ARRESTO
CAUÇÃO
SUBSTITUIÇÃO
Sumário


1 – É admissível a substituição do arresto por caução.
2 – Decretado o arresto para garantia de direito de crédito no valor de € 53.470,49, acrescido de juros de mora, e tendo na ação principal a ré sido condenada a pagar à autora, a título de capital, a quantia de € 48.503,17, acrescida de juros de mora, e a autora/reconvinda condenada a devolver à ré/reconvinte a quantia de € 6.858,76, operada a compensação dos créditos por esta última, extinguiu-se totalmente o crédito da Ré e extinguiu-se parcialmente o crédito da Recorrente, que ficou reduzido a € 41.644,41 a título de capital, acrescido dos juros de mora.
3 – Por isso, a caução prestada, por depósito autónomo, no valor de € 53.470,49, é suficiente para satisfazer a obrigação que ela cauciona, tendo por base o capital no valor de € 41.644,41, acrescido de juros de mora.
4 – Como a providência decretada respeita apenas ao capital e aos juros de mora, com os limites estabelecidos no procedimento cautelar e agora definidos na ação declarativa, a caução substitutiva não pode ter um maior âmbito do que aquele que resulta da decisão cautelar.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. No âmbito do procedimento cautelar de arresto instaurado por EMP01..., Lda., veio EMP02..., Lda., requerer a substituição do arresto de bens decretado por caução, prestada através de depósito autónomo, no montante de € 53.470,49.
Para o efeito, alegou que foi decretado arresto preventivo para garantia de crédito no valor de € 53.470,49, tendo sido arrestados diversos bens, que nos autos principais foi entretanto proferida sentença, reconhecendo um crédito à beneficiária do arresto, EMP01..., Lda., no valor global de € 48.503,17, acrescido de juros, e à ora Requerente, um crédito no valor de € 6.858,76, acrescido de juros, havendo que os compensar.
Sustentou que o valor a garantir pelo arresto foi fixado em € 53.470,49 e que já depositou tal montante à ordem do Tribunal, comprovando o depósito autónomo.

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A Requerida (no âmbito do incidente de prestação de caução) deduziu oposição, alegando a inadmissibilidade legal da substituição requerida, com fundamento em que só a manutenção do arresto garantirá a prioridade da penhora em relação a créditos ulteriores, e a insuficiência do valor caucionado, por não atender aos juros de mora que se foram vencendo e às custas processuais da causa principal e da ação executiva entretanto proposta.
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1.2. Seguidamente, proferiu-se decisão, a «defer[ir] a requerida prestação de caução, sob a forma de depósito autónomo, sendo o montante a caucionar de € 53 470,49, substitutiva do arresto decretado (no apenso A).»
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1.3. Inconformada, a Requerida EMP01..., Lda., interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«1. No âmbito do arresto de bens decretado contra si, veio a aqui Recorrida EMP02..., LDA, requerer a substituição por caução, através e deposito autónomo, no montante de 53.470,49€.
2. Notificada, a Recorrente deduziu oposição pugnando pelo indeferimento da substituição da caução, não só pela sua inadmissibilidade no caso concreto, mas também pela sua insuficiência.
3. O Tribunal a quo decidiu deferir o pedido, pois considerou a caução prestada idónea e suficiente, determinando o levantamento do arresto dos bens.
4. Ao concluir pela idoneidade da garantia, entendeu o Tribunal a quo que a caução a prestar deveria compreender o capital em dívida e juros moratórios vencidos e vincendos.
5. No entanto referiu que na ação principal foi reconhecido à aqui Recorrida um crédito de 6.858,76€, acrescidos de juros desde 2022, que teria atualmente o valor de 7.777,27 €, pelo que o crédito da Recorrente na ação principal teria o capital reduzido a 48,503,17 € ao qual acresceriam juros desde finais de 2022.
6. Como já alegado em 2022, por Arresto de bens decretado no Apenso A, foi sumariamente reconhecido à Recorrente o direito de crédito no valor de 53.470, 49€, acrescido de juros à taxa comercial, até efetivo e integral pagamento.
7. No desenvolvimento da ação principal, a Recorrida reclamou o pagamento de um crédito correspondente a 6.856,76 €, que a Recorrente reconheceu serem devidos, pelo que pediu a compensação de Créditos, requerendo a redução do seu pedido em conformidade.
8. Razão pela qual, o valor em divida apurado na ação principal foi de 48.503,17€, acrescido de juros de mora desde 2022.
9. Ora o Tribunal a quo no apenso em que requereu a substituição do Arresto de bens pela caução operou nova compensação no valor de 7.777,27€, reconhecendo à Recorrida direito a juros de mora.
10. Acontece que, não pode ser operada sucessivamente a compensação do mesmo crédito, muito menos reclamados novos juros por parte da Recorrida, cada vez que a recorrente tenta cobrar o remanescente do seu crédito.
11. A partir da data da sentença proferida na ação principal, momento em que os créditos se compensaram, o crédito da Recorrida extinguiu-se, não sendo a partir dessa altura devidos juros de mora, pelo que não se entende porque é que o Tribunal a quo, subtraiu ao valor reclamado pela Recorrente, juros pelo crédito da Recorrida já compensado em 2024.
12. Note-se que até do ponto de vista da justiça material, é inadequado que se discutam os juros devidos ao devedor, quando se encontra a Recorrente há vários anos a tentar cobrar o seu crédito, sem ter recebido qualquer montante.
13. Aliás a falta de pagamento da divida pela Recorrida, obrigou a credora ainda antes da prestação da presente caução a requerer a execução, que corre termos no Juiz 3, do Juízo de execução de Vila Nova de Famalicão, encontrando-se neste momento em dívida 59.352,06€, montante a que acrescerão as despesas com agente de execução. (cfr. requerimento executivo junto)
14. Este valor contempla não só o capital, bem como os juros de mora (já que não foi pago até á data nenhum montante) e custa de parte, cujas notas de liquidação forma enviadas sem serem reclamadas ou pagas.
15. Concomitantemente, considera-se que o incidente de prestação de caução não é compatível com a finalidade do arresto, pois nesta situação o arresto dos bens visa garantir que estes sejam dissipados e devedor não tenha forma de pagar o crédito.
16. A natureza conservatória da providencia cautelar, impede que possa ser levantado o arresto sobre os bens que garantem o crédito, dando-se ao devedor a possibilidade de extinguir, onerar ou fazer desparecer os mesmos.
17. O arresto foi decretado e todas as diligencias tomadas até aqui, foram levadas a cabo porque se desconhecia que a Recorrida tivesse quaisquer outros bens na sua propriedade, inclusive contas bancárias com o montante caucionado.
18. Logo daí se retira a mestria que a Recorrida apresenta na arte de esconder bens e fazê-los desaparecer e se prevê um grande risco para a Recorrente, que não mantendo o arresto sobre os bens que garantem o exercício da atividade da Recorrida, nada consegue garantir.
19. A propósito da inadmissibilidade da substituição de providencias cautelares por caução refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 267/99 de 18/05/1999, relatado por Luís António Noronha Nascimento o seguinte: “(…) nas providencias cautelares nominadas, não há como regra a substituição daquela por caução. As exceções são tão só o arresto o arresto de navios (…) Do exposto emerge, assim, a seguinte dicotomia que o acórdão recorrido consagra aliás: a providencia cautelar inominada admite a sua substituição por caução, as providencias nominadas não o admitem (…) “
20. Ao abrigo do artigo 391.º n. º2 do CPC, ao arresto “são aplicáveis as disposições relativas à penhora”, não se podendo igualar tais garantias às que são concedidas por meio de caução.
21. Assim só a manutenção do arresto garante a prioridade da penhora em relação a créditos posteriores ao requerimento de arresto, o direito de sequelas relativamente a bens imoveis, bem como outros direitos relativamente a credores privilegiados.
22. Para além do exposto, deve ser relevada a atitude da Recorrida que apesar do transito em julgado da decisão que a condena a pagar os montantes devidos, esta recusa-se a fazê-lo.
23. Ao invés de pagar diretamente à Recorrente os 53. 470, 17 €, até para evitar que esta incorresse em mais despesas com a cobrança (nomeadamente com esta execução) preferir prestar caução nos autos de que se recorre.
24. Note-se também que ainda na recente diligência de penhora com remoção levada a cabo no âmbito do processo executivo para cobrança deste mesmo crédito, a aqui Recorrente constatou que a os bens que estavam arrolados à ordem deste processo, levaram descaminho, ou pelo menos foram movidos pela Recorrida sem qualquer autorização judicial, em total desrespeito pelo Tribunal de que se recorre.
25. Na sede da Recorrida, onde se devia encontrar depositados os bens, cujo arresto ainda não tinha sido levantado, não havia qualquer atividade.
26. De acordo com as diligencias da AE, que se deslocou aos locais, e que juntou fotografias que o evidenciam, a Recorrida terá deslocado/ movimentado os bens arrestados nestes autos para umas instalações na freguesia ..., no concelho ....
27. Pelo exposto, deve atender-se os bens arrestados têm valor patrimonial muito superior à caução prestada, a manutenção do arresto e consequente conversão em penhora, confere maior garantia à Requerida relativamente à satisfação da totalidade o seu crédito.
28. Motivo pelo qual, em última ratio, a caução prestada é inidónea, pois nem sequer é suficiente para reparar integralmente a lesão da Credora/ Requerida como exige a lei no artigo 368.º n.º 3 do CC.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência a garantia prestada inidónea, mantendo-se os bens arrolados.»
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A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
O recurso foi admitido.
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1.4. Questões a decidir

Atentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, mostram-se suscitadas as seguintes questões:
i) Inadmissibilidade legal da substituição do arresto por caução;
ii) Insuficiência do valor caucionado.
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
Na decisão recorrida, embora sem se autonomizaram, consideraram-se os seguintes factos:
2.1.1. No apenso A, foi proferida decisão nos seguintes termos:
«(…) Em consequência, para garantia do direito de crédito sumariamente reconhecido à Requerente à quantia de € 53.470,49 (…), acrescida dos juros contados às taxas de juros aplicáveis às transações comerciais, decreta-se o arresto dos seguintes bens, que sejam necessários à salvaguarda daquele, a efetuar segundo as regras da penhora: (…)»
2.1.2. «[N]os autos principais, foi proferida a seguinte decisão na primeira instância (ainda não transitada em julgado, segundo o nosso conhecimento):
«a) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 3.000,00 e mencionada na Fac 44/206, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde 31.11.2022 e até efetivo e integral pagamento:
b) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 993,04 e mencionada na Fac 44/206, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as obrigações de natureza comercial e desde 31.11.2022 e até efetivo e integral pagamento:
c) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 993,04 e mencionada na Fac 44/226, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as obrigações de natureza comercial e desde ../../2022 e até efetivo e integral pagamento:
d) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 23.684,081 e mencionada na Fac 44/205, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde ../../2022 e até efetivo e integral pagamento:
e) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 19.833,01 (= 23.684,081 - € 3.851,07) e mencionada na Fac 44/203, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde ../../2022 e até efetivo e integral pagamento; (…) e (…)
a) condenar a Autora/Reconvinda, EMP01... Lda, na restituição à Ré da quantia de € 6.858,76. (…)».
2.1.3. «A aqui Requerida já terá proposto ação executiva para cumprimento coercivo da decisão proferida nos autos principais, com o valor global de € 59.352,06.»
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2.2. Do objeto do recurso

Nas conclusões 22 a 26 das suas alegações, a Recorrente alega que a Recorrida se recusa a pagar os montantes devidos, que os bens arrestados levaram descaminho e que não há atividade na sede da Recorrida.
Trata-se obviamente de questões novas e, além disso, irrelevantes no quadro tanto do incidente de prestação de caução como do recurso, pois nada têm a ver com o estrito objeto do incidente.
Essas questões, que não são de conhecimento oficioso, apenas foram suscitadas nas alegações do recurso, pelo que não foram colocadas perante o Tribunal recorrido por forma a que este as pudesse abordar ou estivesse constrangido a abordá-las.
O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinada questão, de facto e/ou de direito, visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela. Mas mais: os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Significa isto que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.
Sendo um meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir, em regra, sobre questões concretas, de facto ou de direito, que tenham sido anteriormente apreciadas pelo tribunal recorrido, não podendo o tribunal ad quem confrontar-se com questões novas (ou seja, sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida e sobre pedidos que nela não foram formulados), salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis. É o que resulta da conjugação dos artigos 627º, nº 1, 635º, nº 2, 663º, nº 2, e 608º, nº 2, do CPC. Tal regra justifica-se quer em atenção ao princípio da preclusão, quer para obstar a que seja desprezada a finalidade dos recursos, quer para impedir a supressão de graus de jurisdição[1].
Pelo exposto, não se toma conhecimento das apontadas questões.
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2.2.1. Substituição do arresto por caução
Dispõe o nº 3 do artigo 368º do CPC, que «a providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.»
A Recorrente sustenta que este preceito não é aplicável ao procedimento cautelar de arresto, citando para o efeito o acórdão do STJ de 18.05.1999.
Porém, sem razão.
Desde logo, o acórdão do STJ de 18.05.1999 (relatado por Noronha do Nascimento), proferido no processo 99B267, versava sobre uma situação que não era de arresto, o que bem resulta do seu sumário: «Não se torna possível - face às normas processuais vigentes - proceder à substituição de uma restituição provisória de posse por caução a prestar pelo requerido.»
Depois, sendo certo que o arresto é um procedimento cautelar nominado e que o artigo 368º do CPC se insere no capítulo respeitante ao procedimento cautelar comum, dispõe expressamente o nº 1 do artigo 376º do CPC: «Com exceção do preceituado no nº 2 do artigo 368º, as disposições constantes deste capítulo são aplicáveis aos procedimentos cautelares regulados no capítulo subsequente, em tudo quanto nele se não encontre especialmente prevenido.»
Como nas disposições específicas que regulam o arresto não se mostra prevenida a situação da substituição do arresto por caução, seja para a admitir ou para a afastar, a norma genérica do nº 2 do artigo 368º do CPC, por ter natureza subsidiária, tem de se considerar aplicável ao arresto.
Há efetivamente razões para considerar que a referida norma não é aplicável a todas as providências cautelares nominadas. Relativamente a algumas delas é patente a inadequação da substituição da providência nominada por caução, como sucede, por exemplo, com a restituição provisória da posse, os alimentos provisórios, o arbitramento de reparação provisória. Mas não é o caso do arresto, em que a providência tem um caráter fungível, sendo objetivamente indiferente que o credor obtenha a satisfação do seu crédito através do arresto ou da caução substitutiva, desde que esta seja idónea e suficiente. Diferentemente, por exemplo, no caso dos alimentos provisórios, a caução substitutiva não realiza o interesse do credor de alimentos, contrariando precisamente o fundamento essencial que justifica o decretamento da providência, que é a necessidade de que lhe sejam prestados alimentos.
Desde que a caução a prestar possa ser considerada um verdadeiro sucedâneo do arresto, tendo por base a sua adequação e suficiência, nenhum obstáculo formal existe à substituição da providência.

A este propósito, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[2] que «[n]ão existem razões formais para recusar liminarmente a extensão a tais procedimentos específicos da norma do art. 368º, nº 3, que admite a substituição da providência por caução, embora se exija a ponderação da natureza da providência específica e da suficiência e idoneidade da caução para suportar os riscos que com a providência se pretendem prevenir»
Fazendo semelhante ponderação, no acórdão da Relação de Lisboa de 07.02.2002 (Salvador da Costa), proferido no processo 210/02, concluiu-se:
«1 - Os requisitos essenciais da substituição do arresto pela prestação de caução são a adequação e a suficiência, em apreciação casuística, à luz das concretas circunstâncias de facto envolventes, designadamente o conteúdo patrimonial ou não do direito acautelado, as condições económicas do requerente e do requerido, a natureza da actividade causadora da lesão e a sua reparabilidade ou irreparabilidade. 2 - Estando assegurada a finalidade, a função, a eficácia e a efectividade da providência cautelar, a fixação da caução substitutiva deve operar pela via menos gravosa para o requerente. 3 - No caso de o requerido só impugnar o valor da caução oferecida, à decisão a proferir no quadro do incidente é aplicável o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 983º do Código de Processo Civil, pelo que o juiz, realizadas as diligências que se revelem necessárias, não pode deixar de decidir a procedência do pedido e fixar o valor da caução prestanda. 4 - Inexistindo elementos de facto que impliquem solução diversa, deve fixar-se a caução substitutiva do arresto do prédio no montante correspondente ao valor processual da acção declarativa de condenação de que a providência de arresto é instrumental.»
Em suma, a providência cautelar pode ser efetivamente substituída por caução (art. 387º, nº 2, do CPC) e esta pode ser prestada por meio de depósito em dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais precisos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária (art. 623º do CCiv). Sendo a caução prestada por meio de depósito em dinheiro (depósito autónomo), tem de concluir-se que é apta a realizar o interesse do credor, o mesmo é dizer que constitui um verdadeiro sucedâneo da providência decretada e concretizada.
Termos em que improcedem as conclusões formuladas sobre esta questão.
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2.2.2. Suficiência da caução
A questão fundamental do recurso respeita à suficiência do valor da caução já prestada.
No procedimento cautelar, o arresto foi decretado «para garantia do direito de crédito sumariamente reconhecido à Requerente à quantia de € 53.470,49 (cinquenta e três quatrocentos e setenta euros e quarenta e nove cêntimos), acrescida dos juros contados às taxas de juros aplicáveis às transações comerciais».
Considerou-se apurado que «a Requerente forneceu à Requerida artigos do seu comércio (escada helicoidal; peças em alumínio) e prestou serviços de consultadoria e gestão e de corte laser à Requerida, pelo preço que ascende, no total, a € 53.479,49, o qual não foi pago»
Embora do dispositivo da decisão não conste a referência à data que constitui o termo inicial da contagem de juros, recorrendo aos fundamentos, verifica-se que se reporta à «data de vencimento das faturas».
Portanto, o crédito não é apenas de € 53.479,49, pois, além desse valor, inclui juros de mora a contar da data de vencimento das faturas.

Na ação declarativa de que o procedimento cautelar é dependência, por sentença de 24.01.2024, decidiu-se:

«a) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 3.000,00 e mencionada na Fac 44/206, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde 31.11.202 e até efetivo e integral pagamento:
b) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 993,04 e mencionada na Fac 44/206, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as obrigações de natureza comercial e desde 31.11.2022 e até efetivo e integral pagamento:
c) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 993,04 e mencionada na Fac 44/226, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as obrigações de natureza comercial e desde ../../2022 e até efetivo e integral pagamento:
d) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 23.684,081 e mencionada na Fac 44/205, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde ../../2022 e até efetivo e integral pagamento:
e) condenar a Ré, EMP02... SA, no pagamento à Autora da quantia de € 19.833,01 (= 23.684,081 - € 3.851,07) e mencionada na Fac 44/203, acrescida de juros de mora contados à taxa legal prevista para as transações comerciais e desde ../../2022 e até efetivo e integral pagamento;
(…)
a) condenar a Autora/Reconvinda, EMP01... Lda, na restituição à Ré da quantia de € 6.858,76
Portanto, a Ré foi condenada a pagar à Autora, a título de capital, a quantia global de € 48.503,17, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal aplicável às transações comerciais, e a Autora/Reconvinda foi condenada a devolver à Ré/Reconvinte a quantia de € 6.858,76.

No âmbito do incidente de prestação de caução, a Requerente declarou pretender operar a compensação parcial dos créditos e concluiu que «o capital em dívida pela requerida à requerente é de 41.684,41€[3]», acrescido de juros de mora a contar da data de vencimento das faturas.

No essencial, a Recorrente sustenta que na «ação principal, a Recorrida reclamou o pagamento de um crédito correspondente a 6.856,76 €, que a Recorrente reconheceu serem devidos, pelo que pediu a compensação de Créditos, requerendo a redução do seu pedido em conformidade (…), [r]azão pela qual, o valor em dívida apurado na ação principal foi de 48.503,17€, acrescido de juros de mora desde 2022.»
Sucede que esta tese não tem qualquer suporte no dispositivo da sentença proferida na ação principal.
Isto porque a Recorrida foi condenada a pagar à Recorrente a quantia global € 48.503,17, acrescida de juros de mora, enquanto a Recorrente foi condenada a devolver à Recorrida a quantia de € 6.858,76.
São dois créditos recíprocos e em lado algum, naquele ato, se operou ou se faz referência à compensação daqueles créditos.
Por isso, operando a posterior compensação, mediante declaração da ora Recorrida (art. 848º, nº 1, do CCiv), à quantia de € 48.503,17, correspondente ao valor do crédito da Recorrente relativo a capital, havia que abater a quantia € 6.858,76, que era o valor do crédito (capital) da Recorrida.
Não tendo havido compensação de créditos no âmbito da ação principal, mas apenas no incidente de substituição do arresto por caução, improcede a argumentação da Recorrente sobre uma sucessiva compensação do mesmo crédito e respetivas consequências. Não há, como se demonstrou, dupla compensação do mesmo crédito, mas apenas uma única compensação.
Por isso, o efeito da compensação é o estabelecido no artigo 854º do CCiv: «Feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis.»
Essa é a consequência da retroatividade da compensação. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[4], feita a declaração, «tudo se passa como se as obrigações se tivessem extinguido no momento da verificação dos pressupostos que condicionam a compensação»[5]. Antunes Varela precisa que «os créditos consideram-se extintos, com as respectivas garantias e acessórios, desde que se tonaram compensáveis, e não apenas desde o momento em que o compensante manifesta a intenção de os extinguir. (…) Se um deles ou ambos vencerem juros, deixam de contar-se esses juros a partir do referido momento, e não a partir somente da declaração do compensante.»
Com o reconhecimento dos créditos recíprocos na sentença (€ 48.503,17 e € 6.858,76, respetivamente), estes tornaram-se compensáveis, pelo que a compensação operada com referência a esse momento temporal, extinguiu totalmente o crédito da Recorrida e extinguiu parcialmente o crédito da Recorrente, que ficou reduzido a € 41.644,41 a título de capital, acrescido dos juros de mora. Enfatiza-se novamente que, na parte compensada, «declarada a compensação, não são devidos juros desde o início da situação de compensabilidade.»[6]
Por isso, a caução prestada, por depósito autónomo, no valor de € 53.470,49, afigura-se suficiente para satisfazer a obrigação que ela cauciona, tendo por base o capital no valor de € 41.644,41 (e não de € 48.503,17, como sustenta a Recorrente), acrescido de juros de mora.
Finalmente, estando em causa a mera substituição do arresto por caução, com as alterações supervenientes sobre o valor do crédito objeto de tutela cautelar, decorrentes da prolação da sentença e da compensação a que nos vimos referindo, são irrelevantes as questões relativas a quaisquer despesas (conclusões 13 e 14), designadamente as despesas com agente de execução ou as custas de parte, ou ao valor patrimonial dos bens arrestados ou pelo qual poderiam ser vendidos no âmbito da execução (conclusão 27). A providência decretada respeita apenas ao capital e aos juros de mora, com os limites estabelecidos no procedimento cautelar e agora definidos na ação declarativa, pelo que a caução substitutiva não pode ter um maior âmbito do que aquele que resulta da decisão cautelar.

Pelo exposto, improcede a apelação.
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2.3. Sumário
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III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Guimarães, 26.06.2025

(Acórdão assinado digitalmente)
Joaquim Boavida
António Beça Pereira
Raquel Baptista Tavares


[1] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, págs. 31, 115, 119 e 120, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 1997, Lex, pág. 395, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 566; acórdãos do STJ de 03.02.2011 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 12.05.2011 (relator Sérgio Poças), de 05.05.2016 (relator Oliveira Vasconcelos), acórdão da Relação de Coimbra de 22.10.2013 (relator Barateiro Martins) e acórdão da Relação de Guimarães de 23.11.2017 (relator Beça Pereira), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 443.
[3] Trata-se de lapso material, pois o resultado da subtração é de € 41.644,41 (48.503,17-6.858,76).
[4] Código Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 147.
[5] Das Obrigações em geral, vol. II, 5ª edição, Almedina, págs. 222 e 223.
[6] Tiago Azevedo Ramalho, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), Almedina, 2017, pág. 1071.