Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Sumário
I. Traduz-se a “Impugnação pauliana” em garantia da obrigação, em particular, conservação de garantia patrimonial, tal como prevista no Capítulo V, Secção II, Subsecção III, do Código Civil. II. “A procedência da impugnação pauliana não envolve a destruição do acto impugnado, porque visa apenas eliminar o prejuízo causado à garantia patrimonial do credor impugnante”.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Massa Insolvente de AA e BB, Réus nos autos de acção declarativa, de impugnação pauliana, com processo comum, em curso, em que é Autora CC e outros, veio interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos, em 17/11/2024, que julgou improcedente Requerimento da Srª Administradora Judicial da Massa Insolvente, apresentado nos autos em 14.11.2024 (Refª ...68).
Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões:
1. O presente recurso visa a revogação do consignado no douto despacho judicial exarado em 17.11.2024 que, em clara oposição ao visado pela aqui R., desatendeu a principal pretensão formulada pela Sra. Administradora da Insolvência: substituir-se aos insolventes em todas as ações em que sejam apreciadas questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente.
2. Com efeito, na peça processual que apresentou nos presentes autos em 14.11.2024, a Exma. Sra. Administradora Judicial DD, requereu a substituição dos insolventes/Réus por si, na qualidade de administradora de insolvência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 85.º do CIRE, por considerar que, nos identificados autos, se apreciam questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa.
3. Não obstante o requerido, certo é que apenas a segunda pretensão formulada (associação da signatária no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, vulgo CITIUS) foi satisfeita.
4. Com efeito, no despacho ora em crise, o Mmo. Juiz do douto Tribunal a quo fez decidiu que as ações de impugnação pauliana não são abrangidas pela referida substituição processual, uma vez que o seu resultado não poderia influenciar o valor da massa insolvente, considerando-as destituídas de interesse objetivo para a insolvência. Culminando com o indeferimento do requerido pelo Exma. Sra. Administradora de Insolvência.
5. Perante o decidido, a Sra. Administradora da insolvência, requereu apoio judiciário nas modalidades ante identificadas, que mereceu deferimento por parte do ISS, IP.6. Face ao exposto, com o mais elevado respeito por opinião distinta da aqui plasmada, à R. afigura-se-lhe que o decidido pelo Mmo. Juiz do douto Tribunal recorrido manifestamente prejudica/contraria os legítimos interesses da recorrente.
7. Senão vejamos: o pedido formulado pela A./Recorrida nos presentes autos de impugnação pauliana, é o seguinte – e transcrevendo-se: “DECLARAR-SE INEFICAZ A TRANSMISSÃO GRATUITA OPERADA A FAVOR DOS 3ª E 4º RÉUS, RELATIVAMENTE À AUTORA, FICANDO ESTA COM O DIREITO DE PRATICAR OS ATOS DE CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL AUTORIZADOS POR LEI E OS DE EXECUTAR O PRÉDIO, MELHOR IDENTIFICADO NO ARTIGO 19.º, NO QUE FOR NECESSÁRIO PARA SATISFAZER O SEU CRÉDITO.”.
8. O transcrito pedido, tal qual se encontra formulado, visa que a garantia patrimonial de que a A./Recorrida se arroga titular, persiga o bem onde quer que o mesmo se encontre.
9. Ou, por outras palavras, que a garantia patrimonial do seu alegado crédito possa ser executada: quer o prédio se encontre na esfera jurídica dos agora Insolventes, quer se encontre na esfera jurídica dos filhos dos Insolventes, mas sempre sobre o prédio em questão.
10.Estamos, portanto, perante um pedido que a Autora pretende que funcione como um direito de sequela sobre o imóvel em questão.
11.Sucede que, sobre o bem imóvel em questão, à data da apresentação e posterior declaração de insolvência dos Devedores, já pendiam sobre o mesmo, não só a sobredita ação de impugnação pauliana (embora não se encontrasse registada no respetivo registo aquando da elaboração do Relatório pela Exma. Sra. Administradora de Insolvência), como, ainda, uma outra ação, que corre os seus termos sob o n.º 151/24.6T8GMR, junto do Juiz 1 do Juízo Local Cível de Guimarães 12.
12.A Exma. Sra. Administradora da Insolvência, tendo tomado conhecimento das duas ações, aquando da elaboração do Primeiro Relatório, desde logo manifestou a sua intenção de trazer para a massa insolvente o referido bem: não só porque seria o bem de maior valor dos Insolventes e, consequentemente, o que melhor satisfaria os créditos dos credores dos Insolventes, mas, também, porque tanto a A. da ação de impugnação pauliana, como o A. da ação de nulidade da doação viriam a ser credores reclamantes na Insolvência.
13.Por essa razão, a 10 de dezembro de 2024, através do Auto de Apreensão de Bens que aqui se junta como Doc. 1, a Sra. Administradora da Insolvência apreendeu o bem imóvel que se encontra em discussão nos autos.
14.Com o merecido respeito - que é muito - por opinião distinta da aqui consignada e salvo melhor entendimento, ao fazê-lo, a Sra. Administradora da Insolvência não frustrou o crédito de nenhum dos credores, nem tampouco prejudicou as garantias patrimoniais de qualquer dos credores: e ainda menos as da A./Recorrida.
15.Acrescendo que a Sra. Administradora de Insolvência só não procedeu à resolução imediata do negócio que sobre o imóvel recaiu (doação) porquanto, à data da declaração de insolvência dos R., já o prazo legal indicado no artigo 121.º do CIRE se encontrava esgotado.
16.Nunca a Sra. Administradora da Insolvência sequer veio alegar e/ou requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do artigo 287.º do C.P.C. e em conformidade com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, de 25/02/2014.
17.No entanto, não se pode ignorar que o processo de insolvência possui abrangência de “execução universal”, destinada a liquidar o património dos devedores incumpridores para, depois, o dividir pelos credores ou pagar a estes, de acordo com um plano de insolvência.
18.Assim sendo, logo que declarada a insolvência, o devedor relapso, fica inibido, por si ou através dos seus mandatários, de gerir ou dispor dos bens que integram o acervo insolvente, sendo que tais poderes passam a competir ao Administrador de Insolvência (n.º 1 do artigo 81.º do C.I.R.E.), que deverá assegurar a gestão com rigor e parcimónia.
19.Em conformidade com o n.º 1 do artigo 85.º do C.I.R.E. que dispõe que, uma vez “declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiro, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para fins do processo".
20.Com efeito, os efeitos processuais da declaração de insolvência têm ínsita a regra “par conditio creditorum” que, aliás, inspira o artigo 1.º do C.I.R.E. e que a Prof. Ana Prata define como o “princípio segundo o qual todos os credores – que não gozem de nenhuma causa de preferência relativamente aos outros credores – se encontram em igualdade de situação, concorrendo paritariamente ao património do devedor, para obter a satisfação dos respetivos créditos”.
21.Procura-se, assim, no processo de insolvência, a satisfação de todos os créditos, através das estritas formas de liquidação do património.
22.Desta feita, em conjugação com os n.ºs 1 e 3 do artigo 128.º do C.I.R.E., resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação.
23.No caso ora em apreço, em causa está uma ação pauliana.
24.Pelo que, deve ser analisado e conjugado o regime substantivo da impugnação pauliana consagrado nos artigos 610.º e seguintes do Código Civil, com a estatuição do artigo 127.º do C.I.R.E., precisamente a propósito dos efeitos da insolvência quanto a ações de impugnação pauliana pendentes em juízo.
25.Relativamente à impugnação pauliana e atendendo ao facto de o artigo 610.º do C.C. se encontrar enquadrado nos meios de conservação da garantia patrimonial, este normativo estabelece como requisito central que o ato envolva a diminuição da garantia patrimonial do crédito.
26.Razão porque, nesta sede, releva sobremaneira analisar o alcance do artigo 127.º do C.I.R.E., em especial dos seus n.ºs 2 e 3.
27.A este propósito, explicam Carvalho Fernandes e João Labareda que a lei dá prevalência à resolução operada pelo administrador, em face dos seus efeitos quando confrontada com os da impugnação.
28.Nas palavras dos indicados Autores: “Na verdade, aquela aproveita a todos os credores, pois é feita em benefício da massa, enquanto a impugnação só aproveita ao impugnante.” E mais à frente “(...) A nova lei afasta-se da anterior, a qual, no seguimento da nossa tradição, determinava que a procedência da impugnação aproveitaria à comunidade dos credores (vd. art. 159.º, n.º 1, do CPEREF).
29.Tal como referem os autores acima citados, o regime jurídico da insolvência dá prevalência à resolução operada pelo administrador, por se tratar de ato que aproveita a todos os credores da massa insolvente, ao contrário da impugnação pauliana que, como vimos, só aproveita ao próprio impugnante e na exata medida do seu crédito.
30.Assim, dever-se-á concluir pela substituição, nos presentes autos, dos Insolventes pela Sra. Administradora de Insolvência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 85.º do C.I.R.E., uma vez que em causa está uma ação em que se apreciam questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentada contra os devedores (e, ainda, contra terceiros) e cujo resultado pode influenciar o valor da massa.
31.E ainda que assim não se entenda – o que não se concebe e só por mera cautela de patrocínio se hipotiza -, ainda que se entenda que a ação de impugnação pauliana corra “à margem” do processo de insolvência, nunca se poderá entender que o resultado e decisão que vier a ser proferida na ação de impugnação pauliana não poderá influir no processo de insolvência e, correspondentemente, no valor da massa insolvente.
32.Ademais, o entendimento de que “as ações de impugnação pauliana não são abrangidas pela referida substituição processual, uma vez que o seu resultado não pode influenciar o valor da massa insolvente, sendo destituídas de interesse objectivo para a insolvência” poderá resvalar para a desconsideração total do espírito de execução universal da insolvência e poderá levar a uma corrida desenfreada às ações de impugnação pauliana por parte dos credores que, na dúvida e para salvaguardarem as suas garantias sobre todos os outros credores, optarão por intentar ações de impugnação pauliana e, desta feita, verem o seu crédito ser privilegiado e pago “à margem” do processo de insolvência.
33.Ou seja, a Lei prevê expressamente quais os casos em que alguns credores serão pagos com preferência sobre os demais: e esses serão apenas os que beneficiem de consignação de rendimentos, penhor, hipoteca, privilégio e direito de retenção.
Ora,
34.A A./Credora/Reclamada, beneficia de uma causa legítima de preferência, por ter uma hipoteca constituída e devidamente reclamada no processo de insolvência dos Réus/Insolventes/R., mas não poderá beneficiar, em prejuízo de todos os demais credores, por ser autora de uma ação de impugnação pauliana.
35.Nessa conformidade, após sentença declaratória da insolvência, e caso se opte pela liquidação do património, depois de reclamados os créditos por parte dos credores que nisso tenham interesse (128.º, CIRE), é proferida sentença de graduação de créditos (130.º, n.º 3, CIRE), sendo aí qualificados juridicamente os direitos de crédito que existiam aquando da declaração da insolvência e os que forem declarados reconhecidos.
36.Por conseguinte, em primeiro lugar, deverão ser satisfeitos os credores da massa (46.º e 172.º, CIRE), e só depois os credores da insolvência (47.º e 173.º, CIRE), subdividindo-se, por esta ordem, em: garantidos (174.º, CIRE), privilegiados (175.º, CIRE), comuns (176.º, CIRE) e, subordinados40 (48.º e 177.º, CIRE).
37.No caso dos presentes autos, o entendimento versado no douto despacho em crise viola o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP), bem como o entendimento de execução universal ínsito ao processo de insolvência, porquanto, se a ação de impugnação pauliana correr “à margem” do processo de insolvência e em total desconsideração dos demais credores, significará o prejuízo, em particular, de outro credor privilegiado, também com hipoteca constituída sobre o mesmo bem.
38.Por outras palavras: o princípio de igualdade dos credores em sede de Direito da Insolvência distingue-se do princípio de igualdade de credores em sede de execução singular, já que o primeiro não se destina à satisfação do direito individual de cada credor, mas antes visa um tratamento igualitário de todos os credores do devedor, sob a ideia de justiça distributiva, pois o devedor, para ter sido declarado insolvente, está, com certeza, numa situação de crise económica, mais do que numa mera situação económica difícil, tornando-se, por isso, previsível que nem todos os credores verão satisfeito o seu direito.
39.Prevalece, assim, entre eles, desde o momento em que se constituem os seus créditos, uma relação de solidariedade económica natural (comunhão no risco), em que partilham todos dos riscos económicos da atividade patrimonial do devedor comum, resultando limitados os direitos dos credores (distribuição do sacrifício).
40.Assim, a igualdade será realizada através da proporcionalidade no prejuízo e da parcial satisfação através do pagamento.
41.É, por conseguinte, imperioso impedir-se, num processo tipicamente universal e igualitário, que é o processo de insolvência, que algum credor consiga obter, à margem [de tal processo], de forma mais célere ou mais eficaz do que os restantes, a realização do seu crédito.
42.Com efeito, com a declaração de insolvência, a relação entre os credores e o património do devedor passa de individual para universal, sendo que, o património do devedor converte-se na massa insolvente.
43.Por essa razão, qualquer direito dos credores que incida sobre todo o património do devedor existente à data da declaração de insolvência e que o possa afetar, transforma-se, de um direito de exercício individual, num direito de exercício coletivo, de forma a respeitar-se, não só o princípio par conditio creditorium, como o disposto no artigo 90.º do C.I.R.E e, também o constitucionalmente consagrado princípio da igualdade.
44.Deste modo, o interesse dos credores passa a ser o interesse da massa, representada pelo administrador de insolvência.
45.Consequentemente, aquando da declaração de insolvência, todo o património do devedor, incluindo os bens que entretanto foram objeto de impugnação pauliana, deveria responder pela totalidade dos créditos reconhecidos, sendo que, qualquer ação instaurada na pendência de tal processo universal seria exercida no interesse indiscriminado de todos os credores prejudicados por determinado ato, ultrapassando-se a tutela do interesse concreto e individual do credor impugnante, que é absorvida pela massa (e sendo, na massa, contido o próprio interesse do credor).
46.Pelo que, entender-se que a impugnação pauliana, a proceder, em nada afeta o valor da massa insolvente, desvirtua por completo o próprio processo de insolvência, não se fazendo qualquer exigência de universalidade.
47.Concluindo, a interpretação do douto despacho ora em crise, a manter-se, significa que, não obstante a insolvência dos devedores, a ação prosseguiria, em relação ao bem objeto da ação pauliana, apenas entre o credor impugnante e os devedores, ficando o seu crédito a salvo da execução universal, com evidente tratamento discriminatório, isto é, o credor impugnante evitaria, fazendo uso da ação de impugnação pauliana, o concurso dos restantes credores do seu devedor, pois executaria determinado bem diretamente.
48.Pelo que, é criticável, do ponto de vista valorativo, conceder um privilégio a um determinado credor, quando se tenta assegurar o tratamento paritário dos credores ao longo de todo o texto do C.I.R.E.
49.Assim, dever-se-ão interpretar os preceitos referidos tendo em conta a sua finalidade e a unidade do sistema jurídico, concluindo-se, assim, que, em certos casos, mormente naqueles em que a letra do texto fica aquém do seu espírito, e de forma ponderada, fará sentido ter esta audácia, para que se promova uma solução mais justa e que melhor se enquadre com os princípios fundamentais e com a teleologia do Direito da Insolvência. Não foram proferidas contra-alegações. O recurso interposto pelos requerentes, não foi admitido por despacho do Tribunal “a quo” de fls. tendo-se considerado ser a decisão irrecorrível, autonomamente. Por despacho da Relatora, de 24/4/2025, foi o recurso admitido neste Tribunal da Relação, em deferimento de incidente de Reclamação deduzido pelos apelantes, admitindo-se o recurso como apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo, nos termos dos artº 644º-nº2-al.h), 645º-nº2 e 647º-nº1, todos do Código de Processo Civil. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, é a seguinte a questão a apreciar: - deverá proceder-se à substituição dos Réus pela Senhora Administradora de Insolvência nomeada no âmbito do Processo 5575/24.6T8GMR, que corre termos junto do Juiz 2 do Juízo de Comércio de Guimarães, e em que os mesmos forma declarados insolventes ? FUNDAMENTAÇÃO( de facto e de direito ):
I. 1. A decisão recorrida constitui o despacho datado de 17.11.2024, proferido nos autos principais de acção declarativa de impugnação pauliana, com o seguinte teor: “Refª ...68, de 14.11.2024 – O âmbito da substituição processual do insolvente pelo administrador da insolvência delimitado, nos termos dos artigos 81.º, n.º 4, e 85.º, n.º 3, do CIRE, pelo seu interesse objectivo para a insolvência, designadamente, por versarem sobre bens compreendidos na massa insolvente ou cujo resultado possa influenciar o valor da massa. Conforme resulta do disposto no art.º 616.º, n.º 4, do Código Civil, os efeitos da procedência da impugnação pauliana aproveitam apenas ao credor impugnante, regime que é aplicável ainda que o devedor seja declarado insolvente – Cfr., neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, 2015, págs. 516 a 518, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, 2021, págs. 245 a 252, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Volume I, 3.ª Edição, Almedina, 2021, pág. 196, e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 8.ª Edição, Almedina, 2023, págs. 276 e 277. Conforme se refere no Ac. da Relação do Porto, de 14.05.2013, proc. n.º 289/11.0TJVNF.P1, disponível em www.gde.mj.pt: “Cremos não haver dúvida de que é hoje ponto assente, quer na doutrina[6] quer na jurisprudência[7], que a acção de impugnação pauliana não é uma acção de anulação. É uma acção pessoal, onde se faz valer apenas um direito de crédito do autor. É o que resulta do disposto no citado art.º 616.º. Em anotação a este artigo, os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela escreveram: “O carácter pessoal da impugnação pauliana aparece afirmado especialmente nos nºs 1 e 4 deste artigo: o primeiro, ao atribuir ao credor o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse; o segundo, não atribuindo aos outros credores quaisquer direitos sobre esses bens (...). Por outro lado, sacrificando o acto apenas na medida do interesse do credor impugnante, mostra-se claramente que ele não está afectado por qualquer vício intrínseco capaz de gerar a sua nulidade, pois se mantém de pé, como acto válido, em tudo quanto excede a medida daquele interesse”. O Prof. Menezes Cordeiro, depois de noticiar que se defrontam várias teorias acerca da natureza da acção pauliana, segundo as quais ela seria uma acção de nulidade ou de anulação, uma acção constitutiva, restitutória ou recuperatória e uma acção declarativa, refere que esta última tem merecido adesões generalizadas por parte dos autores mais recentes e adere a ela, escrevendo: “Efectivamente, a acção pauliana em nada altera a situação jurídica substancial que lhe está subjacente. O acto impugnável tem, mercê das suas próprias características, um teor desvalorizado pelo Direito, em termos de propiciar a sua impugnação. A acção pauliana nada mais faz do que traduzir a actuação dessa realidade substantiva”. João Cura Mariano também adverte que a expressão utilizada no n.º 1 do referido art.º 616.º “direito à restituição” não deve ser encarada no sentido de uma viagem de regresso entre patrimónios. E acrescenta: “Esta denominação não significa a reentrada dos bens alienados no património do devedor, num movimento retroactivo, nem sequer a entrega dos mesmos ao credor; mas tão somente o restabelecimento da garantia patrimonial diminuída, através da exposição desses bens, independentemente da sua situação jurídica, aos meios legais conservatórios e executórios colocados à disposição do credor impugnante. Com a impugnação pauliana não se obtém a restauração do património do devedor, mas sim a reconstituição da garantia patrimonial do crédito do impugnante”. “O facto de o devedor já ter sido declarado insolvente em processo judicial é indiferente para a determinação dos requisitos e efeitos da impugnação pauliana, aproveitando as consequências da sua procedência apenas ao credor impugnante”. Isto porque, seguindo-se o modelo francês, não se previu qualquer especialidade resultante do devedor já ter sido declarado insolvente, limitando-se o legislador a regular os casos de concurso com o direito de resolução. De facto, além do disposto no art.º 127.º, n.º 3, do CIRE, não consta deliberadamente qualquer regra especial relativa aos efeitos da impugnação pauliana, pelo que, na falta de qualquer especialidade, são aplicáveis as regras gerais previstas no art.º 616.º do Código Civil. Sinal de que esta omissão resultou de uma opção do legislador é o facto de no n.º 2 do mesmo artigo ter declarado que as acções de impugnação pauliana nunca seriam apensas ao processo de insolvência, quer já se encontrassem propostas, quer a sua proposição ocorresse ulteriormente à declaração de insolvência, o que revela bem que a sua procedência não aproveita a todos os credores aí reconhecidos. Para além disso, no n.º 3, ainda do mesmo artigo, é feita uma referência explícita ao art.º 616.º do Código Civil quanto aos efeitos da de tal acção. É, assim, inequívoco que com o CIRE desapareceu o regime especial dos efeitos da impugnação pauliana, passando o regime geral do Código Civil a ser integralmente aplicável aos casos em que o devedor haja sido judicialmente declarado insolvente, devendo apenas atentar-se no disposto no n.º 3 do citado art.º 127.º para efeitos de medição do crédito do credor impugnante. Este mesmo autor, a propósito da legitimidade, escreveu: “A legitimidade passiva pertence ao terceiro adquirente, visto que é sobre ele que incide o “dever de restituição” que resulta da impugnação, e também ao devedor, enquanto participante no acto impugnado”. Acrescentou que, face ao regime estabelecido no actual Código Civil, se suscitam algumas dúvidas acerca da existência de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, resultantes dos efeitos limitados da impugnação por não atingirem directa e imediatamente a posição do devedor. Adiantou que, mais do que um litisconsórcio natural resultante do disposto n.º 2 do citado art.º 28.º e da necessidade de resolução definitiva da situação concreta, mesmo que não se queira admitir que a natureza da relação controvertida impõe a presença do devedor na acção pauliana, deve reconhecer-se que a situação de litisconsórcio necessário passivo resulta da própria lei, nos termos do n.º 1 daquele artigo e do disposto no art.º 611.º do Código Civil. E, com toda a pertinência e interesse para o caso que nos ocupa, afirmou expressamente: “Se o devedor já foi judicialmente declarado insolvente e consequentemente perdeu o poder de disposição dos seus bens, passando o administrador da insolvência a representá-lo para todos os efeitos de carácter patrimonial (art. 81.º, n.º 4, do C.I.R.E.), deve, contudo, continuar a ser demandado juntamente com o terceiro adquirente …. Os interesses que justificaram a defesa da presença do devedor no lado passivo das acções de impugnação pauliana, mantém-se, mesmo após a declaração de insolvência, e o resultado patrimonial destas acções não influi no processo de insolvência”. Deste modo, impõe-se considerar que as acções de impugnação pauliana não são abrangidas pela referida substituição processual, uma vez que o seu resultado não pode influenciar o valor da massa insolvente, sendo destituídas de interesse objectivo para a insolvência – Cfr., neste sentido, J. Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 4.ª Edição, Almedina, 2023, págs. 257 e 258. Face ao exposto, indefiro o requerido.”
2. E, o indicado despacho recorrido conheceu o Requerimento da Srª Administradora Judicial da Massa Insolvente de AA e BB, Réus nos autos de acção declarativa, apresentado nos autos em 14.11.2024 (Refª ...68), com o seguinte teor: “(…) DD, Administradora da insolvência nomeada para a insolvência de AA e BB, cujo processo sob o nº 5575/24.6T8GMR corre termos pelo Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte: 1. Por sentença de 18/09/2024 foi declarada a insolvência de AA e BB e esta AI nomeada administradora da insolvência, (Cfr. doc. 1 que se junta). 2. Nos termos do disposto no nº 3 do art.º 85º do CIRE, o administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária. Pelo exposto, requer a V. Exa. se digne ordenar a associação desta AI aos presentes autos para que possa acompanhá-los”.
II. a. Compulsados os autos, nos termos acima definidos, verifica-se que o despacho recorrido se reporta ao conhecimento de Requerimento da ora reclamante Massa Insolvente dos Réus na acção, - no qual esta invoca que nos termos do disposto no nº 3 do art.º 85º do CIRE, o administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, e, pede - “se ordene a associação desta AI aos presentes autos para que possa acompanhá-los” – tendo-se decidido julgar improcedente o requerido, mas reportando-se a decisão recorrida à faculdade de substituição da parte passiva (Réus) na acção. b. Distintamente, atento o seu teor e finalidade, no indicado Requerimento (Refª ...68), se formula, expressamente, pedido de que “se ordene a associação da AI aos autos para que possa acompanhar os Réus”.
III. a. Sendo este o expresso e concreto pedido formulado – “associação da AI aos autos para que possa acompanhar os Réus” improcede a apelação no tocante à, distinta, pretensão ora formulada nas alegações de recurso de “substituição” dos Réus na acção.
b. Mais se considerando que, nesta parte, no despacho recorrido se decidiu em objecto diverso do pedido, sendo a decisão nula, neste segmento, nos termos do artº 615º-nº1-al.d) do Código de processo civil.
c. Circunstância que não obsta ao conhecimento da Apelação atento o disposto no artº 665º-nº1 do citado diploma legal.
IV. 1. Relativamente ao pedido formulado - “associação da AI aos autos para que possa acompanhar os Réus” – tal intervenção não se enquadra na previsibilidade legal de “Intervenção de Terceiros” prevista e regulamentada no Capítulo III, artº 311º e sgs. do Código de Processo Civil.
2. Com efeito, não é a Srª AI litisconsorte dos Réus para intervir na acção nessa qualidade nos termos do artº 311º, do diploma legal em análise, reiterando-se os fundamentos da decisão recorrida, nos termos supra assinalados.
3. Igualmente não tendo a Srª AI legitimidade para na acção intervir como “Assistente”, nos termos do artº 326º-nº1, do mesmo diploma legal, desde logo atento o nº2 do preceito que prevê: “Para que haja interesse jurídico, capaz de legitimar a intervenção, basta que o assistente seja titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão do assistido”.
4. Nem, ainda, tem a Srª Administradora da insolvência legitimidade para na acção intervir como opoente nos termos do artº 333º, do citado código, para fazer valer um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões deduzidas nos autos pelas partes.
V. E, nem ainda, e mesmo que se entendesse haver lugar ao conhecimento da questão pela apelante suscitada na apelação, teria legitimidade para na acção intervir no lado passivo em “substituição dos Réus”.
a. Dispõe o artigo 610º, do Código Civil, que “Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes: ser o crédito anterior ao acto ou, ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor [a]; resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade [b]”.
Sendo pressupostos da impugnação pauliana, conforme legal previsão do citado artº 610º e artº 612º do Código Civil: (i) Que o crédito do credor impugnante seja anterior ao acto ou, sendo posterior, tenha sido o acto realizado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (art. 610º, alínea a)); (ii) Que resulte do acto a impossibilidade para o credor de obtenção da satisfação integral do crédito ou o agravamento dessa impossibilidade (art. 610º, alínea b)); (iii) Que, sendo o acto impugnado oneroso, exista má fé do devedor e do terceiro (art. 612º, nº 1), sendo a má fá a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (art. 612º, nº 2); sendo que ao credor apenas incumbe a prova do montante das dívidas ( cfr. citado artº 611º ), não lhe sendo já legalmente exigível provar o passivo do devedor nem a sua insolvência.
Como se refere no Ac. STJ de 17/10/2025, P.903/11.7TBFND.C1.S1, in www.dgsi.pt: “Para que possa proceder uma impugnação pauliana, é condição necessária que do acto impugnado possa resultar a impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito (al. b) do mesmo artigo 610º do Código Civil). Não necessariamente a insolvência, como se sabe, bastando a impossibilidade de facto (ou o agravamento respectivo) – cfr., a título de exemplo, o que se recorda quanto à história do preceito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 201\1, www.dgsi.pt, proc. nº 7288/07.4TBVNG.P1.S1: “Deixou de ser necessária a insolvência do devedor, passando a entender-se que aquela impossibilidade prática ou o seu agravamento devem justificar a impugnação, com vista a prevenir as hipóteses em que o devedor continua solvente mas os outros bens se mostram praticamente inexecutáveis”.
b. A eventual procedência da acção de impugnação pauliana, apenas produz a ineficácia do negócio, celebrado entre o devedor e um terceiro, em relação ao Autor/credor, reconhecendo-lhe o direito à restituição dos bens, na medida do seu crédito, podendo executá-los no património dos Réus ou do terceiro adquirente, e podendo praticar sobre tais bens os actos de conservação de garantia que se acharem necessários.
Tratando-se a “Impugnação pauliana” de garantia da obrigação, em particular, conservação de garantia patrimonial, tal como prevista no Capítulo V, Secção II, Subsecção III, do Código Civil.
Nos termos do disposto no artº 616º-nº1 do Código Civil, que regula os “Efeitos em relação ao credor” da impugnação pauliana: - “Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei”, por sua vez, dispondo o artº 818º, do citado código, que “O direito à execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, Vol. II, 2ª edição, pág. 81 “A doutrina desta parte final do preceito é confirmada pelo artº 616º-nº1. Julgada procedente a impugnação pauliana, diz este artigo, o credor não tem só direito á restituição dos bens como à execução deles no património do terceiro adquirente. Não é necessária, pois, a entrada dos bens no património do alienante para aí serem executados”.
No mesmo sentido se referindo no Ac. STJ de 12/3/2015, P. 13/11.7TBPSR.E1.S1, in www.dgsi, em jurisprudência que se afigura uniforme “A alienação dos bens do devedor a favor de terceiros não torna esse acto de disposição como acto inválido, em razão do funcionamento da impugnação pauliana. Neste sentido afirma Antunes Varela (obra citada, pág. 458) que “a procedência da pauliana não envolve a destruição do acto impugnado, porque visa apenas eliminar o prejuízo causado à garantia patrimonial do credor impugnante”, o que “significa que, uma vez reparado esse prejuízo, nenhuma razão subsiste para não manter a validade da parte restante do acto, não atingida pela impugnação pauliana”. A mesma posição é assumida por Pires de Lima e Antunes Varela (C.Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 633) ao afirmarem que “… sacrificando o acto apenas na medida do interesse do credor impugnante, mostra-se claramente que ele não está afectado por qualquer vício intrínseco capaz de gerar a sua nulidade, pois se mantém de pé, como acto válido, em tudo quanto excede a medida daquele interesse …”. (v., e, igualmente, Ac. STJ de 13/12/2005, in Col. Jur. STJ, Tomo III, 2005, pág. 162). Nestes termos, não retornando os bens por efeito da impugnação pauliana à esfera jurídica dos alienantes, “A procedência da impugnação conduz a que os bens alienados podem ser executados como se não tivessem saído do património do devedor” – Ac. STJ de 6/11/2008, P. 07B4517.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência do recurso de apelação.
DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal, em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão de indeferimento recorrida, nos termos acima expostos.
Custas pela apelante.