezembro de 2016) e já não se acusa aquela nos autos principais (por factos de Outubro de 2015) quando a contabilidade já era, naquela altura, assumida pela arguida…
E mais estranho ainda é que a Autoridade Tributária tenha reclamado a responsabilização criminal da arguida no seu parecer final mas depois não tenha sequer accionado o disposto no artigo 24º, n.º 3 da Lei Geral Tributaria contra a contabilista certificada II, como resultou do facto provado e descrito em 59. Dispõe aquele artigo que «A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos contabilistas certificados desde que se demonstre a violação dolosa dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos».
Se é certo que a responsabilidade tributária e a responsabilidade criminal não se confundem, não dependendo esta última da existência, ou não, de reversão contra o arguido da prestação tributária, no âmbito do processo tributário, sempre se diga que é de estranhar que havendo dolo da parte da contabilista no entendimento da AT como resulta claro do seu parecer final, aquela não tenha efectivamente lançado mão do mecanismo previsto no artigo 24º, n.º 3 da Lei Geral Tributaria.
(...)
Ora a responsabilidade tributária do contabilista não é objectiva assim como não o é, por maioria de razão, a sua responsabilidade criminal. É que se a responsabilidade criminal do contabilista resultasse apenas objectivamente da violação dos seus deveres funcionais por não ter submetido a declaração de IVA, não ter alertado o cliente para a errada emissão das facturas, não o ter alertado para a entrega atempada das mesmas…então tínhamos de acusar todos os contabilistas na esmagadora maioria dos crimes fiscais existentes, pois que são estes, sempre, os responsáveis pela regularidade contabilística do sujeito passivo.
O crime em causa, sendo essencialmente doloso, pode consumar-se sob todas as formas de dolo: dolo directo, necessário ou eventual e cremos que nenhuma destas formas de culpa se provou, com a certeza necessária, no caso concreto em relação aos arguidos II e AA.”.
Ora, analisando na sua globalidade a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente Ministério Público, somos lavados a concluir que as razões apontadas pelo Tribunal a quo, no que concerne aos arguidos AA e II, carecem de lógica, razoabilidade, racionalidade e coerência.
Como salientou o tribunal a quo, os arguidos AA e II não contestaram o teor dos documentos constantes dos autos assim como os valores apurados a título de IVA devido ao Estado e não entregue e constantes da acusação pública.
Assumiram, portanto, os factos objectivos constantes da acusação pública, negando apenas o elemento subjectivo, ou seja, e em síntese, que tenham cometido estes factos na execução de um plano entre eles elaborado e com o intuito de defraudar o Estado nos referidos valores devidos a título de IVA, visando com isso apropriarem-se de tais quantias não as entregando ao Estado e locupletando-se com as mesmas. 
Tese que mereceu o acolhimento do tribunal colectivo, mas que, salvo o devido respeito, consubstancia uma ilação contrária ao sentido em que apontam as provas.
Está em causa, como se constata, a factualidade atinente ao elemento subjectivo do tipo legal de crime imputado aos arguidos AA e II.
Sucede que o dolo, constituindo um facto subjectivo, da vida interior do agente, não é directamente apreensível por terceiro. Daí que a sua demonstração probatória, especialmente naqueles casos em que não existe confissão do agente, como ocorre na situação em apreço, tenha que ser feita por inferência, devendo resultar da conjugação da prova de factos objectivos, com especial relevo para aqueles que integram o tipo objectivo de ilícito, com as regras de experiência comum e da normalidade das coisas e por meio de presunções ligadas a tal princípio - cfr., neste sentido, os Acórdãos da Relação do Porto, de 23/02/1993 e de 28/11/1989, in BMJ 324-620 e BMJ 391-722, respectivamente.
Com efeito, como sublinhou este TRG no acórdão de 18/12/2024, proferido no âmbito do Proc. nº 2/17.8IDVCT.G1, disponível in www.dgsi.pt, “(...) nada impede o recurso de outros elementos que não apenas a prova directa, sendo lícito recorrer às regras da experiência comum como permite expressamente o artigo 127.º do Código de Processo Penal: na verdade, a prova por presunção judicial constitui um meio de prova legalmente previsto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil e 125.º do Código de Processo Penal. Como refere Alberto Vicente Ruço (in Prova Indiciária, pág. 21), “quem pratica crimes, ou mesmo outros factos ilícitos de menor reprovação social, só os executa na presença de outras pessoas – testemunhas – se não os puder levar a cabo furtivamente, pois existe uma tendência natural para o homem ocultar dos outros as acções que ele sabe serem desonrosas ou socialmente desvaliosas, as quais, por essa razão, desvalorizam também socialmente o respectivo autor”. Como escreve Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina), na anotação ao artigo 127.º do Código de Processo Penal, “é dever do juiz de julgamento, desenvolver um esforço intelectual argumentativo, pois poucos são os casos que se apresentam de solução óbvia”: como acrescenta o mesmo autor, “o juiz que só condena quando o arguido confessa ou quando a prova “entra pelos olhos dentro”, não está a cumprir a sua função”.
Como bem aduz o recorrente, de acordo com o Artº 127º do C.P.Penal, constituem limites ao princípio da livre apreciação da prova não só as regras da experiência comum, como também as disposições legais que estabeleçam, designadamente um valor probatório especial para certas provas, ou simplesmente, condicionem ou proíbam a sua produção, com é o caso, por exemplo, dos Artºs. 129º, 163º, nº 1, e 355º, todos do C.P.Penal.
Pelo que, se o Tribunal valorar a prova contra todos os ensinamentos da experiência comum, ou contra critérios legalmente fixados ou apesar de proibições legais, incorre em erro na apreciação da prova.
E se esse erro for notório e resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, consubstanciará o vício da matéria de facto que, podendo ser invocado como fundamento do recurso mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal ad quem à matéria de direito, é também do conhecimento oficioso, nos termos do disposto no Artº 410º, nº 2, al. c), do C.P.Penal.
Ora, na situação em apreço, na nossa perspectiva, ao dar como provados os factos constantes dos pontos 30., 31. e 33. a 58., que na sua essência consubstanciam os elementos objectivos e objectivamente integradores do crime de fraude fiscal, p. e p. pelos Artºs. 6º, nº 1, 7º, nº 3, e 103º, nºs. 1, al. a), e 3, do RGIT, e, posteriormente, ao dar como não provados os factos descritos nas alíneas b) a i), ou seja, a matéria atinente ao elemento subjectivo do referido crime, incorreu o tribunal a quo em erro notório na apreciação da prova.
Na verdade, concordando-se inteiramente com a Exma. Procuradora da República recorrente, também entendemos que, ao terem sido considerados como provados os factos os aludidos factos, “(...) a consequência lógica daí recorrente é que, efectivamente, os arguidos AA e II quiseram efectivamente e lograram induzir a ATA em erro, diminuindo o montante do IVA apurado e dessa forma, locupletando-se das aludidas quantias, impedindo que as mesmas entrassem nos cofres do Estado.
Se atentarmos que o Acórdão sob análise afirma que «[O]ra, no que se refere aos factos relativos ao proc. 14/21.7IDVRL, a arguida II referiu que, quanto ao ocorrido em Agosto e em Dezembro de 2016, todo o sucedido se ficou a dever a lapsos do seu escritório de contabilidade pelos quais assumia inteiramente a responsabilidade. Não negou que tanto ela como o arguido AA já estivessem por dentro das regras do regime da margem até porque já tinha havido anteriores inspecções tributárias e até uma formação que a arguida referiu ter tido na Ordem dos Contabilistas em 2015 ou 2016. Referiu até que, depois disso, passou a fazer uma tabela de excel para calcular o regime da margem. Contudo tal não impediu que houvessem lapsos na contabilidade até porque não trabalhava sozinha e tinha uma outra funcionária a fazer também a contabilidade com a sua palavra passe.
Declarou a arguida que, em relação a Dezembro de 2016, a declaração periódica de IVA não foi enviada por culpa sua, sendo certo que o arguido AA lhe remeteu atempadamente todas as facturas e por isso não se liquidou o IVA referente àquele período.
Relativamente ao período de Agosto de 2016, esclareceu que efectivamente algumas facturas foram bem emitidas pela sociedade aplicando devidamente o regime da margem e lhe foram entregues, mas por lapso da contabilidade não foi calculada a base tributável e em relação a outras, foram as mesmas bem emitidas pela arguida pelo IVA normal mas as mesmas foram mal inseridas na contabilidade pelo regime da margem, nos termos melhor descritos em 55, sendo que tal terá sido feito, por lapso de uma funcionária sua na altura, com a sua palavra passe.
Esclareceu a arguida, que em nenhuma destas situações, a sua conduta ou a conduta da sua funcionária que agia sob as suas ordens foi levada a cabo com o objectivo de deturpar o regime da margem, beneficiar a sociedade arguida maximizando o seu lucro e muito menos sonegar o IVA devido ao Estado levando ao enriquecimento da sociedade arguida com tais vantagens indevidas. Tudo se deveu a negligência sua e falta de cuidado, sendo certo que não valorizou muito tais omissões uma vez que na sequência de anteriores inspecções que haviam sido realizadas pela AT à sociedade, já tinham ocorrido outros lapsos semelhantes tais como falta de envio de declaração e a AT notificou para fazer correcções voluntárias o que a sociedade fez. Mais referiu que nesses casos em que se omite a entrega atempada da declaração de IVA o que sucede é que a AT liquida oficiosamente e depois a contabilista assume os juros e coimas perante o cliente (o que aliás já tinha sucedido anteriormente com esta sociedade arguida).» (sublinhados e negritos nossos)
Mal se compreende que se conclua pela ausência do elemento subjectivo por banda dos arguidos AA e II. É que, com o devido respeito, parece-nos que o Tribunal a quo incorreu em lapso patente porquanto, considerando a formação profissional da arguida II, a formação posterior que a mesma havia frequentado junto da ATA e, bem assim, o muito especial facto de a sociedade arguida ter sido já, por várias vezes, fiscalizada pela Autoridade Tributária e, inclusivamente, o declarado pelos próprios arguidos, não poderia dar-se como não provado que esta arguida tenha levado a efeito os factos acima descritos por meros lapsos do seu escritório de contabilidade.
Mais: não se trata, contrariamente ao que ali vem dito, de negligência grosseira, pois que a actuação da arguida II, juntamente com a do arguido AA, se trata de um óbvio atropelo a todas as regras fiscais, deontológicas e profissionais que se lhe impunha.
Vale este raciocínio para o argumento de que, caso se concluísse pela responsabilidade criminal da arguida II, sempre se concluiria pela responsabilidade criminal de todos os contabilistas. Ora, não se pode confundir a árvores com a floresta nem, bem assim, muitos errados dão um certo.
E de pouco importa estribar-se tal raciocínio, como se diz no ponto 59. dos factos provados, que «[A] Autoridade Tributária, até à presente data, não deu cumprimento ao preceituado no art.º 24.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária contra a contabilista certificada II.», pois que a responsabilidade aqui prevista (responsabilidade pelas dívidas fiscais) não se pode confundir, nem se confunde, com a responsabilidade criminal aqui em apreço, senão atentemos.
A responsabilidade tributária é, por via de regra, de natureza subsidiária do devedor originário, embora possa ser subsidiária ou solidária na relação entre os responsáveis. De acordo com o artigo 24.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, a responsabilidade tributária também se aplica aos contabilistas certificados em caso de violação dolosa dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos, ou seja, esteada fundamentalmente na violação das leges artis. Essa responsabilidade assenta na verificação cumulativa dos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo causal entre o facto e o dano.
Esta responsabilidade pressupõe que o contabilista certificado é responsável pela regularidade contabilística do sujeito passivo e que, em caso de falha no cumprimento desse dever, deve assumir a correspondente responsabilidade pelas dívidas deixadas de cobrar, por efeito da violação dos sobreditos deveres.
Veja-se, se mais fosse, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.06.202212, no qual se refere ser este um domínio sancionatório, que não se pode misturar com o da responsabilidade criminal: «[N]a verdade, a culpa de que aqui se fala é determinada não por referência ao incumprimento da obrigação fiscal, mas por referência ao incumprimento dos deveres que impendem sobre a contabilista, quanto à organização e regularidade da contabilidade do sujeito passivo.
Isto significa que o contabilista certificado deverá, pelo menos, alertar expressamente o sujeito passivo para a impossibilidade de cumprir as suas tarefas legais, sempre que este último impeça, obstaculize ou dificulte o cumprimento por aquele das tarefas que lhe são legalmente incumbidas, ou usando outras fórmulas que demonstrem a diligência e zelo no cumprimento da lex artis para que a sua culpa seja afastada, deste modo o eximindo da respectiva responsabilidade fiscal.
Assim, a efectivação de tal responsabilidade depende da prova de que é imputável ao agente o facto ilícito e de que existe nexo causal entre este e os prejuízos causados, mas trata-se de um nexo de causalidade adequada, na medida em que demanda a verificação dessa ligação entre o comportamento ilícito do contabilista e o incumprimento fiscal do contribuinte em relação ao qual o contabilista certificado exerce as suas funções profissionais.»
Da articulação entre o artigo 24.º, n.º 3, da LGT e o artigo 10.º do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados resulta o preenchimento do conceito jurídico de responsabilidade pela regularidade técnica. Deste artigo 10.º articulado com o artigo 35.º do Código Comercial, resulta ser o próprio sujeito passivo o responsável pela informação que carreia para que a pessoa por ele autorizada, o Contabilista, lhe dê tratamento em termos de escrituração.
Do que aqui se trata, em suma, é verificar se um contabilista certificado normalmente diligente actuaria de modo similar. Cremos que não.
Pelo contrário:
- A arguida II não fez qualquer conciliação bancária;
- A arguida II não dirigiu à OTOC qualquer pedido de escusa da assinatura na declaração fiscal de rendimentos com fundamento em limitações de âmbito técnico verificadas por parte da sociedade;
- A arguida II não informou a ATA de que não foi dado cumprimento à obrigação declarativa e qual o respectivo motivo, o que demonstra a falta de interesse e de vontade em regularizar a situação;
- Todas as informações de que dispunha – e que se encontravam na sua posse – permitiam-lhe levar a sua actividade a efeito de modo correcto, já que tinha acesso aos ficheiros SAFT (contabilidade e facturação), aos balancetes analíticos e ao extracto de contas;
- A arguida II tinha conhecimento dos CAE dos vendedores e, logo, do regime do IVA aplicável;
-A arguida II tinha acesso ao VIES – Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA – que é preenchido pelos fornecedores, do mesmo constando o regime de IVA aplicável;
- A arguida II não sinalizou que as faltas que diz serem do arguido AA e de uma sua funcionária, consubstanciavam a prática de crime, em clara violação do ETOC;
- As declarações periódicas de IVA em referência foram elaboradas e assinadas através da sua senha de acesso ao Portal das Finanças, senha essa de natureza pessoal e intransmissível (cf. fls. 115 e ss. dos autos).
Ora, o papel do Contabilista Certificado perante a ATA é muito mais que um mero interlocutor, uma vez que, além dos deveres deontológicos, também lhe são imputados os deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos, como dispõe o artigo 24.º, n.º 3, da LGT.
É evidente que cabe aos sujeitos passivos o apuramento e determinação dos valores relativos ao exercício da sua actividade e emissão das respectivas facturas. Não obstante, cabe ao Contabilista Certificado responsável pela escrita da sociedade o especial cuidado de verificar a conformidade patrimonial da mesma, como prevêm os artigos 6.º, n.º 3, e 51.º, n.º 7, do ETOC, estando-lhe vedado aceitar cegamente todos os documentos relevantes para efeitos de apuramento de proveitos e custos que a sociedade lhe fazia chegar, como determinam os artigos 2.º e 3.º, n.º 1, ambos do Código Deontológico dos TOC.
Dito de outro modo: quando o Contabilista Certificado submete uma declaração fiscal com a sua senha, que traduz a sua assinatura, assume, perante a ATA, que os elementos constantes daquela declaração traduzem a verdade da situação contabilística e fiscal do sujeito passivo, assente nas informações e documentos fornecidos por este, aos quais foram dados os adequados tratamento técnico e enquadramento legais.
O que aqui nos atém, especial e essencialmente, trata-se de aquilatar se o elemento subjectivo do tipo de fraude fiscal se encontra verificado, já que os elementos objectivos foram confessados pelos arguidos AA e II.
No que concretamente tange ao regime da margem, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, de 18.10, este tinha, à data da prática dos factos apreciados, quase vinte anos desde a sua entrada em vigor.
Ademais, a Autoridade Tributária realizou várias acções de formação ao longo dos anos – acções essas que foram frequentadas pela arguida II e transmitidas ao arguido AA – pelo que era do conhecimento de ambos a correcta aplicação de tal regime, sobretudo da arguida II, ante os especiais conhecimentos técnicos que possui.
Com efeito, compulsados os autos, assinala-se as operações de maquilhagem ou cosmética contabilística, as quais nos permitem infirmar as declarações dos arguidos, mormente no que tange ao indevido lançamento das facturas pelo regime da margem na conta 278 «outros credores e devedores», ao invés de fazê-lo na conta 2433, tudo por forma a sonegar da ATA os valores do IVA a apurar e a liquidar, pois que tais credores não existiam e, por conseguinte, nunca iriam cobrar os seus créditos.
Este tipo de operação contabilística não se reduz, contrariamente ao que foi dito, à de um mero lapso, pois que requer conhecimentos técnicos que o homem médio naturalmente não possui.
O mesmo se diga relativamente às facturas do período de Agosto de 2016: estas foram correctamente emitidas pelo regime normal, mas posteriormente foram lançadas na contabilidade pelo regime da margem.
Ora, o modo de cálculo da tributação pelo regime normal do IVA incide sobre a base tributável do valor global constante da factura – o que é manifestamente diferente daqueloutro regime da margem, no qual a base tributável se reconduz apenas à diferença entre o valor da aquisição e o valor da venda. Este cálculo, contrariamente ao que a arguida II quis fazer crer, não se pode reduzir a um mero lapso, pois que se tratam de cálculos totalmente diferentes.
É dizer: a prática dos factos só alcançou o resultado pretendido porque contou para o efeito com a prestimosa e preciosa colaboração da responsável pela execução da contabilidade: a arguida II.”.
Consequentemente, relendo a fundamentação da decisão recorrida, acima transcrita, e concatenando-a com os factos provados e não provados trazidos à liça pelo recorrente Ministério Público, tendo em conta tudo o que supra expendemos a propósito do suscitado vício da sentença, de erro notório na apreciação da prova, facilmente se conclui que a apreciação [da prova] levada a cabo pelo tribunal recorrido, na parte indicada pelo recorrente, é ilógica e ofende de forma ostensiva as regras da experiência comum.
Não tendo efectivamente sustentação bastante o raciocínio do tribunal a quo quando, no que aos arguidos AA e II diz respeito, concluiu não se ter feito prova cabal e suficiente da factualidade em causa, constante das alíneas b) a i).
Com efeito, salvo o devido respeito, a devida análise da prova produzida, e dos factos dados como assentes, atinentes aos elementos objectivos do ilícito criminal em causa, revela claramente um sentido, e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, violando o raciocínio do tribunal as regras da experiência comum e da lógica.
Pelo que, sem necessidade de quaisquer outras considerações, com base no texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, conclui-se que o acórdão recorrido padece do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no Artº 410º, n.º 2, al. c) do C.P.Penal, vício esse que foi invocado pelo recorrente Ministério Público, e que ademais, é de conhecimento oficioso, mesmo nas situações em que o recurso se encontre limitado à matéria de direito, como se decidiu no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995, a que já aludimos anteriormente.
Ora, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/01/2008, proferido no âmbito do Proc. nº 07P2696, in www.dgsi.pt, “A Relação, concluindo que a decisão da 1ª instância padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e verificando que os autos possibilitam a modificação da matéria de facto e a determinação das consequências jurídico-penais dessa alteração, pode modificar a matéria de facto constante da decisão da 1ª instância, ainda que não tenha sido impugnada a matéria de facto nos termos do art. 412º, nº 3, do CPP, nem se tenha procedido à renovação da prova.”.
Pelo que, verificado tal vício, e contendo os autos todos os elementos necessários para o efeito, ao abrigo das disposições conjugadas dos Artºs. 426º, nº 1, a contrario sensu, 428º e 431º, al. a), impõe-se proceder à alteração da matéria de facto, e determinar as consequências jurídico-penais dessa alteração.

Consequentemente, sanando o apontado vício, modifica-se a matéria de facto constante do acórdão recorrido, nos seguintes termos:
a) Acrescenta-se à matéria de facto provada, imediatamente após o ponto nº 37., o ponto nº 37.1., com o seguinte teor:
“37.1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 2016, cientes da forma como funcionava a incidência fiscal, em sede de IVA, os arguidos AA e II puserem em prática um plano que visava, em nome, representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pagar ao Estado menos impostos na aquisição de veículos no estrangeiro e a sua posterior venda em Portugal.”;
b) Acrescenta-se à matéria de facto provada, imediatamente após o ponto nº 48., o ponto nº 48.1, com o seguinte teor:
“48.1. Os arguidos AA e II, nomeadamente esta última, na qualidade de contabilista certificada, conhecedores das regras de aplicação do RETBSM, utilizaram-no ao completo arrepio das regras previstas naquele regime, fazendo seu critério para a utilização deste regime apenas a sua vontade, maximizando deste modo o lucro da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pois o preço de venda das viaturas, aplicando o referido regime da margem no IVA liquidado, seria sempre mais baixo do que a concorrência, distorcendo ainda com esta prática as regras da sã concorrência no sector de actividade onde esta última se insere.”;
c) Acrescenta-se à matéria de facto provada, imediatamente após o ponto nº 55., o ponto nº. 55.1., com o seguinte teor:
“55.1. Com a prática descrita em 55., nomeadamente o lançamento dessa diferença na conta “outros devedores e credores”, o objectivo dos arguidos AA e II era sonegar a aludida diferença de IVA ao Estado, levando a que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” retirasse esses montantes em momento ulterior, através de qualquer documento interno, para os fins que esta viesse a entender.”;
d) Acrescenta-se à matéria de facto provada, imediatamente após o ponto nº 57., os ponto nºs. 57.1., 57.2., 57.3. e 57.4., nos seguintes termos:
“57.1. Ao actuarem do modo descrito em 38. a 57., os arguidos AA e II agiram sempre em representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, sempre com base na resolução única de diminuir os montantes de IVA que a sociedade que geriam tinha de pagar ao Estado no mês de Dezembro de 2016 e de não declararem esses valores,”;
“57.2. Bem sabendo que a sociedade que geriam, ao liquidar indevidamente nas facturas de IVA pelo regime especial da margem diminuía os reais valores de IVA que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” devia à Fazenda Pública, o que quiserem, fizeram e lograram conseguir.”;
“57.3. Sabiam, ainda, que a sua actuação não lhes era permitida por as referidas facturas titularem transacções que não correspondiam à verdade, nos termos acima descritos (fazendo constar, nas facturas correspondentes às vendas realizadas, aplicando, quando não podiam, o regime da margem à aquisição intracomunitária de veículos [que omitiram] e à sua posterior venda, levando a que o imposto de IVA incidisse sobre um montante tributável inferior ao real), e que estavam a encobrir factos e valores relevantes para o apuramento do imposto devido ao Estado e que tinham de ser comunicados à Autoridade Tributária.”;
“57.4. Actuaram com o propósito firme, concretizado e assumido de, sempre que possível, nas facturas das suas vendas omitir a aquisição de veículos junto de membro da União Europeia (sujeita a isenção de tributação, por regime geral, neste último), como aquisição intracomunitária, sujeitando a sua posterior venda ao regime da margem, com a inerente diminuição do imposto apurado, de forma a induzir os Serviços de Administração Tributária em erro.”;
e) Acrescenta-se à matéria de facto provada, imediatamente após o ponto nº 58., o ponto nº 58.1., com o seguinte teor:
“58.1. Agiram os arguidos AA e II de forma livre, deliberada e consciente, sempre na qualidade de gerentes de facto e direito da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, em nome e no interesse desta, e com o perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.”;
f) Alteram-se as alíneas b) a i) dos factos não provados, que passarão a ter a seguinte redacção:
“b) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 2016, cientes da forma como funcionava a incidência fiscal, em sede de IVA, as arguidas CC e FF puserem em prática um plano que visava, em nome, representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pagar ao Estado menos impostos na aquisição de veículos no estrangeiro e a sua posterior venda em Portugal. 
c) As arguidas CC e FF, conhecedores das regras de aplicação do RETBSM, utilizaram-no ao completo arrepio das regras previstas naquele regime, fazendo seu critério para a utilização deste regime apenas a sua vontade, maximizando deste modo o lucro da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, pois o preço de venda das viaturas, aplicando o referido regime da margem no IVA liquidado, seria sempre mais baixo do que a concorrência, distorcendo ainda com esta prática as regras da sã concorrência no sector de actividade onde esta última se insere.
d) Com a prática descrita em 55., nomeadamente o lançamento dessa diferença na conta “outros devedores e credores”, leia-se credores que não existiam e nunca reclamavam esse valor, o objectivo das arguidas CC e FF era sonegar a aludida diferença de IVA ao Estado, levando a que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” retirasse esses montantes em momento ulterior, através de qualquer documento interno, para os fins que esta viesse a entender.
e) Ao actuarem do modo descrito em 38. a 5.7, as arguidas CC e FF agiram sempre em representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, sempre com base na resolução única de diminuir os montantes de IVA que a sociedade que geriam tinha de pagar ao Estado no mês de Dezembro de 2016 e de não declararem esses valores.
f) Bem sabendo que a sociedade que geriam, ao liquidar indevidamente nas facturas de IVA pelo regime especial da margem, diminuía os reais valores de IVA que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” devia à Fazenda Pública, o que quiserem, fizeram e lograram conseguir.
g) Sabiam, ainda, tais arguidas, que a sua actuação não lhes era permitida, por as referidas facturas titularem transacções que não correspondiam à verdade, nos termos acima descritos (fazendo constar, nas facturas correspondentes às vendas realizadas, aplicando, quando não podiam, o regime da margem à aquisição intracomunitária de veículos [que omitiram] e à sua posterior venda, levando a que o imposto de IVA incidisse sobre um montante tributável inferior ao real), e que estavam a encobrir factos e valores relevantes para o apuramento do imposto devido ao Estado e que tinham de ser comunicados à Autoridade Tributária.
h) Actuaram as arguidas CC e FF com o propósito firme, concretizado e assumido de, sempre que possível, nas facturas das suas vendas omitir a aquisição de veículos junto de membro da União Europeia (sujeita a isenção de tributação, por regime geral, neste último), como aquisição intracomunitária, sujeitando a sua posterior venda ao regime da margem, com a inerente diminuição do imposto apurado, de forma a induzir os Serviços de Administração Tributária em erro.
i) Agiram as arguidas CC e FF de forma livre, deliberada e consciente, sempre na qualidade de gerentes de facto e direito da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, em nome e no interesse desta e com o perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.”.
E em razão do decidido, e da alteração factual operada, resta saber se a arguida II cometeu o ilícito criminal que lhe era imputado no libelo acusatório oportunamente deduzido no aludido Apenso A, ou seja, um crime de fraude fiscal simples, p. e p. pelo Artº 103º, nº 1, als. a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, como defende o recorrente Ministério Público.
Cremos que se impõe uma resposta positiva.

Vejamos.

Sobre a epígrafe “Fraude”, dispõe o citado Artº 103º:
“Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.”.
Como se expendeu no acórdão deste TRG, de 14/01/2025, proferido no âmbito do Proc. nº 68/14.2IDVCT-M.G1, relatado pelo ora 1º subscritor, disponível in www.dgsi.pt. “Em termos sintéticos há que referir que a fraude fiscal visa causar diminuição das receitas tributárias, mediante operação enganosa de ocultação ou alteração de factos a fim de induzir a administração fiscal em erro, sendo o bem jurídico tutelado a verdade e transparência nas relações tributárias.
A conduta que caracteriza a fraude fiscal não é, pois, senão a mesma que caracteriza a burla, sendo os mesmos os elementos essenciais de um e outro crime: comportamento enganoso sobre factos, visando induzir a administração fiscal em erro e causar-lhe prejuízo patrimonial. Trata-se, pois, de um crime de perigo concreto que exige que a conduta do agente seja susceptível de causar diminuição das receitas tributárias - cfr., neste sentido, a Dra. Isabel Marques da Silva, in “Responsabilidade Fiscal Penal Cumulativa”, 2000: Lisboa, pág. 59.
Do ponto de vista objectivo, este ilícito manifesta-se na adopção de condutas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, tendo o legislador consubstanciado legalmente esses comportamentos nas alíneas a) a c), do Artº 103.º, do R.G.I.T (tipo base ou fundamental deste ilícito penal).
Ocorrendo a fraude fiscal através da ocultação ou alteração de factos ou valores declarados ou que devam ser declarados para efeitos de tributação [alínea a)]; através da ocultação de factos ou valores não declarados em violação da lei fiscal [alínea b)]; por via de um negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas [alínea c)].
A fraude fiscal constitui um crime de resultado.
E consuma-se quando a ocultação ou alteração de factos ou valores tributários saem do domínio do agente e entram na esfera de domínio das autoridades fiscais (porquanto só então se revelam aptos a diminuir as receitas tributárias).
Dá-se, por exemplo, quando o agente entrega a declaração de impostos alterada ou sem os factos ou valores que dela deviam constar, e cria um engano na administração fiscal que permitirá diminuir a sua prestação tributária ou obter benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais passíveis de diminuir as receitas tributárias.
Em termos subjectivos, o crime em causa é essencialmente doloso, podendo consumar-se sob qualquer uma das formas de dolo: directo, necessário ou eventual.”.
Ora, em face de tais considerações jurídicas, que aqui se subscrevem e reiteram, e vista a matéria de facto dada como definitivamente assente, dúvidas não há de ter cometido a arguida II o ilícito criminal em causa.
Com efeito, ficou demonstrado que a sociedade arguida, “EMP01... Lda.”, através da actuação dos arguidos AA e II, omitia imposto liquidado ou liquidava indevidamente, aplicando o regime de margem às transações de veículos que efectuada, quando por força das aquisições realizadas a montante não estavam observados os respectivos pressupostos, incumprindo, assim, com as regras do Código do IVA, por indevida liquidação do mesmo.
Outrossim, ficou demonstrada a existência de procedimentos contabilísticos desadequados, tendentes à sonegação do imposto (IVA) liquidado, e à sua subsequente apropriação.
E que, com a prática de tais factos, foram cometidas omissões e/ou inexactidões na contabilidade da sociedade e, consequentemente, nas declarações periódicas de IVA referentes aos períodos de Agosto de 2016 e Dezembro de 2016, logrando com isso obter vantagens patrimoniais nesses períodos, que correspondem ao valor do IVA não entregue ao Estado, nos montantes de € 16.085,79 e de € 31.830,43, respectivamente, no total de € 47.916,22.
Ora, com tal prática, a sociedade arguida, “EMP01... Lda.”, através dos arguidos AA e II, ocultaram factos e valores que deviam constar das declarações periódicas de IVA, permitindo-lhe sonegar à contabilidade e, subsequentemente, às declarações dos citados períodos, imposto que estavam legalmente obrigados a declarar, dessa forma inviabilizando / impedindo que a Administração Fiscal fiscalizasse, determinasse, avaliasse ou controlasse a matéria colectável, o que claramente preenche a previsão do citado Artº 103º, nº 1, als. a) e b), do RGIT.

Por outro lado, também os elementos subjectivos do ilícito se mostram preenchidos.
Pois que se provou que, com a prática descrita em 55., nomeadamente com o lançamento da diferença em causa na conta “outros devedores e credores”, leia-se credores que não existiam e nunca reclamavam esse valor, o objectivo dos arguidos AA e II era sonegar a aludida diferença de IVA ao Estado, levando a que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” retirasse esses montantes em momento ulterior, através de qualquer documento interno, para os fins que esta viesse a entender.
Que, ao actuarem do modo descrito em 38. a 57., os arguidos AA e II agiram sempre em representação e no interesse da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, sempre com base na resolução única de diminuir os montantes de IVA que a sociedade que geriam tinha de pagar ao Estado no mês de Dezembro de 2016 e de não declararem esses valores.
Que tais arguidos bem sabiam que a sociedade que geriam, ao liquidar indevidamente nas facturas de IVA pelo regime especial da margem diminuía os reais valores de IVA que a sociedade arguida “EMP01... Lda.” devia à Fazenda Pública, o que quiserem, fizeram e lograram conseguir.
Que sabiam tais arguidos que a sua actuação não lhes era permitida, por as referidas facturas titularem transacções que não correspondiam à verdade, nos termos acima descritos (fazendo constar, nas facturas correspondentes às vendas realizadas, aplicando, quando não podiam, o regime da margem à aquisição intracomunitária de veículos [que omitiram] e à sua posterior venda, levando a que o imposto de IVA incidisse sobre um montante tributável inferior ao real), e que estavam a encobrir factos e valores relevantes para o apuramento do imposto devido ao Estado e que tinham de ser comunicados à Autoridade Tributária.
Que actuaram tais arguidos com o propósito firme, concretizado e assumido de, sempre que possível, nas facturas das suas vendas omitir a aquisição de veículos junto de membro da União Europeia (sujeita a isenção de tributação, por regime geral, neste último), como aquisição intracomunitária, sujeitando a sua posterior venda ao regime da margem, com a inerente diminuição do imposto apurado, de forma a induzir os Serviços de Administração Tributária em erro.
E que agiram os mesmos arguidos, AA e II, de forma livre, deliberada e consciente, sempre na qualidade de gerentes de facto e direito da sociedade arguida “EMP01... Lda.”, em nome e no interesse desta, e com o perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.
Consequentemente, aqui chegados, e mostrando-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo recorrente Ministério Público, em consonância com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2016, de 21/01/2016, publicado no DR nº 36/2016, Série I, de 22/2/2016, resta neste momento proceder à determinação da espécie e medida da pena a aplicar à arguida II, sendo certo que os factos descritos nos pontos 99. a 108. fornecem base bastante para o efeito.
O crime perpetrado pela arguida II é punível com pena prisão até três anos, ou com pena de multa até 360 dias (Artº 103º, nº 1, do RGIT).
Nos termos do disposto no Artº 70º do Código Penal, cumpre, antes de mais, optar por que pena aplicar à arguida pelo crime cometido, já que é punido, em alternativa, com pena privativa e não privativa da liberdade.
A esta operação de escolha da pena preside o citado Artº 70° que consubstancia o "mandamento" político criminal de reacção contra as penas privativas da liberdade.
Nesse sentido, o tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade, a não ser que razões ligadas à necessidade de ressocialização do arguido ou à "defesa" da ordem jurídica (no sentido do "patamar mínimo" das exigências de prevenção geral positiva ou de integração) o desaconselhem.
Ora, na situação em apreço, são acentuadas as necessidades de prevenção geral, atendendo ao bem jurídico protegido e à frequência com que este tipo de crime é praticado, ao passo que as necessidades de prevenção especial são mais reduzidas, tendo em conta que a arguida não regista antecedentes criminais e encontra-se socialmente inserida.
Deste modo, tudo conjugado, e reiterando-se que a aplicação da pena de prisão deverá ser uma última ratio, afigura-se-nos que a aplicação de pena de multa à arguida é suficiente para realizar de forma adequada as finalidades da punição.
Quanto à medida da pena, esta há-de ser determinada em função da culpa da arguida e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ela, devendo ainda ter-se em conta o prejuízo causado pelo crime, conforme resulta das disposições conjugadas dos Artºs. 40º e 71º do Código Penal, e 13º do R.G.I.T.
Identificados os normativos que nos devem orientar na determinação concreta da pena, tendo sempre em conta as necessidades de prevenção geral e especial, cumpre determinar a medida da pena no caso concreto, devendo atender-se e valorar-se essencialmente as seguintes circunstâncias:
- O elevado grau de ilicitude do facto, traduzida na clara violação de deveres tributários ao nível de imposto de grande extensão – o IVA –, de enorme importância para a recolha de recursos económicos por banda do Estado;
- A gravidade das suas consequências, porquanto o Estado ficou desapossado de avultada quantia [€ 47.916,22] de impostos que, como se sabe, são um meio prioritário na prossecução dos fins do Estado, e uma obrigação para todos os que a ele estão sujeitos, sem qualquer diferenciação;
- O dolo com que actuou a arguida, que se apresenta na sua forma mais grave, o dolo directo;
- A circunstância de a arguida ainda não ter indemnizado a Fazenda Nacional, não obstante o tempo decorrido;
- As condições socio-económicas da arguida; e
- A sua primariedade.
Deste modo, tudo ponderado, e considerando as exigências de repressão e reprovação social do crime, bem como as necessidades de prevenção geral e especial do crime, entendemos como inteiramente justa, certa e adequada para a arguida II a pena de 200 (duzentos) dias de multa.
E atendendo à sua situação sócio-económica, e visto o disposto nos Artºs. 47º, nº 2, do Código Penal, e 15º, nº 1, do RGIT, fixa-se em € 8,00 (oito euros) a taxa diária correspondente a cada dia de multa, o que perfaz o montante global de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros).
No libelo acusatório oportunamente deduzido requereu o Ministério Público a condenação dos arguidos no pagamento, a título de vantagem patrimonial, do valor de € 47.916,22, nos termos do disposto no Artº 110º, nºs. 1, 3, 4, e 6, do Código Penal.
Sob a epígrafe “Perda de produtos e vantagens”, dispõe o Artº 110º, do Código Penal:
“1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.
3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.”.
É entendimento sedimentado dos tribunais superiores que o instituto de perda de vantagens do crime não se confunde nem com a pena, nem com a indemnização civil.
A perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção, sendo considerada como uma medida sancionatória típica análoga à medida de segurança, visando o Estado que nenhum benefício venha a resultar para o arguido pela prática do ilícito – cfr., neste sentido, v.g., o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22/01/2022, proferido no âmbito do Proc. nº 2769/16.1T9PRT.P1, in www.dgsi.pt.
Isto mesmo se retira também da lição do Prof. Figueiredo  Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 632, §§ 1004, quando esclarece que o que está em causa na perda de vantagens é "primariamente um propósito da prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia - antiga, mas nem por isso menos prezável  - de que "o ‘crime’ não compensa". Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual) como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspecto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração).”.
Na verdade, é diferente a natureza da relação jurídica tributária subjacente à prática do crime de fraude fiscal, e da obrigação de restituição da vantagem patrimonial indevidamente obtida com a prática desse crime.
Esta assume natureza penal e é gerada pelos factos ilícitos, culposos, tipificados como crime de fraude fiscal, causadores de um dano patrimonial àquela Entidade.
Subsistindo o dano consistente na vantagem patrimonial indevidamente obtida, subsiste a obrigação de restituição, no caso, através da declaração de perda dessa vantagem patrimonial, que se integra na reacção jurídico-penal a que a prática do crime dá lugar.
Refira-se, ademais, que mesmo nas situações em que é formulado pedido de indemnização civil contra o(s) arguido(s), e de tal pretensão ser decidida a contento do(s) demandante(s), tal não constitui impedimento à declaração de perda da vantagem patrimonial, no âmbito penal.
Pois, como assertivamente assevera o Prof.  Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Tributário”, 2ª edição revista e ampliada, Universidade Católica Editora, 2018, págs. 139/142, o instituto de perda de vantagens não se confunde nem com a indemnização civil emergente da prática do crime nem com a obrigação tributária, embora materialmente interconexos, mas processualmente distintos, sendo certo que a indemnização tem por fim ressarcir os danos causados pelo crime, ao passo que a perda de vantagens tem natureza sancionatória análoga à da medida de segurança. [11]
Por conseguinte, e na esteira da jurisprudência deste TRG sobre o assunto, de que é exemplo o acórdão de 21/02/2022, proferido no âmbito do Proc. nº 127/19.5IDBRG.G1, relatado pela Exma. Desembargadora Cândida Martinho, e subscrito pelo ora relator na qualidade de adjunto, disponível in www.dgsi.pt, reitera-se que a decisão de declaração da perda de vantagens é uma consequência necessária da prática de um facto ilícito criminal, procurando-se com ela reconstituir a situação do seu autor antes da sua prática, ou seja, de modo a ficar sem qualquer benefício da prática do crime, assim percebendo que “o crime não compensou”.
Nada mais se exigindo, inexistindo qualquer pressuposto positivo ou negativo relativo à dedução do pedido de indemnização civil por parte do lesado – o que bem se compreende face à natureza distinta da indemnização (essencialmente reparadora) e da declaração de perda (sancionatória preventiva).
Nesse conspecto, e voltando ao caso vertente, é forçoso concluir se decrete a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial obtida pela arguida II com a prática do crime em causa nos autos, no valor de € 47.916,22 (quarenta e sete mil novecentos e dezasseis euros e vinte e dois cêntimos), com a condenação da mesma arguida no respectivo pagamento ao Estado, sem prejuízo dos direitos da Autoridade Tributária relativos à prática do crime, e da dedução do montante de eventuais pagamentos que lhe tenham feito a esse título.
Impõe-se, pois, a procedência do recurso interposto pelo Ministério Público.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em:

1. Negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos AA e “EMP01..., Lda.”, confirmando, consequentemente, o acórdão recorrido no que aos mesmos diz respeito.
2. Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente:
2.1. Alteram a matéria de facto dada como provada e como não provada no acórdão recorrido, nos termos supra expostos;
2.2. Condenam a arguida II, pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo Artº 103º, nº 1, als. a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), no montante global de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros).
2.3. Decretam a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial obtida pela arguida II com a prática do crime em causa nos presentes autos, no valor de € 47.916,22 (quarenta e sete mil novecentos e dezasseis euros e vinte e dois cêntimos), condenando-se a mesma no respectivo pagamento ao Estado, sem prejuízo dos direitos da Autoridade Tributária relativos à prática do crime, e da dedução do montante de eventuais pagamentos que lhe tenham feito a esse título.
2.4. Condenam a arguida II no pagamento das custas respectivas, fixando em 4 (quatro) UC a taxa de justiça - Artºs. 513º e 514º do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo.

Custas, nesta instância, pelos arguidos/recorrentes AA e “EMP01..., Lda.”, fixando-se em 4 (quatro) UC a taxa de justiça a suportar por cada um deles, delas estando isento o recorrente Ministério Público (Artºs. 513º, 514º e 522º, nº 1, do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).
*
Na primeira instância, pós trânsito, deverá ser remetido boletim à D.S.I.C. em relação à arguida II, nos termos do disposto nos Artºs. 5º e 6º, al. a), da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, e nos Artºs. 6º e 7º, nº 1, do Dec.-Lei nº 171/2015, de 25 de Agosto.

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo na primeira página as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários – Artºs. 94º, nº 2, do C.P.Penal, e 19º, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto).
*
Guimarães, 25 de Junho de 2025

Os Juízes Desembargadores:          
António Teixeira (Relator)
Júlio Pinto (1º Adjunto)
Isilda Pinho (2ª Adjunta)


[1] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
[2] Sem prejuízo das quantias já pagas pelos arguidos no processo de execução fiscal (cfr. facto provado nº 60). 
[3] Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem.
[4] Cfr., neste sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.
[5] Exerce a título secundário as atividades de: Hotéis sem restaurante (CAE 055121); Out. atividades aux. Serviços financeiros, exc. Seguros e fundos de pensões (CAE 066190); Manutenção e reparação de veículos automóveis (CAE 045200); Comércio a retalho de peças e acessórios para veic. Automóveis (CAE 045320); Arrendamento de bens imobiliários (CAE 068200); Compra e venda de bens imobiliários (CAE 068100).
[6] Neste sentido pronunciou-se o Exmo. Desembargador Sérgio Poças, no seu valioso artigo “DA SENTENÇA PENAL - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO”, in Revista “Julgar” nº 3, 2007, quando, a págs. 26/27, afirma:
“Para além dos factos integradores do tipo objectivo do ilícito, o tribunal deve de igual modo pronunciar-se sobre os factos integradores do tipo subjectivo de ilícito.
É que o tribunal não pode declarar a culpabilidade do arguido sem a prova destes factos. E se estes factos constituem, como constituem, matéria de facto, então têm de ser objecto de alegação e prova e devem ser descritos na matéria de facto em conformidade com a prova produzida.
Sejamos claros: a especificidade da prova destes factos não altera a natureza das coisas.
(Como se sabe, os factos internos, v. g. relativos à intenção criminosa, na normalidade das situações, não resultam provados através de prova directa, mas de prova indiciária (...). É da prova de factos materiais e objectivos (factos indiciários) que não fazendo parte dos concretos factos integradores do tipo de ilícito que o tribunal, por inferência, no respeito das regras da lógica e da experiência comum, dará ou não como provados os factos integradores do tipo subjectivo de ilícito.)
[7] Cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/01/2020, proferido no âmbito do Proc. nº 25.16.4PJLRS.L2.S1,disponível in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:25.16.4PJLRS.L2.S1/#integral-text, no qual se afirma:  “em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei”, o que “Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada”.
[8] Em cujo sumário lapidarmente se afirma:
“I) Na fixação do montante da multa ter-se-á em consideração, para além do mais, que esta não é uma pena «menor», devendo, antes, representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas.
II) Ponderando os critérios estabelecidos no artº 47º do CP, o montante de € 5,00 apenas deverá ser aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial, ou abaixo dele.
(…).
[9] Como impressivamente refere o Exmo. Conselheiro Pereira Madeira, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2016, 2ª Edição Revista, págs. 1272/1273 -, porque aqui se trata (na detecção dos vícios do Artº 410º, do C.P.Penal), essencialmente, de uma tarefa de direito, os tribunais superiores procedem oficiosamente a essa indagação de vícios na matéria de facto, provada e não provada, atendo-se imperativamente, apenas e só, ao teor do texto da decisão recorrida e, se necessário, também às regras da experiência comum, nunca a outro tipo de provas.
[10] Exerce a título secundário as atividades de: Hotéis sem restaurante (CAE 055121); Out. atividades aux. Serviços financeiros, exc. Seguros e fundos de pensões (CAE 066190); Manutenção e reparação de veículos automóveis (CAE 045200); Comércio a retalho de peças e acessórios para veic. Automóveis (CAE 045320); Arrendamento de bens imobiliários (CAE 068200); Compra e venda de bens imobiliários (CAE 068100).
[11] E é por esse motivo que o mesmo Autor defende que, no caso de indemnização pelos danos é necessária a formulação do pedido em processo de adesão, ao passo que, no que se refere à perda de vantagens, não é necessário qualquer pedido, devendo o tribunal condenar, decretando a perda das vantagens e o destino a dar-lhes.