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PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
ANULAÇÃO DO JULGAMENTO
Sumário
I – A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. II - Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado. III – Porém, nos casos de improcedência do pedido do autor na acção transitada, só a excepção peremptória com que o réu obstou ao vencimento daquele é que será passível de ser oposta noutra acção em que se discuta um pedido conexo. IV - Tal entendimento justifica-se desde logo pela circunstância de estar vedado ao réu reagir judicialmente contra uma decisão final favorável e ver reapreciada a excepção peremptória que foi julgada improcedente e que, portanto, não determinou a improcedência do pedido formulado pelo autor. V – Quando a decisão proferida sobre a matéria de facto se revela, pelo menos em parte, deficiente e contraditória, por via da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares e por via da sua natureza equívoca ou imprecisa, inviabilizando uma consistente integração jurídica do caso em apreço, impõe-se, ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 2, al. c), 2ª parte, do NCPC, anular a sentença e determinar a ampliação da decisão de facto, por força a que da mesma passe a constar a pronúncia do tribunal quanto à aludida factualidade. VI - Posto que, nestes casos, está vedado ao tribunal de segunda instância exercer o seu dever de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, previsto no art.º 662º, nº 1, do NCPC, sob pena de privação do direito ao contraditório e à prova quanto aos factos omitidos e violação do duplo grau de jurisdição.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório AA e mulher BB
intentaram procedimento especial de despejo, apresentado no Balcão do Arrendatário e do Senhorio, contra CC e DD,
peticionando o despejo do imóvel melhor identificado nos autos, indicando como fundamento a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação, com efeitos a partir de 30.04.2024.
Juntaram, para o efeito, um contrato de arrendamento datado de 1.05.2017, o comprovativo do pagamento do imposto de selo e as cartas dirigidas aos réus a comunicar a oposição à renovação do contrato, acompanhadas dos respectivos avisos de recepção.
Os réus apresentaram oposição ao referido procedimento, pugnando pela ineficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
E deduziram reconvenção, peticionando que o contrato de arrendamento outorgado entre os autores e o réu marido, datado de 01.05.2017, junto aos autos com o requerimento inicial seja declarado nulo e de nenhum efeito por falta da consciência ou da vontade do réu marido; ou subsidiariamente, seja anulado, em virtude de erro na declaração por parte do réu marido ou de erro essencial, reserva mental e/ou dolo parte dos réus; que seja declarado válido e eficaz o contrato de arrendamento habitacional outorgado entre o réu marido e os anteriores proprietários e senhorios do prédio, datado de 30.04.1983, junto aos autos com a oposição e ainda que os autores sejam condenados a reconhecer a validade deste contrato, e consequentemente, condenados a cumpri-lo nos exatos termos das suas cláusulas e das normas legais aplicáveis.
Deduziram ainda os réus o incidente de diferimento da desocupação, pedindo que lhes fosse concedida e autorizada a desocupação do locado, pelo prazo não inferior a 5 meses, a contar da data do trânsito em julgado da decisão que o conceder.
Na sequência, o procedimento foi remetido ao tribunal para distribuição, nos termos do disposto no art.º 9º, do DL nº 1/2013, de 7.01.
Os autores apresentaram resposta, invocando a excepção do caso julgado relativamente às questões invocadas na reconvenção, dizendo que no processo que correu termos sob o nº 1458/22.2T8FAF já foram apreciadas, por decisão transitada em julgado, as questões relativas à validade do contrato de arrendamento datado de 1.05.2017 e à revogação tácita do contrato de arrendamento outorgado pelos réus com os anteriores proprietários, em 1983. Mais defenderam a inadmissibilidade da reconvenção e impugnaram a restante factualidade invocada pelos réus.
De seguida, foi apenas proferido despacho saneador tabelar e admitido o pedido reconvencional. Foi ainda fixado o objecto do litígio e admitidos os meios probatórios oferecidos pelas partes.
Realizada a audiência final foi proferida sentença, na qual foi julgada verificada a excepção do caso julgado e considerado improcedente o pedido reconvencional. E a acção foi julgada parcialmente procedente, determinando-se que a oposição à renovação deveria operar para a data de 1.05.2025, tendo ainda a desocupação do locado sido deferida pelo prazo de 5 meses (a contar de 1.05.2025), termos dos art.ºs 15º-D, nº 1, al. b) e 15º-M, do NRAU.
Inconformados com tal sentença, dela apelaram os réus, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
«1- Os Réus/apelantes discordam do tratamento fáctico-jurídico dado pelo Tribunal a quo, pois no seu entender, os artigos 1º e 2º da matéria de facto provada estão em contradição com os artigos 4º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º e 17º da mesma matéria de facto.
2- Por outro lado, entendem os Réus/apelantes, que deve ser aditada nova factualidade ao artigo 6º dos factos provados, na redação adiante proposta.
3- Consequentemente, os factos dados como não provados, deveriam passar a figurar dos factos provados.
4- O processo de convicção, com o devido respeito, afigura-se-nos ilógico e irracional, violando as regras da experiência comum na apreciação da prova.
a) Da contradição insanável entre os artigos 1º e 2º e os artigos 4º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º e 17º da matéria de facto provada
5- Prescreve o artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC compete à Relação em sede de apreciação da impugnação da decisão de facto, anular a decisão proferida em 1.ª instância quando, e nomeadamente, aquela decisão seja contraditória sobre determinados pontos da decisão de facto.
6- No caso dos autos, existe contradição entre os factos provados, uma vez que os mesmos se mostram absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que não podem coexistir entre si;
7- O Tribunal dá como provado que os Réus pretenderam celebrar um novo contrato de arrendamento em 01.05.2017, com o prazo certo de 1 ano (factos 1º e 2º) e simultaneamente, e inconciliavelmente, dá como provado que, os Autores nunca lhes explicaram o teor do referido documento, mormente, que se tratava de um novo contrato e que o mesmo passava a ser de prazo certo de um ano, com possibilidade de oposição à renovação por parte dos senhorios (facto 7º);
8- O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência.
9- Em face das regras da lógica, e da experiência, não é conciliável que os Réus (só o Réu marido é que assinou) tivessem a intenção de outorgar um novo contrato de arrendamento, quando nem sequer tinham consciência do que estavam verdadeiramente a assinar.
10- De igual modo, os factos 1º e 2º, encontram-se em evidente contradição com os factos 4º, 9º, 10º, 11º, 12º e 17º, porquanto, não se afigura consentâneo, que os Réus (só o Réu marido é que assinou) tivessem a intenção de celebrar um novo contrato de arrendamento, quando é certo que, já tinham outorgado um contrato de arrendamento em 30.04.1983, que este locado sempre foi a morada de família dos Réus, nele habitando desde essa data, e que o Réu marido apresenta debilidade em termos de saúde, sendo doente do foro oncológico.
11- Assim, até pelas máximas da experiência comum, facilmente se compreende que, o Réu marido, confiando na seriedade dos senhorios e atento o seu estado frágil de saúde, limitou-se a apor a respetiva assinatura nos locais indicados por aqueles não pretendendo revogar os termos do contrato anterior nem alterar os termos da relação, nomeadamente quanto à menção e aposição de um prazo certo de 1 ano de duração.
12- Os Réus, aliás, nem se aperceberam de tal alteração, desconhecendo mesmo as consequências da aposição da sua assinatura no contrato. E se o Réu marido se tivesse apercebido, não teria assinado.
13- Como vimos, o percurso da convicção do Tribunal “a quo” belisca as regras da experiência comum, da lógica, do direito e dos conhecimentos científicos.
14- Ou seja, não há um fio condutor do raciocínio lógico do julgador, pois os factos julgados como provados em 1º e 2º e os factos julgados como provados em 4º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º e 17º colidem inconciliavelmente entre si.
15- Pelo exposto, ocorre o vício da contradição insanável entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
b) Da nova redação do artigo 6º da matéria de facto provada
16- O facto principal constante do artigo 6º, carece de ser complementado e/ou concretizado, acrescentando-se na parte final a menção “sendo que o aviso de receção não foi assinado pelo Requerido marido”, por se tratar de factualidade, que influi diretamente na decisão do pleito da presente causa.
17- Resulta da prova documental junta aos autos, que o aviso de receção que acompanhou o envio dos elementos destinados à oposição à renovação do contrato de arrendamento relativo ao Réu marido, no campo destinado à data e assinatura, tem aposta a data de 23/12/2024 e uma assinatura onde se lê DD, sendo o documento de identificação, tal como consta do aviso de receção, corresponde à indicação do bilhete de identidade da mesma.
18- Para além de prova privilegiada da receção da carta registada, o aviso constitui elemento estrutural do complexo de actos e factos jurídicos com que o legislador entendeu disciplinar a concretização ou não da comunicação no procedimento especial de despejo, como passamos a explicar.
19- Da conjugação dos arts. 9º e 10º NRAU podemos retirar o seguinte regime: para evitar artimanhas e subterfúgios nas comunicações entre as partes, o legislador presume em geral que a carta a comunicar a denúncia (e enviada para a morada legal) se considera eficaz ainda que o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. Mas nos casos socialmente mais melindrosos (despejo) essa regra já não vale. Volta porém a valer, desde que exista domicílio convencionado e a carta tenha sido enviada para esse domicílio convencionado.
20- Por conseguinte, a nova factualidade, para além de mais concretizadora, acrescenta utilidade aos factos já declarados provados, porquanto, como o aviso de receção da comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento, que serviu de base ao procedimento especial de despejo, não foi assinado pelo Requerido marido, e não existe domicílio convencionado, significa que, a concretização da comunicação não operou.
21- Pelo que, o facto dado como provado no facto 6º deve passar a constar com a seguinte redação: “Os AA. apresentaram oposição à renovação do contrato, o que comunicaram aos requeridos, com efeitos a partir de 30 de abril de 2024, sendo que o aviso de receção não foi assinado pelo Requerido marido”.
c) Dos factos dados como não provados
22- No que concerne ao primeiro facto dado como não provado, o Tribunal a quo descredibilizou o depoimento da testemunha EE, agente imobiliário, porquanto os próprios Réus não confirmaram que o mesmo tivesse estado no imóvel a fazer visitas ou pelo menos que nele tenha efetivamente entrado.
23- Não obstante, os Réus/recorrentes não se conformam com tal julgamento e creem, salvo melhor e mais sábia opinião, que o Tribunal recorrido não fez uma análise correta da prova produzida;
24- Pese embora, o depoimento da testemunha EE, não tenha sido corroborado pelos Réus, de que o mesmo havia visitado o locado, tal não significa que os Autores não o tenham efetivamente visitado, e que não tenham tido conhecimento de que o prédio tinha arrendatários, até porque como a testemunha referiu quem mediou a venda e realizou a visita ao locado com os Autores foi a sua colega FF.
25- De todo o modo, muito mais foi dito pela aludida testemunha, que o Tribunal podia ter tido em conta, nomeadamente, no âmbito dos usos e costumes da sua profissão de agente imobiliário, que nos permite com elevado grau de certeza, concluir que os Réus sabiam da existência de inquilinos no locado; garantiu que seria impossível a sua Colega FF ter levado os Autores ao locado e o mesmo estar vazio, porque nesse caso estaria a enganar as pessoas, o que seria impensável. (Ficheiro: Diligencia_1314-24.0YLPRT_2025-02-05_16-01-31: [00:00:59 a 00:04:05] e [00:05:09 a 00:08:35]);
26- Assim, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, como aludiu a testemunha, facilmente se chega à conclusão que os Autores tinham conhecimento da existência de inquilinos no imóvel, porque tal lhes foi transmitido pelos agentes imobiliários, como era sua obrigação e procedimento normal.
27- Acresce que, o Réu marido confirmou que os Autores antes da compra, dirigiram-se ao local, referindo que pretendiam comprar o locado e pediram para o visitar, tendo o Réu marido assentido. (Ficheiro: Diligencia_1314-24.0YLPRT_2025-02-05_14-19-32): [00:03:11 a 00:03:50]);
28- Em concatenação, temos o depoimento da Ré mulher, que assegurou que os Autores sabiam da existência de inquilinos, tanto mais que, quando foram visitar a casa, garantiram à sua frente que o contrato era para manter igual. (Ficheiro Diligencia_1314-24.0YLPRT_2025-02-05_15-04-16): [00:10:28 a 00:11:36]);
29- Assim, o primeiro facto dado como não provado, “Aquando do referido sob 5, foi dada essa informação aos AA., tendo inclusive, visitado o local, bem como encetado conversações com os aqui requeridos, que já eram inquilinos do prédio.”, deve passar a constar dos factos provados.
30- Quanto ao segundo facto dado como não provado, mais uma vez, e salvo o devido respeito por opinião em contrário, o Tribunal a quo não valorou corretamente a prova produzida;
31- Da conjugação das declarações de parte dos Réus, resulta inequivocamente, que os Autores sabiam da condição de saúde do Réu marido, tendo-se aproveitando do seu estado de fragilidade, para se deslocarem a sua casa, quando este se encontrava sozinho, referindo que o documento era apenas para regularizar a situação de proprietários nas finanças, tendo o mesmo confiado. (Ficheiro Diligencia_1314-24.0YLPRT_2025-02-05_14-19-32): [00:08:18 a 00:10:05 e (Ficheiro Diligencia_1314-24.0YLPRT_2025-02-05_15-04-16): [00:04:19 a 00:05:09] e [00:05:53 a 00:07:00]);
32- Tanto assim é que, que os Autores já antes tinham tentado que o mesmo assinasse um novo contrato de arrendamento num solicitador, o qual não assinou, tendo desta vez sido apanhado na falsa fé. (Ficheiro Diligencia_1314-24.0YLPRT_2025-02-05_14-19-32): [00:10:52 a 00:11:07]);
33- Ora, a prova por declarações de parte tem valor autónomo e suficiente quanto à factualidade essencial, e que teve apenas lugar entre as partes, nomeadamente, entre os Réus e os Autores.
34- Em primeiro lugar, as declarações dos Réus mostraram-nos que eles são pessoas muito simples, e que se quisessem mentir deliberadamente sobre um determinado assunto, muito dificilmente o conseguiriam fazer sem automaticamente se denunciarem.
35- O que deve ser feito é usar esse mesmo critério do interesse próprio, mas antecipá-lo ao momento da alegada assinatura do contrato.
36- Não há a menor dúvida que era do interesse dos Autores que o Réu marido assinasse aquele documento: dessa forma, eles passariam a poder opor-se à renovação do contrato, e assim libertar a casa.
37- Por sua vez, do ponto de vista dos Réus, eles tinham um contrato de arrendamento escrito que já vinha do ano de 1983, e portanto, não tinham qualquer razão discernível para aceitar fazer um outro contrato, dando aos senhorios o poder de, decorrido o prazo de 1 ano contratualmente previsto, fazer terminar o mesmo e despejá-los.
38- Assim sendo, só nos resta como plausível a explicação, que eles próprios apresentaram ao Tribunal: o Réu marido não teve consciência que estava a assinar um novo contrato, porque lhe foi dito que era apenas para apresentar nas Finanças, e ele confiou nos senhorios, e ainda pelo facto de se encontrar muito debilitado devido aos tratamentos ministrados no IPO, pois tinha acabado de regressar de uma cirurgia.
39- Pelo que, o facto dado como não provado “Tendo o Requerido marido, atenta a insistência e imposição por parte dos senhorios (requerentes) e ainda pelo facto de se encontrar muito debilitado devido aos tratamentos ministrados no IPO, acabou por assinar o referido documento.”, deve passar a figurar dos factos provados.
i. Da inexistência de caso julgado
40- Defendeu o Tribunal recorrido que, sobre a questão da validade do novo contrato, ou a manutenção da vigência do anterior, extrai-se do facto 19º que essa questão foi concretamente apreciada no anterior processo e que como tal, a mesma integra o caso julgado, pelo que, sendo questão decidida, não pode ser objeto de modificação neste processo, e daí que, tenha julgado a reconvenção improcedente.
41- Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não podemos concordar com tal entendimento.
42- O Tribunal a quo sustenta a verificação da exceção de caso julgado, não com base no constante do dispositivo da mesma, mas com base no teor da respetiva fundamentação.
43- Não obstante, objetivamente, a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença.
44- Ou seja, o caso julgado não tem, em regra, por objeto os fundamentos, de facto ou de direito, do despacho ou sentença.
45- Quer na função positiva, quer na função negativa, os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente.
46- Ademais, para a ponderação da exceção de caso julgado não relevam as impugnações e exceções apresentadas pelos Réus na oposição.
47- Ora, desde logo, constitui orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecente que o caso julgado incide sobre a decisão e não abrange os fundamentos de facto, por si mesmos. (Neste sentido Remédio Marques, In, “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2007, pág. 447; Antunes Varela, In, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, pág. 697, Miguel Teixeira de Sousa, In Estudos sobre o Novo Processo Civil, ( 2ª edição) pág. 580], Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, vol.II, pág. 636, e Ac. STJ de 4.12.2018, processo n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1);
48- Desta feita, descendo ao caso em concreto, não estamos perante soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias, mas sim casos com um possível desfecho diferente, por reportados a situações distintas e distantes, achando-se em conformidade a diversidade, que sublinhe-se e reafirme-se, não resulta de soluções de direito opostas, mas sim para o qual contribuem aspetos particulares factuais diferentes.
49- Convém realçar que, no processo nº 1458/22.2T8FAF, não foi deduzida reconvenção (apenas foi alegada matéria excecional), por isso, não foi efetuado qualquer pedido formulado pelos Réus, naquela ação;
50- E tanto assim é que, a ação foi julgada improcedente e daí os Réus, naquela ação, estarem impossibilitados de recorrer, por falta de interesse em agir
51- Pelo que, deve ser julgada não verificada a exceção dilatória de caso julgado, uma vez que os factos considerados provados nos fundamentos da sentença proferida em primeiro lugar não podem isoladamente considerar-se cobertos pela eficácia do caso julgado.
52- Consequentemente, e considerando a factualidade dada como provada na presente ação, deve a reconvenção ser julgada procedente.
No caso de assim não se entender,
ii. Da não Revogação do contrato de arrendamento outorgado em 30.04.1983 e do vício de vontade:
53- No caso em apreço, resulta provado que o Requerido/Réu marido, enquanto casado com a Requerida/Ré mulher celebrou um contrato de arrendamento sobre o mesmo prédio em discussão nos presentes autos, datado de 30.04.1983, com os anteriores proprietários e senhorios (de nome GG e mulher HH).
54- A celebração do contrato de arrendamento data de 1983, numa altura em que o regime do arrendamento habitacional constava, no essencial, do Código Civil e que se caracterizava pela sua natureza marcadamente vinculística, com fortes restrições da liberdade contratual das partes, em nome da tutela da posição do arrendatário (v., no sentido da presente exposição, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 393/2020, de 13/07, in DR n.º 192/2020, Série II, de 2020-10-01).
55- Por força das sucessivas alterações legais, este contrato ficou sujeito ao regime do Novo Regime do Arrendamento Urbano (N.R.A.U.), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, tudo sem prejuízo do previsto nas normas transitórias daquela lei (artigo 59.º, n.º1).
56- Relativamente aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do Regime do Arrendamento Urbano (aprovado em 1990), aplicam-se as particularidades aí previstas nos artigos 26.º e seguintes.
57- Este regime transitório tentou, assim, manter as regras iniciais relativas à duração, renovação e denúncia daqueles contratos, estabelecendo-se ainda regras apertadas para as transições e atualizações das rendas (artigos 30.º e ss do NRAU), prevendo ainda uma transição para contratos de duração limitada, nos termos aí definidos e com limitações para arrendatários mais desfavorecidos.
58- Mesmo neste caso, o arrendatário tem de ser esclarecido pelo senhorio das alternativas que lhe assistem e advertido dos efeitos, como já decidido por Acórdãos do Tribunal Constitucional (cf. Ac. TC n.º 393/2020, 13 de julho).
59- Nos termos da factualidade provada, os Autores, senhorios, por sua iniciativa, ao invés de seguir esta tramitação, apresentaram ao Réu marido um novo contrato de arrendamento, de duração limitada, por um prazo de 1 ano, que este assinou, sem lhe ter sido explicado o seu teor.
60- E, decorrido este prazo, comunicou aos Réus a sua oposição à renovação, assentando a sua pretensão na substituição do contrato original pelo novo.
61- No entanto, a cessação do contrato de arrendamento também está sujeita a limites motivados pela proteção dos arrendatários, tendo o regime estabelecido natureza imperativa (artigo 1080.º do CC).
62- De acordo como artigo 1082.º do CC, as partes podem revogar, a todo o tempo, o contrato, mediante acordo a tanto dirigido por escrito (se não foi imediatamente executado).
63- Mas neste caso concreto, não existiu qualquer vontade declarada de terminar o contrato inicial, nem mesmo de substituir os contratos, que deveria ser também expressamente manifestada (artigo 859.º do CC).
64- Se o acordo de revogação não for celebrado por escrito é nulo (artigo 219.º do CC), subsistindo o contrato de arrendamento original, pelo que a restituição do locado só será possível através de outra forma de cessação (cf. Arrendamento Urbano, Laurinda Gemas e outros, 3.ª ed., p. 363).
65- Da mera outorga de um novo contrato, não pode, neste caso, resultar a cessação por acordo do contrato anterior de forma tácita, ou implícita.
66- E ainda que fosse admissível, coloca-se ainda aqui a questão da interpretação do novo contrato e da sua validade, por terem sido invocado e resultar provado o vício da vontade.
67- A declaração negocial dos Réus terá de ser interpretada de acordo com a interpretação do normal declaratário do comportamento do declarante (artigo 236.º do Código Civil), tendo de se atender não só à sua capacidade de entender o texto da declaração, mas considerando às particularidades do caso, concedendo importância fundamental às circunstâncias individuais de cada situação concreta (cf. Ac. RG de 25/05/2016, p. 1021/13.9TBCHV, www.dgsi.pt).
68- Resultou da factualidade provada que os Autores em momento algum prestaram qualquer explicação ou esclarecimento sobre o teor do documento referido, designadamente, quanto à outorga de um novo contrato de arrendamento, à menção e aposição de um prazo certo de um ano de duração do mesmo contrato e à possibilidade de oposição de renovação por parte dos senhorios.
69- Para além disso, também resultou provado que os Réus são de modesta condição social e que o Réu marido apresentava debilidade em termos de saúde, sendo doente do foro oncológico.
70- Ou seja, o réu marido quis praticar o ato de apor a sua assinatura no dito documento, como um favor aos senhorios, mas não teve consciência de que com esse gesto estava a emitir uma declaração negocial, mais concretamente a celebrar um novo contrato de arrendamento que iria substituir o que vigorava nesse momento, com consequências muito gravosas para eles.
71- Se tivesse tido essa consciência, jamais teria assinado o documento.
72- Desta forma, o Réu marido de boa-fé assinou o contrato, só se apercebendo da alteração quando receberam a carta dos Autores, com a oposição à renovação.
73- Tal contrato não corresponde à vontade real e esclarecida dos Réus, muito menos no sentido de revogarem o contrato vigente e, perante estas circunstâncias os Autores, deveriam ter-se apercebido.
74- Não estamos, assim, perante qualquer revogação por mútuo e expresso acordo de vontades, nem sequer da emissão de uma declaração para inclusão de um prazo para o contrato vigente, pelo que o contrato em vigor entre as partes é o contrato original, sem qualquer prazo.
75- A lei aplicável relativa às vicissitudes contratuais e cessação é a lei vigente à data do facto que a determina (artigo 59.º, n.º 1 do NRAU e artigo 12.º do Código Civil), pelo que se tem de considerar aqui o NRAU, na redação da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, não estando aí prevista esta cessação do contrato, pelo que a mesma declaração de oposição à renovação não pode produzir qualquer efeito.
76- Nos termos referidos, a resolução do contrato e consequente despejo, terá de improceder.
Se assim não se entender, e sem conceder,
iii. Da ineficácia da comunicação por o aviso de receção ter sido assinado por pessoa diversa
77- Como vimos supra, a propósito da impugnação da matéria de facto do artigo 6º, o aviso de receção da carta que os Autores enviaram a comunicar a sua intenção de oposição à renovação do contrato ao Réu marido, foi recebida por terceira pessoa.
78- O art. 10º, nº1, b) NRAU estatui, em geral, que a comunicação (enviada da forma prevista na lei para o locado ou para a morada convencionada) se considera realizada ainda que o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
79- Mas logo a seguir o nº 2 estabelece uma exceção a essa regra, dizendo que essa presunção (de concretização da comunicação) não se aplica às cartas que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior”
80- É flagrantemente o caso dos autos, pois a carta de oposição à renovação serviu de base ao procedimento especial de despejo, e o domicílio convencionado não se aplica ao caso, pois a alínea c) do n.º 7 do artigo anterior aplica-se exclusivamente à comunicação destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil.
81- Em síntese, a carta enviada e assinada por terceira pessoa que não o locatário, não preenche os requisitos legais de oposição válida à renovação do contrato. (Aliás, esta é, de resto, a posição no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza);
82- Resulta com clareza que, não tendo a carta enviada pelos Autores sido assinada pelo Réu marido, impunha-se a exigência do envio de uma segunda carta para que o senhorio pudesse lançar mão do Procedimento Especial de Despejo, o que não se verificou.
83- Pelo que, o Procedimento Especial de Despejo tem forçosamente de improceder.
Contudo e sem prescindir,
iv. Da ineficácia da oposição à renoção do contrato de arrendamento
84- A lei (art. 1097º do CC) exige, para a eficácia de declaração do senhorio, que seja dada a conhecer ao inquilino a sua vontade de oposição à renovação contratual automática locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”, prevendo, no nº 2, quais os documentos que servem de base ao procedimento, entre os quais, na alínea c), o contrato de arrendamento e a comunicação prevista no artigo 1097º nº1 para a cessação do contrato por oposição à renovação.
85- Pese embora, os Autores tenham fixado o término do contrato em 30.04.2024, o certo é que, segundo o Tribunal a quo, posição que aliás perfilhamos, só produzirá efeitos em 01.05.2025.
86- Assim, impõe-se perguntar se, tendo o senhorio indicado como data do termo do contrato, uma data que não é a “legal”, seja porque em virtude do prazo inicial acordado, seja porque em virtude de uma renovação automática, na data por aquele indicada o contrato ainda está em vigor, sendo o seu termo final uma data posterior, ainda assim a referida comunicação pode ser considerada eficaz para esta data.
87- A este propósito pronunciou-se o Ac. do TRG, de 09.11.2023, do relator José Carlos Pereira Duarte, que refere que a data do termo final do contrato, ou seja, a data em que o locado deve ser restituído, integra o conteúdo imprescindível da comunicação de oposição à renovação, admitindo contudo, a possibilidade de considerar extinto o contrato em outra data que não a indicada pelo senhorio, desde que o mesmo manifeste interesse, por modo processualmente adequado e oportunamente contraditado. (No mesmo sentido, decidiram os Ac. do STJ de 20.09.2023, do relator Jorge Leal e o Ac. do TRP de 12.10.2023, do relator Paulo Dias da Silva);
88- Com efeito, a data do termo final do contrato não é um elemento de somenos ou indiferente nesta questão pois, como se afirma no Ac. da RG de 23/03/2023, proc. 1824/22.3T8VCT.G1, “é um elemento essencial para garantir a salvaguarda dos direitos deste, de maneira a estabelecer, com segurança, a sua obrigação de restituir o locado, não podendo esta ficar, bem como o respetivo cumprimento ou as consequências da recusa, dependente de qualquer facto de aleatoriedade, emane ele da comunicação emitida, da interpretação do recetor ou das divergências interpretativas do sistema legal.”.
89- Reitera-se que, a comunicação de oposição à renovação efetuada pelos Autores, fixou como a data do termo final do contrato em 30.04.2024, e o certo é que, os Autores, nunca e em momento algum, ao longo do presente procedimento especial de despejo manifestaram a intenção de que a aludida oposição à renovação operasse para a data do termo final da duração ou renovação que estava em curso, ou seja, para 01.05.2025.
90- Pelo que, considerando que a data do termo final do contrato integra o conteúdo imprescindível da comunicação de oposição à renovação, a qual foi fixada pelos Autores em 30.04.2024, e concluindo-se, como concluiu o Tribunal a quo, que afinal o término do contrato só opera em 01.05.2025, tal comunicação enviada pelos Autores é ineficaz.
91- Mais, o que releva, é que os Autores propuseram a ação pedindo o despejo do locado em 30.04.2024 com o argumento de que o contrato de arrendamento que mantinha com os Réus tinha cessado por oposição à renovação.
92- Porém, à data de 30.04.2024, como concluiu o Tribunal a quo, o aludido contrato ainda estava ainda em vigor e a oposição à renovação não podia ter e não teve qualquer efeito antes da propositura da ação.
93- Não havia, de facto, qualquer razão legal para que os Réus tivessem de entregar o locado à Autora até à data da entrada da petição inicial em juízo pelo que ainda que viesse a considerar-se que a oposição à renovação comunicada pelos senhorios era válida para qualquer data posterior à pretendida a mesma ainda não tinha produzido efeitos quando a ação foi proposta pelo que, nessa data, não estava verificado o incumprimento da obrigação de devolver o locado que serve de causa de pedir. (veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-02-2022[Processo 966/21.7YLPRT.L1-7, disponível em: TRL 966/21.7YLPRT-L1-7];
94- Acresce que tal diversa causa de pedir foi arguida pelos Autores, daí não poderia ser elencada ex-novo pelo Tribunal a quo.
95- Por conseguinte, o contrato de arrendamento, permanece válido e eficaz, não havendo lugar à peticionada condenação dos Réus a restituir o locado aos Autores, livres de pessoas e bens, devendo ser os Réus absolvidos do peticionado, revogando-se a sentença recorrida.
E ainda, sem conceder,
v. Da nulidade com fundamento na condenação em objeto diverso do pedido
96- No caso em apreço, os Autores intentaram o procedimento especial de despejo, tendo por base a carta com a comunicação da oposição à renovação, enviada aos Réus, onde fixaram como a data do término do contrato, em 30.04.2024;
97- Não obstante, a douta sentença proferida decidiu julgar a ação parcialmente procedente por provada, e consequentemente, determinar que a oposição à renovação do contrato e a desocupação do locado pelos Réus (apesar do peticionado pelos Autores) deve ocorrer em 1 de maio de 2025;
98- O artigo 615º n.º 1 alínea e) do CPC refere que: “1 - É nula a sentença quando: o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”, e assim sendo as decisões judiciais a proferir pelos Tribunais não podem condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que as partes peticionam.
99- No caso dos presentes autos, verifica-se que o Procedimento Especial de Despejo teve como causa de pedir e pedido, a carta enviada aos Réus, em que os Autores comunicavam a oposição à renovação do contrato de arrendamento com efeitos em 30.04.2024, ou seja, pretendiam que os Réus procedessem à entrega do locado, livre e desocupado de pessoas e bens nessa data.
100- Contudo o Tribunal decidiu não se vincular ao pedido formulado pelos Autores, substituindo-se aos mesmos e determinando que a oposição à renovação do contrato e a desocupação do locado pelos Réus deve ocorrer em 1 de maio de 2025, assim condenando os Réus em pedido complementarmente diverso do que havia sido peticionado pelos Autores.
101- Ao decidir nos termos em que decidiu, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida violou a regra inserta no artigo 615º n.º 1, e), aplicável por força do disposto nos artigo 674º n.º 1 alínea c), ambos do CPC, determinando o desrespeito de tal comando legal a nulidade da decisão proferida, que deve ser declarado por esta Relação com todos os seus efeitos legais.
Ainda,
vi. Da nulidade da sentença – da violação do princípio do contraditório
102- A douta sentença proferida decidiu julgar a ação parcialmente procedente por provada, e consequentemente, determinar que a oposição à renovação do contrato e a desocupação do locado pelos Réus (apesar do peticionado pelos Autores) deve ocorrer em 1 de maio de 2025.
103- A sentença decidiu assuntos não debatidos previamente pelas partes nos respetivos articulados e requerimentos.
104- Não pode o Tribunal a quo, por sua iniciativa, sem os Autores o peticionarem, fixar os efeitos da oposição a partir de 01.05.2025.
105- A Douta Sentença ora recorrida preteriu o disposto no artigo 3.º n.º 3 do CPC ou seja, o princípio do contraditório, pelo que estamos perante uma “decisão-surpresa”.
106- Foi dada uma solução jurídica sem que às partes tenha sido facultada a possibilidade de tomar posição sobre a concreta questão.
107- A não observância do contraditório, quando é certo que tal poderia influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195º do CPC.
108- Deve proceder a presente apelação por violação do predito princípio do contraditório, não podendo assim a Douta Sentença ora recorrida manter-se na Ordem Jurídica.
Assim:
109- A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto nos artigos 498º, 615º, nº1 e), 662º, nº2 c) e 674º nº1 c) todos do CPC, artigos 12º, 219º, 236º, 859º, 1079º, 1080º, 1082º, 1097º e 1099ºe ss todos do CC, artigos 9º, 10º, 26º e ss, 28º, nº5, 30º e ss e 59º, nº1 do NRAU e artigos 14º-A e 15º do Procedimento Especial de Despejo.
110- Pelo que, deve ser proferido douto acórdão que revogando a sentença recorrida, julgue a ação improcedente por não provada, nos termos propugnados e ainda, julgue o pedido reconvencional procedente, por provado, ou, se assim não se entender, julgue verificada a nulidade da sentença por condenação em objeto diverso do pedido e/ou por violação do princípio do contraditório, com as legais consequências.».
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando os autores pela improcedência do recurso e concluindo nos seguintes termos:
“I. A douta decisão proferida é a acertada, no que respeita à apreciação da prova e à decisão de Direito.
II. Em síntese, sempre se dirá que, de forma a criarem confusão, omitem os recorridos que já houve uma anterior decisão judicial, devidamente transitada em julgado, que apreciou a validade do contrato de arrendamento celebrado entre as partes em 01/05/2017, nos termos da qual “(…) atenta a factualidade que se julgou provada, entende o Tribunal que o R. estava perfeitamente consciente, em 1 de maio de 2017, do teor do contrato que estava a assinar com os Autores. (…) Tendo em conta todo este enquadramento factual, o Tribunal pode apenas concluir que o R. teve efectivo conhecimento das clausulas do contrato assinado em 1 de maio de 2017 (…) Assim, o R. estava, no entendimento deste Tribunal, absolutamente consciente da declaração de vontade que emitiu (…) Em suma, por todos os motivos expostos, considera-se que o contrato de arrendamento que atualmente vigora entre as partes, AA. E RR. é o celebrado a 1 de Maio de 2017.”
III. Aliás, neste mesmo sentido, ficou a constar da douta sentença recorrida, do elenco dos factos provados, que “No processo nº 1458/22.2 T8FAF cujas partes eram as mesmas deste processo foi proferida sentença já transitada em julgado e cuja cópia consta dos autos tendo sido junta em 18/09/2024, sendo que dessa decisão consta que o contrato de arrendamento que atualmente vigora entre AA. e RR. é o celebrado em 1 de Maio de 2017”.
IV. Ora, sempre tendo presente esta anterior decisão, os senhorios, aqui recorridos, dirigiram missiva a cada um dos arrendatários, aqui recorrentes, opondo-se à renovação do contrato.
V. Os arrendatários receberam essa missiva, ficando cientes do respetivo teor, à qual, aliás, responderam.
VI. Houve, inclusive, na sequência da oposição à renovação do contrato, troca de correspondência entre senhorios e arrendatários, sendo que os senhorios sempre reafirmaram a sua oposição à renovação contratual.
VII. A oposição à renovação cumpriu as formalidades legais, tendo sido apresentada com a antecedência devida.
VIII. Pelo que a oposição à renovação produz, naturalmente, os seus efeitos, dando origem à consequente cessação do contrato de arrendamento em causa nos autos.
(…)
IX. Não existe qualquer contradição entre factos provados.
X. Resultou provado que “Autores e Réus pretenderam celebrar entre si um contrato de arrendamento que reduziram a escrito e assinaram, no dia 1 de maio de 2017, tendo sido estabelecido o prazo de 1 ano”, confirmando-se, assim, a apreciação que já havia sido feita no processo 1458/22.2T8FAF a respeito desta mesma situação factual.
XI. Por outro lado, resultou provado que “em momento algum os Requerentes prestaram qualquer explicação ou esclarecimento sobre o teor do documento referido designadamente quanto à outorga de um novo contrato de arrendamento, à menção e aposição de um prazo certo de um ano de duração do mesmo contrato e à possibilidade de oposição de renovação por parte dos senhorios” (sublinhado nosso), na medida em que o contrato partiu da iniciativa, do acordo e da vontade de ambas as partes, dispensado quaisquer explicações ou esclarecimentos à contraparte – também neste conspecto, houve total correspondência entre a apreciação do Mmo. Tribunal a quo e aquela que havia sido feita aquando da decisão do processo 1458/22.2T8FAF, onde se consignou que o recorrente não solicitou quaisquer esclarecimentos ao contrato que assinou livre e conscientemente.
XII. Efetivamente, conforme se provou, os arrendatários quiseram/ tiveram intenção de outorgar um contrato de arrendamento (e não um “novo” contrato), não se tendo limitado a assinar um documento desconhecendo o respetivo teor.
XIII. Na verdade, conforme se demonstrou em ambos os processos, no momento da compra do imóvel em causa nos autos, nunca foi dado conhecimento aos compradores (AA./ recorridos) da existência dos inquilinos aqui em causa, não se encontrando, à data, a casa habitada por estes.
XIV. Conforme sentenciado no processo 1458/22.2T8FAF, “o próprio R. declarou que, no momento em que foi abordado pelo A., não lhe deu conhecimento, nem lhe apresentou o mencionou o contrato de arrendamento anterior, a fim de fazer valer o seu conteúdo”.
XV. É nestas circunstâncias que é celebrado entre as partes contrato de arrendamento a 1 de Maio de 2017, estando o senhorio, aquela data, inteiramente convencido de que o arrendamento se iniciava naquele momento, desconhecendo este, em absoluto, uma eventual ligação anterior dos inquilinos aquele mesmo imóvel.
XVI. Inexiste, neste segmento, qualquer contradição.
(…)
XVII. Pretendem os recorrentes que se acrescente na parte final da redação do ponto 6 dos factos provados a menção “sendo que o aviso de receção não foi assinado pelo Requerido marido”, por entenderem que se trata de factualidade que influi diretamente na decisão do pleito da presente causa.
XVIII. Com todo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão, pelos motivos que se passam a expor.
XIX. Os requerentes/recorridos enviaram duas missivas contendo oposição à renovação do contrato, uma dirigida à requerida/recorrente mulher, e outra dirigida ao requerido/recorrente marido.
XX. Os arrendatários são casados entre si e foi a requerida/ recorrente mulher quem assinou os dois avisos de receção referentes às missivas da oposição à renovação.
XXI. O aviso de receção das duas missivas foi assinado pela requerida/ recorrente mulher, a qual deu conhecimento do mesmo ao seu cônjuge, já que, ambos, vieram, depois, apresentar resposta escrita ao senhorio – vide documento n. 6 da oposição, que é carta de resposta dos arrendatários à oposição à renovação, a qual se mostra assinada pelo recorrente marido e pela recorrente mulher.
XXII. Ora, no caso, não há forma de se considerar não recebida pelo recorrente marido a carta de oposição à renovação, porquanto o recorrente marido respondeu por escrito à carta de oposição à renovação dos seus senhorios – essa resposta foi junta aos autos pelo próprio recorrente e dela consta a sua assinatura, configurando tal junção verdadeira confissão do recebimento da carta da oposição à renovação por ambos os arrendatários.
XXIII. De resto, e como consabido, o conhecimento oficioso de exceção perentória não prescinde da alegação pelas partes dos factos que a constituem, bem como da respetiva prova e, no caso, não foi arguida esta exceção pelos recorrentes em momento próprio, o que dificulta seriamente o exercício do contraditório pelos recorridos (de referir que os senhorios deram cumprimento ao disposto no n. 3 do art. 10º, ao proceder ao envio da segunda carta aos arrendatários em resposta à comunicação que lhes havia sido dirigida, conforme documento que conservam em seu poder, cuja junção só ainda não procederam aos autos em virtude de não ter sido levantada tal questão pelos RR. em momento próprio).
XXIV. Sem prescindir, procede-se agora à junção de tal documento aos autos, o qual se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos efeitos legais.
XXV. Assim, a ser alterada a redação conferida ao facto provado 6, terá, simultaneamente, de ser aditado um novo ponto à matéria de facto, com a seguinte redação: “Os RR. apresentaram resposta escrita à carta de oposição à renovação dos AA., confirmando o recebimento dessa missiva, a qual foi assinada por arrendatário marido e arrendatária mulher, e, nessa sequência, os AA. dirigiram nova carta aos arrendatários, reafirmando a sua oposição à renovação do contrato” – como prova, indica-se o Doc. nº 6 da oposição, que é a carta resposta dos recorrentes à oposição à renovação, e a segunda missiva dos senhorios, que ora se junta.
XXVI. Foi, pois, cumprido o formalismo legal para que a oposição à renovação possa produzir os seus efeitos.
AINDA:
XXVII. Sustentam os recorrentes que o facto dado como não provado “Tendo o Requerido marido, atenta a insistência e imposição por parte dos senhorios (requerentes) e ainda pelo facto de se encontrar muito debilitado devido aos tratamentos ministrados no IPO, acabou por assinar o referido documento” deve passar a figurar dos factos provados.
XXVIII. Seria manifesto erro de julgamento caso tal facto constasse do elenco dos factos provados!
XXIX. Pois não só o recorrente não provou o facto de “se encontrar muito debilitado devido aos tratamentos ministrados no IPO”, como não provou que tivesse assinado o contrato de arrendamento por insistência e imposição por parte dos senhorios”.
XXX. Na verdade, conforme supra exposto, no momento da compra do imóvel em causa nos autos, nunca foi dado conhecimento aos compradores (AA./recorridos) da existência dos inquilinos aqui em causa, não se encontrando, à data, a casa habitada por estes, e é, nestas circunstâncias, que é celebrado entre as partes contrato de arrendamento a 1 de Maio de 2017, estando o senhorio, aquela data, inteiramente convencido de que o arrendamento se iniciava naquele momento, desconhecendo, em absoluto, uma eventual ligação anterior dos inquilinos aquele mesmo imóvel.
XXXI. Isto porque, conforme sentenciado no processo 1458/22.2T8FAF, “o próprio R. declarou que, no momento em que foi abordado pelo A., não lhe deu conhecimento, nem lhe apresentou o mencionou o contrato de arrendamento anterior, a fim de fazer valer o seu conteúdo”.
XXXII. Por isso mesmo, conforme resultou provado “A. e R. pretenderam celebrar entre si um contrato de arrendamento que reduziram a escrito e assinaram e que se mostra junto aos autos em anexo ao requerimento inicial. 2º - Tal contrato foi assinado em 1 de Maio de 2017, tendo sido estabelecido o prazo de 1 ano. 3º - O valor da renda estipulado foi de 161 euros”, não havendo qualquer insistência do A. quanto à assinatura do contrato, dado que este desconhecia o contrato anterior a as suas inerentes implicações.
XXXIII. Não existem razões para alteração à matéria de facto provada e não provada.
(…)
XXXIV. Bem andou o Mmo. Tribunal a quo sobre a questão da validade do contrato celebrado a 1de Maio de 2017, ao entender que essa questão foi concretamente apreciada no anterior processo e que como tal, a mesma integra o caso julgado, não podendo ser objeto de modificação neste processo.
XXXV. No anterior processo, entendeu-se que “o R. teve efetivo conhecimento das cláusulas do contrato assinado em 1 de maio de 2017 (…) Assim, o R. estava, no entendimento deste Tribunal, absolutamente consciente da declaração de vontade que emitiu (…) Em suma, por todos os motivos expostos, considera-se que o contrato de arrendamento que atualmente vigora entre as partes, AA. E RR. é o celebrado a 1 de Maio de 2017.”
XXXVI. Seria de grave contradição caso se aceitasse que, agora, volvido pouco mais de um ano desde aqueloutro processo, se permitisse que um outro Juiz se pronunciasse no sentido da invalidade do contrato por vício da vontade, pois seriam duas apreciações redondamente opostas a respeito da mesma matéria factual e, como tal, inconciliáveis, que chocariam qualquer pessoa, levando ao descredito absoluto do sistema judicial.
XXXVII. Como é bom de ver, bem andou o Mmo. Tribunal “a quo” ao respeitar a autoridade de caso julgado dessa anterior decisão.
ASSIM:
XXXVIII. A douta decisão proferida pelo Mmo. Tribunal “a quo” não é merecedora de qualquer reparo.”.
Juntaram os recorridos com as contra-alegações um documento [comunicação enviada pelos autores aos réus a reiterar a não renovação do contrato de arrendamento].
No exercício do contraditório, os recorrentes pugnaram pela inadmissibilidade da junção do documento aos autos em sede de recurso.
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
*
*
II. Questão prévia [da admissibilidade da junção de documentos em sede de recurso]
Os autores/recorridos vieram juntar aos autos com as contra-alegações de recurso um documento supostamente demonstrativo do cumprimento do disposto no art.º 10º, nº 3, do NRAU [comunicação enviada pelos autores aos réus a reiterar a não renovação do contrato de arrendamento].
Porém, como vimos, os réus/recorrentes vieram pugnar pela inadmissibilidade da junção aos autos do documento assim oferecido pelos autores/recorridos.
Vejamos.
De acordo com o disposto no art.º 423º, do NCPC, os momentos para a junção dos documentos destinados a fazer a prova dos fundamentos da acção e da defesa, em princípio, são: (1) com o articulado respectivo; (2) ou até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final com multa (ou sem ela, se feita a prova da indisponibilidade no primeiro momento); ou (3) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, caso se demonstre que a apresentação não foi possível até aquele momento ou que a apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Contudo, o art.º 425º do mesmo compêndio legal dispõe que depois do encerramento da discussão e, no caso de recurso, são ainda admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Sendo que o art.º 651º, nº 1, do NCPC refere ainda que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.”.
Da conjugação destas normas resulta que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é admitida apenas a título excepcional) depende da alegação e prova de uma de duas situações:
a) a impossibilidade de apresentação do documento em momento anterior ao recurso; e
b) o julgamento da primeira instância ter introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.
No que tange à impossibilidade de apresentação anterior, afirmam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, p. 426, que “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531 a 537 [atuais Artigos 432º a 437º do Código de Processo Civil].”.
Rui Pinto (in, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 265) alerta, porém, que: “Os documentos apresentados referem-se a factos já trazidos ao processo, nos articulados normais ou nos articulados supervenientes (cf. artigos 588º e ss.). Portanto, a regra é a de que os documentos supervenientes não trazem ao processo factos supervenientes.”.
Já quanto à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância (nos termos do art.º 651º, nº 1, do NCPC), Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 184-185, afirma que: “Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.”.
Destarte, o regime do art.º 651º, nº 1, do NCPC, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância. Dito de outra forma, não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a sentença, ou seja, não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.
Ora, no caso, a junção do documento em causa não se mostra justificada à luz dos ensinamentos ora expendidos.
Na verdade, os recorridos não alegam que não lhes foi possível apresentar o documento em data anterior, nem que a junção do documento se revelou necessária em face do julgamento proferido.
Justificam a sua junção com as contra-alegações, por só agora ter sido invocado, como questão nova, no recurso dos réus/recorrentes, a ineficácia da comunicação da oposição à renovação pelo facto do réu marido não ter assinado o aviso de recepção referente à carta de comunicação de oposição à renovação e para o caso da argumentação dos réus/recorrentes vir a ser atendida.
Pretendem, pois, com a referida junção comprovar que cumpriram o disposto no art.º 10º, nº 3, do NRAU e, consequentemente, que tal materialidade fáctica seja acrescentada aos factos provados.
Ora, embora tal pretensão dos recorridos – de modificação da decisão de facto – possa ser vista como uma ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do disposto no art.º 636º, nº 2, do NCPC (como refere Abrantes Geraldes “[o] facto de a lei fazer depender a ampliação do objeto do recurso de requerimento da parte vencedora não significa que a pretensão tenha de se apresentar formalmente como tal, bastando que essa vontade resulte, de forma inequívoca, das contra-alegações, máxime das respectivas conclusões” [in, Recursos em Processo Civil, 6ª ed. actualizada, p. 149 e 150]), a verdade é que - como os próprios autores/recorridos admitem – a factualidade que pretendem demonstrar com a junção do documento em análise também nunca antes foi abordada nos articulados.
E, assim sendo, afigura-se-nos que a junção do documento em causa nesta sede não é admissível.
Isto porque, como é sabido, está vedado ao tribunal de recurso reapreciar a prova produzida com vista a aquilatar a demonstração de factos essenciais que apenas venham a ser alegados no recurso e não no momento processual adequado.Cfr. neste sentido o ac. STJ de 15.09.2021, nº de processo 559/18.6T8VIS.C1.S1, acessível in www.dgsi.pt.
Com efeito, os factos novos ou questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do art.º 608º, nº 2 do NCPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, sob pena de excesso de pronúncia [vide ainda, entre outros, o ac. da RC de 14.01.14, processo nº 154/12.3TBMGR.C1; os acs. da RP de 16.10.2017, processo nº 379/16.2T8PVZ.P1 e de 10.02.2020, processo nº 22441/16.1T8PRT-A.P1; e o ac. desta RG de 08.11.2018, processo nº 212/16.5T8PTL.G1, todos também acessíveis in www.dgsi.pt].
Nestes termos, e salvo o devido respeito, a junção do documento ora em questão nesta sede não se mostra justificada.
Em consequência, determina-se o seu desentranhamento.
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III. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes e a sua precedência lógica, são:
a) a de saber se não se verifica a excepção de caso julgado quanto ao pedido reconvencional;
e caso assim se entenda,
b) a de saber se verifica contradição entre os factos provados que importe a anulação da decisão, ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 2, al. c), do NCPC;
c) a de saber se a sentença é nula por violação do princípio do contraditório e por excesso de pronúncia e;
d) a de saber se ocorreu erro na decisão da matéria de facto; e
e) a de saber se ocorre erro na decisão de direito.
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IV. Fundamentação
4.1.Fundamentação de facto
Com relevo para a apreciação do objecto do presente recurso destaca-se: A) A factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal da 1ª instância:
«Factos Provados: 1º - A. e R. pretenderam celebrar entre si um contrato de arrendamento que reduziram a escrito e assinaram e que se mostra junto aos autos em anexo ao requerimento inicial. 2º - Tal contrato foi assinado em 1 de Maio de 2017, tendo sido estabelecido o prazo de 1 ano. 3º - O valor da renda estipulado foi de 161 euros. 4º - O Requerido CC, enquanto casado com a Requerida celebrou um contrato de arrendamento sobre o mesmo prédio em discussão nos presentes autos, datado de 30.04.1983, com os anteriores proprietários e senhorios (de nome GG e mulher HH). 5º - Os AA. adquiriram o prédio em 28/04/2017. 6º - Os AA. apresentaram oposição à renovação do contrato, o que comunicaram aos requeridos, com efeitos a partir de 30 de Abril de 2024. 7º - Em momento algum os Requerentes prestaram qualquer explicação ou esclarecimento sobre o teor do documento referido designadamente quanto à outorga de um novo contrato de arrendamento, à menção e aposição de um prazo certo de um ano de duração do mesmo contrato e à possibilidade de oposição de renovação por parte dos senhorios. 8º - O Requerido marido, direcionou missiva ao Requerente marido. 9º - O Requerido marido, enquanto casado com a Requerida mulher, celebrou um contrato de arrendamento sobre o mesmo prédio em discussão nos presentes autos, datado de 30.04.1983, com os donos e legítimos proprietários do prédio à data, de nome GG e mulher HH. 10º - Os Requeridos, casados entre si, sob o regime da Comunhão de adquiridos, são arrendatários da área afeta e correspondente ao ... e ... andar, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., da freguesia e concelho ..., descrito na conservatória do registo predial ... sob o número ...08 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...46 da referida freguesia e concelho; 11º - Ora, o locado em questão corresponde, como sempre assim o foi, à morada de família dos Requeridos. 12º - Nele habitando desde ../../1983. 13º - Tendo o Requerido marido, à data da entrada da ação em juízo, 66 anos. 14º - Exercendo funções como assistente operacional; 15º - Por sua vez, a Requerida mulher tem 65 anos (desde fevereiro de 2025), e é Auxiliar educativa. 16º- São de modesta condição social. 17º - O Requerido marido apresenta debilidade em termos de saúde, sendo doente do foro oncológico. 18º - Ademais, os Requeridos não têm outra habitação ou qualquer outro espaço, em termos imediatos para passarem a residir. 19º - No processo nº 1458/22.2T8FAF cujas partes eram as mesmas deste processo foi proferida sentença já transitada em julgado e cuja cópia consta dos autos tendo sido junta em 18/09/2024, sendo que dessa decisão consta que o contrato de arrendamento que atualmente vigora entre AA. e RR. é o celebrado em 1 de Maio de 2017.
Factos Não provados.
- Aquando do referido sob 5, foi dada essa informação aos AA., tendo, inclusive, visitado o local, bem como encetado conversações com os aqui requeridos, que já eram inquilinos do prédio.
- Tendo o Requerido marido, atenta a insistência e imposição por parte dos senhorios (requerentes) e ainda pelo facto de se encontrar muito debilitado devido aos tratamentos ministrados no IPO, acabou por assinar o referido documento.».
B) A seguinte factualidade que se encontra documentada nos presentes autos:
1. Os aqui autores intentaram uma acção declarativa de condenação com processo comum contra os aqui réus que correu termos sob o nº 1458/22.2T8FAF, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel identificado na petição inicial e ainda a validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento (comunicada por carta de 30.11.2021), bem como a condenação dos réus a restituir o locado aos autores e no pagamento da quantia de € 250,00 mensais até à concretização daquela restituição.
2. Na contestação os réus invocaram que o contrato a que os autores aludem na petição inicial (datado de 1.05.2017) não é válido e que a oposição à renovação operada pelos autores era ineficaz.
3. Por sentença proferida em 31.10.2023, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo-se declarado que os autores são proprietários do imóvel identificado na petição inicial e absolvido os réus do restante peticionado.
4. Na referida decisão foi considerado que a oposição à renovação do contrato -comunicada por carta de 30.11.2021 - era ineficaz e que, em consequência, o contrato celebrado entre os autores e réus em Maio de 2017 permanecia válido e eficaz, não havendo lugar à peticionada condenação dos réus a restituir o locado aos autores, nem ao pagamento de qualquer indemnização.
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4.2. Fundamentação de Direito 4.2.1. Da inexistência da excepção de caso julgado
Conforme decorre do acima exposto, no presente processo especial de despejo, os autores/recorridos pretendem efectivar a cessação do contrato de arrendamento celebrado com o réu marido, junto com o requerimento inicial e datado de 1.05.2017, com fundamento na comunicação da oposição de renovação de tal contrato, com efeitos a partir de 30.04.2024.
Os réus deduziram oposição e deduziram pedido reconvencional, invocando várias causas de invalidade do aludido contrato de arrendamento.
Porém, o tribunal recorrido julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos réus/recorrentes, com fundamento na excepção do caso julgado formado na acção declarativa que correu termos sob o nº 1458/22.2T8FAF, igualmente entre os aqui autores e os aqui réus.
Os apelantes não concordam com tal entendimento, defendendo que a fundamentação da sentença proferida naqueloutro processo não se pode considerar coberta pela eficácia do caso julgado.
Assim, importa começar por apreciar a questão ora enunciada, a qual convoca a problemática da eficácia objectiva do caso julgado material formado com o trânsito em julgado da decisão anteriormente proferida numa acção em que tiveram intervenção ambas as partes.
O conhecimento desta excepção precede o conhecimento das demais questões relacionadas com o pedido reconvencional, dado que, a manter-se a decisão de que julgou verificada tal excepção sempre resultaria prejudicado o conhecimento das demais questões relacionadas com o pedido reconvencional (cfr. art.º 608º, nº 2, do NCPC, ex vi art.º 663º, do mesmo diploma legal).
Como é sabido, segundo a actual lei adjectiva o caso julgado constitui uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso e cuja ocorrência impede que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (cfr. art.ºs 494º, nº 1, al. i), 495º e 493º, nº 2, do NCPC), e não do pedido como sucedia anteriormente quando constituía excepção peremptória.
Esta excepção pressupõe, nos termos do art.º 497º, nºs 1 e 2 do NCPC, a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e tem por objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Decidida determinada questão e transitada em julgado, isto é, não admitindo a decisão proferida recurso ordinário ou reclamação (art.º 628º, do NCPC), a mesma torna-se inatacável e inalterável, promovendo-se, assim, a justiça, a segurança jurídica, a paz social e o prestígio dos tribunais.
Com efeito, o caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, fundando-se a protecção a essa segurança jurídica, relativamente a actos jurisdicionais, num princípio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido – cfr. art.º 2º da Constituição da República Portuguesa –, destinando-se a evitar que no exercício da função jurisdicional, duplicando-se as decisões sobre idêntico objecto processual, se contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior.
Essa inatacabilidade ou incontestabilidade das decisões judiciais pode, no entanto, projectar-se apenas intra processualmente ou, ainda, extra processualmente e daí que se imponha distinguir entre caso julgado formal e caso julgado material.
Haverá caso julgado formal se a sentença ou o despacho incidirem, apenas, sobre a relação processual, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta julgada no processo (art.º 620º do NCPC).
Já o caso julgado material respeita ao mérito da causa subjacente à relação material controvertida, passando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, de acordo com o nº 1 do art.º 619º do NCPC.
Com efeito, dispõe este normativo que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.
Manuel de Andrade fornece-nos a seguinte noção de caso julgado material (in Noções Elementares de Processo Civil, p. 305): “Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.”.
Assim, e no que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida a excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
Na sua dimensão de “efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção (proibição de repetição)”, isto é, de excepção dilatória, o caso julgado material funciona como bloqueio ao direito de acesso aos tribunais, e na sua “dimensão de efeito positivo da constituição da decisão proferida constitui pressuposto indiscutível para outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)”, impedindo a suscitação de solução para uma controvérsia jurídica já decidida. Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2ª ed., p. 354.
Dados os efeitos severos do caso julgado material, o mesmo enquanto excepção dilatória, isto é, na sua dimensão negativa, encontra-se sujeito a contornos rígidos e rigorosos que se reconduzem ao requisito da denominada “tripla identidade”, segundo a qual, para que estejamos perante a mesma relação jurídica, é necessário que ocorra identidades de partes, causas de pedir e de pedidos (art.º 581º, nº 1 do NCPC).
Já a autoridade do caso julgado relaciona-se com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre os objectos processuais, de modo que julgada, em termos definitivos, certa relação jurídica numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira acção impõe-se necessariamente em todas as posteriores acções que venham a correr entre as mesmas partes, incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção.
Ou seja, a excepção dilatória de caso julgadopressupõe o confronto de duas acções (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido (cfr. art.ºs 580º e 581º, do NCPC). Visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, por forma a evitar a repetição de causas.
Por sua vez, a força e autoridade de caso julgado decorre de uma anterior decisão que tenha sido proferida e em que ficara decidido, com força de caso julgado, uma determinada questão de mérito, impondo que essa questão não mais possa ser apreciada numa acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.
Prende-se com a força vinculativa da primeira decisão e do inerente caso julgado e visa o efeito positivo de impor essa primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, e pode funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela excepção, pressupondo apenas a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida – cfr., neste sentido e entre muitos outros, os acs. do STJ, de 12.10.2022, processo nº 2337/19.6T8VRL.G1.S1 e de 15.12.2022, processo nº 2222/20.9T8FNC.L1.S1, acessíveis in base de dados da DGSI.
Assim, “[v]erificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objecto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido” (cfr. ac. da RL de 21.12.2021, processo nº 131/21.3T8PDL.L1, acessível in www.dgsi.pt).
Ainda com especial interesse para a decisão da questão que nos ocupa - eficácia do caso julgado, na vertente objectiva - importa ter presente o preceituado no art.º 673º do NCPC, no qual sobre a epígrafe de “alcance do caso julgado”, podemos ler: “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga...”.
Segundo Castro Mendes [in Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 50] constitui problema delicado a “relevância do caso julgado em processo civil posterior”.
Com efeito, o problema da eficácia ou autoridade do caso julgado conduz-nos a uma questão muito discutida e com particular acuidade no caso presente: a de saber o que é que na sentença constitui a autoridade de caso julgado e o que é que não pode constituir.
Alguns doutrinadores, designadamente, Alberto dos Reis [in, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. III, 3ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, p. 139], Lebre de Freitas [in Revista da Ordem dos Advogados, nº 66, dezembro de 2006, p. 15] e Remédio Marques [in, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 447], defendem que o caso julgado, só se forma, em princípio, sobre a decisão contida na sentença.
Porém, a corrente predominante relativamente a esta questão e que também acolhemos é a que perfilha um entendimento mitigado, no sentido de que, muito embora a autoridade ou eficácia do caso julgado não deva, como princípio ou regra, abranger ou cobrir os motivos ou fundamentos da sentença, cingindo-se apenas à decisão na sua parte final, ou seja, à sua conclusão ou parte dispositiva final; será, todavia, de se estender também às questões preliminares que constituírem um antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão daquela parte dispositiva do julgado[cfr. Manuel de Andrade, in ob. cit., p. 285; Castro Mendes, in Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, p. 152 e seguintes, e Miguel Teixeira de Sousa, in Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, em Revista de Direito e Estudos Sociais, XXIV, 1997, p. 309 a 316].
Com efeito, nas impressivas palavras de Teixeira de Sousa “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.” [vide, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 578-579].
Na esteira desta doutrina, podemos ler, entre muitos outros, o ac. do STJ de 12.07.2011 (processo nº 129/07.4TBPST.S1, disponível in www.dgsi.pt), em que esta questão é decidida como segue:
“(…) III - A expressão “limites e termos em que julga”, constante do art. 673.º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção. IV - Tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado. V - Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado –, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.”.
Também no mesmo sentido, afirmou-se, no ac. do STJ, de 22.02.2018 (revista nº 3747/13.8T2SNT.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt), que “a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa” e abrange, “para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.”.
Ainda no mesmo sentido, podemos ver mais recentemente o ac. do STJ de 12.04.2023, processo nº 979/21.9T8VFR.P1.S1, o ac. da RP de 5.02.2024, processo nº 192/23.0T8GDM.P1 e os acs. desta Relação de Guimarães, de 16.02.2023, processo nº 4374/20.9T8BRG.G1 e de 23.11.2023, processo nº 5208/23.8T8GMR.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Mas, não obstante a divergência registada ao nível da doutrina sobre o âmbito objectivo do caso julgado, a verdade é que todos os autores parecem estar de acordo num ponto, ou seja, que os fundamentos de facto, por si só, nunca formam caso julgado.
Com efeito, pronunciando-se expressamente sobre esta matéria, afirma Remédio Marques [ob. e loc. cit.], que o caso julgado “não se estende, em princípio, aos fundamentos de facto da sentença final”. No mesmo sentido, refere Antunes Varela [in, Manual de Processo Civil, p. 697] que “os factos considerados provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”.
Dito de outro modo e ainda nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa [in Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 580], “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado», porquanto “esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta.”.
Tem sido este também o entendimento unânime seguido pela nossa jurisprudência, conforme se vê do ac. do STJ, de 08.10.2018 (prolatado no processo nº 478/08.4TBASL.E1.S1 e acessível in www.dgsi.pt), cujo sumário se mostra particularmente elucidativo:
«I. A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. II. Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado. III. Assim, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada. IV. Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram. V. Nessa medida, embora tais juízos probatórios relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do artigo 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo. VI. De resto, os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra ação.».
Vide, ainda a este propósito, os acs. do STJ, de 17.05.2018, processo nº 3811/13.3TBPRD.P1.S1 e de 12.04.2023, já acima citado, bem como o ac. desta Relação de Guimarães de 16.02.2023, processo nº 588/21.2T8VCT-E.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Feitas essas considerações, e voltando ao caso em apreciação, dir-se-á ser evidente que não está em causa a excepção do caso julgado, mas tão só a extensão da autoridade do caso julgado material inerente à sentença proferida no processo nº 1458/22.2T8FAF a, pelo menos, parte do objecto do presente processo.
Com efeito, no referido processo nº 1458/22.2T8FAF os (ali e aqui) autores pediram, para além da declaração do direito de propriedade sobre determinado imóvel, a declaração de que tinham validamente feito operar a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado em Maio de 2017, com efeitos a 30.04.2021 e, consequentemente, pediam a condenação dos réus a entregar o locado e a pagar uma quantia mensal, a título de indemnização, até à sua entrega efectiva.
Em sede de contestação, os (ali e aqui) réus invocaram, no que ora releva, a invalidade do aludido contrato de arrendamento, alegando ainda que a oposição à renovação do contrato sempre seria ineficaz por não ter sido remetida a respectiva comunicação à ré mulher.
Na sentença proferida naqueles autos, a 31.10.2023, foram julgadas improcedentes as excepções peremptórias atinentes à invalidade do contrato de arrendamento.
Contudo, foi considerado que a oposição à renovação do contrato era ineficaz, pelo que foi julgado improcedente o pedido de declaração de validade da oposição à renovação do contrato com efeitos a 30.04.2021 e bem assim os pedidos de condenação de entrega do locado e de pagamento de uma indemnização até à restituição.
Após a prolação daquela sentença [que, na verdade, desconhecemos quando transitou em julgado, pois, muito embora os réus não tenham questionado o trânsito em julgado da decisão, nem os autores, nem o tribunal da 1ª instância diligenciaram pela certificação do trânsito em julgado da mesma], os autores intentaram a presente acção pedindo a desocupação (despejo) do mesmo imóvel, mas desta feita, com fundamento na cessação do aludido contrato de arrendamento, por oposição à renovação, com efeitos a partir de 30.04.2024.
E os réus, com base nos mesmos fundamentos de facto invocados na acção anterior, deduziram reconvenção, pedindo a declaração de invalidade do contrato de arrendamento datado de 1.05.2017 e, consequentemente, que fosse considerado válido e em vigor entre as partes o contrato de arrendamento celebrado pelos réus com os anteriores proprietários do imóvel locado, em 1983.
Deste modo, conclui-se que, por um lado, quanto às pretensões deduzidas pelos autores, não se verificam identidade de pedidos e de causas de pedir; por outro lado, naqueloutra acção, não foi deduzido pelos autores, nem pelos réus qualquer pedido com vista ao reconhecimento da validade ou invalidade do contrato de arrendamento datado de 1.05.2017. O tribunal limitou-se a conhecer das excepções peremptórias ali invocadas, pronunciando-se pela sua improcedência.
Neste conspecto, temos por certo que não se verifica, no caso sob apreciação, a repetição da mesma causa, não se verificando a excepção do caso julgado, na sua vertente negativa (como, aliás, já fomos adiantando).
Não obstante, importa averiguar se ocorre caso julgado, na vertente positiva - de autoridade de caso julgado -, uma vez que os factos que os réus aduziram com vista a suportar o pedido reconvencional já foram objecto de análise na primeira acção.
Urge, pois, verificar se o apreciado e decidido na acção anterior quanto à (in)validade do contrato de arrendamento datado de 2017 se impõe nos presentes autos e implica a improcedência do pedido reconvencional, como concluiu o tribunal recorrido.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que não.
O decidido no processo anterior quanto à (in)validade do contrato não configura um antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do ali julgado.
Note-se que, muito embora as excepções peremptórias relativas à (in)validade do contrato de arrendamento tenham sido julgadas improcedentes, tal improcedência não teve como consequência a procedência da acção.
A referida acção acabou por ser julgada improcedente e com base noutros fundamentos da defesa dos réus, razão pela qual há que afastar a autoridade de caso julgado quanto às questões objecto do pedido reconvencional formulado nos presentes autos.
Saliente-se que, nos casos de improcedência do pedido do autor na acção transitada - como acontece na situação em análise - só a excepção peremptória com que o réu obstou ao vencimento daquele é que será passível de ser oposta noutra acção em que se discuta um pedido conexo (cfr. Rui Pinto, in Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar online, novembro de 2018, p. 34 e 35).
Ademais, e como muito bem se enfatiza no ac. do STJ de 29.09.2022 (processo nº 2344/20.6T8PNF.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt), prolatado numa situação em tudo idêntica à presente, “[o] referido entendimento justifica-se igualmente pela circunstância (…) de que os réus apenas podiam reagir judicialmente contra uma decisão desfavorável, o que apenas sucederia em caso de procedência do pedido formulado pelo autor.”.
Como referem e bem os recorrentes, a sentença proferida na acção anterior foi-lhes favorável (ao concluir pela improcedência dos pedidos relativos à cessação do contrato, com base na ineficácia da oposição à renovação), pelo que lhes estava vedado recorrer da sentença proferida e obter a reapreciação da matéria relativa à (in)validade do contrato de 2017 (cfr. art.º 631º, nº 1, do NCPC).
Por conseguinte, o que foi decidido na outra acção quanto à nulidade ou anulabilidade do contrato de arrendamento de 2017 não é oponível aos réus nestes autos, não se verificando a excepção de autoridade de caso julgado quanto a tais questões.
Concomitantemente, não podia o tribunal a quo ter-se limitado a julgar improcedente o pedido reconvencional, com fundamento no caso julgado, sem apreciar em concreto os fundamentos de tal pedido.
Procede, pois, o recurso nesta parte, o que implica a revogação da sentença recorrida quanto ao decidido neste segmento.
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4.2.2.Da contradição entre os factos provados e anulação da decisão
Os apelantes vieram ainda impugnar a decisão de facto, dizendo, em primeiro lugar que os factos julgados como provados em 1º e 2º e os factos julgados como provados em 4º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º e 17º se mostram inconciliáveis entre si.
Defendem os réus/recorrentes que o tribunal recorrido não podia dar como provado que os réus pretenderam celebrar um novo contrato de arrendamento em 01.05.2017, com o prazo certo de 1 ano (pontos 1 e 2 do elenco dos factos provados) e simultaneamente, dar como provado que, os autores nunca lhes explicaram o teor do referido documento, mormente, que se tratava de um novo contrato e que o mesmo passava a ser de prazo certo de um ano, com possibilidade de oposição à renovação por parte dos senhorios (ponto 7. do elenco dos factos provados). Dizem ainda que a celebração de um novo contrato é também inconciliável com o facto dos réus residirem no imóvel locado desde 1983, ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado com os anteriores proprietários e do réu marido se encontrar debilitado em termos de saúde (pontos 4, 9 a 12 e 17 do elenco dos factos provados).
E concluem os apelantes que tal contradição implica a anulação da decisão ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 2, al. c), do NCPC.
Assim, tendo mais uma vez presente o disposto no nº 2, do art.º 608º, aplicável ex vi nº 2, do art.º 663º, ambos do NCPC, cumpre passar a conhecer agora da apontada patologia da sentença, dado que a verificar-se ser de anular a decisão proferida em 1ª instância e de repetir o julgamento, tal determinará a devolução dos autos à 1ª instância, com o consequente prejuízo do conhecimento dos fundamentos de recurso invocados pelos apelantes.
Como decorre do art.º 662º do NCPC, em sede de recurso, o tribunal da Relação pode sindicar a decisão de facto, seja por via da impugnação da decisão de facto pela parte (nº 1) ou por decisão oficiosa, caso se verifiquem os pressupostos das várias alíneas do nº 2 do mesmo preceito, relevando, no caso, a alínea c) ao estipular que o tribunal da Relação deve ainda oficiosamente «anular a decisão proferida na 1ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere a ampliação desta.».
Com efeito, a “decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento”, resultando nomeadamente de se revelar, total ou parcialmente, deficiente, obscura ou contraditória
(cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 239).
Assim, quando algum ou alguns pontos da matéria de facto (ainda que não impugnados pelas partes), padeçam de algum dos citados vícios, importa anular o julgamento quanto a esses pontos.
O mesmo sucede quando a 1ª instância omite pronúncia sobre factos indispensáveis à boa decisão da causa.
Com efeito e conforme assinala Abrantes Geraldes pode suceder “uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo.” (ob. cit., p. 240).
Voltando ao caso em apreço, lida a decisão de facto e respectiva motivação, resulta evidente que essa decisão contém algumas deficiências/vícios, que importa sanar, como iremos desenvolver.
No caso em apreço, mormente no âmbito do pedido reconvencional, o que está em causa é apurar se ocorre algum vício de vontade que, uma vez verificado, determine a nulidade ou anulabilidade do contrato de arrendamento datado de 1.05.2017.
Ora, quer da factualidade impugnada, quer da demais factualidade dada como provada e não provada, afigura-se-nos que não é possível extrair de forma clara e congruente que o réu marido subscreveu o denominado contrato de arrendamento em 1.05.2017 de acordo com a sua vontade livre e esclarecida.
Veja-se que, em regra, os elementos que constituem uma declaração negocial, ou seja, quer o comportamento declarativo como a vontade da declaração (elementos, respectivamente, objectivo e subjectivo) coincidem entre si, caso em que há, então, uma efectiva autodeterminação de efeitos jurídicos pelo autor da declaração, se a vontade se formou sobre uma motivação conforme com a realidade e com a liberdade.
A declaração negocial pressupõe, pois, que os sujeitos contratantes representem correctamente, ou seja, de harmonia com a sua vontade livre e esclarecida, a realidade determinante e decisiva para a celebração do contrato.
Todavia, constata-se existir, em certos casos, uma divergência entre os referidos elementos da declaração negocial, o que equivale a dizer que em certos casos – considerados “patológicos”, porque enfermam dos designados vícios da vontade - a normal coincidência entre a vontade e a declaração é substituída por uma relação de discordância entre ambas.
Como ensina Heinrich Hörster (in, A Parte Geral do Código Civil Português, p. 532), “[p]or via de regra a vontade e a manifestação da mesma coincidem na declaração negocial. Mas podem surgir situações em que falte a coincidência entre o substrato volitivo interno e a sua aparência externa. A vontade que aparece como manifestada não existe como tal”.
Assim, diz-se que a vontade (negocial) está viciada quando existem perturbações no seu processo formativo, operando tais perturbações de tal modo que a vontade, sendo embora conforme à declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados pelo direito como ilegítimos (são os casos de vícios na “formação” na vontade) – cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2º edição, p. 498.
Ou seja, quando a pessoa declara algo que não corresponde à sua verdadeira intenção, verifica-se divergência entre a vontade real (interna) e a vontade manifestada (externa).
Essa divergência pode ser intencional (reserva mental) ou não intencional (erro, coação, etc.) e tem implicações jurídicas, que se traduzem na nulidade ou na possibilidade de anulação do negócio jurídico.
Ora, tendo sido dado provado, no caso, que os autores não esclareceram os réus sobre o conteúdo do contrato subsiste a dúvida se a vontade manifestada pelo réu marido ao assinar o documento em causa coincidia ou não com a sua vontade real.
Na verdade, e muito embora os factos postos em causa pelos recorrentes não sejam de considerar totalmente inconciliáveis, os mesmos, pela sua singeleza, inviabilizam uma consistente integração jurídica do caso em apreço.
Veja-se que o tribunal recorrido não cuidou de se pronunciar sobre toda a factualidade alegada pelos réus e atinente a tal questão, não tendo feito qualquer referência, nem no elenco da factualidade provada, nem no elenco da factualidade não provada aos seguintes factos inseridos na contestação:
- os autores quando adquiriram o prédio sabiam que os réus eram arrendatários do mesmo;
- o autor solicitou ao réu marido que assinasse um documento (o contrato em causa), dizendo-lhe que o mesmo apenas se destinava a legalizar o arrendamento junto das Finanças e que, por isso, o mesmo era obrigado a assinar;
- o autor assegurou ao réu que as condições do contrato anterior se mantinham inalteradas;
- o réu, confiando no autor, limitou-se a apor a sua assinatura no local indicado por este, ser ler o documento em apreço e sem tomar conhecimento do conteúdo do mesmo e das consequências dele decorrentes (mormente, quanto à revogação do anterior e ao prazo de renovação);
- se o réu tivesse consciência dessas consequências, não teria assinado o referido contrato; e
- os autores actuaram com o propósito de enganar o réu marido.
Esta factualidade, como decorre do breve enquadramento jurídico acima exposto, é absolutamente indispensável para decidir da existência de vício na formação da vontade do réu marido ao subscrever o contrato sob apreciação.
Aliás, quer os recorrentes, quer os recorridos aludem a tal factualidade nas respectivas alegações de recurso, embora sem tirarem as devidas consequências da omissão de pronúncia do tribunal a quo relativamente à mesma.
Ademais, decorre da motivação da decisão de facto que o tribunal a quo a alicerçou essa sua decisão, pelo menos em parte, na força do caso julgado material formado pela sentença proferida no processo nº 1458/22.2T8FAF.
Porém, como já vimos, o caso julgado material formado pela referida sentença não abrange a questão da (in)validade do contrato de arrendamento, pelo que, por maioria de razão, não se formou qualquer efeito de caso julgado sobre os factos dados como provados e não provados naqueloutra acção.
Concluindo, a decisão proferida sobre a matéria de facto revela-se, pelo menos em parte, deficiente e contraditória, por via da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares e por via da sua natureza equívoca ou imprecisa, inviabilizando uma consistente integração jurídica do caso em apreço.
É, pois, necessário ampliar a decisão de facto em relação a factos absolutamente essenciais para a boa decisão da causa, sobre os quais a 1ª instância omitiu pronúncia ou o fez de forma deficiente.
Com efeito, importa apurar a factualidade acima elencada, esclarecendo-se, ainda, o que se pretendeu dar como provado nos pontos 1 e 2 do elenco dos factos provados.
Como tal, ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 2, al. c), 2ª parte, do NCPC, impõe-se anular a sentença e determinar a ampliação da decisão de facto, por força a que da mesma passe a constar a pronúncia do Tribunal quanto à aludida factualidade. Posto que, nestes casos, está vedado ao tribunal de segunda instância exercer o seu dever de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, previsto no art.º 662º, nº 1, do NCPC, sob pena de privação do direito ao contraditório e à prova quanto aos factos omitidos e violação do duplo grau de jurisdição.
Veja-se, neste sentido, entre outros, o ac. da RC de 3.03.2020, processo nº 713/10.9.TBFIG.C2; o ac. da RE de 14.04.2024, processo nº 730/22.6T8ORM.E1; o ac. da RP de 18.04.2024, processo nº 1166/23.7T8PNF.P1 e o ac. desta RG de 4.06.2020, processo nº 2134/18.6T8CHV-A.G1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
Nestes termos, importa anular parcialmente o julgamento de facto em relação aos pontos 1 e 2 dos factos provados, determinando-se a ampliação da factualidade supra referida, levando-se, ainda, em conta a sua interacção com os factos dados como não provados a fim de evitar contradições, como imposto pela parte final da alínea c) do nº 3 do art.º 662º do NCPC.
Neste conspecto, e como já vimos, a anulação parcial da decisão de facto aqui decretada prejudica, naturalmente e pelo menos por ora, o conhecimento das restantes questões suscitadas na presente apelação.
As custas da acção/reconvenção e deste recurso serão pagas pela parte vencida a final.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7 do NCPC): …
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IV. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
- revogar a sentença recorrida quanto ao pedido reconvencional; e
- anular parcialmente o julgamento de facto em relação aos pontos 1 e 2 dos factos provados, determinando-se a ampliação da factualidade nos termos supra referidos e, se for caso disso, a alteração dos factos dados como não provados a fim de evitar contradições, proferindo-se nova sentença; ficando prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso.
As custas da acção/reconvenção e do presente recurso serão suportadas pela parte vencida a final.
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Guimarães, 26.06.2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária
Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. José Carlos Dias Cravo