RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO
GUARDA PARTILHADA
Sumário


1. A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que, em abstracto, se revela a melhor solução para o futuro dos menores, por ser aquela que, dentro das circunstâncias abertas pela separação dos progenitores, mais se aproxima da vida que os menores tinham antes da separação dos pais.
2. Porém, o sucesso desta medida depende exclusivamente dos progenitores. Se eles forem capazes de se entenderem entre si para proporcionar o melhor aos seus filhos, a medida resultará, e os menores e os pais colherão os frutos.
3. Se não forem capazes de o fazer e, directa ou indirectamente, sabotarem esta medida, ela fracassará necessariamente, e quem pagará o preço serão os menores.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

Nos presentes autos de Alteração da Regulação das Responsabilidades parentais em que é Requerente AA e Requerida, BB, vem aquele pedir a atribuição da GUARDA PARTILHADA, relativamente aos menores CC, nascido a ../../2012 e DD, nascida a ../../2021.

Para tanto, alega em síntese:
-Por acordo, homologado por decisão proferida, em 18 de Março de 2022, pela Conservatória do Registo Civil ..., no âmbito do processo divórcio por mútuo consentimento nº 973/2022, foi fixado o exercício das responsabilidades parentais relativas aos seus filhos menores CC e DD, tendo sido estipulado que, em síntese, os menores ficam à guarda e aos cuidados da mãe, com quem residirão (e demais cláusulas constantes dos autos para as quais se remete).
Ora, este acordo de regulação das responsabilidades parentais foi celebrado tendo por base essencialmente a idade da DD, mas também a residência, profissão e os rendimentos auferidos pelos progenitores, ou seja, o progenitor subscreveu a regulação das responsabilidades por mútuo consentimento relativa aos seus filhos nos termos supra descritos atendendo à tenra idade dos mesmos, em especial da DD que, à data, contava apenas 10 meses de idade.
-Presentemente face à idade dos menores, o superior interesse dos menores exige uma maior participação e acompanhamento do pai no seu crescimento, edução e formação.

Citada a Requerida, veio a mesma opôr-se à alteração, sem apresentar qualquer justificação, insistindo pela audição do menor, que ainda não tinha completado, na ocasião, 11 anos.

Foi designada para conferência o dia 15 de Novembro de 2023.

Foi designado um regime provisório de guarda partilhada.

Por despacho de 15/05/2024, foram solicitadas perícias psicológicas a cada um dos progenitores, a fim de averiguar das competências parentais de cada um dos progenitores, a verificação de eventuais indicadores de SAP e ainda se a alteração do regime, transitando para uma guarda partilhada teria implicações negativas para o menor.
Mostrando-se decorrido o prazo de 6 meses, foi solicitado a cada um dos progenitores que informassem, de forma resumida, como decorreu o regime transitório implementado.
Em cumprimento do despacho, o progenitor informa que o regime transitório decorreu com toda a normalidade, não sentindo o progenitor qualquer alteração minimamente relevante que afectasse o comportamento dos menores.
A Requerida para além do já exposto por requerimento de 06/05/2024, diz que o menor no início chorava quando ia para o pai e insiste que o regime não é favorável ao CC.

Consta dos autos a informação sobre a audição técnica especializada.

Constam dos autos, os relatórios das perícias psicológicas elaboradas aos progenitores e ao menor.

Realizada a conferência em 10/09/2024, tendo em conta que o menor completou 12 anos de idade, o Tribunal determinou a sua inquirição.

No dia designado para a audiência de julgamento, ambas as partes prescindiram das testemunhas arroladas e das declarações de parte, tendo produzido alegações orais, mantendo as posições já assumidas nos autos.

A final foi proferida sentença, que julgou procedente a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais e, em consequência, fixou aos menores o regime de residência alternada, regulando-se o exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:

1. Os menores ficarão a residir com cada um dos progenitores, em semanas alternadas, de sexta-feira a sexta-feira, sendo recolhidos pelo progenitor ou progenitora, na escola ou na casa do outro (se não for dia de aulas), no final das actividades lectivas de sexta-feira e entregando-a na sexta-feira, no início das actividades lectivas, na escola ou na casa do outro (se não for dia de aulas).
2. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da criança incumbe àquele com quem as crianças estiverem nesse período que está consigo.
3. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da menor (v.g., atinente à sua saúde, eventuais intervenções cirúrgicas ou outros actos urgentes, ensino e eventuais mudanças de estabelecimento de ensino dentro do público ou deste para o privado, ou vice-versa, mudança de residência ou religião) são exercidas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo em caso de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
4. Para efeitos oficiais, a morada das crianças fica fixada em casa da mãe, obrigando-se os progenitores, aquando da transição, a fazer acompanhar as crianças do respectivo cartão de cidadão.
5. Os progenitores serão alternadamente encarregados de educação, sendo que em Setembro de 2025, será o pai e nos anos lectivos seguintes, alternadamente;
6. Acaso haja direito a abonos de família, os mesmos serão recebidos pela mãe que terá de partilhar metade do valor com o pai;
7. Os menores passarão o dia de aniversário do pai, e o dia do pai, com este último, independentemente de nesses momentos estarem ou não a residir com ele.
8. Os menores passarão o dia de aniversário da mãe, e o dia da mãe, com esta última, independentemente de nesses momentos estarem ou não a residir com ela.
9. Os menores passarão o dia do seu aniversário e o dia da criança, uma refeição com cada um dos progenitores, alternadamente, com o pai e com a mãe, passando no próximo aniversário, o almoço com a mãe e o jantar com o pai e o próximo dia da criança, o almoço com o pai e jantar como a mãe, e assim sucessivamente.
10. Os menores passarão as épocas festivas (véspera e dia de Natal; véspera e dia de ano novo e domingo de Páscoa), alternadamente com cada um dos progenitores (independentemente de com quem estiver a residir em tais datas), e, assim:
a) Este ano de 2025, passam a véspera de Natal com o pai e o dia de Natal, com a mãe, devendo ser entregue a esta última até às 11h00 de dia 25 de Dezembro, alternando para o ano, e assim sucessivamente;
b) Este ano passam a véspera de ano novo com a mãe, e o dia de ano novo com o pai, sendo entregue a este último até às 11h 00 do dia 01 de Janeiro/2022, e assim sucessivamente.
c) Este ano passam o Domingo de Páscoa com o pai, para o ano com a mãe, e assim sucessivamente.
11. Os menores passarão 15 dias de férias de Verão seguidos com cada um dos progenitores, em período a combinar até 31 de Maio, sendo que, em caso de coincidência de períodos, nos anos ímpares prevalece a escolha do pai e nos pares da mãe, comprometendo-se os progenitores a informar o outro do local de permanência durante as férias estando contactáveis, podendo o progenitor que não está com os menores realizar videochamadas.
12. Cada um dos progenitores suporta as despesas com os alimentos dos menores durante o período em que esta resida com eles.
13. Cada progenitor suportará, em parte iguais, as despesas médicas e medicamentosas, escolares e extracurriculares das crianças, devidamente documentadas, a liquidar no mês subsequente à apresentação da documentação.
14. Os progenitores poderão contactar os menores por videochamada, quando os mesmos residam com o outro, sem prejuízo dos horários escolares e de descanso dos menores.

Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a Requerida, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a, 647º,1 CPC).

Termina com as seguintes conclusões:
1.ª Com todo o respeito, a Recorrente não pode concordar com a decisão da matéria de facto, realizada na douta sentença de que se recorre, pois ficaram por se considerar provados factos relevante para a decisão da causa.
2.ª Pois o menor expôs mais do que aquilo que consta no ponto 12 da matéria de facto dada como provada.
3.ª Aliás, basta analisar a acta dessa sessão (dia 16/10/2024) para perceber que na mesma consta que: «Seguidamente, a M.ma Juíza, nos termos do disposto no art.º 4.º al. c), 5.º e 35.º, n.º 3 do R.G.P.T.C, passou a tomar declarações ao menor CC, nascido aos ../../...., ficando as mesmas documentadas em acta, nomeadamente:
-Os convívios com o pai correram mais ou menos. […]
-O actual regime não está bem, gostava mais do regime antigo, em que estava com o pai de quarta para quinta-feira e aos fins de semanas de vez em quando.
-Antigamente o pai puxava-lhe as orelhas.
-Actualmente “às vezes” ainda lhe bate.
E mais não disse» [destaque e sublinhado nosso].
4.ª O que também resulta da, supracitada, passagem das declarações do menor prestadas na sessão da conferência de pais, do dia 16 de Outubro de 2024 (com início pelas 10h12m, fim pelas 11h04m e a duração de 51m48s), entre os 23m18s e os 24m27s, que deve ser reapreciada pelo Tribunal a quem.
5.ª Acrescendo que, também, no relatório pericial realizado ao menor constava que: «No que respeita à figura paterna, CC também referiu a existência de sentimentos de afecto em relação a este, aludindo, todavia, a alegados episódios punitivos ocorridos no passado e que, segundo o próprio, terão impactado de forma menos positiva a relação com este (ex., “[Gostas do pai?] Mais ou menos. Porque no passado ele puxava-me as orelhas na casa da avó, batia-me. Por isso nunca vou esquecer o passado, por isso não gosto muito dele”) – cfr. páginas 6 e 7 do relatório pericial realizado ao menor.
6.ª Pelo que, a referida acta da sessão da conferência de pais, do dia 16 de Outubro de 2024, as declarações do menor supratranscritas e o relatório pericial realizado ao mesmo impunham que o Tribunal a quo tivesse dado como provado que:
-“Antigamente o pai puxava-lhe (ao menor) as orelhas e que actualmente às vezes ainda lhe bate”.
7.ª Ou, caso assim se entenda (o que se coloca subsidiariamente), tais meios de prova impunham que o Tribunal a quo tivesse dado como provado no ponto 12 da matéria de facto, que:
“12. Realizada a conferência em 10/09/2024, tendo em conta que o menor completou 12 anos de idade, o Tribunal determinou a sua inquirição, que foi concretizada na diligência de 16/10/2024, tendo o menor declarado que, em casa do pai não come o que gosta, ao contrário do que sucede em casa da mãe, que antigamente o pai puxava-lhe as orelhas, que actualmente às vezes ainda lhe bate e que prefere o regime anterior, ou seja, aos fins de semana de 15 em 15 dias”.
8.ª Pelo que, ao não ter decidido assim o Tribunal a quo incorreu em erro na decisão da matéria de facto.
9.ª Devendo a matéria de facto na decisão de que ora se recorre ser alterada, aditando-se um ponto à mesma considerando-se provado que:
-“Antigamente o pai puxava-lhe (ao menor) as orelhas e que actualmente às vezes ainda lhe bate”.
10.ª Ou, caso assim se entenda (o que se coloca subsidiariamente), deve a matéria de facto na decisão de que ora se recorre ser alterada, considerando-se provado no ponto 12 da matéria de facto que:
“12. Realizada a conferência em 10/09/2024, tendo em conta que o menor completou 12 anos de idade, o Tribunal determinou a sua inquirição, que foi concretizada na diligência de 16/10/2024, tendo o menor declarado que, em casa do pai não come o que gosta, ao contrário do que sucede em casa da mãe, que antigamente o pai puxava-lhe as orelhas, que actualmente às vezes ainda lhe bate e que prefere o regime anterior, ou seja, aos fins de semana de 15 em 15 dias”.
11.ª Conforme resulta da própria petição que originou a presente acção, na mesma não se alega (nem podia) factualidade atinente a qualquer incumprimento do referido acordo por parte da Requerida, bem como não se alega (nem podia) factualidade atinente a qualquer circunstância superveniente, ocorrida entre o momento da regulação (26/06/2023) e o momento em que requereu a alteração (05/07/2023), que tornasse necessário alterar o que tinha sido estabelecido.
12.ª Acrescendo que, na sentença de que se recorre, também não é dada como provada (nem podia) qualquer factualidade atinente:
-a qualquer incumprimento do referido acordo por parte da Requerida;
-nem a qualquer circunstância superveniente, ocorrida entre o momento da regulação (26/06/2023) e o momento em que requereu a alteração (05/07/2023), que tornasse necessário alterar o que tinha sido estabelecido.
13.ª Pelo que, não tendo sido provada, nem sequer alegada (por inexistente), factualidade que permitisse considerar verificados os pressupostos necessários para que possa ter lugar uma alteração das responsabilidades parentais, o Tribunal a quo devia ter julgado o incidente de alteração das responsabilidades parentais improcedente, determinando o seu arquivamento.
14.ª Conforme aliás, reiterado na Jurisprudência supracitada.
15.ª Assim, ao não ter decidido nesse sentido, a sentença de que se recorre incorreu em erro na aplicação do Direito, nomeadamente, dos n.º 1, 4 e 6 do artigo 42.º, do RGPTC, devendo ser revogada e substituída por decisão que julgue o incidente de alteração das responsabilidades parentais improcedente, determinando o seu arquivamento.
16.ª Por outro lado, ainda que se verificassem os pressupostos para a alteração da regulação das responsabilidades parentais (o que não aconteceu e se coloca por mera hipótese de Direito), sempre a decisão de que se recorre seria desajustada ao caso concreto.
17.ª Pois, para além do supra exposto quanto à não verificação dos pressupostos para que ocorresse a alteração da regulação das responsabilidades parentais, na sentença de que se recorre também não se teve em conta as especificidades deste caso concreto.
18.ª Conforme está dado como provado no ponto 11 da matéria de facto (relatório pericial), o “CC evidencia um quadro de Perturbação do Espectro do Autismo ligeiro e Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção – forma predominantemente inatenta”.
19.ª Como é sabido, o autismo é um transtorno do desenvolvimento que afecta a comunicação, o comportamento e as habilidades sociais das pessoas. E embora cada indivíduo com autismo seja único, um dos traços mais comuns é a necessidade de rotina e previsibilidade.
20.ª Conforme consta das alegações da ora Recorrente e do relatório pericial realizado ao menor: “o CC chega quarta e quinta e começa ele: «lá vou eu com as tralhas» e «porque é que não posso estar no meu cantinho?»”.
21.ª Acresce que, conforme acima se expôs, o menor ressente-se de comportamento punitivos tidos por parte do Requerente.
22.ª Resulta do relatório pericial realizado ao menor que: «No que respeita à figura paterna, CC também referiu a existência de sentimentos de afecto em relação a este, aludindo, todavia, a alegados episódios punitivos ocorridos no passado e que, segundo o próprio, terão impactado de forma menos positiva a relação com este (ex., “[Gostas do pai?] Mais ou menos. Porque no passado ele puxava-me as orelhas na casa da avó, batia-me. Por isso nunca vou esquecer o passado, por isso não gosto muito dele”) – cfr. páginas 6 e 7 do relatório pericial realizado ao menor [destaque e sublinhado nosso].
23.ª Ora, com todo o respeito a submissão a episódios punitivos como puxar as orelhas e bater no menor são totalmente inaceitáveis.
24.ª Tal como também não é aceitável que o pai obrigue o CC a lavar as próprias cuecas quando o menor, por algum motivo, se descuida e faz cocó nas cuecas (conforme o Requerente aliás reconheceu nas suas declarações na sessão da conferência de pais do dia 15-11-2023, entre os 15m10s e os 15m48s).
25.ª Tais episódios punitivos causam, necessariamente, a qualquer menor sofrimento e violam a sua dignidade e superior interesse.
26.ª E se assim é quanto a qualquer menor, ainda mais se verifica quando está em causa um menor, como o CC, que padece de uma Perturbação do Espetro do Autismo.
27.ª Pelo que, a posição firme do menor no sentido de não querer residir com o progenitor que tem tal comportamento para com ele é, perfeitamente racional e justificada.
28.ª Acresce que, embora se compreenda a adopção recente do paradigma da residência alternada, não se pode aceitar por boa a prática de diabolizar a posição do progenitor(a), que, em determinado caso concreto, defenda não ser essa a melhor solução para o bem-estar do seu filho.
29.ª Assim, com todo o respeito, não se pode concordar que, na sentença de que se recorre, se tenha transformado actos de carinho e cuidado da mãe para com o menor, em supostos actos censuráveis.
30.ª Desde logo, no que respeita à alimentação do menor, não percebemos como é que se pode censurar a mãe do menor por preparar as refeições do menor (nomeadamente, a sopa passada), para que o mesmo goste de as comer.
31.ª Acresce que o facto de, esporadicamente, o CC comer bolachas à noite, nem sequer foi decisão da mãe, mas conselho da própria pediatra do menor!
32.ª Na sentença de que se recorre, do satisfazer “algumas” vontades ao menor (aliás, por conselho da pediatra do menor), fez-se o salto quântico e sem qualquer prova para uma suposta total flexibilidade na sua alimentação.
33.ª Sendo que, no pólo oposto, o Tribunal a quo, simplesmente nem sequer mencionou o facto gravíssimo, exposto pelo menor, de que o pai lhe bate, como, ainda se tentou justificar o facto de que, durante as férias da Páscoa, o pai do menor não lhe deu a medicação que a pediatra havia prescrito e que lhe estava a fazer bem.
34.ª Acresce que, conforme se explana nas páginas 9 e 10 do relatório pericial realizado ao menor, in casu, inexiste qualquer atitude de alienação parental por parte da Requerente. Muito pelo contrário!
35.ª Para além disso, in casu, para além de se ter imposto erroneamente ao menor a residência alternada, nem sequer se envolveu o mesmo na decisão quanto ao modo de implementação, o ritmo da alternância da residência e os contactos com cada um dos progenitores durante o período de residência com o outro progenitor.
36.ª Por outro lado, a mãe não pode aceitar a residência alternada, por ter em conta a referida perturbação do espectro do autismo de que o CC padece, bem como a justificação que o menor expõe para recusar veemente a implementação da residência alternada.
37.ª Ainda que a vontade do menor não seja vinculativa para o Tribunal, tal vontade deve sempre ser um factor importante a atender, em ponderação com os demais, na regulação do exercício das responsabilidades parentais – cfr. alínea c), do n.º 1, do artigo 4.º e n.º 1, do artigo 5.º do RGPTC.
38.ª Ora, conforme consta do relatório pericial juntos aos autos, bem como das próprias declarações do menor, este não pretende viver num regime de residência alternada, pretendendo antes que se mantenha o regime que ficou estabelecido a 26 de Junho de 2023.
39.ª Regime este que, tendo em conta tudo o supra, exposto sempre é o regime que me salvaguarda o superior interesse dos menores.
40.ª Pelo que, ao não ter decidido nesse sentido, a sentença de que se recorre incorreu em erro na aplicação do Direito supramencionado, devendo a mesma ser revogada e substituída por decisão que julgue o incidente de alteração das responsabilidades parentais improcedente, determinando o seu arquivamento.

O Ministério Público apresentou as suas contra-alegações, nas quais defende a manutenção da decisão.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber:
a) ocorreu erro no julgamento da matéria de facto ?
b) a guarda alternada dos menores foi uma decisão errada ?

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. Por acordo, homologado por decisão proferida, em 18 de Março de 2022, pela Conservatória do Registo Civil ..., no âmbito do processo divórcio por mútuo consentimento nº 973/2022, foi fixado o exercício das responsabilidades parentais relativas aos filhos menores de Requerente e Requerida, CC e DD, tendo sido estipulado que:
“PRIMEIRA
Os menores ficam à guarda e aos cuidados da mãe, com quem residirão.
Que nos termos do nº 3, do artigo 1906º do Código Civil, com as alterações introduzidas pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro, a mesma exercerá as responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente dos menores.
SEGUNDA
As responsabilidades parentais, relativas às questões de particular importância para a vida dos filhos, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência em que qualquer um dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
TERCEIRA
Quanto à prestação de alimentos o pai contribuirá com a quantia de €150,00 (cinquenta e cinquenta euros), a título de alimentos devidos a cada um dos menores, no total mensal de €300,00, actualizável anualmente de acordo com os índices de inflação do INE, quantia a ser paga por depósito na conta bancária IBAN a indicar.
QUARTA
As despesas médicas e medicamentosas são comparticipadas pelos serviços competentes, bem como as despesas escolares e extracurriculares, incluindo ATL, serão pagas por ambos os progenitores, na proporção de metade de cada um, mediante documento comprovativo.
QUINTA
No que respeita ao regime de visitas o pai poderá visitar os menores, sempre que o desejar, sem prejuízo das horas normais de descanso e das obrigações escolares, mediante aviso prévio à mãe.
SEXTA
O pai poderá passar de quinze em quinze dias, o fim-de-semana completo com os menores devendo ir busca-la às 18.30 de sexta-feira à casa da mãe e entrega-los até às 21.00 Horas de Domingo na casa da mãe.
SÉTIMA
O pai poderá ir busca ou levar os menores todos os dias à escola cumprindo os horários escolares a combinar entre ambos os progenitores.
OITAVA
Quanto às festividades e férias, menores poderão passar alternadamente com um dos pais, os dias 24 e 25 de Dezembro e 31 de Dezembro e 1 de Janeiro, bem como o dia de Carnaval e o dia de Páscoa, assim como poderá passar juntamente com o pai um período de 8 dias de férias na Páscoa e no Natal.
NONA
Os menores poderá passar juntamento com o pai e dia de aniversário deste e o dia do pai, e com a mãe o dia de aniversário desta e o dia da mãe.
No dia de aniversário dos menores, estes podem tomar uma refeição com cada um dos pais, mediante acordo entre ambos.
DÉCIMA
Os menores poderão passar juntamente com o pai um período de 15 dias nas férias de verão, e caso o período de férias dos pais seja coincidente, os menores poderão passar um período de oito dias com cada um deles, devendo o pai informara mãe do respectivo período de férias com pelo menos dois meses de antecedência.
DÉCIMA PRIMEIRA
1. As viagens ao estrangeiro serão autorizadas por escrito com um mês de antecedência, fazendo-se constar o destino e datas de partida e de chegada.
2. O abono de família e outras prestações de caracter a que os menores tenham direito serão recebidos pela mãe.
3. As comunicações entre os pais, para os fins do presente acordo, deverão processar-se pessoalmente, através dos telemóveis ou email.
DÉCIMA SEGUNDA
Os progenitores obrigam-se a cumprir o presente acordo e, em tudo que não estiver aqui estipulado, deverão ambos decidir de comum acordo, tudo conforme certidão do mesmo que ora se junta e se reproduz para todos os efeitos legais.
2. O Requerente propôs à Requerida a guarda partilhada do CC e da DD, sendo que esta apenas aceitou alterar o regime das responsabilidades dos menores por forma a permitir mais contacto do Requerente com seus filhos, nomeadamente, “concedendo” ao pai o direito de jantar com os menores às quartas-feiras e com ele pernoitar, com a obrigação de os levar à escola na quinta-feira ou, em caso de férias, entregá-los na casa da mãe, tudo conforme se alcança do ponto 10 do mencionado acordo de alteração e da decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil ..., em 26.06.2023 – cfr. doc. nº 2.
3. Foi designada para conferência o dia 15 de Novembro de 2023, no âmbito da qual foi ouvida a progenitora, que manteve a sua resistência à guarda partilhada, estribando-se na circunstância de ter sido diagnosticado ao filho o síndrome de Asperger, do menor alegadamente ter alergia aos ácaros, padecer de incontinência fecal, deficit de atenção com necessidade de tomar medicação diária, acrescentando que o menor chora quando vai para casa do pai, porque ele o obriga a lavar as cuecas quando as suja e que a casa do progenitor é apenas um T2 e que tem humidades e ácaros; ouvido o progenitor, o mesmo sustenta que sempre pretendeu a guarda partilhada; vive num T2, mas encara arrendar um T3 caso lhe seja atribuída a guarda partilhada, lembrando que o T3 no qual a autora vive é a casa de morada de família que ainda não se mostra partilhada. Nessa diligência, o Tribunal considerou que nenhuma das razões invocadas pela progenitora era incompatível com um regime de guarda partilhada, tendo optado por fixar um regime provisório, por forma a garantir uma adaptação gradual dos menores, tendo em vista a implementação de uma guarda partilhada, nos termos que constam da referida acta, tendo ainda remetido as partes para audição técnica especializada.
4. Por requerimento de 06/05/2024, veio a progenitora reiterar que o CC sofre de Perturbação do Espectro de Autismo ligeira, com um bom nível cognitivo (Perturbação de Asperger), associada a uma Perturbação de Hiperactividade e Deficit de Atenção-forma predominantemente inatenta, que por determinação da pedopsiquiatra deve tomar todos os dias medicação para o deficit de atenção de que padece. Sucede que o pai não é a favor da medicação e, na semana da Páscoa em que esteve com o pai, não tomou a medicação. Acresce que o menor não se tem adaptado ao regime provisório. Insiste para que seja solicitado o relatório médico, a fim de aferir se a alteração da residência do menor, de uma guarda com a progenitora para uma guarda partilhada iria ter implicações negativas no menor.
5. Por despacho de 15/05/2024, foram solicitadas perícias psicológicas a cada um dos progenitores, a fim de averiguar das suas competências parentais, a verificação de eventuais indicadores de SAP e ainda se a alteração do regime, transitando para uma guarda partilhada teria implicações negativas para o menor.
6. Mostrando-se decorrido o prazo de 6 meses, foi solicitado a cada um dos progenitores que informassem, de forma resumida, como decorreu o regime transitório implementado.
7. Em cumprimento do despacho, o progenitor informou que o regime transitório decorreu com toda a normalidade, não sentindo o progenitor qualquer alteração minimamente relevante que afectasse o comportamento dos menores; a Requerida informou que, para além do já exposto por requerimento de 06/05/2024, o menor no início chorava quando ia para o pai e insiste que o regime não é favorável ao CC.
8. Consta dos autos a informação sobre a audição técnica especializada, que concluí, em síntese:
Na sessão conjunta, os pais demonstraram capacidade de comunicação focada no bem-estar das crianças.
Embora com opiniões divergentes, conseguiram ser receptivos a uma comunicação fluente e procuraram entender os pontos de vista de cada um.
A mãe mostrou-se reflexiva quanto à possibilidade do regime de residência alternada, até porque na base, apenas faltam dois dias para uma divisão igualitária do tempo. BB, ouviu os vários argumentos e aparentou reflexão sobre estes, mas voltava sempre à sua posição, justificando não considerar o mais adequado para a patologia do filho. Embora, quando questionada sobre algum parecer médico com essa indicação, referiu não ter, ser apenas a sua opinião.
Contrapondo, o pai referiu terem tido parecer de uma psicóloga, considerando a residência alternada a mais ajustada para o desenvolvimento infantil.
Ambos referiram que o CC vai retomar as consultas psicológicas com a Dra. EE, no Hospital .... O menor é seguido noutras especialidades médicas.
A mãe manteve a sua posição. No entanto, referiu que se for definido o regime de residência alternado, vai aceitar e cumprir o que for estipulado.
Também revelou, ter conhecimento, pelo seu advogado da avaliação de perícia forense, solicitada pelo Douto Tribunal, considerando um factor importante para a decisão, uma vez que acha que o filho deve ser ouvido, para perceberem o ponto de vista do mesmo. Refere que o CC diz “que gosta do pai, mas não quer andar com as coisas atrás dele” (sic).
Os pais demonstraram capacidade de comunicação nas necessidades educativas, saúde e emocionais dos filhos. Existe transmissão de informação entre ambos, no que concerne a escola e saúde. Ambos apresentaram conhecimento das necessidades e especialidades de saúde, bem como da área educativa referente aos filhos.
Pese embora, ao nível da saúde, demonstraram uma divergência de opinião, quanto à medicação prescrita para o défice de atenção do CC, considerando o pai que este deveria parar de tomar a mesma nas férias, o que efectuou consigo, durante 4 dias que estiveram a desfrutar de umas férias em família. No entanto, a mãe considerou esta postura nefasta, pois no seu entendimento, a orientação médica de paragem foi apenas para as férias grandes e não os períodos mais breves. Sendo este um dos factores que também apresentou para as dúvidas que tem quanto à definição do regime de residência alternada”.
9. Do relatório de perícia psicológica realizada ao progenitor resulta:
“Coligindo a informação recolhida e daquilo que nos foi possível avaliar, somos de parecer que AA se mostrou globalmente ajustado, não evidenciando a presença de sintomatologia psicopatológica significativa ou de perturbação da personalidade.
Quanto à paternidade, foi possível constatar que AA se encontra motivado, revelando interesse e preocupação para com o bem-estar e segurança dos filhos. No que respeita a competências parentais, este mostrou conhecer as principais características identitárias, gostos, habilidades e modos de funcionamento dos filhos. Mostrou-se, ainda, capaz de perspectivar necessidades actuais e futuras das crianças e revelou possuir conhecimentos e competências a nível das estratégias educativas e didácticas, bem como competências de interacção e de expressão adequada de afecto. Da mesma forma, foi possível constatar a existência de sentimentos de afecto positivo e adequado para com os filhos.
Respondendo em específico a quesito colocado por esse tribunal (i.e., “averiguar das competências parentais de cada um dos progenitores”), à presente avaliação, resultou que AA evidenciou reunir condições psicoemocionais favoráveis à condução da educação dos filhos, revelando assim capacidades para o exercício da parentalidade.
Salientamos, todavia, que, ainda que o interesse e o bem-estar dos filhos assumam carácter prioritário nos discursos de AA e BB e que estes se mostrem capazes de estabelecer momentos de diálogo a respeito dos filhos, verificou-se a presença de algumas fragilidades na relação co-parental. Para além das divergências a respeito da guarda e custódia e das críticas mútuas acerca da forma como o outro pai lida com os filhos e gere as questões referentes à parentalidade, verificaram-se inconsistências ao nível das práticas parentais.
Atendendo a que práticas parentais inconsistentes podem impactar de forma negativa não só o normal desenvolvimento das crianças como também a relação que estas estabelecem com os pais, podendo tal ser ainda mais impactante no caso de crianças com Perturbações do Espectro do Autismo (com o é o caso de CC), impera a adopção de práticas parentais consistentes. Para tal poderá ser benéfico a integração dos progenitores num programa de promoção de competências co-parentais, com o intuito de promover a adopção de práticas parentais consistentes e positivas (i.e., comunicação, expressão de sentimentos, estabelecimento de limites)”.
10. Do relatório pericial realizado à progenitora resulta, em síntese:
Coligindo a informação recolhida e daquilo que nos foi possível avaliar, somos de parecer que BB se mostrou globalmente ajustada. À data da avaliação, a progenitora não revelou a presença de sintomatologia psicopatológica ou perturbação da personalidade clinicamente significativa.
No que concerne à parentalidade, foi possível constatar que BB se encontra motivada, revelando interesse e preocupação para com o bem-estar e segurança dos filhos. No que respeita a competências parentais, esta mostrou conhecer as principais características identitárias, gostos, habilidades e modos de funcionamento dos filhos. Esta foi, ainda, capaz de perspectivar necessidades actuais e futuras das crianças e revelou possuir conhecimentos e competências a nível das estratégias educativas e didácticas, bem como competências de interacção e de expressão adequada de afecto. Foi ainda possível perceber a existência de uma relação adequada com os filhos e de sentimentos de afecto positivo para com os mesmos.
Respondendo em específico a quesito colocado por esse tribunal (i.e., “averiguar das competências parentais de cada um dos progenitores”), à presente avaliação resultou que BB evidenciou reunir condições psico-emocionais favoráveis à condução da educação dos filhos, revelando assim capacidades para o exercício da parentalidade.
Salientamos, todavia, que, ainda que o interesse e o bem-estar dos filhos assumam carácter prioritário nos discursos de BB e AA e que estes se mostrem capazes de estabelecer momentos de diálogo a respeito dos filhos, verificou-se a presença de algumas fragilidades na relação co-parental. Para além das divergências a respeito da guarda e custódia e das críticas mútuas acerca da forma como o outro pai lida com os filhos e gere as questões referentes à parentalidade, verificaram-se inconsistências ao nível das práticas parentais.
Atendendo a que práticas parentais inconsistentes podem impactar de forma negativa não só o normal desenvolvimento das crianças como também a relação que estas estabelecem com os pais, podendo tal ser ainda mais impactante no caso de crianças com Perturbações do Espectro do Autismo (como é o caso de CC), impera a adopção de práticas parentais consistentes. Para tal poderá ser benéfico a integração dos progenitores num programa de promoção de competências co-parentais, com o intuito de promover a adopção de práticas parentais consistentes e positivas (i.e., comunicação, expressão de sentimentos, estabelecimento de limites)”.
11. Do relatório pericial realizado ao menor resulta:
Da análise das informações recolhidas ao longo da avaliação, resulta que CC evidencia um quadro de Perturbação do Espectro do Autismo ligeiro e Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção – forma predominantemente inatenta. Do ponto de vista cognitivo, CC evidenciou um funcionamento intelectual congruente com a sua idade cronológica e nível de inserção social. No que respeita ao funcionamento socio-afectivo, verificam-se, todavia, várias fragilidades, decorrentes da condição que apresenta. Assim, CC evidencia dificuldades no estabelecimento de relacionamentos interpessoais, na compreensão da essência das relações com os outros e ao nível da capacidade de diferenciação e reconhecimento emocional.
A respeito da relação paterno-filial, CC mostrou estabelecer um relacionamento ajustado com a progenitora, sendo esta identificada como a sua principal figura de referência e afecto. Em relação ao progenitor, foram também verificados sentimentos positivos, não obstante a referência a algumas práticas educativas no passado que o terão desagradado.
Em específico no que respeita aos quesitos formulados por esse tribunal, nomeadamente a respeito da “verificação de eventuais indicadores de SAP”, antes de mais importa esclarecer que a Síndrome de Alienação Parental (SAP) não é reconhecida em nenhum dos dois maiores sistemas mundiais de diagnóstico de saúde mental (DSM-5 da American Psychological Association [APA] e ICD-11 da Organização Mundial de Saúde [OMS]), nem tão pouco um construto consensual na comunidade científica. Tendo como base o exposto, não nos podemos pronunciar em relação à presença ou não desta alegada síndrome, tanto que esta deve ser concebida exclusivamente como um construto operacional sociológico, desvinculado de qualquer caracterização como entidade nosológica, condição médica, desordem ou síndrome emocional e comportamental específica da criança/jovem e/ou dos progenitores. Ainda assim, à presente avaliação, não resultaram indícios de rejeição da parte de CC em relação a nenhuma das figuras parentais ou de um discurso de crítica em relação a estes. A partir da informação recolhida junto da criança, também não foi possível concluir pela sua exposição a elementos e/ou mensagens negativas acerca dos progenitores, sendo apenas observável a sua exposição às pretensões e motivações de cada um dos progenitores a respeito da sua guarda e custódia.
No que respeita ao quesito respeitante ao potencial impacto de um regime de guarda partilhada (i.e., “se a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais, transitando de uma residência exclusiva a cargo da progenitora, para uma guarda partilhada, teria quaisquer implicações negativas para o menor), antes de mais importa salientar que, à presente avaliação, não foram identificadas alterações emocionais e/ou comportamentais significativas no jovem decorrentes do regime actualmente em vigor (i.e., período alargado de tempo com o progenitor). Para além disso, salienta-se que a avaliação psicológica apenas nos permite retirar conclusões fidedignas relativamente ao momento actual e que a referência a eventuais consequências futuras para as crianças se revela meramente especulativa. No entanto, tendo em conta a adaptação actual ao regime em vigor (pese embora o facto de CC referir preferir o regime anterior), não resultam indícios de que a manutenção do regime provisório praticado até então ou um eventual alargamento do mesmo trará um impacto negativo significativo no desenvolvimento e bem-estar de CC. Todavia, a efectivar-se um alargamento do regime tal implicará necessariamente mudanças consideráveis nas rotinas de CC o que poderá precipitar alguma instabilidade e desorganização, em especial numa fase inicial de implementação, podendo tal ser ainda mais impactante atendendo à condição evidenciada por CC (i.e., Perturbação do Espectro do Autismo). Da mesma forma, uma vez que CC verbaliza não pretender um regime de residência alternada, a implementação de tal regime sem a concordância e participação deste poderá ser experienciado com alguma negatividade, podendo no limite fragilizar a relação pai-filho. Note-se que um dos pressupostos para implementação da guarda partilhada com residência alternada prende-se com a necessidade dos filhos participarem na decisão de determinação da sua residência ou do ritmo da alternância da residência. Desta forma, a implementar-se um regime de residência alternada torna-se fundamental envolver o CC neste processo, discutindo com o mesmo o modo de implementação, o ritmo da alternância da residência e os contactos com cada um dos progenitores durante o período de residência com o outro pai. Ressalve-se, ainda, que a existência de práticas parentais inconsistentes entre AA e BB poderá comprometer a implementação de um regime de residência alternada (ou qualquer outro regime), assim como o desenvolvimento salutar de CC e a relação que este estabelece com cada um dos progenitores. Neste sentido, ambos os progenitores deverão ser alertados para o impacto que tais dinâmicas têm no bem-estar e equilíbrio do filho e na relação que este estabelece com cada um dos progenitores. Para tal poderá ser benéfico a integração dos progenitores num programa de promoção de competências coparentais, com o intuito de promover a adopção de práticas parentais consistentes e positivas (i.e., comunicação, expressão de sentimentos, estabelecimento de limites). Desta forma, a implementação de um regime desta natureza, tendo em consideração o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo apresentado por CC, implica a necessidade de assegurar a constância e previsibilidade das rotinas, a consistência das práticas educativas e das terapias/intervenções (incluindo medicação), a estabilidade familiar e ambiental e a comunicação assertiva entre a criança e os progenitores e entre os progenitores”.
12. Realizada a conferência em 10/09/2024, tendo em conta que o menor completou 12 anos de idade, o Tribunal determinou a sua inquirição, que foi concretizada na diligência de 16/10/2024, tendo o menor declarado que, em casa do pai não come o que gosta, ao contrário do que sucede em casa da mãe, que prefere o regime anterior, ou seja, aos fins de semana de 15 em 15 dias.
13. Nessa diligência, o tribunal decidiu manter o regime provisório, alterando a clausula quanto à pensão de alimentos, tendo em conta o número de dias que o progenitor tem os menores a seu cargo.

IV
Conhecendo do recurso.
Começa a recorrente por querer impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto.
A recorrente indica de forma clara quais os pontos de facto que considera mal julgados e quais as respostas que entende que o Tribunal deveria ter dado aos mesmos, e indica em concreto os meios de prova que em seu entender deveriam ter levado a decisão diversa.
Podemos pois conhecer desta parte do recurso.

A recorrente pretende que o ponto 12 dos factos provados tenha o seguinte teor:
Realizada a conferência em 10/09/2024, tendo em conta que o menor completou 12 anos de idade, o Tribunal determinou a sua inquirição, que foi concretizada na diligência de 16/10/2024, tendo o menor declarado que, em casa do pai não come o que gosta, ao contrário do que sucede em casa da mãe, que antigamente o pai puxava-lhe as orelhas, que actualmente às vezes ainda lhe bate e que prefere o regime anterior, ou seja, aos fins de semana de 15 em 15 dias”.

Ora, este é dos recursos da decisão sobre matéria de facto mais simples de decidir que já tivemos. Aquilo que a recorrente pretende que fique a constar da matéria de facto provada é justamente aquilo que o menor declarou ao ser ouvido e que o Tribunal fez constar, por súmula, na acta de 16.10.2024.

Assim, sem perder mais tempo, esta parte do recurso procede, pelo que o facto provado 12 passa a ter a seguinte redacção:
Realizada a conferência em 10/09/2024, tendo em conta que o menor completou 12 anos de idade, o Tribunal determinou a sua inquirição, que foi concretizada na diligência de 16/10/2024, tendo o menor declarado que, em casa do pai não come o que gosta, ao contrário do que sucede em casa da mãe, que antigamente o pai puxava-lhe as orelhas, que actualmente às vezes ainda lhe bate e que prefere o regime anterior, ou seja, aos fins de semana de 15 em 15 dias”.
Se esta alteração tem ou não alguma influência na decisão, veremos posteriormente.

Aplicação do direito
   
Está em causa nestes autos saber se deve ser determinada a guarda partilhada dos menores CC e DD, como pede o Pai, ou se devem os menores continuar
à guarda e aos cuidados da mãe, situação que esta quer manter.
Em abstracto não temos a menor dúvida em afirmar que, quando os progenitores são competentes e dedicados aos filhos, e não se envolvem em conflitos estéreis, a guarda partilhada é de longe a melhor solução. O direito, aqui, limita-se a tentar imitar a natureza. Excluindo certos casos patológicos, a melhor solução para uma criança é ser criada, acompanhada e educada pelos seus progenitores, a meias. É o que sucede quando os progenitores estão juntos, e é o que deveria suceder mesmo que se separam.
O legislador fala sempre no “superior interesse da criança”. Estamos perante um conceito jurídico indeterminado, que tem de ser preenchido em cada caso concreto, mediante a escolha da melhor solução para aquela criança concreta, com aqueles progenitores concretos.
É pacífico que para a criança poder crescer e formar a sua personalidade, deve manter uma convivência o mais igualitária possível, com a mãe e com o pai. Ou seja, a possibilidade de conservar os vínculos afectivos com ambos os progenitores é essencial para o correcto desenvolvimento físico, emocional e comportamental do menor.

Esta é a orientação clara da jurisprudência. Vejamos alguns exemplos:
Na determinação do “regime de visitas”, em causa está o direito fundamental da criança “a ter pai e mãe”, o direito a não ser transformado em “órfão” de um deles, o que pressupõe manter os dois implicados na vida do filho não obstante a dissociação do casal, sendo essa a razão que torna relevante acolher e estimular a vontade de ambos os pais no sentido de exercerem o mais plenamente possível o seu papel, o que demanda os “mais amplos contactos” com o progenitor não residente, só assim se defendendo o superior interesse do menor; O verdadeiro problema em todo e qualquer regime de exercício das responsabilidades parentais é o conflito e a incapacidade de diálogo dos progenitores, que são fonte de perigo para o desenvolvimento do menor. Daí que, através do novo Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), o legislador tenha centrado o processo “no paradigma da gestão do conflito parental e em encontrar assim soluções que mantenham ambos os pais na vida da criança com grande proximidade”, sendo que, para tal, necessário se torna desenvolver, ao longo do próprio processo, com o recurso a assessorias técnicas, “plataformas de funcionamento conjunto” que contribuam para gerar “um envolvimento total” dos progenitores, impeditivo de abandonos parentais” (acórdão do TRG de 10.07.2018 -Margarida Sousa);
A guarda partilhada é a opção de exercício das responsabilidades parentais que melhor garantirá, à partida e em abstracto, a manutenção plena do convívio dos filhos com os progenitores que vivem separados, bem como uma maior proximidade de cada um dos pais com a vivência quotidiana do filho, aí se incluindo o zelo pela sua educação, pela sua saúde física, psíquica e emocional, bem como a integração harmoniosa e permanente do menor nas famílias de cada um dos progenitores”. (Acórdão do TRP de 21.1.2019 -Fernanda Almeida).
A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades” (Acórdão do TRE de 7 de Junho de 2018 - Mário Branco Coelho)
A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades” (Acórdão do TRL de 2022-06-23 - Nelson Borges Carneiro)
A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades. A conservação dos vínculos afectivos com ambos os progenitores revela-se como essencial no correcto desenvolvimento físico, emocional e comportamental do menor e, por isso, salvaguarda o seu superior interesse” (Acórdão do TRG de 13 de Julho de 2022 - Ana Cristina Duarte).
Desde que haja uma relação de boa colaboração e compromisso entre os pais no que respeita aos assuntos da vida do filho, e vinculação afectiva forte entre este e os seus progenitores, a guarda compartilhada (com residências alternadas) configura-se como a solução “ideal”. Se após a separação do casal, os elementos fácticos dos autos demonstram uma equivalência das condições oferecidas por cada um dos progenitores, o superior interesse do menor imporá a opção pelo regime da guarda compartilhada”. (Acórdão do TRC de 12.6.2018 - Moreira do Carmo).

Aqui chegados, apenas nos resta olhar para os factos provados e confirmar integralmente a decisão recorrida.
Por acordo dos progenitores no processo de divórcio por mútuo consentimento foi estipulado que os menores ficariam à guarda e aos cuidados da mãe.
O Requerente propôs à Requerida a guarda partilhada do CC e da DD, sendo que esta apenas aceitou alterar o regime das responsabilidades dos menores por forma a permitir mais contacto do Requerente com seus filhos.
As razões da oposição da mãe à guarda partilhada estão descritas supra.
O Tribunal designou uma conferência de pais para o dia 15 de Novembro de 2023, na qual considerou que nenhuma das razões invocadas pela progenitora era incompatível com um regime de guarda partilhada, tendo fixado um regime provisório, por forma a garantir uma adaptação gradual dos menores, tendo em vista a implementação de uma guarda partilhada, nos termos que constam da referida acta, tendo ainda remetido as partes para audição técnica especializada.
Passados 6 meses foi solicitado a cada um dos progenitores que informassem, de forma resumida, como decorreu o regime transitório implementado. O progenitor informou que o regime transitório decorreu com toda a normalidade, não sentindo qualquer alteração minimamente relevante que afectasse o comportamento dos menores, enquanto que a Requerida informou que, para além do já exposto, o menor no início chorava quando ia para o pai e insiste que o regime não é favorável ao CC.

Posto isto, resulta da audição técnica especializada, que, em síntese:
Na sessão conjunta, os pais demonstraram capacidade de comunicação focada no bem-estar das crianças. Embora com opiniões divergentes, conseguiram ser receptivos a uma comunicação fluente e procuraram entender os pontos de vista de cada um. A mãe mostrou-se reflexiva quanto à possibilidade do regime de residência alternada, até porque na base, apenas faltam dois dias para uma divisão igualitária do tempo. BB, ouviu os vários argumentos e aparentou reflexão sobre estes, mas voltava sempre à sua posição, justificando não considerar o mais adequado para a patologia do filho. Embora, quando questionada sobre algum parecer médico com essa indicação, referiu não ter, ser apenas a sua opinião.
Contrapondo, o pai referiu terem tido parecer de uma psicóloga, considerando a residência alternada a mais ajustada para o desenvolvimento infantil.
Ambos referiram, que o CC vai retomar as consultas psicológicas com a Dra. EE, no Hospital .... O menor é seguido noutras especialidades médicas.
A mãe manteve a sua posição. No entanto, referiu que se for definido o regime de residência alternado, vai aceitar e cumprir o que for estipulado.
Também revelou, ter conhecimento, pelo seu advogado da avaliação de perícia forense, solicitada pelo Douto Tribunal, considerando um factor importante para a decisão, uma vez que acha que o filho deve ser ouvido, para perceberem o ponto de vista do mesmo. Refere que o CC diz “que gosta do pai, mas não quer andar com as coisas atrás dele” (sic).
Os pais demonstraram capacidade de comunicação nas necessidades educativas, saúde e emocionais dos filhos. Existe transmissão de informação entre ambos, no que concerne a escola e saúde. Ambos apresentaram conhecimento das necessidades e especialidades de saúde, bem como da área educativa referente aos filhos.
Pese embora, ao nível da saúde, demonstraram uma divergência de opinião, quanto à medicação prescrita para o défice de atenção do CC, considerando o pai que este deveria parar de tomar a mesma nas férias, o que efectuou consigo, durante 4 dias que estiveram a desfrutar de umas férias em família. No entanto, a mãe considerou esta postura nefasta, pois no seu entendimento, a orientação médica de paragem foi apenas para as férias grandes e não os períodos mais breves. Sendo este um dos factores que também apresentou para as dúvidas que tem quanto à definição do regime de residência alternada”.

Do relatório de perícia psicológica realizada ao progenitor resulta, em síntese, ausência de sintomatologia psicopatológica significativa ou de perturbação da personalidade; motivação para a parentalidade, interesse e preocupação para com o bem-estar e segurança dos filhos; competências parentais presentes; sentimentos de afecto positivo e adequado para com os filhos.

Do relatório pericial realizado à progenitora resulta, em síntese, ausência de sintomatologia psicopatológica ou perturbação da personalidade clinicamente significativa; motivação para a parentalidade, interesse e preocupação para com o bem-estar e segurança dos filhos; competências parentais presentes; sentimentos de afecto positivo e adequado para com os filhos.

O único problema detectado foi o de “algumas fragilidades na relação co-parental”. E foi sugerida a integração dos progenitores num programa de promoção de competências co-parentais, com o intuito de promover a adopção de práticas parentais consistentes e positivas (i.e., comunicação, expressão de sentimentos, estabelecimento de limites)”.

Do relatório pericial realizado ao menor resulta um quadro de Perturbação do Espectro do Autismo ligeiro e Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção – forma predominantemente inatenta. Do ponto de vista cognitivo, CC evidenciou um funcionamento intelectual congruente com a sua idade cronológica e nível de inserção social. No que respeita ao funcionamento socio-afectivo, verificam-se, pois, dificuldades no estabelecimento de relacionamentos interpessoais, na compreensão da essência das relações com os outros e ao nível da capacidade de diferenciação e reconhecimento emocional.
A respeito da relação paterno-filial, CC mostrou estabelecer um relacionamento ajustado com a progenitora, sendo esta identificada como a sua principal figura de referência e afecto. Em relação ao progenitor, foram também verificados sentimentos positivos, não obstante a referência a algumas práticas educativas no passado que o terão desagradado. De realçar que não resultaram indícios de rejeição da parte de CC em relação a nenhuma das figuras parentais ou de um discurso de crítica em relação a estes. A partir da informação recolhida junto da criança, também não foi possível concluir pela sua exposição a elementos e/ou mensagens negativas acerca dos progenitores, sendo apenas observável a sua exposição às pretensões e motivações de cada um dos progenitores a respeito da sua guarda e custódia.
Mais se pode ler no relatório que sobre saber se a guarda partilhada teria quaisquer implicações negativas para o menor, importa salientar que, à presente avaliação, não foram identificadas alterações emocionais e/ou comportamentais significativas no jovem decorrentes do regime actualmente em vigor (i.e., período alargado de tempo com o progenitor). E tendo em conta a adaptação actual ao regime em vigor (pese embora o facto de CC referir preferir o regime anterior), não resultam indícios de que a manutenção do regime provisório praticado até então ou um eventual alargamento do mesmo trará um impacto negativo significativo no desenvolvimento e bem-estar de CC. Mas acrescenta-se: “a implementar-se um regime de residência alternada torna-se fundamental envolver o CC neste processo, discutindo com o mesmo o modo de implementação, o ritmo da alternância da residência e os contactos com cada um dos progenitores durante o período de residência com o outro pai” (…) ambos os progenitores deverão ser alertados para o impacto que tais dinâmicas têm no bem-estar e equilíbrio do filho e na relação que este estabelece com cada um dos progenitores. Para tal poderá ser benéfico a integração dos progenitores num programa de promoção de competências coparentais, com o intuito de promover a adopção de práticas parentais consistentes e positivas (i.e., comunicação, expressão de sentimentos, estabelecimento de limites).
Aqui chegados, tudo aponta para que a guarda alternada seja a solução correcta, tal como a decisão recorrida preferiu.
A recorrente deu particular ênfase ao ponto da matéria de facto onde se lê que o menor declarou que, em casa do pai não come o que gosta, ao contrário do que sucede em casa da mãe, que antigamente o pai puxava-lhe as orelhas, que actualmente às vezes ainda lhe bate e que prefere o regime anterior, ou seja, aos fins de semana de 15 em 15 dias.
Ora, não vemos que estas declarações sejam suficientemente impressivas para nos fazer vacilar na decisão de secundar a guarda alternada. A parte da comida não merece comentários. A referência a que actualmente o pai às vezes ainda lhe bate é abstracta e conclusiva, ficando nós sem saber o que significa esse bater, sendo que há uma panóplia quase infinita de actos e gestos pedagógicos que podem ser qualificados como tal por uma criança de 12 anos.
Finalmente, a preferência pelo regime anterior tem de ser vista como uma posição de uma criança/jovem de 12 anos. Se fosse de entender que o jovem já tinha a maturidade para decidir o regime paternal a que quer ficar sujeito, então o legislador limitava-se a dizer que o Juiz ouvia o jovem e decidia de acordo com a preferência dele.
Claro que não é assim. A vontade expressa do menor é um dos dados a ponderar, juntamente com muitos outros, na tomada da decisão.
Repare-se que o legislador Português consagra nos artigos 4.º (princípios orientadores), 5.º (audição da Criança) e nº 3 do artigo 35.º (conferência de Pais) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o princípio da audição e participação da Criança nos seguintes termos:
Artigo 4º,1,c): “Audição e participação da Criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”.
Artigo 4º,2: “Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.”
Artigo 5º,1: “A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse”.
Artigo 35º,3: “A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar”.
“Procedendo à densificação deste direito fundamental e depois de frisar que “(…) a lei nacional e internacional privilegia sem sombra de dúvida o direito da criança a ser ouvida bem como seu direito a que as suas opiniões sejam levadas em consideração, desde que se lhes reconheça discernimento para isso (…)”, entendeu o Acórdão da Relação de Lisboa de 04.10.2007 que, “essa vontade deve prevalecer sempre que se reconheça à criança o discernimento suficiente para a manifestar e desde que não existam obstáculos de monta a que ela seja respeitada (obstáculos relacionados com o mundo envolvente, que possam escapar à compreensão da criança mas não devem escapar à atenção do julgador - que são todos aqueles que se venha a reconhecer que podem prejudicar a criança nalguma das suas vertentes essenciais como o crescimento e evolução equilibrados, a educação, o equilíbrio emocional e afectivo, sem esquecer o seu direito à felicidade)” – citação retirada do Acórdão desta Relação de Guimarães de 20/03/2018, processo n.º 1910/16.9T8BRG-A.G1 (Margarida Sousa), in www.dgsi.pt.
Ainda no mesmo Acórdão se escreve: “o direito à participação “não se esgota no momento em que a criança exprime livremente a sua opinião”, sendo ainda “necessário levá-la a sério”, sem que isto signifique “fazer-lhe a vontade ou transferir para si a responsabilidade da decisão”. “Esta responsabilidade é do adulto que, antes de a tomar, considera, valora, tem em conta a opinião da própria criança de acordo com o seu desenvolvimento físico e psíquico” (Alcina Costa Ribeiro, in Direito de Participação e Audição da Criança no Processo de Promoção e Protecção e nos Processos Tutelares Cíveis, artigo publicado na Revista do CEJ nº 2, 2015)”.
Ora, considerando que o menor foi diagnosticado como tendo um quadro de Perturbação do Espectro do Autismo ligeiro, e sabendo o que isso representa em termos de sentimento, manifestações e percepções de afectividade e tomada de decisões baseadas nessa vivência afectiva, não cremos que as declarações do menor sejam argumento para decidir contra a guarda partilhada.
Assim, e atendendo às competências parentais reveladas pelos progenitores, consideramos ser de secundar inteiramente a decisão da primeira instância, pois a conservação dos vínculos afectivos com ambos os progenitores revela-se como essencial no correcto desenvolvimento físico, emocional e comportamental dos menores e, no fundo, é isso que, em concreto, salvaguarda o seu superior interesse. Mesmo que pela sua jovem idade e maturidade, o menor ainda não tenha essa percepção.
É a decisão imposta pelo art. 1906º,7 do CC, art. 13º, 36º,5 e 69º,1 da CRP e artigo 18º da Convenção Sobre os direitos da Criança.
Como se escreve na sentença recorrida: “Cada progenitor tem de saber ter a lucidez de perceber que, ao dar por findo o seu projecto pessoal de comunhão com o/a outro/a, tem de lograr fazer – desde logo por Amor ao/à filho/a – um esforço (às vezes quase inumano) de abstracção, pelo novo rumo que seguiu a vida desse/a outro/a (o seu novo projecto, a sua nova relação), combatendo o despeito, a raiva (ou mesmo o ódio) que, por compreensíveis que sejam, havendo um/a filho/a comum, têm de ser subvalorizados ou colocados em plano secundário”.
E damos aqui por reproduzidas todas as citações que no mesmo sentido constam da sentença recorrida.
Reproduzimos, pelo seu relevo, a seguinte afirmação: “a residência alternada pode, portanto, ser mais benéfica para o menor que a residência exclusiva com um dos progenitores, porquanto aquela será a que está mais próxima da que existia quando os pais viviam na mesma casa, já que a criança continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes, com ambos estabelecendo relações de maior intimidade.
Com efeito, a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e não se sentirá uma “visita” quando está com o outro progenitor e restantes pessoas do seu agregado familiar, mantendo em ambos os lares um «espaço» próprio para a criança e não um espaço sentido por ela sentido como «provisório» ou considerado como tal pelos outros elementos do agregado familiar.
Acresce que a igualização dos direitos e responsabilidades dos pais diminui a conflitualidade e encoraja a cooperação entre estes, uma vez deixa de haver um perdedor e um vencedor, o que reduz a tentativa de denegrir a imagem um do outro através de acusações mútuas. Por outro lado, mesmo que num período inicial subsista alguma conflitualidade entre os pais estes tendem, com a passagem do tempo, a ultrapassarem os seus conflitos, adaptando-se à nova situação e relacionando-se de uma forma pragmática”.
Não esquecemos que existem igualmente na doutrina e na jurisprudência vozes que apontam os perigos de uma solução deste género, e que constam igualmente da sentença recorrida.

Duas coisas temos porém como certas.

Primeiro, a solução da guarda partilhada, em abstracto, revela-se a melhor solução para o futuro dos menores, por ser aquela que, dentro das circunstâncias abertas pela separação dos progenitores, mais se aproxima da vida que os menores tinham antes da separação dos pais.

Segundo, o sucesso ou fracasso desta medida depende exclusivamente dos progenitores. Se eles forem capazes de se entenderem entre si para proporcionar o melhor aos seus filhos, a medida resultará, e os menores e os pais colherão os frutos. Se não forem capazes de o fazer e, directa ou indirectamente, sabotarem esta medida, ela fracassará necessariamente, e quem pagará o preço serão os menores.
A sentença recorrida entendeu desvalorizar as razões de oposição da progenitora à medida, com o que concordamos. E subjacente a este juízo está a confiança em que ambos os progenitores são pessoa idóneas, que demostram grande afecto pelos seus filhos e têm condições materiais e emocionais para terem os menores a seu cargo.
Que o futuro não demonstre que este juízo, que aqui se confirma, foi errado.

Sumário:
            …

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente (salvo a alteração, irrelevante, da matéria de facto) e mantém a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC)

Data: 26.6.2025
 
Relator

(Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto
(António Manuel Araújo Figueiredo de Almeida)
2º Adjunto
(Alcides Rodrigues)