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REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário
I - Apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando a sentença não aprecia as questões relevantes que deva conhecer, o que não se confunde com considerações, argumentos, factos ou razões invocados pela parte. II - Porém, assume tal natureza de questão, cuja falta de apreciação gera a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, a invocação da excepção dilatória da incompetência do tribunal antes da sentença e que nesta não tenha sido apreciado. III - Verificada a omissão de pronúncia, o regime previsto no art. 617º do CPC concede ao juiz de 1.ª instância a oportunidade, ainda que derradeira, antes da subida do recurso, para validamente sanar o vício. IV - Não o tendo feito, já se tendo as partes pronunciado sobre a questão, cabe agora a este Tribunal ad quem suprir a nulidade, dando aplicação ao disposto no art. 665º do CPC, conhecendo da invocada excepção dilatória da incompetência do tribunal. V - O Regime do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/98, de 13 de Maio, estabelece um regime especial de impugnação dos despachos que recusem ou admitam a inscrição definitiva de pessoas colectivas ou outras entidades no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (FCPC). VI - Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 63º/1 e 66º/1 do referido regime, desses despachos cabe recurso hierárquico para o presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. ou impugnação judicial para o Tribunal do domicilio ou sede da recorrente (secções do comércio) o julgamento das impugnações dos despachos dos conservadores ou oficiais de registo do registo comercial – categoria em que se integra a presente impugnação judicial, já que o RNPC é um serviço central de registo. VII - Os tribunais a que se referem estes preceitos são os tribunais judiciais e, dentro destes, é da competência das secções de comércio o julgamento das impugnações dos despachos dos conservadores.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 – RELATÓRIO
CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ..., Instituição Particular de Solidariedade Social, com sede na Rua ..., freguesia ..., do Concelho ..., veio impugnar judicialmente a decisão do IRN - REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS, o qual comunicou a decisão de eliminação do Ficheiro Central de Pessoas Coletivas do NIPC, atribuído a “CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ...”, por decurso do prazo do certificado de admissibilidade que aprovou aquela denominação sem que tivesse sido promovida a inscrição prevista no nº 2 do art. 11º do Regime do RNPC dentro do prazo de validade do mesmo, cessando, assim, a presunção de exclusividade sobre o direito ao uso da firma e do número de identificação de pessoa colectiva por parte da A. e ora Recorrente.
Por sua vez, o IRN - REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS, através da sua Diretora, proferiu Despacho (nos termos do nº 4 do art. 70º do RRNPC) a sustentar o prévio Parecer, de acordo com o qual por nunca se ter consolidado na esfera jurídica da recorrente o direito ao uso da denominação aprovada pelo certificado de admissibilidade referido, por caducidade do mesmo (cfr. art. 15º/3 do RRNPC), não foi, nem poderia, o RNPC proferir qualquer decisão a declarar a perda da denominação, pelo que foram a entidade provisória e o NIPC que lhe estava associado eliminados do ficheiro. Invocou o ora recorrido que a pretensão da recorrente que o RNPC notificasse a entidade, concedendo-lhe um mês com vista a regularizar a sua situação no FCPC e a sua consequente inscrição no FCPC, significaria a violação da lei, nomeadamente do disposto nos arts. 35º e 11º/2, ambos do RRNPC, afectando direitos de terceiros. Concluiu esse Parecer, sustentado pelo aludido Despacho, que sempre a recorrente teria, atento o disposto no nº 1, al. a), e no nº 3 do art. 56º do mesmo regime, de requerer novo certificado de admissibilidade para efeitos de inscrição da entidade no FCPC, pressupondo a sua emissão a atribuição de um novo número de identificação – cfr. art. 15º/1 do RRNPC.
Foi notificada a ora recorrente do teor desse Despacho de sustentação e foi remetido todo o processo ao Tribunal recorrido[1], conforme estabelece o nº 5 do citado art. 70º do RRNPC.
Em 07-01-2025, o Mmº Juiz a quo decidiu o “Recurso de Contencioso” nos seguintes termos:
Nestes termos, e nos mais de direito, julgando-se a Impugnação Judicial procedente, por provada, decide-se:
1.a) Revogar a decisão do Réu e ora Recorrido, IRN-REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS, de eliminação da Autora e ora Recorrente do Ficheiro Nacional de Pessoas Coletivas;
b) Ordenar/Convidara Autora CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ...a regularizar a sua inscrição no RNPC, nos termos e com todos os devidos e legais efeitos;
2) Sem custas.
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Registe(artigo 153º/4 do Código de Processo Civil).
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Inconformado com essa decisão, apresentou o IRN - REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:
1.ª - A questão da competência do tribunal é de conhecimento oficioso. Apesar de expressamente suscitada a questão, o Tribunal a quo considerou-se competente, sem se ter pronunciado sobre a exceção dilatória da incompetência invocada, o que consubstancia uma omissão de pronúncia sobre questão relativamente à qual competia ao Tribunal apreciar e decidir. 2.ª - Nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC, a omissão de pronúncia relativamente à questão da competência do tribunal, constitui causa de nulidade da sentença. 3.ª - O FCPC é constituído por uma base de dados informatizados onde se organiza informação atualizada sobre as pessoas coletivas necessária aos serviços da Administração Pública para o exercício das suas atribuições (cfr. nº 1 do artigo 2º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas - RRNPC). 4.ª - Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 4º do RRNPC, o FCPC integra informação relativa, entre outras entidades, a associações. 5.ª - Por força do disposto na alínea h) do nº 1 do artigo 56º do RRNPC, está sujeita à verificação da disponibilização de certificado de admissibilidade da respetiva firma ou denominação, a inscrição no FCPC da constituição de associações. Nos termos do nº 3 do citado artigo, o certificado de admissibilidade deve estar dentro do seu prazo de validade à data do pedido de inscrição no FCPC. 6.ª - Estipula igualmente o nº 2 do artigo 11º do RRNPC, que as demais entidades, isto é, as entidades não sujeitas a registo comercial, devem promover a inscrição no FCPC no prazo de validade do certificado de admissibilidade, que é de três meses (cfr. nº 1 do artigo 53º do citado Regime). 7.ª - Ultrapassado o prazo de validade previamente fixado no certificado de admissibilidade de firma ou denominação, o direito extingue-se, cessando a presunção de exclusividade para o uso daquela firma e daquele NIPC. 8.ª - Não sendo efetuada a necessária inscrição no FCPC naquele prazo de validade, a entidade, que é provisória, e o NIPC que lhe está associado, são naturalmente eliminados, de forma automática, do Ficheiro, ficando a firma sem qualquer proteção. 9.ª - A eliminação de NIPC constitui uma consequência legal da não inscrição da entidade no FCPC, resulta de um automatismo do sistema informático, não sendo proferida qualquer decisão pelo RNPC nesse sentido. 10.ª - Em matéria de inscrição no FCPC vigora o chamado princípio da instância, competindo a iniciativa e promoção da inscrição no FCPC, a que alude o art. 4º do RRNPC, aos interessados – artigo 11º, nº 2 do RRNPC -, constituindo a oficiosidade, prevista no artigo 12º nº 1 do mesmo Regime, uma exceção que só ocorre nos casos expressamente previstos na lei, nomeadamente nas situações previstas no nº1 do art.11º do RRNPC, relativo às entidades sujeitas a registo comercial e nas situações em que a Autoridade Tributária (AT) solicita ao RNPC a inscrição oficiosa para efeitos de atribuição de NIPC, de determinada entidade sujeita ao Regime Jurídico do RNPC e que não cumpriu as formalidades legais de inscrição, mas cuja identificação esteja naturalmente estabelecida– cfr. art.º 27º, nº 1 al. c) do Decreto-Lei nº 14/2013, de 28 de janeiro. 11.ª - Assim, no caso, e sem embargo de a associação se ter constituído e registado na Direção Geral de Segurança Social, esta já não é detentora do referido NIPC. 12.ª - A perpetuação no FCPC da firma admitida a que estava associado o NIPC ...96, significaria uma clara violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da prioridade, porquanto decorre expressamente da lei, nomeadamente do nº 3 do art.º 15º RRNPC, que o NIPC provisório tem o mesmo prazo de validade do certificado que lhe deu origem. 13.ª - Mais, a sua manutenção no FCPC, para além do prazo previsto, inviabilizaria a eventual aprovação de firma idêntica a favor de outrem, em clara violação do princípio da prioridade. 14.ª - O RNPC não proferiu nem poderia proferir declaração de perda do direito ao uso exclusivo de denominação e de NIPC relativamente à entidade em questão, uma vez que nunca se consolidou na sua esfera jurídica o direito ao uso da denominação aprovada pelo certificado de admissibilidade nº...44, emitido em ../../1999, que aprovou a denominação “Centro de Apoio e Solidariedade da ...”, exatamente por motivo de caducidade do mesmo. 15.ª - A possibilidade de o RNPC poder declarar a perda do direito ao uso de firma e denominação por falta de inscrição no FCPC no prazo em que a mesma devia ter sido realizada, só poderá ser aplicada a casos em que a entidade obteve o direito ao uso exclusivo da denominação, ainda que não inscrita, o que não é o caso da entidade em questão. 16.ª - A douta sentença impugnada padece de erro de julgamento, quer por efeito de uma distorção da realidade factual subjacente à pretensão deduzida pela Autora recorrida, quer por efeito de erro na aplicação do direito aplicável, e não corresponde à realidade ontológica, nem à realidade normativa, assentando o seu entendimento em normas não aplicáveis ao caso. 17.ª - Erros que, em ambas as vertentes referidas se verificam, e que originam a violação de lei substantiva, onde se incluem a escolha inadequada e a interpretação errónea da norma, bem como a inexata qualificação jurídica e o desacerto na determinação das consequências jurídicas referentes ao caso concreto. 18.ª - Pelas razões expostas, portanto, no caso sub judice deverá ser requerido novo certificado de admissibilidade de firma ou denominação, para efeitos de inscrição da associação no FCPC, à qual será atribuído inevitavelmente um novo NIPC.
Nos termos expostos e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a decisão do Tribunal que determinou a revogação da decisão recorrida (no sentido da eliminação da Autora do FCPC), por esta assentar em pressupostos errados, de facto e de direito.
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Notificado das alegações de recurso apresentadas pelo IRN-REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS, veio o CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ... apresentar as suas contra-alegações, que finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:
1. O recurso apresentado é intempestivo, devendo, por isso, ser rejeitado por extemporaneidade, por ter sido interposto fora do prazo legalmente previsto; 2. O Recorrente foi notificado a 09.01.2025, seguindo a Lei Processual Civil o prazo para a prática do ato processual do Recorrente terminava em 10.02.2025, ou, mediante pagamento de multa, a 13.02.2025; 3. O recurso que, em 14.02.2025, o Recorrente apresentou é claramente intempestivo (uma vez que apresentado decorrido tal prazo e os três dias úteis que ainda lhe permitiria a prática do ato mediante o pagamento da multa prevista no artigo 139º/5, do CPC); 4. Estando o Recurso em desconformidade com os requisitos do Código de Processo Civil, deverá ser indeferido nos termos do Artigo 641º, n.º 2, aliena a) do Código de Processo Civil;
Sem prescindir, 5. Não estamos aqui perante uma sentença nula como alega o Recorrente, uma vez que não há por parte do douto Tribunal nenhuma violação do artigo 615º, nº 1 do CPC, devendo ser julgado improcedente o pedido de declaração da nulidade da sentença, devendo a mesma manter-se talqualmente; 6. A exceção dilatória alegada pelo Recorrente, nomeadamente, a incompetência do Tribunal constitui uma exceção dilatória em que a sua apreciação ocorre antes da análise do mérito, sendo esse conhecimento resultar de um juízo implícito, mormente, quando o tribunal não conhece da exceção, mas decide o mérito da causa; 7. No caso concreto, o Tribunal a quo ao proferir sentença sem se declarar incompetente, reconheceu implicitamente a sua própria competência; 8. O conhecimento da exceção dilatória em apreço é de conhecimento oficioso por parte do Tribunal, pelo que mesmo que a parte não procedesse a qualquer alegação sobre a incompetência do
Tribunal, cabia ao mesmo conhecer da mesma caso assim fosse, o que não é o caso; 9. Além disso, o Tribunal a quo não se encontra refém das exceções dilatórias arguidas pelas partes, uma vez que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, conforme preceitua o Artigo 5.º do CPC; 10. O Tribunal entendeu que era competente, não tinha a obrigação de fundamentar essa posição expressamente, pois ao proferir decisão/sentença reflete esse entendimento;
Sem prescindir e caso assim não se entenda, 11. Na eventualidade de se considerar que o Tribunal a quo deveria ter proferido uma decisão expressa sobre a sua competência, a consequência não poderá ser a anulação da sentença na íntegra, mas sim a reforma da decisão por forma a suprir essa omissão; 12. A nulidade da sentença apenas se justificaria se a ausência de decisão expressa sobre a competência tivesse impedido o tribunal de conhecer o mérito, o que não aconteceu, e ainda o Recorrente não conseguiu demonstrar qualquer prejuízo concreto que tenha resultado da ausência de decisão expressa sobre a competência;
Sem prescindir, 13. Estamos perante uma decisão cuja fundamentação sobre a matéria de facto está fundamentada de modo tão completo, tão detalhado e na qual é possível perceber que o Meritíssimo Juiz a quo analisou de modo profundo os documentos juntos aos autos, bem como toda a prova produzida; 14. Ora, para efeitos de constituição enquanto associação e respetiva publicação no Diário da República, e registo na Direção Geral de Segurança Social como IPSS, a Recorrida requereu junto do Registo Nacional de Pessoa Coletivas (RNPC) o certificado de admissibilidade da firma “CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ...”, sendo o mesmo emitido a ../../1999 com o n.º ...44, sendo-lhe atribuído o NIPC provisório ...96; 15. Na sequência do pedido e da sua emissão, foi constituída a Associação por escritura pública, certificada em Diário da República, sendo os factos vindos de referir, devidamente analisados pelo Tribunal a quo, considerando como factos provados; 16. Bem andou, o Tribunal a quo, ao estribar-se na verificação do cumprimento dos requisitos legais pela Recorrida, uma vez que ao concluir pela regularidade da obtenção do certificado de admissibilidade e a sua validade à data do pedido de inscrição, reconhece a inexistência de qualquer vicio que pudesse comprometer a legalidade do processo em questão; 17. As entidades sujeitas a registo comercial obrigatório e as que o tenham requerido, bem como os atos e factos que a umas e outras respeitem, são oficiosamente inscritos no FCPC, através de comunicação automática eletrónica do sistema integrado do registo comercial (SIRCOM), nos termos do Artigo 11º, n.º 1 do RNPC; 18. Não se concebe nem se concede o argumento de que, caso a inscrição no FCPC não seja efetuada dentro do prazo de validade do certificado de admissibilidade, a entidade provisória e o NIPC provisório a ela associado sejam automaticamente eliminados do sistema, deixando a firma sem qualquer proteção; 19. O RNPC pode e deve inscrever oficiosamente no FCPC as entidades que não tenham cumprido a obrigação legal de requerer a inscrição e cuja identificação esteja estabelecida nos termos do artigo 12º, n.º 1 do RNPC, devendo sequentemente ser promovido o procedimento legal que ao caso couber; 20. Se assim não ocorresse, a decisão sobre a inscrição da entidade no sistema ficaria, em rigor, à discricionariedade do FCPC, que poderia ou não optar por exercer essa faculdade de inscrever a entidade no ficheiro; 21. Embora, de facto, o artigo 4.º do RNPC confira aos interessados a responsabilidade pela promoção da inscrição, o artigo 12.º permite, a inscrição oficiosa não limitada às situações previstas no Artigo 11.º, mas também é aplicável em casos em que, apesar de não ter sido cumprida a formalidade da inscrição, a identificação da entidade está claramente estabelecida, o que é precisamente o caso da Recorrida; 22. Se o direito ao uso da firma caducasse automaticamente pela não inscrição no ficheiro central no prazo a que alude o artigo 11º, nº 2, aliena a), do DL nº 129/1998, seria de todo desprovida de sentido a norma do artigo 12º, a qual permite ao RNPC inscrever oficiosamente quem não cumpriu o dever de inscrição, ou a norma do artigo 27º, nº 1, aliena c), do DL nº 14/2013, de 28.01; 23. A Recorrida nunca foi notificada para regularizar a sua inscrição no FCPC, uma exigência legal
que condiciona qualquer decisão de perda do direito ao uso de firma. A omissão de tal “convite” impede a validade da decisão de eliminação e contraria o disposto no artigo 61.º, n.º 2. 24. O argumento do Recorrente, de que a não inscrição dentro do prazo de validade do NIPC provisório resulta automaticamente na perda de proteção da firma não tem qualquer cabimento, nem é credível que assim se possa entender; 25. Estaríamos perante uma clara violação do princípio da confiança e da segurança jurídica que decorre do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição; 26. Por seu turno, não poderá o RNPC invocar o princípio da prioridade porquanto estaríamos a sobrepor sobre a posição da Recorrida um eventual direito/interesse futuro à utilização efetiva e continua da denominação e do NIPC a um terceiro, o que não se concebe nem se concede! 27. Como refere a douta sentença, a Recorrida é uma associação e sendo uma IPSS, a mesma apenas estava sujeita a publicação em Diário da República, o que aconteceu, sendo que para ser detentora do estatuto de IPSS teria de se registar junto da Direção Geral de Segurança Social, o que também aconteceu; 28. A perda do direito ao uso da firma prejudica gravemente a continuidade da Autora e seus objetivos como IPSS, o que representa um risco para a sua vigência e cumprimento das exigências legais e administrativas, nomeadamente com a Segurança Social; 29. A interpretação correta das normas aplicáveis revela que o direito ao uso da firma e o número de identificação de pessoa coletiva (NIPC) não cessam automaticamente pelo decurso do prazo de inscrição, mas somente após uma notificação formal e caso não haja regularização;
Por fim, 30. A exigência de um novo certificado de admissibilidade e a atribuição de um novo NIPC como alega o Recorrente RNPC não se justificam, a alteração do NIPC implicaria uma quebra na identidade institucional da IPSS, podendo gerar confusão junto de entidades públicas, privadas e da própria comunidade; 31. Somos de entender que, a decisão aplicou de modo totalmente correto o direito aos factos, julgou e ponderou de modo correto e adequado os direitos conflituantes e proferiu uma decisão irrepreensível que terá necessariamente que ser mantida nos exatos termos em que foi proferida.
Termos em que, e por tudo o mais que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pelo Recorrente ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se na íntegra a sentença proferida pelo tribunal a quo, assim se fazendo INTEIRA E SÃ JUSTIÇA
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O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, o qual é de Apelação, com subida imediata e nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo (artigo 641º/5 do Código de Processo Civil). Pronunciou-se sobre a invocada nulidade[2].
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende a reapreciação da decisão de mérito da decisão recorrida e que a mesma seja revogada por assentar em pressupostos errados, de facto e de direito.
Previamente, impõe-se aferir da suscitada questão da tempestividade do recurso e da arguida nulidade da sentença.
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3 – OS FACTOS
Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, para os quais se remete, passando a transcrever-se a decisão recorrida:
Recurso de Contencioso DECISÃO
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CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ..., Instituição Particular de Solidariedade Social, com o NIPC ...96, com sede na Rua ..., freguesia ..., do Concelho ..., veio impugnar judicialmente a decisão do IRN-REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS, o qual comunicou a decisão de eliminação do Ficheiro Central de Pessoas Coletivas do NIPC, atribuído a “CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ...”, por decurso do prazo do certificado de admissibilidade que aprovou aquela denominação sem que tivesse sido promovida a inscrição prevista no nº 2 do artigo 11º do Regime do RNPC dentro do prazo de validade do mesmo, cessando, assim, a presunção de exclusividade sobre o direito ao uso da firma e do número de identificação de pessoa coletiva por parte da Autora e ora Recorrente.
Por sua vez, o IRN - REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS, através da sua Diretora, proferiu Despacho (nos termos do nº 4 do art.º 70º do RRNPC) a sustentar o prévio Parecer, de acordo com o qual por nunca se ter consolidado na esfera jurídica da recorrente o direito ao uso da denominação aprovada pelo certificado de admissibilidade referido, por caducidade do mesmo (cfr. artº 15, nº3, do RRNPC), não foi, nem poderia, o RNPC proferir qualquer decisão a declarar a perda da denominação, pelo que foram a entidade provisória e o NIPC que lhe estava associado eliminados do ficheiro. Invoca o ora recorrido que pretender a recorrente que o RNPC notifique a entidade, concedendo-lhe um mês com vista a regularizar a sua situação no FCPC e a sua consequente inscrição no FCPC, significaria a violação da lei, nomeadamente do disposto nos artigos 35º e 11º, nº2, ambos do RRNPC, afetando direitos de terceiros. Conclui esse Parecer, sustentado pelo aludido Despacho, que sempre a recorrente teria, atento o disposto no nº1, alínea a), e no nº 3 do artº 56º do mesmo regime, de requerer novo certificado de admissibilidade para efeitos de inscrição da entidade no FCPC, pressupondo a sua emissão a atribuição de um novo número de identificação – cfr. artº 15º, nº 1, do RRNPC.
Foi notificada a ora recorrente do teor desse Despacho de sustentação e foi remetido todo o processo a este Tribunal, conforme estabelece o nº 5 do citado art.º 70º do RRNPC.
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Fundamentação de FACTO - FactosPROVADOS
Da Impugnação Judicial da decisão do IRN-REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS 1. A Autora foi devidamente constituída por escritura pública celebrada em 16 de Dezembro de 1999. 2. Para efeitos da sua constituição enquanto associação e respetiva publicação no Diário da Republica, e registo na Direção Geral de Segurança Social como IPSS, requereu ao Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC) o certificado de admissibilidade da firma “CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ...”, o qual foi emitido em ../../1999 com o nº ...44, tendo-lhe sido então atribuído número de identificação de pessoa coletiva provisório ...96. 3. Na sequência deste pedido e da sua emissão, foi constituída a Associação por escritura pública, certificada em Diário da República. 4. A mesma associação foi registada na Direção Geral de Segurança Social e iniciou a sua atividade, a qual mantém ate ao presente, não tendo, contudo, procedido à sua inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas. 5. É uma associação com estatuto de instituição Particular de Solidariedade Social registada junto da Direção Geral de Segurança Social. 6. É uma instituição que tem procedido à alteração de estatutos, sendo os mesmos aceites e publicados em DR. 7. A Requerente iniciou a sua atividade, a qual mantém até à presente data, sendo titular de vários contratos com diversas pessoas coletivas publicas, nomeadamente acordos de cooperação com a Segurança Social, pagando os vencimentos aos seus colaboradores, pagando os seus impostos e mantendo-se ativa em sede de IVA e IRC, e tendo a sua situação regularizada em sede de IVA e IRC. 8. A Autora, por requerimento remetido via correio postal registado ao IRN-RNPC, tentou proceder à sua inscrição no RNPC. 9. Por ofício com data de saída de 15 de Outubro de 2024, a Autora teve conhecimento de que o RNPC procedera à sua eliminação do Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (FCPC).
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- Com interesse para a decisão da causa, não foram dados como provados quaisquer outros factos que estejam em oposição com os factos supradados como provados, nem quaisquer outros factos que não tenham ficado, desde logo, prejudicados pelos factos acima dados como provados.
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Motivação da Decisão de Facto
Este Tribunal baseou-se no teor dos meios de prova documentais juntos aos autos e nomeadamente à Impugnação Judicial, os quais não foram impugnados pelas partes na sua veracidade/fidedignidade, embora sujeitos, no exercício do contraditório (artigo 3º/3 do Código de Processo Civil), a diferentes interpretações no que concerne aos respetivos conteúdos e às consequências jurídicas que dos mesmos podem ser retiradas e que este Tribunal está a apreciar em sede de decisão e já apreciou ao elencar a matéria fáctica provada.
A decisão do RNPC de proceder à eliminação da Autora, ora recorrente, do Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (FCPC) é ilegal, uma vez que não existe qualquer norma a determinar a caducidade do certificado de admissibilidade da firma em caso de falta de inscrição no FCPC, sendo que o artigo 61º, nº 1, al. a), do DL nº 129/1998, de 13.5, preceitua que a falta de inscrição determina a perda do direito ao uso da firma apenas se a falta de inscrição não dever ser suprida oficiosamente e se, depois de notificada a pessoa coletiva em causa para proceder à inscrição, esta não o faça.
O RNPC ou qualquer um dos serviços de registo designados nos termos do nº 1 do artigo 78º do citado diploma legal podem, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, declarar a perda do direito ao uso de firma ou denominação de terceiro, mediante prova da verificação das seguintes situações:
a) Falta de inscrição da entidade no FCPC decorrido um ano desde o prazo em que a mesma deveria ter sido realizada;
b) Não exercício de atividade pelo titular da firma ou denominação durante um período de dois anos consecutivos.
Porém, existe a exceção prevista no nº 2 do artigo 61º do citado diploma legal, nos termos da qual pode ser declarada a perda do direito ao uso da firma ou denominação desde que os interessados tenham sido notificados para a sede declarada a fim de regularizarem a situação e o não fizerem no prazo de um mês a contar da notificação.
Face ao ora exposto, conclui-se que a perda do direito ao uso da firma não decorre de qualquer caducidade, mas antes de uma decisão a proferir pelo IRN - Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
Sendo a Autora, ora recorrente, uma associação e sendo uma IPSS, a mesma apenas estava sujeita a publicação em Diário da República, o que aconteceu, sendo que para ser detentora do estatuto de IPSS teria de se registar junto da Direção Geral de Segurança Social, o que também aconteceu.
A Autora, ora recorrente, adquiriu personalidade jurídica após esse registo e com o mesmo adquiriu o direito ao uso exclusivo da firma.
Se o direito ao uso da firma caducasse automaticamente pela não inscrição no ficheiro central no prazo a que alude o artigo 11º, nº 2, al. a), do DL nº 129/1998, seria de todo desprovida de sentido a norma do artigo 12º, a qual permite ao RNPC inscrever oficiosamente quem não cumpriu o dever de inscrição, ou a norma do artigo 27º, nº 1, al. c), do DL nº 14/2013, de 28.01.
Em suma, a decisão em causa acaba por permitir a perda do direito ao uso da firma sem antes o RNPC ter notificado a Autora, ora recorrente, para regularizar a situação, o que viola o disposto no artigo 61º, nº 2, do DL nº 129/1998, a al. c) do nº 1 do artigo 27º do DL nº 14/2013 e o artigo 100º do CPA, atentando ainda contra o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18º da Constituição e 5º do CPA.
Como se verifica pelos documentos juntos com a Impugnação Judicial, a Autora utiliza a denominação CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ..., tem aberta a sua atividade, tem imóveis registados a seu favor, tem mais de 50 trabalhadores, tem todo o seu normal funcionamento com essa denominação e com o NIPC ...96 e tem acordos de cooperação com entidades públicas.
Essa atividade é desenvolvida durante todos os dias dos anos civis desde a sua constituição.
A Recorrente existe desde 1999 e é uma associação cumpridora das disposições legais inerentes à sua existência e ao exercício da sua atividade. Emite faturas e recibos, contrata trabalhadores, celebra diversos contratos, paga impostos e contribuições e nunca se deparou com qualquer dificuldade que inviabilizasse a utilização do seu número de identificação de pessoa coletiva.
A decisão em causa, ora objeto de recurso de contencioso, impede a ora Recorrente de prosseguir os seus objetivos e de cumprir as exigências que lhe são feitas, nomeadamente pela Segurança Social.
Tal impedimento põe em causa - de forma absolutamente prejudicial - a sua manutenção e a sua vigência.
Face ao supraexposto, considera-se a decisão, objeto de recurso, desprovida de legalidade, sendo, por isso, nula e/ou de nenhum efeito.
A tutela conferida a pessoas coletivas não sujeitas a registo comercial pelo certificado de admissibilidade da firma, traduzida na presunção de exclusividade da mesma, não se extingue automaticamente pelo decurso do prazo previsto no artigo 11º, nº 2, al. a), sem que seja realizada a sua inscrição no FNPC, mas apenas após a respetiva declaração, oficiosa ou a requerimento de qualquer interessado, pelo RNPC ou por qualquer um dos serviços de registo, e apenas poderá ter lugar desde que tenha sido previamente facultada aos interessados a possibilidade de regularizar a situação mediante notificação para a sede declarada, concedendo-lhes tal possibilidade no prazo de um mês (artigo 61º, nº 2).
Esta é a interpretação que respeitará o indicado quadro normativo e os interesses em presença (artigo 9º do Código Civil).
Um entendimento diverso levaria a que a Autora, vários anos após o início da sua atividade com determinada denominação e NIPC, pudesse ser surpreendida com a informação de que cessara a tutela da denominação, bem como o direito ao uso do NIPC, sem que lhe fosse dada a possibilidade de regularizar a situação e manter a denominação e NIPC (em cuja utilização terá inegável e fundado interesse).
Por outro lado, a Autora e ora recorrente nunca foi confrontada com posição contrária em 25 (vinte e cinco) anos de atividade, pelo que não se poderia afastar a possibilidade de a mesma haver admitido que a situação se encontraria regularizada no âmbito do artigo 12º do dito regime jurídico.
Quando a ora recorrente soube da necessidade de regularizar a sua situação registal obteve a resposta/despacho que ora impugnou e é objeto do presente recurso de contencioso.
A Autora nunca foi convidada, por qualquer meio, a proceder à sua regularização nos termos do artigo 61º, nº 1, al. a), e nº 2, do diploma acima citado.
Por conseguinte, demonstrada que está a omissão de tal ato/ “convite” (e não efetuada aquela declaração), não se poderá sancionar a Autora com a perda da presunção de exclusividade da firma e do direito ao uso do NIPC.
Trata-se de uma caducidade diferida e condicionada ao não cumprimento pelo administrado do “convite” para sanar a “irregularidade formal” cometida, procedimento que, repete-se, não se verificou e deverá ter lugar.
Nesse sentido veja-se a decisão por unanimidade proferida por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, em processo, semelhante, com o nº 4804/14.9T8CBR.C3.
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Dispositivo
Nestes termos, e nos mais de direito, julgando-se a Impugnação Judicial procedente, por provada, decide-se:
1.a) Revogar a decisão do Réu e ora Recorrido, IRN-REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS, de eliminação da Autora e ora Recorrente do Ficheiro Nacional de Pessoas Coletivas;
b) Ordenar/Convidar a Autora CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ... a regularizar a sua inscrição no RNPC, nos termos e com todos os devidos e legais efeitos;
2) Sem custas.
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Registe (artigo 153º/4 do Código de Processo Civil).
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Notifique a Recorrente CENTRO DE APOIO E SOLIDARIEDADE DA ....
Notifique o Recorrido IRN-REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS.
Como já supra referido, está em causa e foi interposto recurso pelo IRN-REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS.
Comecemos, então, pela suscitada questão da tempestividade do recurso.
Invoca o recorrido nas suas contra-alegações, ser o recurso apresentado intempestivo, devendo, pois, ser rejeitado por extemporaneidade, uma vez que, tendo o recorrente sido notificado a 9-01-2025 e terminando o prazo a 10-02-2025, ou, mediante pagamento de multa, a 13.02.2025, o recurso que apresentou a 14-02-2025 é claramente intempestivo (uma vez que apresentado decorrido tal prazo e os três dias úteis que ainda lhe permitiria a prática do ato mediante o pagamento da multa prevista no artigo 139º/5, do CPC).
Ora, de acordo com o nº 1 do art. 638º do CPC, um recurso pode ser apresentado no prazo de 30 dias a contar da notificação da decisão ao recorrente. In casu, resulta dos autos que o recorrente foi notificado da decisão recorrida, por carta registada de 8-01-2025, estabelecendo a lei processual civil um regime presumido de recepção das notificações por via postal registada e do modo como a presunção pode ser afastada. Esse regime estrutura-se e desenvolve-se nos momentos seguintes: a) Estabelecimento de uma dilação de três dias sobre a data do registo da carta, tempo que se considerou conferir uma margem de segurança suficiente para um eventual atraso nos serviços do correio;
b) Constactado o facto-base – a expedição da carta sob registo dirigida ao notificando –, fica assente, por presunção juris tantum, o facto desconhecido de a carta ter sido entregue ao notificando no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte; c) A presunção só pode ser ilidida pelo notificado pela prova de que a carta de notificação não lhe foi entregue ou o foi em dia posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.
Como assim, atendendo à dilação de 3 dias do correio, temos que o prazo de 30 dias só começou a correr a 14-01-2025, pelo que não assiste razão ao recorrido de que o recurso devia ter sido rejeitado por extemporaneidade.
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Passemos, agora à suscitada questão da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – art. 615º/1, d) do CPC
Assim o prescreve o art. 615°/1, d) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal.
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
Vício relativamente ao qual importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia: «[…] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.» «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»[3]
O mesmo é dizer, conforme já decidido no Supremo Tribunal de Justiça[4], «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente».
Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «’Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida. Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.»[5]
Numa aparente maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO: «A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludênciadas excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»
Mas logo o mestre de Coimbra ressalvava: «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».[6]
Debruçando-nos, agora, sobre o caso sub judice, temos que o recorrente alegou que, apesar de ser de conhecimento oficioso e de ter expressamente suscitado a excepção dilatória da incompetência do tribunal, o Tribunal a quo considerou-se competente, sem se ter pronunciado sobre a exceção dilatória da incompetência invocada, o que consubstancia uma omissão de pronúncia sobre questão relativamente à qual competia ao Tribunal apreciar e decidir. Sendo que, nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC, a omissão de pronúncia relativamente à questão da competência do tribunal, constitui causa de nulidade da sentença.
Por sua vez, a recorrida entende que o Tribunal a quo ao proferir sentença sem se declarar incompetente, reconheceu implicitamente a sua própria competência.
Conhecendo da arguida nulidade, o Tribunal a quo indeferiu-a, entendendo que justificou a decisão proferida, no pressuposto, óbvio, de se declarar competente para conhecer da matéria dos presentes autos. Quid iuris?
Tem absoluta razão o recorrente, quando alega que tendo suscitado expressamente a excepção dilatória da incompetência do tribunal, o Tribunal a quo considerou-se competente, sem se ter pronunciado sobre a exceção dilatória da incompetência invocada, o que consubstancia uma omissão de pronúncia sobre questão relativamente à qual competia ao Tribunal apreciar e decidir.
E não se diga que o Tribunal a quo ao proferir sentença sem se declarar incompetente, reconheceu implicitamente a sua própria competência ou que, em face da decisão proferida, é óbvio que se declarou competente para conhecer da matéria dos presentes autos.
Lembrando-se que da decisão proferida não consta sequer a tabelar menção de ser o “tribunal competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia” ou outra similar, pelo que não deixaria de ser ousado argumentar que o tribunal a quo se pronunciou de alguma forma sobre a invocada exceção dilatória da incompetência, ainda que implicitamente. Não ter que esgotar a análise da argumentação das partes, não o exonera de apreciar as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.
Como assim, não tendo a excepção dilatória da incompetência invocada sido objecto de análise na sentença recorrida, quando tal apreciação era exigível ao tribunal recorrido, tanto mais que, além de ser de conhecimento oficioso foi expressamente suscitada, houve omissão de pronúncia, o que constitui causa de nulidade da sentença, tal como prescrito pelo já acima mencionado art. 615°/1, d) do CPC.
No entanto, a verificação da nulidade na sentença, por omissão de pronúncia, não determina necessariamente, apesar de se tratar da decisão final do processo, que o vício subsista na ordem jurídica posteriormente, uma vez que pode ser sanado, mesmo no tribunal recorrido.
Com efeito, o regime previsto no art. 617º do CPC concede ao juiz de primeira instância a oportunidade, ainda que derradeira, antes da subida do recurso, para reparar os vícios formais que, como a omissão de pronúncia, possam inquinar a sentença.
Ora, não o tendo feito, já se tendo as partes pronunciado sobre a questão, dando aplicação ao disposto no art. 665º do CPC, cabe agora a este Tribunal ad quem suprir a nulidade, conhecendo da invocada excepção dilatória da incompetência.
Efectivamente, o Registo Nacional de Pessoas Coletivas, no seu despacho de sustentação de 14-11-2024, suscitou a questão da falta de competência material do tribunal, invocando para o efeito que, “O Regime do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/98, de 13 de maio, estabelece um regime especial de impugnação dos despachos que recusem ou admitam a inscrição definitiva de pessoas coletivas ou outras entidades no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (FCPC).
(…) Nos termos das disposições conjugadas do art. 63º, nº 1 e artº 66º, nº 1 do referido regime, desses despachos cabe recurso hierárquico para o presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. ou impugnação judicial para o Tribunal do domicilio ou sede da recorrente (secções do comércio) o julgamento das impugnações dos despachos dos conservadores ou oficiais de registo do registo comercial – categoria em que se integra a presente impugnação judicial (cfr. Procº nº788/14.1T8CBR – Recurso de conservador), já que o RNPC é um serviço central de registo.
(…) É pacífico o entendimento que os tribunais a que se referem estes preceitos são os tribunais judiciais e, dentro destes, é da competência das seções de comércio o julgamento das impugnações dos despachos dos conservadores.
(...) Ou seja, o tribunal materialmente competente para conhecer da presente impugnação de decisão de não proceder à inscrição no FCPC da pessoa coletiva em causa é, de acordo com o disposto no artº 65º do Código de Processo Civil e em harmonia com o disposto no nº 2 do artº 128º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), o Tribunal Judicial da Comarca de Braga (em face da sede da recorrente). E dentro deste o seu juízo de comércio, sito em ....
(…) Assim, e tendo em conta o referido, caberá ao Tribunal, aferir de uma eventual violação das regras de competência em razão da matéria, abstendo-se do conhecimento do mérito. – cfr. artº 99º, nº 1, artº 278º, nº 1, al a), artº 576º, nº 2 e artº 577º, al. a) do Código de Processo Civil.”.
Ora, quanto a esta questão da competência material do Tribunal, assistia razão ao R. IRN-REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS, pois a impugnação judicial do acto administrativo da Srª Conservadora do IRN que determinou a perda do uso do NIPC nos termos do disposto nos arts. 63º/1, b), 67º/1 e 70º do Decreto Lei nº 129/98 de 13/05, pedindo a anulação do acto impugnado e a condenação do IRN à adopção dos actos necessários para reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado, é da competência dos tribunais comuns e nestes das secções de comércio, dado o Registo Nacional de Pessoas Coletivas ser uma conservatória do registo comercial[7].
Devia, pois, o Tribunal a quo ter julgado verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, com a consequente absolvição do R. da instância[8]. É que o tribunal materialmente competente para conhecer da presente impugnação de decisão de não proceder à inscrição no FCPC da pessoa coletiva em causa é, de acordo com o disposto no art. 65º do CPC e em harmonia com o disposto no nº 2 do art. 128º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), o Tribunal Judicial da Comarca de Braga (em face da sede da recorrente). E dentro deste o seu juízo de comércio, sito em ....
Por esta razão, entendemos que o Juízo Local Cível de Barcelos não é o tribunal competente para julgar a presente acção, devendo o R. ser absolvido da instância (art. 99º/1 do CPC), pelo que o recurso deve ser julgado procedente, com a consequente revogação da sentença recorrida.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)
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6 – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente o recurso interposto pelo R. IRN - REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS, com a revogação da decisão recorrida, e julgando-se incompetente em razão da matéria o Juízo Local Cível de Barcelos, absolve-se o R. da instância.
Custas do recurso e da acção pela A.
Notifique.
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Guimarães, 26-06-2025
(José Cravo)
(Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)
(Maria dos Anjos Nogueira)
[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Barcelos - JL Cível - Juiz 2 [2] O que fez nos seguintes termos: - Por manifestamente improcedentes e dando-se aqui, por economia processual, por inteiramente reproduzidos os fundamentos de facto e de direito expendidos no Despacho/Sentença sob a Refª ...71, através dos quais este Tribunal justificou a decisão proferida, no pressuposto, óbvio, de se declarar competente para conhecer da matéria dos presentes autos, indefere-se a nulidade (alegadamente derivada da não fundamentação da sua competência) invocada nas alegações de recurso do Recorrido/Recorrente IRN - REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS, apresentadas sob a ora cit. Refª ...24 (artigos 615º, a contrario sensu, e 617º/1 e 2, ambos do Código de Processo Civil). [3] CPC Anotado, 5º, 143. [4] Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt. [5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320. [6] DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, VOL. III, Almedina. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143. [7] Neste sentido, cfr. os Acs. da RL de 19-03-2024, prolatados no Proc. nº 1708/20.0T8SNT.L1-1 e da RC de 26-01-2016 no Proc. nº 4804/14.9T8CBR.C2, ambos acessíveis in www.dgsi.pt. [8] Neste sentido, cfr. o supra mencionado Ac. da RC de 26-01-2016.