Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
MENSAGENS
PROVA DOCUMENTAL
Sumário
(Sumário da responsabilidade da Relatora) I. Declarações de arguido são manifestações verbais, ou até escritas, proferidas pelo mesmo no âmbito de um processo penal, já depois de constituído como tal, e podem ocorrer em diferentes fases processuais, nomeadamente no inquérito, instrução ou julgamento, perante a autoridade competente, que pode ser o órgão de polícia criminal, o ministério público ou o juiz. II. Assim, as mensagens trocadas entre o arguido e a namorada, após a prática dos factos, mas antes da sua constituição como arguido, não constituem declarações do arguido para efeitos do disposto no artigo 357 do CPP. III. Tais mensagens constituem prova documental e nada obsta à sua valoração.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- Relatório:
No âmbito do Processo 314/23.1PASNT, do Juízo Central Criminal de Sintra - Juiz 2 por acórdão datado de ........2024, foi proferida a seguinte decisão: “ 1. Absolve os arguidos AA e BB de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas e) e j) e artigo 23.º, todos do Código Penal, agravado, nos termos do artigo 86.º, n.º3 da Lei 5/2006, de 23/02; 2. Considera não estarem preenchidas as circunstâncias qualificadoras previstas nas alíneas e) e j), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal; 3. Condena AA pela prática, em coautoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pela conjugação dos artigos 22, 23º, 73º e 131.º, todos do Código Penal e artigo 86º, nº 3 e 4 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pessoa de CC, na pena parcial de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; 4. Condena AA pela prática, em coautoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pela conjugação dos artigos 22, 23º, 73º e 131.º, todos do Código Penal e artigo 86º, nº 3 e 4 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pessoa de DD, na pena parcial de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; 5. Procedendo à necessária reconvolação, condena AA, pela prática, em coautoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, n. º1 a) e nº 2 do Código Penal e, por referência deste, do artigo 132º, nº 2 alínea h), do mesmo diploma, na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão; 6. Condena AA pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelos artigos 3.º, n.º 1, n.º 4, al. a) e 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena parcial de 3 (três) anos de prisão. 7. E, procedendo, nos termos dos artigos 77º e 78º do Código Penal, ao cúmulo jurídico das quatro penas parcelares ora aplicadas, condena o arguido AA pela prática dos quatro crimes identificados em 3. a 6. deste dispositivo, na pena unitária de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão. 8. Condena BB pela prática, em coautoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pela conjugação dos artigos 22, 23º, 73º e 131.º, todos do Código Penal, artigo 86º, nº 3 e 4 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro e artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro, na pessoa de CC, na pena parcial de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; 9. Condena BB pela prática, em coautoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pela conjugação dos artigos 22, 23º, 73º e 131.º, todos do Código Penal, artigo 86º, nº 3 e 4 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro e artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro, na pessoa de DD, na pena parcial de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; 10. Procedendo à necessária reconvolação, condena BB, pela prática, em coautoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 73º, 143º, nº 1 e 145º, n. º1 a) e nº 2 do Código Penal e, por referência deste, do artigo 132º, nº 2 alínea h), do mesmo diploma, e artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; 11. Condena BB pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelos artigos 3.º, n.º 1, n.º 4, al. a) e 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, 73º do Código Penal e 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. 12. E, procedendo, nos termos dos artigos 77º e 78º do Código Penal, ao cúmulo jurídico das quatro penas parcelares ora aplicadas, condena o arguido BB, pela prática dos quatro crimes identificados em 8. a 11. deste dispositivo, na pena unitária de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão. A esta pena desconta-se um ano, por aplicação do perdão de penas previsto no artigo 3º, nº 4 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, concedido sob condição resolutiva de não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor deste diploma e de proceder, no prazo de 90 dias após a notificação para esse efeito, ao pagamento da sua parte na indemnização e na quantia compensatória que ora se fixarão. 13. Julga procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela ... e, em consequência, condena os arguidos AA e BB no pagamento, a esta entidade, no regime da solidariedade, do montante de € 267,16 (duzentos e sessenta e sete euros e dezasseis oito cêntimos), acrescido dos juros de mora legais, vencidos desde a data da citação e dos vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4%. 14. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 16.º, da Lei n.º 130/2015, de 04/09 e 67º-A e 82.º-A, do Código de Processo Penal, decide condenar os arguidos AA e BB a pagarem, a título de montante compensatório, € 3 000,00 (três mil euros) à ofendida DD; 15. Declara perdidos a favor do Estado os invólucros e demais elementos municiais apreendidos – cfr. artigo 109º do Código Penal. 16. Condena os arguidos no pagamento das custas criminais do processo (cfr. art.s 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e art.ºs 8º e 16º do Regulamento das Custas Processuais e tabela III a este anexo), fixando-se a taxa de justiça individual em 3 (três) UC´s”.
*
Inconformados com a decisão vieram os arguidos interpor recurso do acórdão final.
*
Assim, o arguido AA, no âmbito do seu recurso apresentou as seguintes conclusões: “ Da falta de fundamentação 1. O Tribunal a quo não respeitou o dever de fundamentação quanto aos referidos pontos 1. a 3. da matéria. 2. Não se encontra vertida no texto da decisão recorrida a forma como o Tribunal achegou à conclusão dos seguintes fatos: • Que existe um gangue denominado A27 e outro denominado PKA; • Que existe uma rivalidade entre os dois; • Que ambos os gangues são juvenis; • Que o recorrente pertencia ao alegado gangue A27; • Que a testemunha CC pertente ao gangue PKA; • Que o recorrente se encontrava desavindo com CC; • Que tal desavença resulta do facto de pertencerem a gangues rivais; 3. A defesa ficou sem entender como é que o Tribunal chegou, desde logo, à conclusão da existência dos dois alegados gangues e que os mesmos eram rivais. 4. Quando é que tais alegados gangues foram criados? Por quem? Onde? Quem faz parte deles? Onde estão localizados? Qualquer pessoa que contenha no seu username de uma rede social o número 27 pertencerá ao alegado gangue A27? Por que razão haveria uma alegada desavença entre o recorrente e o ofendido CC por pertencerem a grupos diferentes? 5. A decisão recorrida não contém qualquer resposta a estas questões, ficando o arguido sem saber de onde e como é que o Tribunal depreende os factos constantes nos artigos 1. a 3. 6. O dever de fundamentação das decisões judiciais (n.º 5 do Artigo 97.º do C.P.P.) tem previsão constitucional no n.º 1 do Artigo 205.º da C.R.P. e ppenas com uma decisão fundamentada o arguido poderá exercer o seu direito de recurso (artigo 32.º n.º 1 da C.R.P.). 7. A ausência deste exame crítico deverá determinar a nulidade do acórdão, nos termos e para os efeitos do preceituado na alínea c) do n.º 1 do Artigo 379.º do C.P.P., revogando-se o acórdão recorrido. A valoração de prova nula. 8. As mensagens de SMS trocadas entre o coarguido BB e a sua namorada (constantes de fls. 388 a 390) assumiram particular relevância para a decisão recorrida (veja-se páginas 24 e 25 do acórdão recorrido). 9. As referidas mensagens de SMS correspondem a uma conversa mantida entre o coarguido BB com a sua namorada no dia ... de ... de 2023, em que este afirma “Amor fomos para ... dei lume acertou na cabeça da dama e trakino deu em um puto de bdk (…)”. 10. O coarguido BB informa a sua namorada que se deslocou a ... e que disparou, tendo acertado na cabeça de uma rapariga e que o recorrente também disparou, tendo acertado num determinado rapaz “de bdk”. 11. Tais mensagens “incorporam declarações dos arguidos” (tal como referido pelo Tribunal a quo). 12. No entanto, é nosso entendimento que a sua valoração deve ser circunscrita apenas para os factos imputados na acusação ao autor das mesmas e não a coarguidos que seja incriminado pelas mesmas. 13. As mensagens em causa serviram de prova para a condenação do recorrente e contêm conteúdo claramente incriminatório deste, pois o autor das mesmas afirma que o recorrente o acompanhava e que também ele disparou. 14. Porém, em face do silêncio exercido pelo coarguido BB, o exercício do contraditório quanto ao conteúdo das referidas mensagens ficou seriamente comprometido, pois a defesa do recorrente não teve a possibilidade de formular qualquer questão ao primeiro. 15. A defesa do recorrente deixou de poder questionar a veracidade das afirmações feitas nas mensagens e a sua razão de ciência. 16. Cumpria à defesa do recorrente saber, a título de exemplo, porque é que o coarguido BB afirmou aquilo que se encontra escrito e se, de facto, viu o recorrente com alguma arma e a disparar, ou se alguém lhe disse. Teve conhecimento direto? Está certo do que afirmou? 17. Assim, o recorrente não teve uma efetiva e ampla disponibilidade de contraditar o referido meio de prova. 18. A valoração de mensagens enviadas por arguido com conteúdo incriminatório quanto a outro coarguido quando o primeiro exerceu o direito ao silêncio corresponde a valoração de prova nula, por violação do princípio do contraditório. 19. Tal entendimento apresenta semelhanças, aliás, com o disposto no n.º4 do Artigo 345.º do C.P.P. 20. O princípio implícito ao disposto no n.º4 do Artigo 345.º é o princípio do contraditório, no sentido em que o arguido tem direito a defender-se amplamente de todas as provas que possam ser produzidas em seu desfavor (o que decorre no n.º5 do Artigo 32.º da C.R.P. e da alínea d) do n.º3 do Artigo 6.º da CEDH). 21. As mensagens que se encontram transcritas a fls. 388 a 390 mais não são do que declarações prestadas pelo arguido (tal como afirmado pelo Tribunal a quo), que o mesmo passou a escrito sob a forma de SMS. 22. Inexistindo dúvidas quanto à sua autoria e à natureza incriminatória das mesmas quanto ao aqui recorrente, a sua valoração a desfavor deste último apenas poderia ocorrer caso este pudesse ter amplamente exercido o seu contraditório (como sucede com qualquer outro meio de prova, leia-se) – o que não o sucedeu, pois o silêncio do coarguido BB redundou na ausência de esclarecimentos quanto às referidas mensagens. 23. Razão pela qual entendemos que o Tribunal a quo violou o Princípio do Contraditório, ao valorar em desfavor do recorrente as mensagens que se encontram transcritas em fls. fls. 388 a 390. 24. É inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, a norma extraída dos artigos 127.º e 164.º, ambos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual são meio de prova válido/podem valer em julgamento as mensagens de SMS enviadas por coarguido a terceiro com conteúdo incriminatório de outro arguido, quando o autor das mesmas se remeteu ao silêncio em audiência de discussão e julgamento. 25. O acórdão recorrido deverá ser declarado nulo por valoração de prova proibida, ordenando-se a remessa dos autos à primeiro instância para prolação de decisão que não valore a desfavor do recorrente as mensagens SMS constantes fls. fls. 388 a 390. Se assim não se entender, A impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto 26. O Tribunal a quo deu como provados os factos 1., 3., 5. a 17., 23. a 27. constantes da matéria de facto dada como provada (que aqui se dão inteiramente reproduzidos por economia processual). 27. O arguido impugna os referidos factos dados como provados, considerando que os mesmos foram incorretamente julgados. 28. O arguido vinha acusado de se encontrar desavindo com o ofendido CC, por o mesmo pertencer ao grupo juvenil rival, apelidado de “PKA,” e devido à circunstância de estar convencido do ofendido ter mantido uma relação amorosa com EE, a mãe do filho do arguido AA, o que desagradou a este último. 29. Uma vez realizada audiência de discussão e julgamento, não foi dado como provado que existisse qualquer desavença entre o recorrente e o ofendido CC à circunstância de estar convencido do ofendido ter mantido uma relação amorosa com EE, a mãe do filho do primeiro – o que determina, desde já, um dos pressupostos da acusação. 30. Mal andou o Tribunal a quo ao dar como provado que o recorrente desde data não concretamente apurada, mas anterior a ...-...-2023, seria membro de um grupo juvenil da FF, vulgarmente conhecido por “gangue”, apelidado de “A27”. 31. Apesar de o Tribunal afirmar que “A fls 593, verifica-se imagem de perfil da conta de Instagram ..., visionado no telemóvel da testemunha DD, exibido em audiência, que aquela assevera que é a usada pelo arguido AA. Observamos que quer o nome da conta, quer os das dos seguidores ostenta o número “27”, referência inequívoca grupo A27”, tal informação é insuficiente para se afirmar que o recorrente pertence a um alegado grupo denominado A27. 32. O número 27 corresponde apenas a metade do código postal 2700 (cidade da FF) e não a nenhum grupo ou gangue denominado A27. 33. Não se pode afirmar, sem mais, que a mera colocação de dois dígitos 27 num perfil de Instagram é uma alusão ao dito grupo A27. 34. Nenhuma testemunha afirmou que o recorrente pertenceria a qualquer gangue denominado A27. 35. Aprova produzida é manifestamente insuficiente para dar como assente a existência do referido grupo/gangue. 36. Pelo que se impõe que se dê como não provado o facto n.º1. 37. Também não se produziu qualquer prova quanto a existência de uma alegada desavença entre o recorrente e o ofendido CC – pelo que o facto n.º3 deverá ser dado como não provado. 38. A restante factualidade (constante de 5 a 17., 23. a 27.) assente essencialmente em dois meios de prova: nas mensagens de SMS constantes de fls. fls. 388 a 390 e no depoimento prestado pela testemunha GG em sede de inquérito perante autoridade judiciária (fls. 353 a 354, bem como das vertidas a fls. 325 a 327). 39. A versão apresentada em audiência de discussão e julgamento apresentada pela testemunha GG (veja-se que do acórdão recorrido resulta que “A depoente confirma que viu um grupo de 7 jovens que passaram por si, que carateriza como altos, com balaclavas que tapavam o rosto e afirma, agora, que não reconheceu quem quer que seja. Pensa que os rapazes que viu teriam rastas. Confrontada com os reconhecimentos que fez, nomeadamente o que está junto a fls. 378, declara que fez este reconhecimento com base na estatura, negando, agora, que tivesse certezas nessa identificação do suspeito.”) afasta o recorrente do lugar da prática dos factos. 40. Em sede de inquérito, a testemunha em causa afirmou ter visto o recorrente naquele local (sem que o mesmo fosse portador de qualquer arma ou sem que o tivesse visto a realizar qualquer disparo com arma de fogo). 41. Da transcrição das mensagens de SMS constantes de fls. 388 a 390 (que correspondem a uma conversa mantida entre o coarguido BB com a sua namorada no dia ... de ... de 2023), sobressai uma mensagem enviada com o seguinte conteúdo: “Amor fomos para ... dei lume acertou na cabeça da dama e trakino deu em um puto de bdk (…)”. 42. Ainda que se aceite que o recorrente esteve presente no dia e hora dos factos em causa (com, pelo menos, mais outros 5 indivíduos – facto n.º8 da matéria de facto dada como provada), entendemos que as referidas mensagens não permitem alicerçar a conclusão que o mesmo foi um dos autores dos disparos. 43. O coarguido BB informa a sua namorada que se deslocou a ... e que disparou, tendo acertado na cabeça de uma rapariga e que o recorrente também disparou, tendo acertado num determinado rapaz “de bdk”. 44. Poderemos conceder que, pelo menos o coarguido BB, efetuou disparos e que os mesmos terão acertado na ofendida DD (o que corresponderá à factualidade assente sob os pontos 11. e 13.). 45. Mas será a informação escrita pelo coarguido BB fidedigna quanto ao aqui recorrente? Poderemos confiar na mesma para se concluir que o recorrente também efetuou disparos, quando no local estariam, pelo menos, mais cinco indivíduos? Entendemos que não. 46. O coarguido BB afirma que o recorrente deu um tiro num “puto de bdk”, ou seja, num suposto rapaz pertencente a um grupo denominado bdk. 47. Porém, não foi identificada nenhuma vítima que pertencesse ao aludido grupo nem foi feita prova da existência desse grupo (repara-se que o acórdão dá como provada a existência dos grupos A27 e AKJ). 48. Ademais, em face do silêncio exercido pelo coarguido BB, o exercício do contraditório quanto ao conteúdo das referidas mensagens ficou seriamente comprometido, pois a defesa do recorrente não teve a possibilidade de formular qualquer questão ao primeiro (conforme já referido anteriormente). 49. Não obstante a afirmação feita pelo coarguido BB, inexiste outro meio de prova que sustente o facto de o arguido ter realizado algum disparo. 50. Note-se que do depoimento prestado pela testemunha GG em sede de inquérito perante autoridade judiciária (fls. 353 a 354, bem como das vertidas a fls. 325 a 327) não resulta que o recorrente tenha realizado qualquer disparo. 51. Ainda que se considere tal meio de prova legal, a sua eficiência é relativa, pois o autor das mensagens não prestou qualquer esclarecimento quanto às mesmas. 52. A valoração de mensagens enviadas por arguido com conteúdo incriminatório quanto a outro coarguido quando o primeiro exerceu o direito ao silêncio exige uma dupla cautela e uma tentativa de corroboração (o que não sucedeu in casu). 53. Atenta a ausência de demais prova que indique o recorrente foi um dos autores dos disparos e estando assente a existência de, pelos menos, mais cinco indivíduos no mesmo local, resulta uma dúvida intransponível quanto à referida autoria. 54. Tais considerações contraíram o raciocínio elaborado pelo Tribunal, expõem o respetivo erro e permitem concluir pela insuficiência da prova quanto à intervenção do recorrente nos factos em apreço – razão pela qual se impugnam os factos indicados. 55. O Tribunal procedeu a uma errada apreciação da prova, violando o artigo 127.º do C.P.P. e o princípio do in dubio pro reo. 56. O deverá o acórdão recorrido ser modificado na parte em que dá como provados os factos constantes dos pontos 1., 3., 5. a 17., 23. a 27. (relativamente à intervenção do recorrente) e, cumulativamente, absolver o arguido dos crimes pelos quais foi condenado. Se assim não se entender, A qualificação jurídica dos factos 14., 16. e 21. (ofendido HH). 57. Tribunal concluiu que “os dois arguidos cometeram, em autoria material, um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 143º, nº 1 e 145º nº 1 a) e 2 e, por referência, artigo 132°, nº 2, al. h), todos do Código Penal”, na pessoa do ofendido II. 58. De acordo com a alínea h) do n.º2 do Artigo 132.º do Código Penal, “É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum”. 59. Entendeu o Tribunal que “esta ação dos arguidos é perpetrada com um meio particularmente perigoso para causar a ofensa concretamente visada, pelo que não se pode deixar de considerar que as suas condutas os comprometem com a alínea h) do artigo 132º, nº 2 do CP, que opera por referência do nº 2 do artigo 145º. Assim, não se pode deixar de considerar a atuação concreta dos arguidos, que atuaram inopinadamente, admitindo atingir o corpo da vítima com instrumento especialmente perigoso e cuja posse era especialmente censurável”. 60. No entanto, a doutrina e a jurisprudência têm sido unânimes em considerar que as armas de fogo não constituem um meio particularmente perigoso. 61. Segundo M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, in Código Penal Parte Geral e especial com notas e comentários, 3.ª Edição atualizada, Almedina, “Compreende-se e aceita-se que a simples utilização de um objeto adequado a matar (por ex., uma pistola) não seja elemento bastante para, por si só, se poder concluir pela existência de especial perversidade ou censurabilidade, pois que, nesse caso, a censura e o desvalor da conduta – tirar a vida de outrem – já estão previstos na norma incriminadora-base (homicídio simples): Ac. STJ de .../.../2009 (221/08.8...).” ou “Exigindo a lei que o meio seja particularmente perigoso, há que concluir ser desde logo necessário que o meio revele uma perigosidade muito superior à normal dos meios usados para matar”(páginas 582 e 583, anotação à alínea h) do n.º2 do Artigo 132.º do C.P.). 62. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (3.ª edição atualizada), Universidade Católica Editora, refere que “Mas não é um instrumento particularmente perigoso uma arma de fogo proibida (Acórdão do TRP, de 17.12.2008, in CJ, XXXIII, 5, 225)” (página 515). 63. O Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 15/11.3PEALM.L5.S, proferiu acórdão em 29/06/2023 nesse mesmo sentido: “O uso de uma arma de fogo, que é um meio perigoso ou muito perigoso, não constitui, nas circunstâncias do caso, um “meio particularmente perigoso” para efeitos da qualificação do homicídio pela al. h) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal. Como se tem decidido, um meio particularmente perigoso há de ser um meio (instrumento, método ou processo) que, para além de dificultar de modo exponencial a defesa da vítima, é suscetível de criar perigo para outros bens jurídicos importantes; tem que ser um meio que revele uma perigosidade muito superior ao normal, marcadamente diverso e excecional em relação aos meios mais comuns que, por terem aptidão para matar, são já de si perigosos ou muito perigosos, sendo que na natureza do meio utilizado se tem de revelar já a especial censurabilidade do agente, estando, assim, afastados da qualificação os meios, métodos ou instrumentos mais comuns de agressão que, embora perigosos ou mesmo muito perigosos (facas, pistolas, instrumentos contundentes) não cabem na estrutura valorativa, fortemente exigente, do exemplo-padrão” (sumário do acórdão)6. 64. Assim, a qualificação do crime de ofensa à integridade física com base na mera circunstância de ter sido utilizada uma arma não pode subsistir, devendo a conduta praticada pelo arguido inserir-se no crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível n.º1 do Artigo 143.º do C.P. 65. Atenta a natureza semi-pública do crime a ausência de informação que o ofendido desejasse procedimento criminal contra o arguido (veja-se que o mesmo, em sede de inquérito, declarou que não pretendia procedimento criminal – cfr. linhas 13 a 15 de fls. 56), impõe-se a absolvição do arguido. 66. Mal andou o Tribunal a quo ao subsumir a conduta do arguido a um crime de ofensas à integridade físicas qualificadas, artigos 143º, nº 1 e 145º nº 1 a) e 2 e, por referência, artigo 132°, nº 2, al. h), todos do Código Penal, devendo antes subsumi-la ao tipo base (ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo n.º1 do Artigo 143.º do C.P.). 67. Normas violadas: artigos 143º, nº 1 e 145º nº 1 a) e 2 e, por referência, artigo 132°, nº 2, al. h), todos do Código Penal. 68. Por conseguinte, a pena única aplicada deverá ser reduzida, atenta a absolvição do arguido do referido crime e os argumentos que se passam a expor. A violação do n.º2 do Artigo 40.º e Artigo 71.º, ambos do Código Penal e a aplicação do regime de suspensão da pena de prisão, nos termos dos Artigos 50.º e 53.º do Código Penal. 69. O arguido considera que o Tribunal a quo violou o disposto no n.º2 do Artigo 40.º, Artigo 71.º, 50.º e 53.º, todos do Código Penal, incorrendo em erro de aplicação ao caso concreto. 70. A conduta do arguido é circunscrita a uma única ocasião. 71. A testemunha CC não sofreu qualquer ferimento e a ofendida DD sofreu ferimentos ligeiros que não lhe causaram danos para além de duas pequenas cicatrizes (com o devido respeito). 72. Nenhum deles correu perigo de vida. 73. Tais circunstâncias não foram devidamente ponderadas sob pena de aplicação de uma pena desproporcional à sua conduta. 74. Ademais, se, por um lado, a conduta do arguido foi perpetrada com dolo direto quanto ao ofendido CC, o mesmo já não sucede quanto à factualidade referente à ofendida DD (que foi com dolo eventual). 75. Assim, as penas quanto a cada um dos crimes deveriam ser diferentes e não iguais, pois o dolo também não é o mesmo. 76. O recorrente não tinha qualquer intenção direta de tirar a vida à ofendida DD, apenas admitiu a possibilidade que a sua conduta também a pudesse afetar. 77. Estamos, assim, perante dois dolos com intensidades diferentes (logo, duas condutas diferentes). 78. Convocando o princípio de igualdade e de justiça relativa (n.º1 do Artigo 13.º da C.R.P.), entendemos que a pena aplicada a cada um dos crimes de homicídio na forma tentada não deverá ser a mesma (como sucedeu no caso concreto). 79. A pena relativa ao crime de homicídio na forma tentada na pessoa da ofendida DD deverá ser menor do que aquela que foi aplicada quanto ao crime praticado na pessoa de CC, pois o arguido não agiu com a mesma intensidade de dolo (nem com o mesmo tipo de dolo) em ambos. 80. A pena pela prática do crime de ofensas à integridade física qualificada (na modalidade de dolo eventual) também é excessiva. 81. Assim, deverá haver lugar à aplicação de uma pena inferior a cada um dos crimes e, por consequência, uma pena única menor do que aquela que foi fixada. 82. Mesmo mantendo a pena parcelar de cada um dos crimes, deverá a pena única aplicada ser menor. 83. O arguido, para além da família que se encontra totalmente disponível para o apoiar em liberdade, dispõe competências escolares e profissionais que certamente o ajudarão a encontrar uma ocupação – o que atenua as exigências especiais que se fazem sentir, não havendo necessidade de aplicar ao arguido pena tão gravosa como aquela que foi aplicada. 84. No caso concreto as medidas das penas excederam a medida da culpa e a gravidade das circunstâncias da conduta do arguido. 85. A aplicação das referidas penas revela-se suficiente para assegurar as finalidades de punição, para efeitos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal, ao contrário do que sucedeu. 86. Não obstante os antecedentes criminais averbados no CRC do arguido, cremos ser de se fazer uma prognose favorável ao seu comportamento futuro, sendo de suspender a pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal. 87. O Tribunal a quo, ao condenar o arguido na pena de 9 anos e 6 meses anos de prisão, com base nos fundamentos supra expostos, viola o disposto no n.º2 do Artigo 40.º, o Artigo 71.º e o Artigo 77.º, todos do Código Penal. 88. O recorrente deve ser condenado, pela prática do crime de homicídio na forma tentada na pessoa do ofendido JJ na pena de 3 anos, pela prática do crime de homicídio na forma tentada na pessoa da ofendida DD na pena de 2 anos e 6 meses e na pena de 1 ano pela prática do crime de ofensas à integridade física qualificada na pessoa de II. 89. Quanto ao crime de detenção de arma proibida, em pena de multa de 100 dias à taxa diária de 5€. 90. Em cúmulo, o arguido deverá ser condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução (acompanhada de um regime de prova). 91. Já se for de manter as penas aplicadas a cada um dos crimes, cremos que o Recorrente deverá ser condenado, em cúmulo, numa pena única de 7 anos de prisão (não o tendo feito, o Tribunal violou o Artigo 77.º do Código Penal e a medida da pena excedeu a medida da culpa e a gravidade das circunstâncias da conduta do arguido). 92. Por todo o exposto, deverá o acórdão recorrido ser revogado/modificado e substituído por douto acórdão que determine: A) Declarar nulo o acórdão recorrido, por falta de fundamentação (de acordo com o preceituado na alínea c) do n.º1 do Artigo 379.º do C.P.P.). B) Declarar nulo o acórdão recorrido, por valoração de prova proibida. C) A absolvição do arguido KK da prática dos crimes pelos quais vinha acusado. Se assim não se entender, D) A reduzir da pena aplicada ao arguido para 4 anos e 6 meses, suspendendo-se a sua execução (nos termos do disposto no Artigo 50.º do Código Penal). Se assim não se entender, E) A redução da pena aplicada ao recorrente para 7 anos de prisão.
*
Por seu turno, o arguido BB concluiu o seu recurso nos seguintes termos: “1º Foi o Arguido condenado, pela prática, em coautoria material, de dois crimes de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pela conjugação dos artigos 22, 23º, 73º e 131.º, todos do Código Penal. Um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 73º, 143º, nº 1 e 145º, n. º1 a) e nº 2 do Código Penal. Pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelos artigos 3.º, n.º 1, n.º 4, al. a) e 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, 73º do Código Penal e 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro. 2º Em cúmulo jurídico a pena única de 6 anos e seis meses, com o perdão de um ano, em caso de cumprimento do pagamento de metade da indeminização, afixada a vítima LL, bem como ao pagamento de metade das despesas hospitalares que constam no processo. 3º O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão de condenar o Arguido, em factos que no entender do Recorrente, integram os vícios de insuficiência de matéria dos factos, nos termos do artigo 410º n.º 2 alínea b) do código de Processo Penal, erro notório de apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do artigo 410º n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, do vicio de insuficiência de provas, nos termos do artigo 410º n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, senão vejamos; 4º O Douto Tribunal a quo, deu como provado em sede de elaboração de sentença que o arguido BB integra um gangue juvenil identificado pela denominação 'A 27” 5º No entanto, não existem provas nos autos que demonstram a existência desse grupo, quem seriam os seus membros ou a zona em que atuariam. 6º Além disso, nenhuma testemunha inquirida corroborou a existência de tal grupo, ou que o BB era integrante do mesmo, o que fragiliza. significativamente a fundamentação desta conclusão. 7º O Tribunal a quo ao dar como provado este facto, incorre no vicio de manifesta insuficiência de matéria dos factos, nos termos do artigo 410º n.º 2 alínea b) do código de Processo Penal. 8º O Tribunal a quo, deu como provado que o arguido BB esteve anteriormente no local dos acontecimentos e que, deliberadamente, comunicou ao arguido MM que a vítima CC se encontrou em frente ao '...', 9º Configurando tal conduta como intencional, para viabilizar o homicídio da vítima, fundamenta sua decisão com base na alegada conexão entre as ações do arguido BB e a consumação do crime. 10º Contudo, nos autos não existem provas que corroborem tal facto dado como provado, uma vez que não consta qualquer elemento probatório que comprove a presença do arguido BB no local dos acontecimentos, nem antes, nem durante, nem depois dos factos, nem tão pouco nenhuma testemunha confirmou tal alegação. 11º O BB não foi reconhecido presencialmente por nenhuma das vitimas, nem existe nos autos um elemento essencial como é o facto da geolocalização do seu telemóvel que permita concluir, com certeza absoluta que o Arguido a data e horas dos factos encontrava-se naquele local. 12º Assim ao dar como provado este facto, o Tribunal a quo, incorreu num erro notório de apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do artigo 410º n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil 13º O Tribunal da como provado e condena o BB pelo crime de detenção de arma proibida, no entanto no entender do Recorrente tal situação configura um vicio de insuficiência de provas, nos termos do artigo 410º n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal. 14º Tendo em conta que nos autos não se encontra qualquer testemunho que tenha corroborado a alegação de que o arguido BB tenha sido visto a manusear uma arma. 15º E considerando que não há elementos que o vinculem especificamente a tal crime, bem como a ausência de quaisquer vídeos, fotografias ou perícias balísticas que possam identificar a arma em causa, é impossível estabelecer, de forma conclusiva e fundamentada, que o arguido BB, tenha disparado ou atingido qualquer uma das vitimas. 16º Com efeito, consta nos autos um relatório pericial que demonstra, com clareza e precisão técnica, que uma arma apreendida no âmbito de outro processo, na posse de um terceiro, foi utilizada no local dos fatos, conforme evidenciado pelos vestígios analisados. 17º Além disso, as testemunhas presentes no local referiram que os acontecimentos envolveram entre cinco a sete indivíduos com os rostos cobertos, o que reforçam a complexidade da identificação e associação individualizada de responsabilidades no presente caso ao BB. 18º Assim, à luz da prova carreada para os autos e dos depoimentos prestados, não existem elementos probatórios suficientes para sustentar a forma cabal e inequívoca que o arguido BB tenha participado nos acontecimentos que o Douto Tribunal a quo deu como provados e, consequentemente, levou à sua condenação. 20º Nestes casos, deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo, previsto no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que, em situações de dúvida sobre a veracidade dos fatos ou a responsabilidade do arguido, deve prevalecer a dúvida a seu favor, resultando na sua absolvição. 21º Este princípio é um corolário das garantias constitucionais de defesa e do direito a um julgamento justo e equativo que se interliga com outros direitos fundamentais dos artigos 20º, 21º, 29º, 30º, e 34º da constituição da pebulica piruguesa 22º Embora o Tribunal a quo tenha aplicado o regime especial para jovens, tendo em consideração a idade do arguido, entende o recorrente que a pena efetiva de 6 anos e 4 meses, por ele imposta, é excessiva e desproporcionada, em desconformidade com os princípios da individualização da pena e da justiça penal juvenil, previsto no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, que estabelece as normas aplicáveis ao regime de justiça para jovens delinquentes. 23º Bem como não atendeu aos artigos 40 n.º 1, 70º, 71.º do C. Penal, nomeadamente a alínea e) do n.º 2, 50º, 51º, 52º, 53º e 54º todos do Código Penal 24º A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.” 24º Atendendo à ilicitude do facto, ao dolo do agente, às condições de vida e à situação económica, a pena aplicada ao Recorrente é, com o devido respeito, exagerada, tendo sido violado o preceituado no art. 71.º do C. Penal, nomeadamente a alínea e) do n.º 2 do referido artigo. 25º Foram violados os princípios consagrados nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal, devendo ser revogada a Douta Sentença. 26º Ao ser condenado a uma pena efetiva de cadeia, o arguido vê-se perante a dolorosa perspectiva de hipotecar o seu futuro, comprometendo irreversivelmente as suas oportunidades de concluir o seu curso profissional e o seu papel na sociedade, o que implica um obstáculo significativo ao seu desenvolvimento pessoal e social 27º O arguido, com apenas 20 anos, encontra-se a frequentar os seus estudos e está bem integrado no seu domínio familiar e social. Não possui antecedentes criminais e, portanto, uma pena efetiva de prisão não traz qualquer benefício à sua reintegração, antes que possa afastá-lo das oportunidades de crescimento pessoal e de contribuição positiva para a sociedade. 28º Ao decidir não suspender a pena na sua execução, o Tribunal a quo violou, salvo o devido respeito, o disposto nos artigos 50º, 51º, 52º, 53º e 54º do Código Penal, devendo tais normativos ser interpretados no sentido de a pena aplicável ao arguido ser suspensa na sua execução.
*
O recurso foi admitido, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeitos suspensivos.
O Ministério Público respondeu aos recursos, pugnando pela sua improcedência.
Assim: “Considera o Ministério Público não assistir, nesta matéria, qualquer razão ao recorrente AA, porquanto o tribunal a quo, deu cumprimento ao dever de fundamentação que lhe era exigido pelos referidos preceitos legais. (…) Parece resultar do recurso do arguido uma confusão entre os vícios das alíneas a) e c) do n.º 2 do 410.º do Código de Processo Penal, com, por um lado, a insuficiência de prova e, por outro, com a livre convicção do tribunal na apreciação das provas a tal sujeitas ou com o da errada ou insuficiente apreciação do valor delas que, a existir, constituiria já um verdadeiro erro de julgamento. A verdade é que, cotejando o teor do acórdão recorrido, face ao já expendido, facilmente se verifica que do seu teor não resulta a ocorrência de quaisquer dos vícios constantes do artigo 410º, n.º do Código Processo Penal. Termos em que, no entendimento do Ministério Público, o recurso do arguido BB não merece também nesta parte qualquer procedência. (…) Ora, prevê efetivamente o artigo 345.º, n.º 4 do Código de Processo Penal que não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2. Contudo, tal disposição legal apenas respeita às declarações prestadas por arguidos no âmbito do processo, e designadamente em audiência de julgamento. Não assiste razão ao recorrente AA quando exigem que igual regime seja aplicado a prova pré constituída, designadamente a documentos ou dados de comunicações validamente juntos aos autos e, necessariamente, sujeitos ao principio da livre apreciação da prova. Ao valorar tais elementos – SMS trocadas entre o arguido BB e a sua namorada – o tribunal recorrido não violou qualquer normativo legal, não sendo tal prova nula, nem esta interpretação é ilegal ou inconstitucional. (…) Considera o Ministério Público que o Tribunal Coletivo a quo apreciou corretamente a prova, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, fazendo uso, e aplicando as regras de experiência comum à factualidade em causa, recorrendo, como não podia deixar de ser, à sua livre convicção, nos termos e com respeito pelo disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. (…) Também concordamos parcialmente com a motivação do recurso do recorrente AA, e com a jurisprudência citada, na parte em que referem que o uso de uma arma de fogo, não constitui um meio particularmente perigoso, suscetível de revelar especial censurabilidade ou perversidade, quanto estamos perante um crime de homicídio, em que tal meio, é normal para o fim que se pretende atingir. Contudo, à semelhança do que consta na fundamentação do acórdão recorrido, não se pode deixar de considerar o uso de uma arma de fogo, um meio particularmente perigoso quando a intenção demonstrada do agente é tão só, e como resultou provado, atingir a integridade física, e não a morte, do visado. (…) Pugnam ainda os recorrentes pela aplicação de penas, parcelares e única, de prisão inferiores. Pelo contrário, quanto à medida das penas, parcelares e únicas, entende o Ministério Público que o Tribunal a quo efetuou uma correta avaliação e aplicação dos critérios consagrados na Lei, designadamente nos artigos 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal, não havendo qualquer reparo a efetuar, aderindo-se por completo à fundamentação constante do acórdão recorrido, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida. Acresce que, as exigências de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias impõem que qualquer pena seja suficiente para repor os sentimentos de segurança e confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico e nas instituições, dando resposta à finalidade de prevenção geral e à reintegração do agente, em que sobressaem exigências de socialização. Assim sendo, afigura-se-nos que estas só podem ser satisfeitas mediante a condenação nas penas determinadas pelo Tribunal a quo, pelo que, também nesta parte, o Acórdão não merece qualquer censura”.
*
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.mª Senhora Procuradora Geral Adjunta, emitiu parecer nos seguintes termos:
“ Atentas as considerações expostas na citada resposta, emite-se parecer no sentido de que seja julgado improcedente o presente recurso e, confirmado na sua íntegra o Acórdão recorrido. Com efeito, aderindo à bem elaborada Resposta, secundamos a posição de que o douto Acórdão se encontra devidamente fundado e fundamentado, nele sendo enumerados os factos provados e não provados, feita uma exposição suficiente e concisa dos motivos de facto e de Direito que fundamentam a decisão, indicadas e examinadas criticamente as provas com base nas quais o Tribunal a quo formou a sua convicção – art. 410º nº 1 e 2 al. a) do CPP – e aplicada a adequada pena, a cada crime e única, ao caso concreto. A prova produzida, em sede de audiência de discussão e julgamento, foi apreciada em obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica e não de modo arbitrário nem de acordo com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, não tendo, portanto, sido violado o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do CPP, inexistindo insuficiência da matéria provada para a decisão, pois os factos dados como provados permitem a conclusão de que os arguidos praticaram cada crime por que foram condenados, sem margem para dúvidas, sendo tal matéria suficiente para permitir uma decisão de Direito, sem necessidade de se completar a mesma, bem como suficiente para aplicar cada pena parcial e única, na concreta medida em que cada uma foi determinada – art. 410º nº 1 e 2 al. b) do CPP. Devendo, pois, manter-se nos exatos termos as condenações dos arguidos e bem assim as penas que lhe foram aplicadas”.
*
Foi cumprido o artigo 417, nº2 do CPP.
Foram colhidos os competente vistos e o processo foi submetido à conferência.
* Da decisão recorrida (na parte impugnada em sede de recurso):
“ II – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: Discutida a causa, o Tribunal considera provados os seguintes factos, com relevância: 1. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a ... de ... de 2023, os arguidos AA e BB são membros de um grupo juvenil da FF, vulgarmente conhecido por “gangue”, apelidado de “A27”. 2. Por seu turno, desde data não concretamente apurada, mas anterior àquela data, CC, também conhecido por “NN”, é membro do grupo juvenil rival, de ..., vulgarmente conhecido por “gangue” designado por “PKA”. 3. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a ... de ... de 2023, o arguido AA encontrava-se desavindo com o ofendido CC, por o mesmo pertencer ao grupo juvenil rival, apelidado de “PKA”. 4. Nesse dia ... de ... de 2023, cerca das 21h15, o arguido BB, usando uma bolsa a tiracolo, com o logotipo da “...”, deslocou-se à ..., ali avistando CC. 5. Em seguida, na posse de tal informação, o arguido BB abandonou o local, avisando o arguido AA de que CC se encontrava na via pública, junto da entrada do estabelecimento denominado “...”, situado no largo adjacente à ..., em .... 6. Após, os arguidos AA e BB formularam o propósito de tirar a vida de CC. 7. Em execução de tal propósito, os arguidos AA e BB, em conjugação de esforços e intentos, muniram-se de, pelo menos, dois objetos aptos a deflagrar munições .22, um deles de características não concretamente apuradas, e o outro uma pistola semiautomática (arma de fogo modificada) de marca ..., destinada a propulsionar munições de calibre .22 Long Rifle (5,6mm no distema métrico), com o número de série rasurado. Esta pistola, em boas condições de funcionamento é, quanto ao modo de funcionamento, semiautomática, com mecanismo de carregamento da munição acionado por ação simples, tendo um sistema de repercussão central e indireta, com cão oculto. É alimentada por carregador de 10 munições. 8. E pelas 21h45 desse dia, movidos por tal propósito, os arguidos AA e BB juntamente com, pelo menos, cinco indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, em conjugação de esforços e intentos e em execução do plano previamente elaborado, dirigiram-se em direção do referido estabelecimento denominado “...”, indo ao encontro de CC, enquanto tapavam parcialmente as faces, com vista a ocultarem as suas identidades e impossibilitarem o seu reconhecimento por terceiros. 9. Ao chegarem à ..., os arguidos AA e BB, juntamente com os cinco indivíduos de identidade desconhecida, avistaram CC a conviver junto de um grupo de indivíduos, na via pública, diante da entrada daquele estabelecimento, onde se encontrava também DD que permanecia perto deste, tapando-o parcialmente. 10. Assim, os arguidos AA e BB enquanto caminhavam na direção de CC, empunharam os descritos objetos de que se haviam municiado, apontando-os na direção do corpo deste. 11. E, ato contínuo, os arguidos AA e BB, em conjugação de esforços e intentos, efetuaram sucessivamente, pelo menos, 4 (quatro) disparos a uma distância de, aproximadamente, 5 (cinco) metros, na direção dos corpos de CC e de DD, que permanecia junto deste, para as zonas dos corpos onde sabiam estarem alojados órgãos essenciais à vida dos mesmos, nomeadamente na direção da cabeça e peito. 12. Os arguidos AA e BB não lograram atingir o corpo de CC, que encetou fuga de imediato, em passo de corrida, no momento que escutou os disparos na sua direção, refugiando-se no interior do referido estabelecimento “...”, conseguindo esquivar-se. 13. Com a atuação acima descrita, os arguidos AA e BB lograram atingir DD com um dos projéteis disparados, ainda que de raspão, na região frontal da cabeça e com outro projétil no membro inferior direito junto ao joelho, só não tendo conseguido tirar a vida à ofendida, por circunstâncias alheias às suas vontades. 14. Com a atuação acima descrita, os arguidos AA e BB atingiram com um projétil, também de raspão, a região clavicular esquerda de HH, que também ali se encontrava nas imediações. 15. Os arguidos AA e BB atuaram, assim, prosseguindo nos seus intentos de tirar a vida a CC, admitindo a possibilidade de, ao dispararem os aludidos objetos na direção de DD, atendendo à distância em que os disparos seriam efetuados e ao local e à proximidade em que a ofendida se encontrava de CC, poderem atingi-la em zonas do corpo onde sabiam estarem alojados órgãos essenciais à vida da mesma e, deste modo, provocar-lhe a morte, resultado com o qual se conformaram. 16. Mais, admitiram a possibilidade, ao dispararem naquele local e vista a proximidade em que outras pessoas se encontravam de CC, de poder atingi-las no corpo, como veio a acontecer com HH, causando-lhe lesões, resultado com o qual se conformaram. 17. Após, os arguidos AA e BB juntamente com os indivíduos de identidade desconhecida que os acompanhavam, encetaram fuga apeada, em passo de corrida, em direção à Rua ..., em ..., não terminando o plano a que se propuseram, de pôr termo à vida de CC por motivos alheios às suas vontades. 18. Em virtude das lesões que lhe foram causadas, DD e II foram assistidos no local pelos serviços de emergência médica e, posteriormente, foram conduzidos ao Hospital ..., onde receberam cuidados médicos urgentes face às lesões que apresentavam. 19. Em consequência direta e necessária dos referidos disparos, DD sofreu dores e lesões nas zonas atingidas e traumatismo de natureza contundente da face e traumatismo perfuro-contundente no membro inferior direito, apresentando como consequências permanentes: Face: cicatriz linear, eucrómica, ténue, no supercílio esquerdo, com 1 (um) centímetro de comprimento; Membro inferior direito: duas cicatrizes eucrómicas no terço inferior da coxa, uma arredondada na face anterior com 1 (um) centímetro de diâmetro (relaciona com ferida de entrada) e a outra oval, na face postero-lateral com 1,5x1cm; 20. Tais lesões determinaram 15 (quinze) dias para consolidação médico-legal, com 8 (oito) dias de afetação da capacidade para trabalho geral. 21. Em consequência direta e necessária dos referidos disparos, II sofreu dores e lesões nas zonas atingidas e traumatismo perfuro-contundente no ombro esquerdo, apresentando ferida de entrada na face anterior do ombro esquerdo e de saída na face posterior da mesma região anatómica, ambas infra centimétricas, com impotência funcional, sendo que tais lesões determinaram 15 (quinze) dias para a consolidação médico-legal, com 10 (dez) dias de afetação da capacidade de trabalho geral. 22. Os arguidos AA e BB não são titulares de licença de uso e porte de arma, possuindo as referidas armas e munições sem se encontrarem autorizados, por autoridade legalmente competente. 23. Ao agirem do modo descrito, os arguidos AA e BB atuaram em conjugação de esforços e intentos e atuaram juntamente com, pelo menos, cinco indivíduos de identidade desconhecida com a finalidade supra referida. 24. Escolheram o momento, o lugar e o modo de levar a cabo tal propósito que se manteve firme, com insensibilidade e indiferença pela vida de CC, atuando sem aviso prévio, com utilização de armas de fogo por forma a tornar impossível a defesa por parte do ofendido, quer pela surpresa do ataque, considerando e conhecendo as características dos instrumentos que utilizaram. 25. Bem sabiam que as causas da desavença com a vítima eram motivos irrisórios e insignificantes quando comparados com a vida daquele e que jamais poderiam justificar a sua ação. 26. Os arguidos AA e BB conheciam as características das armas de fogo e munições que detinham e usaram, bem sabendo que são objetos cuja detenção, transporte e uso não lhes eram permitidos por não serem titulares de licença de uso e porte de arma. 27. Ao atuarem do modo descrito, os arguidos AA e BB agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, de comum e prévio acordo e em comunhão de esforços e de intentos, cada um aceitando os resultados das condutas do outro, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento. 28. Em virtude das lesões que lhe foram causadas, DD e II foram assistidos no local pelos serviços de emergência médica e posteriormente foram transportados para o Hospital. 29. O Hospital integra o .... 30. Ali, foram prestados, a DD, cuidados médicos descriminados na fatura nº .../822 de ... de ... de 2024, constante de fls. 532, que se considera reproduzida, no valor de € 169,41 (cento e sessenta e nove euros e quarenta e um cêntimos). 31. E foram prestados cuidados médicos a II discriminados na fatura n.º .../820 de ... de ... de 2024, constante fls. 532 v. no valor de € 97,75 (noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos). * 32. Em ..., AA residia no agregado da mãe, que era constituído pelo arguido, por esta, pelo padrasto, por dois irmãos uterinos (um irmão, atualmente com 9 anos de idade e uma irmã com 4) e por um primo paterno com 25 anos. 33. A mãe do arguido, atualmente com 40 anos de idade, trabalha no setor das limpezas, numa clínica de fisioterapia, auferindo cerca de € 700,00 por mês. 34. O padrasto trabalha na área da construção civil, auferindo cerca de € 700,00 euros mensais. 35. O primo, vindo de ... há cerca de um ano para estudar, ficou a trabalhar na área da construção civil. 36. O agregado residia num apartamento de tipologia T3, desde ...1.../2020, adquirido pela mãe do arguido, com recurso a empréstimo bancário. 37. Está adstrito a uma prestação mensal de cerca de € 400,00. 38. Não são conhecidos problemas económicos no seio do agregado familiar. 39. As relações afetivas no seio do agregado são descritas como afetuosas e pautadas pela entreajuda entre os seus elementos, apesar de alguma aparente deficiente supervisão parental. 40. Além de ser apoiado economicamente pela mãe e pelo padrasto, o arguido AA executava alguns trabalhos temporários na área das limpezas, trabalhando na clínica de fisioterapia onde também trabalhava a mãe, auferindo € 50,00 por uma tarde de trabalho. 41. Também fazia trabalhos temporários na área das mudanças. 42. Em termos de tempos livres, saía com os primos e também com amigos, com quem ia a festas, jogando também futebol no ringue na sua área de residência. 43. AA mantinha os consumos de haxixe, iniciados em ..., em contexto de pares com comportamentos desviantes, com quem se relacionava desde que tinha habitado na FF. 44. À data da atual reclusão, o arguido trabalhou entre ... até à data da atual reclusão, na área das limpezas, na clínica onde a mãe trabalhava, auferindo o salário mínimo nacional. 45. O arguido é natural de ..., com nacionalidade cabo-verdiana, tendo a autorização de residência caducada desde .... 46. Em ..., integrava o agregado dos seus pais. 47. Quando tinha 12 anos de idade, a mãe veio para ..., ficando o pai naquele país, tendo ocorrido a separação dos mesmos. 48. AA ficou a viver com a avó materna, integrando o agregado daquela, também composto por seis primos. 49. Iniciou o percurso escolar em ..., tendo concluído o 9º ano de escolaridade, após duas retenções no 7º e 9º ano por desinvestimento escolar. 50. Ainda iniciou a frequência do 10º ano de escolaridade, mas porque veio para ... em ..., não o completou. 51. Em ..., com 17 anos de idade, integrou o agregado materno onde também já vivia o seu padrasto, em casa daquele na FF. 52. O arguido reiniciou o percurso escolar no 10º ano de escolaridade. 53. Porque começou o ano escolar já no último período, não conseguiu transitar de ano. 54. Optou por se matricular num curso profissional de informática, que lhe daria equivalência ao 12º ano de escolaridade, através do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). 55. Frequentou o 1º ano, mas porque de manhã não se levantava a tempo, chegando atrasado às aulas, reprovou por faltas, tendo, aos 19 anos de idade, desistido do curso. 56. Iniciou a atividade laboral com o padrasto, fazendo biscates na área da construção civil. 57. Também trabalhou durante cinco meses na área da restauração, num restaurante do grupo “...” mas, porque faltava, desistiu do trabalho. 58. Em ..., fez um curso de ... privado, mas porque no seu registo criminal constavam duas condenações, não lhe foi passado o certificado do curso. 59. O arguido é pai de dois filhos de duas diferentes mães e que vivem com estas. 60. Tem um filho atualmente com 1 ano e 6 meses de idade, fruto de uma relação ocasional e tem uma filha de 1 ano e 3 meses, fruto de uma relação de namoro. 61. Mantém uma relação de amizade com ambas e mantém um relacionamento próximo com os filhos. 62. AA encontra-se preso preventivamente no ..., desde ...-...-2023, à ordem do presente processo, tendo vindo transferido do EP junto da ..., onde deu entrada em ... de ... de 2023. 63. Os familiares visitam o arguido com regularidade, manifestando o seu apoio ao mesmo, vivendo a atual situação com mágoa e expetativa. 64. O arguido também tem visitas das mães dos seus filhos, em companhia dos mesmos e de amigos e amigas. 65. Tem-se mantido em abstinência relativamente ao consumo de estupefacientes. 66. No ..., AA não averba qualquer registo disciplinar, interagindo com os pares e demais funcionários da instituição normativamente. 67. Fez pedido para frequentar a escola, mas como o pedido foi efetuado já no final do ano letivo, não foi deferido. 68. Este arguido é acompanhado em consultas de ..., apresentando-se quando convocado. * 69. Em ..., o arguido BB vivia com o pai, a madrasta e com um irmão consanguíneo menor de idade. 70. A dinâmica familiar é pautada por proximidade e compreensão. 71. O arguido, nascido em ..., vivendo naquele país, na cidade de ..., na companhia da mãe, até aos 10 anos de idade. 72. O arguido BB mantém com a mãe um relacionamento afetivamente distante, não voltando a vê-la após a sua vinda para .... 73. O arguido sentiu-se desacompanhado pelos pais no período da adolescência, mas foi recuperando o relacionamento com o pai ao longo dos anos. 74. O arguido encara o pai como um modelo de referência em termos de conduta e capacidades. 75. Por via da sua colocação profissional em ..., em empresa petrolífera, o pai passa um mês naquele país e outro em .... 76. Em ..., como atualmente, o agregado vivia em habitação própria, um apartamento de tipologia T2, integrado em zona residencial urbana. 77. Apesar de ser obrigado a partilhar o quarto com o irmão mais novo, a habitação apresenta, na ótica do arguido, condições de habitabilidade e de conforto, compatíveis com as necessidades básicas dos elementos do agregado. 78. O arguido tem o 9º ano de escolaridade. 79. Em ..., o arguido BB encontrava-se matriculado na Escola ... no Curso de Técnico Comercial, no 4º ano de matricula, uma vez que não conseguiu concluir o curso nos três anos previstos que lhe confeririam equivalência ao ensino secundário. 80. Mantinha uma assiduidade irregular. 81. Embora com potencial, evidenciava falta de interesse e de motivação face ao projeto curricular. 82. No passado mês de ..., tinha em atraso quinze módulos e em falta o estágio profissional. 83. O seu comportamento naquele contexto era preferencialmente adequado e a relação com professores e colegas ajustada. 84. O arguido evidenciou melhoria significativa no envolvimento, empenho e dedicação para as tarefas escolares nos últimos meses do ano letivo de ...2.../2024. Sem rendimentos próprios, a sua subsistência era, em ..., como hoje, assegurada pelos rendimentos do pai e da madrasta, o primeiro como engenheiro-mergulhador em empresa de petróleo (em ...) e a segunda como auxiliar de ação médica. 86. O agregado dispõe de cerca de € 3000,00 mensais para fazer face às suas despesas. 87. O agregado está adstrito ao pagamento de uma prestação mensal de € 620,00 para amortização de capital e de juros relativos ao contrato de financiamento da aquisição da respetiva habitação. 88. A este valor acresce um valor médio de € 180,00, referentes a consumos domésticos (água, eletricidade, gás e telecomunicações). 89. A família tem uma condição económica sustentável face às despesas e necessidades de sobrevivência dos quatro elementos. 90. O arguido mostra disponibilidade para abandonar o convívio com pares problemáticos, ocupando, atualmente, os seus tempos livres acompanhando as rotinas do irmão menor, acompanhando-o à escola e treinos de futebol. 91. O arguido mantém-se a beneficiar do apoio da família que não está inteirada dos trâmites do presente processo. * 92. O arguido AA foi condenado por sentença de ... de ... de 2021, transitada em julgado em ... de ... de 2022, no processo n.º 359/20.3..., do Juiz 3, o ..., na pena de 6 meses de prisão, suspensa por um ano, com regime de prova, pela prática, em ... de ... de 2020, de um crime de roubo. 93. E foi condenado em ... de ... de 2023, por sentença transitada em ... de ... de 2024, proferida no processo nº 10/23.0..., do Juiz 4, do ..., na pena de 8 meses de prisão, suspensa por um ano, com regime de prova, pela prática, em ... de ... de 2023, de um crime de detenção de arma proibida. 94. O arguido BB não tem qualquer condenação averbada no seu registo criminal. (…) Motivação da Decisão de Facto A convicção do tribunal, relativamente à matéria de facto descrita na douta acusação e que ora se deu por assente, ancora-se na análise crítica dos meios de prova testemunhal, documental e pericial discriminados pela acusação e pela defesa, de acordo com um critério de experiência comum e com regras de razoabilidade. Os arguidos, no exercício de um direito que lhes assiste, optaram por não prestar declarações. CC, inquirido por videoconferência a partir do Estabelecimento Prisional onde se encontra recluso, tem um depoimento inverosímil. Efetivamente, resulta da conjugação da restante prova, com destaque para o depoimento de DD, que aquela testemunha se encontrava em frente ao Estabelecimento de Bar, designado ..., sendo o alvo primacial dos disparos efetuados. E o certo é que CC não afirma, de forma credível e assertiva, que ali não estava. Assim, não se mostra plausível, dentro de um critério de experiência comum, que não se recorde da situação, nem é razoável a sua postura evasiva em relação às questões que lhe foram sendo formuladas. No entanto, tal postura também não é inaudita, diz-nos a experiência profissional e o conhecimento da ..., quando nos deparamos com atuações que opõem grupos rivais dedicados à delinquência urbana. Assim, CC, sempre com uma postura corporal que permite assentar certezas de que falha com o seu compromisso com a verdade, declara que não conhece o arguido AA. Afirmação que, desde logo, é estranha tendo em conta o auto de reconhecimento pessoal positivo em que intervém no inquérito, reduzido a auto a fls. 170 e que aqui se considera reproduzido. O reconhecimento trata-se de um meio de prova em que se identifica pessoa que tenha sido vista antes ou depois de um facto que pode integrar a prática do crime, em circunstâncias que indiciam fortemente ter sido o seu autor. Ao reconhecer o arguido AA, a testemunha indica, no processo, já conhecer, por já ter visto, aquela pessoa. E isto independentemente das circunstâncias em que o vira. CC, questionado, responde que o PKA é do seu bairro, mas exclui-se de qualquer vinculação a esse grupo. E, igualmente, declara conhecimento do que é o grupo A27, que associa à FF Perguntado pela DD, declara que esta é a sua ex-namorada e perguntado pelo OO, afirma que este é o primo. No que tange a GG, esta é sua amiga e o II é da sua zona, informando que jogaram juntos no ... E quanto à situação discutida nos autos, limita-se a dizer, quase em tom de desafio, que escala para uma postura quase desrespeitadora, que não se recorda de um episódio como o descrito na acusação. Mais, atalha que nunca lhe tentaram fazer mal com armas de fogo naquele bar, tendo sido apenas alvo de tiros numa outra situação, em .... Finalmente, de forma igualmente evasiva e pouco espontânea, que não merece qualquer credibilidade a este tribunal, o depoente nega ter, no seu Bairro ou em qualquer outra área de convivência, qualquer alcunha. E confrontado com o nome “NN”, o depoente declara que apenas conhece, com esse nome, um ex-jogador do .... DD depõe com outra espontaneidade, credibilidade e objetividade. A depoente declara que conhece CC, que foi seu namorado no ano de ..., confirmando que este tinha a alcunha do “NN”. E informa que estão, agora, de relações cortadas. Quanto a II, viu-o apenas na data indicada em 4. da matéria de facto descrita ora assente. Explica que conhece o arguido BB, por ter sido seu colega de escola. No que tange ao arguido AA, afirma que o conheceu através da rede social AA, asseverando que este tinha uma conta correspondente ao perfil “27_trakino_00”. E revela que passou a segui-lo depois deste episódio. Explica a depoente que, na data indicada em 4. saiu e foi ter com a sua amiga GG ao fim do dia, na .... Esta pediu-lhe para ir comprar um produto para o cabelo. Depois, naquela mesma estação, encontrou-se com o OO. Após conviverem, decidiram ir comprar arroz chao chao a um restaurante chinês que ficava localizado na zona adjacente à parte superior da Estação. E enquanto a comida não estava pronta, decidiram-se a ir para o Estabelecimento .... O OO e a GG foram a outro estabelecimento que designa de “indiano” e a testemunha ficou a falar com o CC junto ao referido ..., à espera daqueles outros seus amigos. Sendo-lhe perguntado, esclarece que a depoente ficou de frente para a segunda porta à direita, considerando quem se encontra voltado para aquele estabelecimento de bar. O CC estava voltado para a depoente e com as costas voltadas para a porta do estabelecimento. E afirma que havia, naquele largo, ainda que dispersas, outras pessoas. Entretanto, ouviu disparos e, quando deu por si, estava a sangrar acima da sobrancelha (parietal esquerda), ferimento que justificou a sua ida ao Hospital. E revela que foi, ainda, atingida na perna, evidência de que foram disparados mais de dois tiros. E a testemunha declara não se recordar quantos tiros é que foram concretamente disparados ou quantos estrondos de tiro ouviu, mas sabe que estes vieram do seu lado esquerdo, ou seja do lado da rampa que permite aceder ao interior da estação de comboios. E afiança, igualmente, que ouviu “mais do que um disparo” com toda a certeza. E estes foram disparados a cerca de 5 a 6 metros de si. Aliás, comente-se, atenta a localização dos dois ferimentos produzidos em DD facilmente se conclui que, efetivamente, não podem ter sido disparados menos de dois tiros. Conclusão que também se chegaria pela observação das duas cápsulas que foram apreendidas nos termos de fls. 21 e que foram encontradas, pela ..., no lado donde DD ouviu os tiros. O CC, adianta esta testemunha, não foi atingido apesar de estar próximo de si, recolhendo apressadamente ao interior do estabelecimento. E segundo esclarece mais tarde, aquele meteu-se no bar para pedir papel. A proximidade desta depoente e daquele seu interlocutor, que estava à sua frente, permite concluir que, atirando à altura da cabeça de DD, o atirador ou atiradores fizeram passar pelo menos duas balas perto da cabeça daquele, o que reforça a convicção de que atuou para matar. A depoente foi acompanhando, quando solicitado, estas explicações com a indicação dos espaços a que se refere nas fotografias de fls. 12 a 13, com ocultação das legendas. DD declara que também II pessoa que, até ali, não conhecia, foi atingido, o que PP, agente da Polícia de Segurança Pública, a exercer funções na Divisão de Investigação Criminal de Lisboa, informa que, na data dos factos, se encontrava na .... Ora a depoente revela que foram acionados os meios policiais para o ..., estabelecimento que reconhece a fls. 12 e 13. A depoente quando chegou ao local com a sua patrulha, deparou-se com um alvoroço, vendo pessoas a correr. E no meio da multidão, deparou-se com duas pessoas feridas. Uma jovem do sexo feminino, que estava ferida na perna ou coxa, tanto quanto se recorda, e um jovem baleado no ombro. Destarte, a testemunha e o seu colega montaram um perímetro de segurança. E, detetando invólucros no local preservaram esse local e este meio de prova. A ideia que conserva é que lhe falaram, no local, em nomes, ficando com a perceção de que seriam pessoas conhecidas de uma das vítimas. Esta testemunha revela, ainda, que dentro desta reduzida profusão de memórias, que o jovem que vinha a cambalear vem de dentro do túnel e a subir as escadas que se vêm na fotografia a fls. 12, tendo assumido que ele tivesse sido baleado naquele túnel, o que permite corroborar a ideia de que, contrariamente ao descrito na acusação, II não estava integrado no grupo de CC de LL. A depoente, recorrendo à sua experiência profissional, confirma que o ... era um Estabelecimento referenciado como problemático. QQ declara que nunca viu os arguidos. Este confirma que estava com a sua amiga, GG, por detrás do bar de ... quando se deram os tiros, pois que tinha ido comprar sumo a um “indiano”. A GG comentou, em determinada altura, que passaram dois rapazes que não pareciam ser de ... e que lhe chamaram a atenção, mas o depoente afirma que não os viu, até porque estava distraído com o telemóvel. Em determinada altura, ouviram barulho e a GG começou a gritar pela DD, dando a volta por detrás do bar de ... para ir ao encontro da amiga. Confrontada com a fotografia inferior de fls 12, a testemunha conta que abordou o estabelecimento pelo lado direito da imagem. Procedendo-se ao confronto das declarações produzidas em inquérito, vertidas a fls. 118, a testemunha mantém o que afirma, agora, em audiência, asseverando que não viu pessoas de balaclava. Num depoimento manifestamente evasivo e que oferece dúvidas quanto à sua espontaneidade, a testemunha afirma que jamais ouviu falar do PKA ou do A27.A sua amiga GG chegou, depois dos tiros, ali e informou-a que quando foi comprar sumo no tal estabelecimento, tinha avistado três pessoas a subir em direção àquele largo do Shisha bar e que quando voltou do estabelecimento, já observou essas pessoas a correrem. Relato que permite compreender que a GG viu 3 indivíduos que fogem, depois dos tiros, em condições comprometedoras e que sugerem que estes integrariam o grupo que efetuou os disparos, até porque tinham as caras tapadas com balaclavas. A própria depoente confirma que também ela viu pessoas a correr, mas que também havia pessoas assustadas. Quanto a RR, conhecido pela alcunha do SS, este estava dentro do bar. Sendo-lhe perguntado, a testemunha nega que tivesse problemas com alguém. Questionada pelo PKA, de forma hesitante e temerosa, declara que se trata de um “grupo de amigos”, associando o CC ao mesmo, mas descarta a sua própria ligação ao grupo. A testemunha assevera que não lida com questões deste grupo e que quando namorou com o CC ele não fazia parte do mesmo. Sendo-lhe perguntado, no que parece resultar de uma intenção de proteger a GG, afirma que a sua amiga não falou do AA. TT, estudante, namorada do BB desde ... de ... de 2022, e testemunha por si arrolada, declara que não conhece o AA. Esta testemunha, de 17 anos, apresenta o arguido BB, como um “óptimo menino”, com “um coração enorme”. Este está inscrito num curso profissional, estando a concluir os últimos módulos para seguir para estágio. O arguido BB, que a depoente apresenta como um rapaz pacato, em reduzida sincronia com as mensagens que troca com ele e com as quais veio a ser confrontada em audiência, leva o irmão aos treinos, cuidando dele. A propósito das mensagens, a testemunha reconhece que o arguido BB tinha conta no Instagram e no .... E, questionada por um contacto que atendesse pelo nome “...”, esclarece que conhece de ouvir falar, nunca tendo observado o seu perfil naquelas redes sociais e jamais viu mensagens trocadas entre este e o namorado. E, sendo-lhe perguntado, também assume que o número de telemóvel ... é seu. Questionada sobre o PKA e sobre o A27, declara que já ouviu falar na escola, mas não ao arguido, o que é contrariado pelas mensagens trocadas, naquelas redes sociais, com este, confirmada a titularidade do telemóvel .... Efetivamente, como foi lido em audiência, em mensagens que a testemunha não contesta terem sido trocadas consigo, o arguido BB diz-lhe (na sequenciação de fls 398 e ss.): “Amor fomos para ... dei lume acertou na cabeça da dama e trakino deu em um puto de bdk (…) Te juro que é última vez amor já não faço mais te prometo só não fica fdd comigo eles sabem pk que fomos lá (…) Eu só fui lá pk eles disseram bem feito já já vamos matar mais um safoda se é inocente (…) Essa foi a última vez confia já não vou mais (…) Afinal o meu acertou no gajo de pka na Costa (…) Eu sei que errei mais aceitar no direto dizerem já matamos um da FF inocente se que vamos tar outro (…) UU nem era de beef era puto com sonho (…) Eu vi o direto raiva bateu tu não sabes oq estou a passar nesses tempo (…)” Estas mensagens são escritas pelo arguido BB e são dirigidas à testemunha, conforme resulta do anexo com a extração do conteúdo do telemóvel que foi apreendido ao primeiro. Estas, entre outras mensagens, são trocadas com a testemunha após os factos que se dão por assente. A troca das mensagens demonstra que a testemunha tem perfeita aquiescência da participação do arguido na vida do “bando”. É a própria que o afirma, na sua mensagem das 00h59m, do dia ... de ... de 2023: “Deverias ter vergonha de me ligar a esta hora a falar da vida de bando que queres levar”. E pela 1h20m, a testemunha escreve ao seu namorado “Faz te de inocente que N tens nd”, ideia oposta à que tentou fazer passar em audiência. Pela 1h29m, TT escreve “Mais uma vez esperaste dormir para sair de casa e ir fazer merda”, o que dentro do todo o contexto da troca de mensagens que aqui se considera reproduzida, permite confirmar que esta tinha a noção de que o namorado não tinha atendido o telefone na hora em que os factos foram praticados porque estivera envolvido em atividades do seu bando, o A27. E é neste contexto que o arguido lhe conta, então, o que fizera nessa noite, não espelhando as mensagens de TT qualquer surpresa. Pelo que a mera análise destas mensagens desfaz a credibilidade que a testemunha nos poderia oferecer. VV, Inspetora Chefe da Polícia Judiciária, declara que foi distribuída a investigação desta situação de tiroteio à sua secção, cabendo-lhe, a si, a instrução do processo. A depoente esclarece que o Inspetor WW é que foi ao local. Confirma, ainda, o teor da informação que fez consignar a fls. 42. E esclarece que circulava, em mensagens temporárias, trocadas em grupos do whatsapp a que acedeu que tinham sido estas pessoas a praticar os factos, sendo os factos atribuídos a um “...”. A depoente confirma a apreensão (vide auto de fls. 167) de fato de treino e de um par de ténis que correspondiam ao que tinha sido descrito pelas testemunhas e confirma a apreensão do telemóvel ao arguido BB, que lho entregou conforme o termo de fls. 392 documenta. Revela que foi explicado ao arguido que iriam proceder à apreensão do telemóvel. Este estava assistido por defensora e ambos assinaram a dispensa de sigilo nas comunicações, conforme se alcança, efetivamente, do termo de fls. 187 e 188. A depoente confirma que estes grupos ligados à delinquência urbana, onde se inclui o A27, estavam referenciados pela Polícia de Segurança Pública A testemunha confirma que esteve presente no auto de reconhecimento de objetos de fls. 173, esclarecendo que este reconhecimento (não se tratado de reconhecimento pessoal) foi fotográfico. Ou seja, não foram observados os fatos de treino fisicamente. E confirma que o arguido BB, enquanto permaneceu na Polícia Judiciária, mostrou-se colaborante, mas afiança que este tentou, a partir daquelas instalações, e num momento em que sabia que ia ser apreendido o aparelho, avisar o seu coarguido, o que se evidencia pelo registo fotográfico de fls. 196, em que se procedeu à análise do telemóvel no momento em que foi feita a apreensão. A Inspetora Chefe confirma que a pessoa atingida “na omoplata” não é conhecida das autoridades como pertencendo a um gang, o que afasta a versão da douta acusação quanto ao posicionamento de II. Daquilo que analisou, a testemunha não teve dúvidas de que o ... correspondia ao “nickname” usado pelo arguido AA, até porque é o único neste fenómeno de delinquência em bando. XX, testemunha de defesa, esteve presente, como da ata consta, durante a sessão de produção de prova, e declara que integrou um painel de reconhecimento na Polícia Judiciária, esclarecendo que jamais usou rastas, tais como as que o arguido AA usava. A testemunha declara que conhece o arguido AA de .... Ora o depoente, não obstante a diferença de cabelos, não tem caraterísticas fisionómicas muito diferentes do arguido AA, ainda que se admita que as diferenças entre ambos são notórias. No que vem a ser importante para a descoberta da verdade, a testemunha, afetivamente próxima do arguido, reconhece que AA é conhecido por ... e que ouviu pessoas a dirigirem-se-lhe por essa alcunha. YY, Inspetor da Polícia Judiciária, foi confrontado com o auto de reconhecimento de fls. 170, em que CC reconhece o arguido AA. A testemunha esclarece que jamais usou rastas e que tinha, à data do reconhecimento, 42 anos e 1,84 m. Ora, ainda que não se atribua, pelas razões atinentes ao depoimento de CC, efetivo relevo àquele reconhecimento, não se pode deixar de observar que não foi invocada qualquer nulidade ou irregularidade durante o auto de reconhecimento, nem nos 3 dias que se lhe seguiram. E, além do mais, não se pode deixar de anotar que ainda que haja uma diferença significativa de escalão etário, o que afeta o valor probatório deste reconhecimento, também não é menos verdade que a testemunha tem uma idade aparente manifestamente inferior à idade cronológica. HH depõe através de meios telemáticos, mas não deixa de o fazer com notória espontaneidade e rigor. Esta testemunha explica que, no dia ..., à noite, vinha do treino de futebol e após subir as escadas da estação de comboios de ..., percebeu que ali chegaram as pessoas que dispararam – 5 ou mais pessoas. E, no imediato, não percebeu que tinha sido atingido, mas dá conta, pouco depois, quando chegou à área reservada aos táxis, que lhe acertaram com um tiro no ombro. Esta ação furou-lhe o casaco. A testemunha transmite-nos que estava de “phones” nos ouvidos pelo que pensou inicialmente que o estrondo de fundo estava relacionado com a música, apenas se dando conta de que tinha sido atingido quando sente dor. Sentindo dores, começou a chorar e apareceram ali umas pessoas que, apercebendo-se do que se tinha passado, chamaram ajuda. A testemunha exibe, em audiência, a cicatriz que marca a sua clavícula. O depoente, negando a relação com qualquer grupo (a sua vida é passada entre os treinos e a sua casa), explica que ficou com a perceção de que se tratou de uma bala perdida. GG presta, igualmente, até por força do estatuto de proteção de que beneficia neste processo, depoimento através de meios telemáticos. Assim, confirma que, no dia em que a DD foi atingida, estava com esta, no .... Entretanto, a testemunha ausentou-se e dirigiu-se a um estabelecimento comercial “indiano”, com o OO e com a ZZ. E a sua amiga DD permaneceu no largo, no bar, onde também estava o CC. A depoente confirma que viu um grupo de 7 jovens que passaram por si, que carateriza como altos, com balaclavas que tapavam o rosto e afirma, agora, que não reconheceu quem quer que seja. Pensa que os rapazes que viu teriam rastas. Confrontada com os reconhecimentos que fez, nomeadamente o que está junto a fls. 378, declara que fez este reconhecimento com base na estatura, negando, agora, que tivesse certezas nessa identificação do suspeito. A depoente nega que tenha, antes dos disparos, visto alguém em postura suspeita, perto do bar de .... E assevera que não viu armas de fogo na posse dessas pessoas. Admite, no entanto, que ficou com a perceção de que existiu, ali, uma discussão entre “gangs” rivais, mas declara desconhecer de que grupos se tratava. E nega que quer o OO, quer a DD integrassem qualquer “gang”. A testemunha veio, depois, a deparar-se com a DD, que tinha sangue na camisola e tinha sangue na perna. Foi chamada uma ambulância e, como não a deixaram ir na ambulância, foi ter com a sua amiga ao Hospital. Questionada pelo “...” afirma que já ouviu falar dele, tendo-lhe sido dito que este pertencia a um “gang”. E confirma que “…” (cfr. fls. 385) corresponde ao seu perfil no Instagram. Confrontada com fls. 386 e 387. que aqui se consideram reproduzidas, a depoente confirma que se trata de uma conversação entre si e o “...” na rede social Instagram. Questionada pela referência, no perfil deste a “salmo 23:4” declara não lhe dizer nada. E comente-se que se trata da menção a um versículo do livro dos salmos muitas vezes interpretado de forma distorcida: “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam”. Na verdade, a referência a vara é, por vezes, ignorante ou abusivamente confundida com punição. A depoente nega sentir-se condicionada ou com medo, o que é contraditório com a requerida aplicação de medida de proteção de testemunha, que fundamentou a atribuição da prevista no n. º 4 do artigo 20º da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, Perante as manifestas discrepâncias, foi deferida a leitura das declarações prestadas pela testemunha perante Digna Magistrada do Ministério Público, a fls. 353 a 354, bem como das vertidas a fls. 325 a 327. Estas últimas foram prestadas perante Inspetor da Polícia Judiciária, é certo, mas foram expressamente dadas por reproduzidas, no auto de fls. 353 a 354, presidido pela Digna Procuradora da República. Efetivamente, anote-se que a requerida leitura deste depoimento prestado perante órgão de polícia criminal e expressamente confirmado pela declarante perante magistrada do Ministério Público não poderia deixar de ser deferida. E deve, assim, ser considerado em audiência. Na realidade, o artigo 355º, nº 1, do CPP prevê que “1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”, salvaguardando-se no nº 2 que “Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes”. A leitura, em audiência, do depoimento produzido pela testemunha GG perante Magistrado do Ministério Público, foi feita ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 356º do CPP, pelo que a proibição de valoração deste depoimento está excluída pelo nº 2 do artigo 355º. E esta exclusão de proibição da leitura de declarações abrange também, as declarações anteriores, para as quais o auto de inquirição da responsabilidade da Digna Magistrada do Ministério Público remete expressamente. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores aponta neste sentido. A título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de junho de 2015, publicado em www.dgsi.pt, decidiu que “São válidas e relevantes, nomeadamente nos termos e para os efeitos previstos no artigo 356.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP, declarações prestadas ao MP, quando o declarante, confrontado com anteriores declarações que dera a órgão de polícia criminal, dispondo da possibilidade de livremente as negar, corrigir, rectificar, aumentar ou interpretar, apenas as confirma; ou seja, no contexto descrito, não é necessária a reprodução no auto respectivo das declarações confirmadas”. E decidiu-se revogar o despacho que indeferiu a leitura dessas declarações assim prestadas, por remissão. Entendemos, também, que o depoimento de testemunha prestado perante Inspetor de Polícia Judiciária e perante a Digna Magistrada do Ministério Público tiveram o mesmo alcance, no que respeita aos factos que são imputados aos arguidos. Pelo que o depoimento prestado perante Inspetor da Polícia Judiciária quando, depois, confirmado perante magistrado, contanto que referido no respetivo auto por remissão para aquele, tem o valor equivalente a declarações feitas perante magistrado do Ministério Público, não carecendo de anuência para essas declarações serem reproduzidas em audiência. As declarações assim vertidas nestes dois autos não poderão, permitida a leitura que foi feita integralmente em audiência, deixar de ser avaliadas na presente sede, sendo crivadas pelo critério de interpretação da prova consagrado pelo artigo 127º do Código de Processo Penal. E esta interpretação abrange o cotejo dessas declarações e das anteriormente prestadas. Nada impedindo ao tribunal, assim, sobrevalorizar umas em relação às outras. Este depoimento prestado anteriormente em sede de inquérito vale, assim, por si, não se limitando a servir de muleta mnésica à testemunha. Interpretação que se conforma com o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e com a constituição. Como aliás, foi decidido pelo douto acórdão n.º 24/2016 do Tribunal Constitucional, no qual se decidiu “Não julgar inconstitucional o artigo 356.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que a leitura dos depoimentos prestados no inquérito perante o Ministério Público é admitida, sem ser necessário o consentimento dos arguidos, quando aquela leitura se destine a avivar a memória de quem declare na audiência já não se lembrar de certos factos, ou quando existir entre elas e as feitas na audiência discrepâncias ou contradições”. O Tribunal Constitucional, na sua fundamentação, aborda a evolução da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.º, parágrafo 3.º, alínea d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que considera menos exigente do que o previsto no CPP, no que particularmente tange à garantia do contraditório e dos direitos de defesa quanto a depoimentos de testemunhas. E é mencionada a flexibilização progressiva da interpretação jurisprudencial do Tribunal Europeu da “regra da prova única ou determinante”, “segundo a qual, um processo (penal) não é equitativo, caso a condenação se funde exclusivamente ou em medida decisiva em depoimentos de testemunhas que o arguido não tenha podido interrogar em nenhuma das fases do processo”. No acórdão Al-Khawaja e Tahery, o Tribunal “flexibilizou a aplicação desta regra em função de uma série de critérios e princípios, vindo a admitir que, em determinadas circunstâncias, a mesma poderia ser afastada sem violação do artigo 6.º, parágrafo 3.º, alínea d), da Convenção, admitindo, portanto, a condenação do arguido com base em depoimentos de testemunhas lidos na audiência sem que as mesmas testemunhas tenham alguma vez sido interrogadas, direta ou indiretamente, pelo arguido (cfr. os §§ 119 e ss.). O acórdão Schatschaschwili confirmou esta orientação e precisou alguns desses critérios e princípios (cfr. os respetivos §§ 106 e ss.)”. E revertendo ao sistema processual penal português, o TC considerou que “a redação dada ao artigo 356.º, n.º 3, do CPP pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, alargando o campo da admissibilidade, para os efeitos aí previstos, da leitura em audiência de declarações anteriormente prestadas sem o assentimento de todos os sujeitos processuais – não apenas perante um juiz, mas também perante o Ministério Público –, visou, desde logo, possibilitar a aplicação com real significado do regime contido nesse preceito (cfr. o n.º 4 da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 77/XII). Além disso, o legislador pretendeu objetivamente reforçar a importância da consistência e seriedade das declarações prestadas durante o inquérito perante magistrados do Ministério Público, destacando o papel destes por comparação com os órgãos de polícia criminal e prevenindo táticas de diversão ou de manipulação por parte dos declarantes. Recorde-se que as declarações prestadas perante autoridade judiciária são prestadas sob juramento e vinculadas à verdade (cfr. os artigos 91.º, n.º 3, e 132.º, n.º 1, alíneas b) e d), ambos do CPP)” (…) “Acresce que a solução legal não impede o arguido de, no exercício do contraditório, confrontar na audiência de julgamento a testemunha com as declarações feitas nesse momento e com eventuais contradições ou discrepâncias resultantes da leitura de declarações proferidas em momento processual anterior perante o Ministério Público, contrainterrogando-a ou oferecendo meios de prova que abalem a sua credibilidade. O princípio do contraditório, não é afastado nem a sua eficácia relativamente à formação da convicção do julgador se mostra diminuída. Por outro lado, mantém-se a salvaguarda estatuída no artigo 356.º, n.º 6, do CPP: proibição da leitura de depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor. Ou seja, a leitura de autos contendo declarações anteriormente prestadas perante o Ministério Público não é um meio de prova substitutivo da inquirição em audiência, mas releva como importante instrumento auxiliar de valoração da prova testemunhal produzida em audiência: é com base no depoimento da testemunha produzido na audiência e, portanto, sujeito a contraditório, seja por parte da acusação, recordando o que anteriormente foi dito pela mesma testemunha; seja por parte da defesa, contrainterrogando ou questionado a credibilidade da testemunha, que o tribunal forma a sua convicção. Por isso, e como bem refere o Ministério Público, inexiste subversão ou ausência de contraditório, mas alargamento e aprofundamento, em vista de maior rigor na descoberta da verdade (cfr. a conclusão 26.ª das contra-alegações). Deste modo, a solução consagrada no artigo 356.º, n.º 3, do CPP, além de contribuir para a busca da verdade no quadro do processo criminal e para a consequente maior eficácia no combate ao crime e defesa da sociedade, não subtrai ao arguido meios de defesa legítimos nem afeta as condições da sua participação paritária na dialética inerente ao processo na fase da audiência de julgamento – por isso, não viola o direito ao processo equitativo previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição; nem, por outro lado, impede ou dificulta desproporcionadamente a defesa do arguido, já que este pode na audiência de julgamento exercer plenamente o contraditório relativamente às testemunhas cujas declarações tenham sido lidas nessa mesma audiência – daí não ocorrer violação nem das garantias de defesa nem do princípio do contraditório consignados no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição”. Assim, nesta linha de entendimento que nos serve à interpretação dos depoimentos prestados perante magistrado do MP, compreende-se que o anteriormente prestado pela testemunha GG se mostra mais credível do que o ora prestado em audiência. Efetivamente, não se descortina qualquer vantagem ou interesse da testemunha GG prejudicar os arguidos AA e BB. Por outro lado, a identificação que fez é conforme com a troca de mensagens já analisadas entre o arguido BB e a namorada TT, bem como com as mensagens que já se analisará e que foram trocadas entre os dois arguidos. A postura corporal da testemunha, em audiência não convence, igualmente. Ao contrário, o depoimento prestado perante a Digna Magistrada do Ministério Público é eivado de pormenores vívidos e credíveis, compatíveis com os depoimentos já anteriormente analisados. Efetivamente, a testemunha OO não deixou de se aperceber que esta declarou ter visto os indivíduos, não permitindo excluir que aquela viu, antes dos disparos, a cara de dois dos sete indivíduos. Já em audiência, de forma pouco credível, a GG diz, agora, que afinal foi o CC quem lhe disse que o arguido BB passou por si. A testemunha declara, ainda, que não segue, já, o AA nas redes sociais. Foi, ainda, confrontada com as mensagens trocadas com o AA, explicando o seu teor. O pedido de “amizade” e estas conversas são posteriores aos factos ora assentes e comprometem o arguido, compatibilizando-se este interesse na testemunha, com as razões aduzidas no teor do auto de inquirição de fls. 353 a 354. Assim, mostra-se manifesto, do exposto, que a testemunha GG falhou com o seu compromisso com a verdade em sede de audiência de discussão e de julgamento. E esta inversão da sua posição justifica-se com a vontade de palear a verdade, seja por sentimento de auto preservação, seja por qualquer outra razão recôndita. Pelo contrário, e pelas razões já adiantadas, o depoimento antecipadamente prestado pela testemunha em sede de inquérito, mostra-se credível e compatibiliza-se com os restantes meios de prova. Esse depoimento prestado perante Digna Magistrada do MP corrobora o depoimento prestado perante órgão de polícia criminal, divergindo apenas no que tange à cor dos fatos de treino que cada um dos arguidos envergavam, pormenor que se nos afigura de somenos importância, vista as particularidades de funcionamento do processo mnésico. O confronto deste depoimento com aquele prestado pela DD e a observação do relatório de exame pericial de fls. 367 a 373 e DVD de fls. 374 e PEN de fls. 375 e autos de análise de fls. 189 a 196 e 388 a 391 e ainda do Apenso-Volume 1, (obtidos na sequência do acesso ao telemóvel disponibilizado pelo arguido BB), elementos probatórios validados por Juiz de Instrução Criminal, por despacho de ... de ... de 2024, e ainda os relatórios periciais de fls. 394 (complementado a fls. 551), 434, 437, 441 e 443 mostram-se essenciais para se definir como assentes os factos elencados de 1. a 25. da matéria de facto dada como provada. O facto concretamente assente em 5. resulta da evidência de que o arguido BB teve de avisar, de alguma forma, o arguido AA, sendo o corolário lógico e a ponte do que se deu por assente em 4. e 6. que assenta, em particular no depoimento de GG prestado em inquérito, ora analisado. Considera-se, ainda, o auto de reconhecimento pessoal de fls. 378, em que a GG reconhece, para além de qualquer dúvida, o arguido AA, contrariamente ao que ora declarou em audiência. Das mensagens já escrutinadas, observa-se, para além do que já se comentou, que o arguido BB, que comunica quase incessantemente com a namorada, permaneceu incontactável durante os disparos e nos momentos anteriores, o que mereceu o protesto daquela. E é nesse contexto que ele revela à namorada o que fora fazer com o AA nessa noite de .... Resulta da assunção da factualidade perante a namorada que o arguido BB estava plenamente ciente das consequências da sua conduta. E a valoração destas mensagens é tanto de mais de atender porquanto o arguido BB especifica o lugar onde os factos aconteceram (cfr. fls. 388 a 390) e até a sua motivação. Perpassa dessas mensagens que o arguido visou, ele próprio, a cabeça da DD e que ambos os arguidos dispararam armas, não mencionando a intervenção das outras pessoas que o acompanhavam. O que permite ancorar certezas de que os dois arguidos dispararam armas de fogo com a intenção de atingir CC (que pertencia ao PKA) com intuito de se vingarem de atuações dos membros do grupo deste. A fls 593, verifica-se imagem de perfil da conta de Instagram …, visionado no telemóvel da testemunha DD, exibido em audiência, que aquela assevera que é a usada pelo arguido AA. Observamos que quer o nome da conta, quer os das dos seguidores ostenta o número “27”, referência inequívoca grupo A27. As mensagens levadas à douta acusação, trocadas entre os dois arguidos, pouco antes e depois do dia ... de ... de 2023, são sugestivas da atividade dos dois arguidos e das intenções que os levaram, naquele dia, a disparar sobre CC, conformando-se com a intenção de atingir órgãos vitais deste e da pessoa que o acompanhava. Assim, no dia .../.../2023, o arguido BB remeteu mensagens, através da aplicação ..., ao arguido AA (cfr. fls. 190) informando-o que em ... encontrou indivíduos da ..., que se associam a membros de um gangue delinquente rival, tendo manipulado uma arma de fogo, quando passou, por ele um indivíduo que identificou como sendo o AAA. No entanto a munição terá ficado presa (“ficou presa ou algo assim tive de tira carregador para bala sair” por não ser adequada à arma que usava. E adianta que andou por ..., deixando o recado “falem que passei aqui”, assegurando-se de que a sua presença em ... era notada pelos gangues juvenis rivais. No dia ... de ... de 2023 (cfr. fls 194), ainda antes dos factos ora assentes, o arguido AA, através de mensagens da rede social Instagram e usando o perfil que já se verificou ser usado por si, disse a BB: “BBB urgente” (…) Vamos matar o mjay/ Gajo ta no baby grill.”. No dia seguinte aos factos, no dia .../.../2023 (cfr. fls. 191), o arguido AA, através de mensagens, na aplicação ..., pediu ao arguido BB para irem buscar “um gajo” com urgência, ao que este último responde “Já ouvi gajo esta precisar de um (emoji projétil de arma de fogo)”, acrescentando, na mensagem imediatamente a seguir: “Gajo tem que morrer”. mensagens da rede social Instagram, disse ao AA “se tutu agilizar cena fica atento vou lhe dar tiro em directo”. Insiste ainda para mostrar o “rosto do gajo”, dizendo “Vou educar esses putos/Ca em ...”, o que nos permite perceber que se refere a uma lição com arma de fogo que pretendia dar a um elemento de um gangue rival, que filmaria e publicaria num direto. No dia .../.../2023, o arguido BB, através de mensagens na aplicação WhatsApp (cfr. fls. 192), pediu ao arguido AA a acompanhá-lo numa missão sua, dizendo “Amanhã temos que pegar o gajo para um gajo dormir trql/Tenho que tira esse fdp da lista”. E ambos falam, ainda, numa entrevista dos PKA, a quem se referem como sendo “muito mentirosos”. No dia ... de ... de 2023, como se analisou a propósito do depoimento da Inspetora CCC, pelas 11h47, já nas instalações da Polícia Judiciária, BB tentou contactar telefonicamente com o arguido AA para avisá-lo de que estaria na Policia Judiciária por causa dos factos acima descritos e das diligências em curso. A troca destas mensagens, cuja transcrição foi validada por Juiz de Instrução, reforça a convicção de que a assunção dos factos pelo arguido BB perante a namorada é genuína, correspondendo à verdade dos factos. Ampliando a perceção, além do mais, da motivação dos arguidos, nos termos que se deram por assentes de 1. a 3.. Este meio de obtenção de prova, discriminado na acusação, compromete os dois arguidos, que trocam mensagens entre si. E está corroborado por outros meios de prova. Pelo que estas mensagens assim obtidas e que incorporam declarações dos arguidos, não podem deixar se ser sujeitas à livre apreciação do tribunal, mesmo que, como é o caso, os arguidos não prestem declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio. Aliás, fossem produzidas perante terceira pessoa, presencialmente, sempre seria admissível, na mesma medida, a inquirição e valoração do depoimento da testemunha de ouvir dizer, como vem sendo pacificamente entendido. O relatório de exame pericial do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária nº ...-CBA, constante de fls. 394, confrontado com nº ...-CBA e com o auto de apreensão de ... de ... de 2023, extraídos do processo comum coletivo nº 99/23.1..., ora juntos aos autos a fls. que antecedem, comprovam que as duas cápsulas apreendidas nos termos de fls. 21 dos presentes autos, junto do local onde as testemunhas colocam os atiradores, permitem concluir que uma das armas que ora foi utilizada corresponde à apreendida naquele processo comum coletivo, deste mesmo J2. O auto de notícia de fls. 2, elaborado pela Polícia de Segurança Pública, dá conta das diligências feitas pelos agentes desta força policial no local, onde encontraram as testemunhas DD e II, com ferimentos, e a testemunha DDD, que não se logrou ouvir em audiência. A par do auto de inspeção judiciária de fls. 10 a 16, que incorporam reportagem fotográfica do local onde ocorreu o tiroteio permite-se concluir que o espaço onde os tiros foram disparados era ocupado por várias pessoas que circulam àquela hora. Pelo que se reforça a convicção de que os dois arguidos, ao dispararem naquele espaço, representaram que podiam acertar noutra pessoa com uma bala, resultado com o qual se conformaram, considerando a temeridade com que atuaram e a indiferença ao valor vida e integridade física que a já comentada troca de correspondência documenta. Os relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal referente a DD, juntos aos autos a fls. 434 e 443 e o relatório referente a EEE, junto a fls. 438 verso, permitem comprovar as consequências médico legais da ação dos arguidos. E permitem estabelecer, com certezas, a relação causal entre a utilização de armas de fogo aptas a deflagrarem projéteis .22 e estas lesões. Estes relatórios são sustentados na observação dos ofendidos e, também, na documentação clínica de fls. 310, referente a DD, e de fls. 313, referente a II. A prova do facto assente em 22. resulta da observação do documento de fls. 231, emitido pelo Núcleo de Armas e Explosivos da PSP. A fls 532 e 532 verso, encontram-se as faturas nº 822/... e 820/..., no valor, respetivamente, de € 169,41 e € 97,75, emitidas pela Unidade Local de Saúde ..., em que são discriminados os cuidados médicos prestados a DD e a II, nelas assentando a comprovação dos factos assentes em 30. e 31.. Demonstrada a dinâmica dos factos, bem como a concreta atuação dos arguidos, permite-se a demonstração dos factos assentes em 23 a 28, ainda que mais ligados à vontade interior dos arguidos, que foi, assim, projetada no exterior. A prova dos antecedentes criminais resulta dos certificados de registo criminal juntos a fls. 571 a 573 e da certidão junta a fls. 446. As condições económicas e sociais dos arguidos estão demonstradas pelos relatórios sociais juntos a fls. 587e a fls. 589. III – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL E MEDIDA DA PENA (…). Do crime de ofensa à integridade física qualificada. Absolvidos de um dos crimes de homicídio que lhes foi imputado, por restrição da matéria de facto assente, temos que importa verificar se a conduta apurada integra, em vez, um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, n. º1 a) e nº 2 do Código Penal e, por referência deste, do artigo 132º, nº 2 alínea h), do mesmo diploma, como resultou da alteração da qualificação jurídica proposta em audiência. Dispõe o artº 143º, nº 1, que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. E estabelece o artigo 145º do Código Penal, no seu nº 1 que “Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º”. O nº 2 especifica que “São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º”. No artigo 132.º, o legislador utilizou a já mencionada técnica dos exemplos padrão. O artigo 132º, nº 2 dispõe que “É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…)h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; (…)”. O tipo criminal ora em análise trata-se de um crime material e de dano, em que o bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana. “O tipo legal (...) abrange, com efeito, um determinado resultado que é a lesão do corpo ou saúde de outrem, fazendo-se a imputação objectiva deste resultado à conduta ou à omissão do agente de acordo com as regras gerais”. (Vide Figueiredo Dias, Sumários, 1975, p. 157). Por outro lado, está-se perante um tipo legal de realização instantânea, bastando-se o seu preenchimento com a verificação do resultado nele descrito. São elementos objetivos do crime de ofensas à integridade física simples: - Ofensas no corpo ou na saúde de outra pessoa. Assim, o objeto da ação é o corpo humano de outra pessoa, não sendo puníveis como ofensas à integridade física as chamadas auto-lesões. Este tipo criminal fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados, como escreve Paula Ribeiro de Faria, na obra Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 205. “Casos há em que existe uma lesão no corpo sem que concomitantemente haja lesão da saúde. Pense-se na controvertida agressão à bofetada (leve) sobre uma pessoa, sem qualquer sofrimento ou incapacidade para o trabalho, e que parte da jurisprudência (Ac. da RL de 26-6-90, CJ XV-III 172) tinha, à luz da versão anterior do art. 142.º, como integrando o tipo legal de injúrias. Outra foi, no entanto, a última palavra do STJ, que fixou jurisprudência sobre esta matéria no Ac. de 18-12-91, qualificando o dito comportamento como ofensa corporal. Por outra banda, poderá haver lesões da saúde que não configuram ofensas no corpo, pois que inclusivamente aumentam o bem-estar do lesado (será o caso da administração de estupefacientes). Pode aqui recorrer-se à impressiva imagem, utilizada por ESER (cf. S/ S / ESER § 223 1), de dois círculos que se cruzam embora mantenham a sua autonomia”. Por ofensa ao corpo, entende-se “todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante”, (cfr. ob. cit, Volume I, págs. 205 e 207), incluindo-se, na noção, as atuações que causem uma diminuição ou lesões da substância corporal, alterações físicas e perturbações de funções físicas. Por ofensa à saúde, entende-se “toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a; pertence a este âmbito toda a produção ou aprofundamento de uma constituição patológica”. Relativamente ao tipo subjetivo de ilícito, trata-se de um tipo legal doloso (artº 14º C.P.), exigindo-se o dolo em qualquer das suas modalidades. O dolo neste tipo de crime, reporta-se às ofensas no corpo ou saúde do ofendido, relevando a motivação do agente, tão só para efeitos de determinação da medida concreta da pena. O tipo que ora concretamente se imputa, em sede de reconvolação, encontra-se previsto no artigo 145º e equivale a um tipo autonomizado e qualificado, que se exige pela especial censurabilidade dos meios empregues ou da qualidade da vítima. Dos factos dados por assentes, verifica-se que os arguidos não podem deixar de estar comprometidos com esta circunstância modificativa agravante, pois que usam pistolas com as quais vêm a atingir e a perfurar a clavícula de FFF. Ao atuar desta forma, os dois arguidos causaram dores, lesões e incómodos no corpo deste último, que exigiram 15 (quinze) dias para a consolidação médico-legal, com 10 (dez) dias de afetação da capacidade de trabalho geral. Não se colocam dificuldades, no caso, ao nível da imputação objetiva, sendo que o resultado é causa adequada da ação adotada pelos arguidos e já escalpelizada – cfr . artigo 10º do CP. Assim, é necessário que o agente ataque o corpo ou a saúde de outra pessoa, com um grau mínimo de gravidade, fora de qualquer esfera de adequação social e, no tipo doloso (ex vi dos artigos 13.º e 14.º do Código Penal), que tenha tido consciência e vontade de praticar essa ofensa (ou com intenção direta de o fazer, ou aceitando essa ofensa como consequência necessária da sua conduta, ou, ainda, concebendo a hipótese de a sua conduta desembocar em tal ofensa, mas conformando-se, ainda assim, com tal eventualidade). A conduta dos arguidos, com esta virtualidade de ferir, de forma não desprezível, a vítima, não foi orientada para esta conduta, mas sendo previsível que a conduta encetada por ambos podia causar tal resultado, conformaram-se com estes. Pelo que estão comprometidos, a título de dolo eventual, com os elementos subjetivos do tipo criminal previsto no artigo 143º do Código Penal. Mas esta ação dos arguidos é perpetrada com um meio particularmente perigoso para causar a ofensa concretamente visada, pelo que não se pode deixar de considerar que as suas condutas os comprometem com a alínea h) do artigo 132º, nº 2 do CP, que opera por referência do nº 2 do artigo 145º. Assim, não se pode deixar de considerar a atuação concreta dos arguidos, que atuaram inopinadamente, admitindo atingir o corpo da vítima com instrumento especialmente perigoso e cuja posse era especialmente censurável. Os demais factos assentes subsumem-se no tipo criminal em apreço. E os elementos essenciais do tipo qualificado mostram-se, pelo que fica dito, preenchidos. Estão também preenchidos os elementos subjetivos também no que tange ao tipo qualificado, pois que bem sabiam o arguido que tal conduta não lhes era permitida, mas, ainda assim, quiseram livremente agir do modo descrito, atuando com dolo eventual previsto no artigo 14º, nº 3 do Código Penal também na eleição destes instrumentos particularmente perigosos. Não está provada, também aqui, qualquer causa de exculpação ou de exclusão da ilicitude. Assim, conclui-se que os dois arguidos cometeram, em autoria material, um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 143º, nº 1 e 145º nº 1 a) e 2 e, por referência, artigo 132°, nº 2, al. h), todos do Código Penal, pelo qual não podem deixar de ser condenados, em alternativa a um dos crimes de homicídio na forma tentada concretamente imputados pela douta acusação. * (…) Medida das Penas Os arguidos são condenados, como se viu, por dois crimes de homicídio na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 22º, 23º e 131º do Código Penal, agravados pelos n.º 3 e 4 do artigo 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. O crime de homicídio, com a agravação de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo, contemplada no artigo 86º, nº 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições é punível, em abstrato, com pena de prisão de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses. Todavia, nos termos dos artigos 23º, nº 2 e 73º, nº 1 a) e b) do Código Penal, a pena aplicável é especialmente atenuada, sendo reduzida de um terço no seu limite máximo e a um quinto no seu limite mínimo. Pelo que os arguidos, estando condenados por dois crimes de homicídio agravado na forma tentada, incorrem em penas mínimas de 2 anos, 1 mês e 18 dias e máxima de 14 anos, 2 meses e 20 dias. E foram condenados pela prática, em coautoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, n. º1 a) e nº 2 do Código Penal e, por referência deste, pelo artigo 132º, nº 2 alínea h), do mesmo diploma, com pena de prisão até quatro anos de prisão. Foram, ainda, condenados pelo crime de detenção de arma proibida, previsto e punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. Em sede de determinação das consequências jurídicas do crime e da reação criminal adequada, a culpa e a prevenção funcionam como critérios gerais orientadores da medida da pena, tendo esta, sempre, como limite, aquela, que é justamente o seu suporte. Relevantes para encontrar a "medida da culpa", são os próprios ilícitos típicos, enquanto apreciados nas suas consequências típicas, que lhe conferem uma certa "imagem" ou sentido social. Posta a aplicação de duas penas em alternativa no que diz respeito ao crime detenção de arma proibida, haverá, pois, e antes de mais, que proceder à escolha da pena a aplicar aos arguidos. De acordo com o art. 70º do CP (com referência ao art. 40º), a alternativa entre a pena privativa e a pena não privativa da liberdade resolve-se em favor da segunda, sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do agente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime. Ora, os arguidos não contribuíram ativamente para a descoberta da verdade material e não elaboram um juízo de autocensura. As exigências especiais e gerais são muito elevadas, inserindo-se os comportamentos dos arguidos numa lógica de atuação grupal e contribuem para fenómenos de violência urbana que causam elevadíssimo alarme social. Assim, a pena de multa seria completamente desadequada à situação pessoal do arguido e à imagem global do seu comportamento. A opção pela pena de prisão é, pois, necessária, adequada e proporcionada, à luz dos objetivos da prevenção geral e especial. Para mais, sempre que na pena conjunta deva de ser incluída uma pena de prisão, tem a Jurisprudência do STJ – cfr. v.g., Ac. de 5/2/2004 - proc. 151/04, Ac. STJ 12/02/2009 – processo 090110 e Ac. 10/1/2003, processo nº 507/05.3GAER.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt –entendido que se impõe, “na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa”. É que “uma tal pena «mista» é profundamente dessocializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: este quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando com a pena «mista» aquele já as perde na prisão!” (cfr. Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – II – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 154). Assim, limitados, por esta escolha, à aplicação de penas de prisão por cada crime cometido, importa, assim, determinar a medida da pena de prisão aplicável a cada crime, sendo sempre a medida da culpa e as exigências de prevenção a marcar o limite da pena (cfr. art. 71º do CP). No entanto, verifica-se que o arguido BB, ora condenado, era à data dos factos (e ainda é), menor de 21 anos. Tinha 18 anos. Nos termos do artº 9º do Código Penal, “aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”. Esta legislação especial está contida no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro (Regime Especial para Jovens), e assenta na ideia de que o jovem delinquente é merecedor de um tratamento penal especializado, “não só porque a sua capacidade de ressocialização é mais fácil, por se encontrar no limiar da maturidade, como ainda porque se deve evitar, em princípio, um tratamento estigmatizante”. O Decreto-Lei nº 401/82, aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime – nº 1 do artº 1º. Para efeitos do Decreto-Lei nº 401/82, é considerado jovem o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos – artº 1º, nº 2. Nos termos do artº 4º daquele regime, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Analisada a matéria de facto provada, verifica-se que o arguido BB era, à data dos factos, e ainda é, primário, não tendo condenações averbadas no seu registo criminal. O relatório social ainda que exponha algumas fragilidades pessoais e fatores de risco de reincidência é suscetível de permitir a elaboração de um juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade de ressocialização perante uma pena mais curta. Ainda assim, a amplitude da moldura penal em que este arguido incorre e a perspetiva de que a relação de concurso de penas a aplicar aumenta o risco de um primeiro contato longo com o sistema prisional, sendo de concluir por isso, a par da extrema juventude do arguido, que beneficiará, ainda, do ponto de vista da perspetiva de ressocialização social, com a aplicação do regime especial para jovens delinquentes. Decide-se, assim, que deverá ser aplicar o regime punitivo consagrado no DL nº 401/82, de 23 de setembro, ao arguido BB, já que favorável à respetiva reintegração social. Excluída a adequação de medidas corretivas previstas neste diploma, atenta a gravidade dos factos, entendemos que este arguido deverá beneficiar tão somente da atenuação especial da pena, contemplada no artigo 73º, nº 1 do Código Penal ( “a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço; b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior”). Pelo que as penas aplicáveis, por força da atenuação especial prevista pela aplicação deste regime deverão ser, por força da aplicação da atenuação especial prevista no artigo 73º do Código Penal, fixadas entre o mínimo de um mês e o máximo de 9 anos, 5 meses e 23 dias, no que tange aos crimes de homicídio agravado na forma tentada, entre o mínimo de um mês e o máximo de 2 anos e 8 meses, no que tange ao crime de ofensa à integridade física qualificada, e entre o mínimo de um mês e o máximo de 3 anos e 4 meses quanto ao crime de detenção de arma proibida. O artigo 71º, nº 2 do Código Penal, manda atender, para a determinação concreta da pena, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”. * Dos crimes de homicídio agravado, na forma tentada. Visto o critério legal para a determinação da pena e a matéria que se deu por assente, entende-se que a intensidade do ilícito já assume intensidade relevante, ainda que sem consequências pessoais para CC e com lesões ainda relativamente ligeiras para DD. A intensidade do dolo, atenta a reflexão necessária ao ato, é média, sem se descurar que os arguidos ainda se aperceberam com uma certa antecedência, da presença de CC no Bar – o arguido BB aparece no local meia hora antes – antecipando e refletindo nas suas condutas. E distingue-se o dolo eventual que carateriza o crime de que DD é vítima, do dolo direto que carateriza o crime que tem CC como efetivo. Nenhum dos arguidos demonstra, em momento algum, constrangimento pelos atos que encetaram. O arguido AA tinha, à data, antecedentes criminais, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa nos seus efeitos pela prática de um crime de roubo. E foi, depois, condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida. O arguido BB não tem antecedentes, circunstância que acaba por assumir reduzida significância vista a sua idade à data dos factos. As condutas dos arguidos causam elevado alarme social e revelam sentimentos de elevada antissociabilidade e de desrespeito pela vida humana, pelo que as exigências de prevenção especial são muito elevadas. Causa perturbação no funcionamento de qualquer sociedade moderna, os casos de utilização de armas, para mais em certos contextos urbanísticos, com a consequente projeção de intranquilidade na população. As exigências de prevenção geral são, assim, muito elevadas. A integração social do arguido BB é mais elevada, sendo que os fatores de risco de reincidência são, quanto ao arguido AA, mais elevados. Pondera-se, em relação a este último a sua juventude (ainda que já contasse, à data dos factos, com 21 anos. Desta forma, tudo conjugado, entende-se não ser de descriminar a medida da pena no que tange a cada crime que vitimou CC e DD. E entende-se que é de graduar a medida da pena dos crimes de homicídio na forma tentada, dentro da moldura reduzida nos termos supra expostos e no que diz respeito ao arguido BB, ainda aquém do meio. Assim, o arguido BB será condenado por cada um dos crimes de homicídio agravado na forma tentada, nas penas parciais de 4 (quatro) anos e (seis) meses de prisão. Quanto ao arguido AA, vista a moldura penal mais elevada e mais ampla, vistas as circunstâncias já apreciadas, entendemos ser justa e a adequada a graduação de cada pena, por cada um dos crimes de homicídio agravado na forma tentada, em 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. * Do crime de ofensa à integridade física Os arguidos são, ambos, condenados pela prática deste crime, mas incorrem em molduras penais diversas, por força da aplicação do regime especial para jovens delinquentes ao arguido BB. Tem-se em conta que as lesões sofridas por II ainda são ligeiras e que a intensidade do ilícito, visto os meios empregues e a falta de qualquer contributo da vítima para aquele resultado, é média. O dolo, assume intensidade ainda reduzida, considerando que os arguidos atuaram a título de dolo eventual. Os arguidos não prestaram qualquer satisfação moral à vítima e não revelam ter elaborado, também aqui, qualquer juízo de autocensura. Tem-se em conta os antecedentes criminais relevantes do arguido AA, ainda que por crimes de natureza diversa, e a falta de antecedentes criminais do arguido BB, bem como as demais circunstâncias que foram acima sopesadas. Pelo exposto, entendemos ser justo e adequado graduar a pena por este tipo de crime em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, no que tange ao arguido BB e em 2 (dois) anos no que diz respeito ao arguido AA. Do crime de detenção de arma proibida. Quanto a este tipo de crime, prévio do primeiro, valem as demais considerações que ora ficam expostas. A intensidade do ilícito é, no caso, medido pela perigosidade da arma (curta de fogo), de calibre 22., e pela sua concreta utilização e pelas condições da sua posse. Sendo que os arguidos dispararam, ambos, na direção de duas pessoas, com o fito de tirar a vida a uma e conformando as suas condutas com a possibilidade desse resultado ocorrer quanto à outra. Sendo que, como preveem se conformam, uma bala acertou, ainda, num terceiro indivíduo que por ali passava. A intensidade do ilícito é, pelo menos mediana, já que a detenção não se circunscreve a uma mera posse inerte. Sendo que estas pistolas já têm uma capacidade letal assinalável. A intensidade do dolo é, também ela, atenta a reflexão necessária a perpetrar o crime, pelo menos média. E mostra-se particularmente censurável as prévias condenações do arguido AA, que também já foi condenado por crime deste tipo. Pelo exposto, entende-se, aqui, ser de graduar a pena junto aos meios da moldura penal. Pelo que entendemos que é justa e adequada a pena de 3 (três) anos de prisão a aplicar ao arguido AA e de 1 (um) ano e (seis) meses de prisão ao arguido BB. * Do cúmulo jurídico de penas. Ora, os arguidos são julgados e condenados, neste acórdão, por 4 crimes, cujas penas estão, assim, numa relação de concurso. Pelo que importa fixar a cada arguido uma pena única. Assim, operando o cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artigo 77º do Código Penal, há que aplicar uma pena unitária ao arguido AA, que pode ser fixada entre a maior das penas concretamente aplicadas – 6 (seis) anos e 6 (seis) meses – e a soma de todas – 18 (dezoito) anos. De acordo com os traços de personalidade demonstrados (tendência para interagir com pares ligados à delinquência, pluriocasionalidade dessa delinquência e desrespeito pelo valor vida), vistas as circunstâncias em que foram cometidos os crimes, muito homogéneas, a imagem global da ação delinquente, causadora de elevado alarme social, e a juventude do arguido, julga-se adequado condená-lo numa pena única global de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão de prisão, correspondente a cerca de um quarto da diferença da soma das penas e da pena mais elevada. Quanto ao arguido BB, este incorre, por força do mesmo critério, numa pena mínima, correspondente à maior das penas aplicadas, de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses. E a pena única que resulta do cúmulo deve ser graduada no máximo de 12 (doze) anos, correspondente à soma das quatro penas. Os traços de personalidade apontam, igualmente, para a tendência para interagir com pares ligados à delinquência, ainda que este arguido seja primário. Revela, no entanto, pela sua conduta, desrespeito pelo valor vida. Valora-se, igualmente, a homogeneidade da conduta. Vista a imagem global da ação delinquente, causadora de elevado alarme social, e a juventude do arguido, julga-se adequado condená-lo numa pena única global de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão de prisão, correspondente a cerca de um quarto da diferença da soma das penas e da pena mais elevada. * Do perdão. Entrou em vigor, no dia 1 de setembro de 2023, a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização, em Portugal, da Jornada Mundial da Juventude. Resulta do disposto nos artigos 1º, 2º, nº 1 e 3º, nº 1, 4 e 5, que estão abrangidas pelo regime instituído por esta lei, e devem beneficiar do perdão de um ano, as penas não superiores a 8 anos de prisão, aplicadas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, que tenham sido praticados por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade (inclusive) à data da prática do facto e que não integrem o elenco de exceção previsto no artigo 7 º do mesmo diploma. Estes condenados ainda não tinham perfeito 31 anos à data dos factos. No entanto, o crime de homicídio, mesmo na forma tentada, integra a exceção prevista no artigo 7º, nº 1 a) i do mesmo diploma, pelo que não beneficia daquele perdão. Por ter sido condenado a pena de prisão global superior a 8 anos, o arguido AA, apesar da idade, não poderá beneficiar do perdão. No entanto, o arguido BB foi condenado em pena inferior a 8 anos, que resultou do cúmulo de penas parciais pela prática de um crime de detenção de arma proibida e pela prática de crime de ofensa à integridade física qualificada, que não integram o elenco de tipos de crime excluídos do perdão. Em cúmulo jurídico, foi condenado pelas quatro penas parcelares aplicadas, na pena unitária de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão. Considerando que BB ainda não tinha perfeito 31 anos à data dos factos, visto que foi condenado em pena inferior a 8 anos, por crimes que mereceram a aplicação de pena superior a um ano e que não integram a exceção do artigo 7º, há que aplicar o perdão de um ano, nos termos do artigo 3º, nº 4 daquele diploma, a incidir sobre a pena única. Pelo exposto, declaramos perdoado um ano à pena de prisão única em que BB foi condenado sob condição resolutiva de não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor desta Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto e de proceder, no prazo de 90 dias após a notificação, ao pagamento da sua parte na indemnização e na quantia compensatória que ora se fixarão (caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da parte da pena ora perdoada – cfr. artigo 8º, nº 1 a 5)”.
*
B) -Fundamentação:
Impõe-se desde logo determinar quais são as questões a decidir em sede de recurso.
“É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”], sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95- O objeto do recurso está limitado às conclusões apresentadas pelo recorrente -cfr. Ac. do STJ, de 15/04/2010:).
Assim, o conhecimento do recurso está limitado às suas conclusões, sem prejuízo das questões/vício de conhecimento oficioso.
*
1)- Do recurso do arguido AA:
São as seguintes as questões a decidir:
-Da nulidade da sentença;
- Da valoração da prova nula;
- Do erro de julgamento;
-Da violação do princípio in dubio pro reo:
- Da errada qualificação jurídica no que tange aos factos 14, 16 e 21
- Da determinação das concreta penas aplicadas e da pena única.
* Da nulidade da sentença:
Alega o recorrente que o acórdão padece de falta de fundamentação relativamente aos seguintes factos dados como provados:
“Que existe um gangue denominado A27 e outro denominado PKA; • Que existe uma rivalidade entre os dois; • Que ambos os gangues são juvenis; • Que o recorrente pertencia ao alegado gangue A27; • Que a testemunha CC pertente ao gangue PKA; • Que o recorrente se encontrava desavindo com CC; • Que tal desavença resulta do facto de pertencerem a gangues rivais”
Dispõe o artigo 379 do CPP que é nula a sentença:
“a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Mencionando o artigo 374, nº2 do CPP que: “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
A fundamentação da sentença encontra-se consagrada na CRP, no seu artigo 205, nº1.
“Tal princípio, relativamente à sentença penal concretiza-se, porém, mediante uma fundamentação reforçada, que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (…) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e da apreciação da prova” (Oliveira Mendes, in CPP comentado, pag 1168).
Como sumariado no acórdão desta Relação de 8.1.2020, in base de dados do IGFEJ “o que importa para satisfazer a exigência legal do exame crítico das provas imposta, sob pena de nulidade, pelas disposições conjugadas dos arts. 379º nº 1 al. a) do CPP é que a fundamentação da decisão de facto expresse, com clareza, quais as regras de experiência comum, os critérios de razoabilidade e de lógica, ou os conhecimentos técnicos e científicos utilizados para conferir credibilidade a determinados meios de prova e não a outros e em que medida os meios de prova produzidos oferecem informação esclarecedora e convincente que permite considerar provados os factos ou, pelo contrário, não oferecem segurança para alicerçar uma conclusão positiva acerca da verificação de determinados factos e, por isso, se justifica a sua inclusão, nos factos não provados”. Em sentido idêntico também o ac. desta Relação de 26.4.2023, na mesma base de dados: “O exame crítico deve consistir na explicitação coerente, lógica e racional do processo de formação da convicção do julgador, devendo traduzir-se na indicação das razões que levaram à formação da sua convicção, isto é, dos motivos pelos quais as diferentes provas foram, ou não, valoradas e em que sentido, nele se explanando ainda os fundamentos que levaram o Tribunal a considerar, ou não, idóneos e credíveis os meios de prova produzidos”.
O Tribunal dá cumprimento ao artigo 374, nº2 quando “ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência de julgamento e ao expor as razões de forma objetiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e por que é que outras não serviram” ( Ex. Senhor Dr. Sérgio Poças na revista julgar , 3, pag.37).
“O Tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto provado ou não provado” (Teixeira de Sousa, in estudos, pág. 348).
No caso concreto o Tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos pontos 1 a 3 e na motivação descreveu detalhadamente os elementos de prova que levaram a tal decisão.
Assim, e a título de exemplo, consta da motivação da matéria de facto:
- A propósito do depoimento da testemunha DD: “No que tange ao arguido AA, afirma que o conheceu através da rede social AA, asseverando que este tinha uma conta correspondente ao perfil “27_trakino_00” (…) “Questionada pelo PKA, de forma hesitante e temerosa, declara que se trata de um “grupo de amigos”, associando o CC ao mesmo, mas descarta a sua própria ligação ao grupo. A testemunha assevera que não lida com questões deste grupo e que quando namorou com o CC ele não fazia parte do mesmo.
- Em relação ao depoimento da testemunha TT:
“ Questionada sobre o PKA e sobre o A27, declara que já ouviu falar na escola, mas não ao arguido, o que é contrariado pelas mensagens trocadas, naquelas redes sociais, com este, confirmada a titularidade do telemóvel .... Efetivamente, como foi lido em audiência, em mensagens que a testemunha não contesta terem sido trocadas consigo, o arguido BB diz-lhe (na sequenciação de fls 398 e ss.): “Amor fomos para ... dei lume acertou na cabeça da dama e trakino deu em um puto de bdk (…) Te juro que é última vez amor já não faço mais te prometo só não fica fdd comigo eles sabem pk que fomos lá (…) Eu só fui lá pk eles disseram bem feito já já vamos matar mais um safoda se é inocente (…) Essa foi a última vez confia já não vou mais (…) Afinal o meu acertou no gajo de pka na Costa (…) Eu sei que errei mais aceitar no direto dizerem já matamos um da FF inocente se que vamos tar outro (…) UU nem era de beef era puto com sonho (…) Eu vi o direto raiva bateu tu não sabes oq estou a passar nesses tempo (…)” Estas mensagens são escritas pelo arguido BB e são dirigidas à testemunha, conforme resulta do anexo com a extração do conteúdo do telemóvel que foi apreendido ao primeiro. A troca das mensagens demonstra que a testemunha tem perfeita aquiescência da participação do arguido na vida do “bando”. É a própria que o afirma, na sua mensagem das 00h59m, do dia ... de ... de 2023: “Deverias ter vergonha de me ligar a esta hora a falar da vida de bando que queres levar”. E pela 1h20m, a testemunha escreve ao seu namorado “Faz te de inocente que N tens nd”, ideia oposta à que tentou fazer passar em audiência. Pela 1h29m, TT escreve “Mais uma vez esperaste dormir para sair de casa e ir fazer merda”, o que dentro do todo o contexto da troca de mensagens que aqui se considera reproduzida, permite confirmar que esta tinha a noção de que o namorado não tinha atendido o telefone na hora em que os factos foram praticados porque estivera envolvido em atividades do seu bando, o A27.
- Relativamente ao depoimento de VV (inspetora da PJ) consta: “A depoente confirma que estes grupos ligados à delinquência urbana, onde se inclui o A27, estavam referenciados pela Polícia de Segurança Pública”.
- A respeito do depoimento da testemunha GG referiu: “Admite, no entanto, que ficou com a perceção de que existiu, ali, uma discussão entre “gangs” rivais”.
Mas para além destes depoimentos outros elementos foram tidos em conta pelo Tribunal recorrido para fundamentar os factos em causa, constando do acórdão recorrido: “O confronto deste depoimento com aquele prestado pela DD e a observação do relatório de exame pericial de fls. 367 a 373 e DVD de fls. 374 e PEN de fls. 375 e autos de análise de fls. 189 a 196 e 388 a 391 e ainda do Apenso-Volume 1, (obtidos na sequência do acesso ao telemóvel disponibilizado pelo arguido BB), elementos probatórios validados por Juiz de Instrução Criminal, por despacho de ... de ... de 2024, e ainda os relatórios periciais de fls. 394 (complementado a fls. 551), 434, 437, 441 e 443 mostram-se essenciais para se definir como assentes os factos elencados de 1. a 25. da matéria de facto dada como provada”. (…). E a valoração destas mensagens é tanto de mais de atender porquanto o arguido BB especifica o lugar onde os factos aconteceram (cfr. fls. 388 a 390) e até a sua motivação. Perpassa dessas mensagens que o arguido visou, ele próprio, a cabeça da DD e que ambos os arguidos dispararam armas, não mencionando a intervenção das outras pessoas que o acompanhavam. O que permite ancorar certezas de que os dois arguidos dispararam armas de fogo com a intenção de atingir CC (que pertencia ao PKA) com intuito de se vingarem de atuações dos membros do grupo deste. A fls 593, verifica-se imagem de perfil da conta de Instagram …, visionado no telemóvel da testemunha DD, exibido em audiência, que aquela assevera que é a usada pelo arguido AA. Observamos que quer o nome da conta, quer os das dos seguidores ostenta o número “27”, referência inequívoca grupo A27. As mensagens levadas à douta acusação, trocadas entre os dois arguidos, pouco antes e depois do dia ... de ... de 2023, são sugestivas da atividade dos dois arguidos e das intenções que os levaram, naquele dia, a disparar sobre CC, conformando-se com a intenção de atingir órgãos vitais deste e da pessoa que o acompanhava. Assim, no dia .../.../2023, o arguido BB remeteu mensagens, através da aplicação ..., ao arguido AA (cfr. fls. 190) informando-o que em ... encontrou indivíduos da ..., que se associam a membros de um gangue delinquente rival, tendo manipulado uma arma de fogo, quando passou, por ele um indivíduo que identificou como sendo o AAA. No entanto a munição terá ficado presa (“ficou presa ou algo assim tive de tira carregador para bala sair” por não ser adequada à arma que usava. E adianta que andou por ..., deixando o recado “falem que passei aqui”, assegurando-se de que a sua presença em ... era notada pelos gangues juvenis rivais.
O Tribunal recorrido elencou um conjunto de prova em que é feita referência aos dois grupos e que permite concluir pela participação do recorrente em um dos grupos.
O Tribunal recorrido identificou os depoimentos em que se baseou para a prova positiva dos factos 1 a 3, fazendo uma análise critica dos mesmos.
Igualmente identificou toda a prova documental em que os grupos são referenciados, bem como a intervenção dos arguidos em um desses grupos.
Fundamentar a matéria de facto dada como provada significa que o Tribunal identifique os meios de prova que levaram a essa decisão e os motivos pelo quais tais meios de prova se mostraram credíveis aos olhos do Tribunal, tendo em conta as regras da experiência, impondo-se para tal uma análise crítica.
Na situação concreta, na fundamentação da matéria de facto provada, como mencionado, o Tribunal a quo identificou os meios de prova que levaram a essa conclusão os quais analisou criticamente, conjugando, entre si, toda a prova produzida.
Pelo exposto, inexiste qualquer nulidade por falta de fundamentação, improcedendo o recurso nessa parte.
* Da valoração da prova nula:
Alega o recorrente que o Tribunal recorrido valorou as mensagens trocadas entre o coarguido BB e a sua namorada, juntas a fls. 388 a 390 dos autos, e que tais mensagens “incorporam declarações dos arguidos” motivo pelo qual não podem ser valoradas em relação ao recorrente, em face do silêncio exercido pelo coarguido BB.
Em processo penal, o regime das nulidades obedece ao princípio da legalidade, enunciado no nº 1 do artº 118º do CPP, sendo admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125 do CPP).
Tal mais não é do que a consagração do princípio segundo o qual, só poderão utilizar-se as provas que não forem proibidas por lei.
A regra é a de que a prova ilicitamente produzida, ou recolhida, não pode ser valorada.
Contudo, como refere o Professor Germano Marques da Silva “não só os meios tipificados, isto é regulamentados por lei, que são admitidos mas, pelo contrário, todos os que não forem proibidos, mesmo sendo atípicos” (in Curso de Processo Penal II, vol 4, pág.136)
As proibições de prova levantam o problema da dicotomia entre meios de prova e meios de obtenção de prova.
Como escrevem o Prof. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “Os meios de prova são os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto (Manual de Processo Civil, pág.452).
Já “os meios de obtenção de prova são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova que distingue os meios de prova dos meios da sua obtenção: “ É claro que através meios de obtenção de prova se podem obter meios de prova de diferentes espécies, v.g. documentos, coisas, indicação de testemunhas, mas o que releva de modo particular é que, nalguns casos, o próprio meio de obtenção da prova acaba por ser também um meio de prova. Assim, por exemplo, enquanto a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova, as gravações são já um meio de prova” (conf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, pág. 209 a 210).
As proibições de prova estão consagradas no art. 126º CPP, e têm gerado algumas correntes na doutrina e na jurisprudência.
Dispõe o citado artigo que:
“1- São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo”.
Este artigo mais não é do que a consagração do artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, pretendendo-se, assim, salvaguardar direitos constitucionais, constituindo uma verdadeira garantia do processo penal.
O nº 1 e 2 do artigo 126º refere-se às provas absolutamente proibidas e o nº 3, às provas relativamente proibidas.
As primeiras nunca podem ser utilizadas e as segundas podem ser utilizadas nos casos previstos na lei.
No artigo 126 do CPP estão consagradas, não só, proibições de produção de prova, como proibições de valoração da própria prova. Por um lado, temos os métodos utilizados na aquisição da prova e por outro lado temos a valoração da própria prova, que, pode ter sido validamente obtida mas, nem por isso, pode ser valorada em determinadas circunstâncias.
Muita tem sido a discussão em torno da dicotomia entre nulidades processuais e meios de prova proibidos, com diferentes consequências jurídicas.
A este respeito escreve Martins de Oliveira: “As proibições de prova têm como fundamento básico o princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto as nulidades se reportam à legalidade e a questões formais ou ligadas à economia processual” (in da autonomia do regime de proibições de prova em prova criminal e direito de defesa, pág. 280).
Volvendo ao caso em análise, consta do acórdão, na parte da motivação de facto: “ Efetivamente, como foi lido em audiência, em mensagens que a testemunha não contesta terem sido trocadas consigo, o arguido BB diz-lhe (na sequenciação de fls 398 e ss.):“Amor fomos para ... dei lume acertou na cabeça da dama e trakino deu em um puto de bdk (…) Te juro que é última vez amor já não faço mais te prometo só não fica fdd comigo eles sabem pk que fomos lá (…) Eu só fui lá pk eles disseram bem feito já já vamos matar mais um safoda se é inocente (…) Essa foi a última vez confia já não vou mais (…) Afinal o meu acertou no gajo de pka na Costa (…) Eu sei que errei mais aceitar no direto dizerem já matamos um da FF inocente se que vamos tar outro (…) UU nem era de beef era puto com sonho (…) Eu vi o direto raiva bateu tu não sabes oq estou a passar nesses tempo (…)” Estas mensagens são escritas pelo arguido BB e são dirigidas à testemunha, conforme resulta do anexo com a extração do conteúdo do telemóvel que foi apreendido ao primeiro. Estas, entre outras mensagens, são trocadas com a testemunha após os factos que se dão por assente. A troca das mensagens demonstra que a testemunha tem perfeita aquiescência da participação do arguido na vida do “bando”. É a própria que o afirma, na sua mensagem das 00h59m, do dia ... de ... de 2023: “Deverias ter vergonha de me ligar a esta hora a falar da vida de bando que queres levar”. E pela 1h20m, a testemunha escreve ao seu namorado “Faz te de inocente que N tens nd”, ideia oposta à que tentou fazer passar em audiência. Pela 1h29m, TT escreve “Mais uma vez esperaste dormir para sair de casa e ir fazer merda”, o que dentro do todo o contexto da troca de mensagens que aqui se considera reproduzida, permite confirmar que esta tinha a noção de que o namorado não tinha atendido o telefone na hora em que os factos foram praticados porque estivera envolvido em atividades do seu bando, o A27. E é neste contexto que o arguido lhe conta, então, o que fizera nessa noite, não espelhando as mensagens de TT qualquer surpresa. Pelo que a mera análise destas mensagens desfaz a credibilidade que a testemunha nos poderia oferecer”. (…)
“Das mensagens já escrutinadas, observa-se, para além do que já se comentou, que o arguido BB, que comunica quase incessantemente com a namorada, permaneceu incontactável durante os disparos e nos momentos anteriores, o que mereceu o protesto daquela. E é nesse contexto que ele revela à namorada o que fora fazer com o AA nessa noite de .... Resulta da assunção da factualidade perante a namorada que o arguido BB estava plenamente ciente das consequências da sua conduta. E a valoração destas mensagens é tanto de mais de atender porquanto o arguido BB especifica o lugar onde os factos aconteceram (cfr. fls. 388 a 390) e até a sua motivação. Perpassa dessas mensagens que o arguido visou, ele próprio, a cabeça da DD e que ambos os arguidos dispararam armas, não mencionando a intervenção das outras pessoas que o acompanhavam. O que permite ancorar certezas de que os dois arguidos dispararam armas de fogo com a intenção de atingir CC (que pertencia ao PKA) com intuito de se vingarem de atuações dos membros do grupo deste.
As mensagens em causa foram trocadas entre o arguido BB e a namorada, esta última inquirida em audiência de julgamento.
Resulta dos autos que os elementos em causa foram obtidos através do acesso ao telemóvel do arguido BB, tendo tal acesso sido autorizado pelo próprio arguido (termo de consentimento de fls. 188), e validados pela Senhora Juiz de Instrução (despacho datado de ........2024).
Neste contexto, as mensagens consideradas relevantes foram transcritas e juntas aos autos.
Alega o recorrente a nulidade desse meio de prova, não por constituir uma intromissão na vida privada, mas por incorporar declarações do coarguido, não sujeitas ao contraditório em relação ao recorrente.
As declarações do arguido são um meio de prova, obtido através de interrogatório, no âmbito de um processo normal, sendo várias as normas processuais que fazem referência a essas declarações.
Assim, as declarações do arguido são manifestações verbais, ou até escritas, proferidas pelo mesmo no âmbito de um processo penal, já depois de constituído como tal, e podem ocorrer em diferentes fases processuais, nomeadamente no inquérito, instrução ou julgamento, perante a autoridade competente, que pode ser o órgão de policia criminal, o MP ou o juiz.
As mesmas, como referido, são prestadas em interrogatório de arguido (detido ou não detido).
Dispõe o artigo 357º do CPP, relativamente à fase de julgamento, que:
“1 - A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:
a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou
b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º
2 - As declarações anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas em audiência não valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344.º
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 a 9 do artigo anterior”.
Acrescentando o artigo 345 do mesmo diploma que:
“ 1 - Se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes e dos jurados pode fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas. O arguido pode, espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a resposta a algumas ou a todas as perguntas, sem que isso o possa desfavorecer.
2 - O Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas, nos termos do número anterior.
3 - Podem ser mostrados ao arguido quaisquer pessoas, documentos ou objetos relacionados com o tema da prova, bem como peças anteriores do processo, sem prejuízo do disposto nos artigos 356.º e 357.º
4 - Não podem valer como meio de prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs 1 e 2”.
O CPP estabelece, assim, as circunstâncias em que as declarações do arguido podem ser valoras.
Acontece que não situação concreta as mensagens trocadas entre o arguido BB e a namorada, não podem ser consideradas declarações do arguido, nomeadamente para efeitos do disposto nas citadas normas processuais, por não se tratarem de quaisquer declarações prestadas no âmbito dos presentes autos.
As mensagens em causa foram remetidas pelo arguido BB à sua namorada, após os factos, em ... de ... de 2023, mas antes da sua constituição como arguido, que ocorreu a ... de ... de 2023.
Assim, transcrição das mensagens juntas aos autos e reproduzidas em audiência de julgamento constituem prova documental e é como tal que devem ser valoradas.
Tais mensagens foram livremente enviadas pelo arguido GGG à sua namorada, extraprocessualmente, uns meses antes da sua constituição como arguido.
Acresce que tais mensagens foram obtidas com o consentimento do arguido GGG e validadas pelo Juiz de Instrução, inexistindo qualquer violação do artigo 126 do CPP.
Concluindo, as mesmas não incorporam declarações do arguido, e, como tal, não tem aplicação o artigo 345, nº4 do CPP, nada impedindo a sua valoração, nomeadamente em relação ao recorrente, de acordo com a livre apreciação da prova.
Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que, pese embora o recorrente também tenha optado pelo silêncio (direito que lhe assiste), não foi impedido de, na audiência de julgamento, exercer o seu direito ao contraditório (que lhe foi facultado) e levantar dúvidas acerca de tais mensagens, situação que levaria, forçosamente, o tribunal a questionar tais dúvidas e/ou explicações dadas, com a criação, quiçá, de uma dúvida insuperável no espírito do julgador.
Constata-se, assim, que o arguido AA pôde exercer cabalmente o contraditório, ou seja, pôde colocar em causa o que aí consta, em cumprimento do disposto no art. 6.º, n.º 3, al. d) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de uma forma ampla (incluindo-se aqui os “acusados” e “arguidos”) – vide Paulo de Sousa Mendes, in “Processo equitativo e público”, publicado no “Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, Nov. 2019, Vol. II, pág. 1115.
Por isso, aquelas mensagens poderiam ser sempre valoradas pelo tribunal a quo.
Improcede assim o recurso.
* Da impugnação ampla da matéria de facto:
Pretende o recorrente que sejam dados como não provados os factos 1, 3, 5 a 17 e 23 a 27, por considerar que os mesmos foram incorretamente julgados.
Para tal, limita-se a tecer considerações sobre a prova, nomeadamente a alegar que a prova produzida é manifestamente insuficiente para dar como assentes os factos, aludindo à insuficiência de prova.
Há erro de julgamento“ sempre que o tribunal emite um juízo sobre determinado facto sem que sobre o mesmo tenha sido oferecida ou mandada produzir prova suficiente, situação em que a apreciação não se fica pela decisão recorrida, antes se alargando à análise do conteúdo de toda a prova dos autos, sempre dentro dos limites especificados pelo recorrente face ao ónus que lhe é imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do C.P.P” Ac. do TRC de 9.10.2024, processo 37/23.4SBGRD, Relatora Maria José matos, in base de dados do IGFEJ).
O erro de julgamento tem como consequência a alteração da matéria de facto, atenta a prova produzida.
Assim, para que se verifique erro de julgamento necessário se torna que o recorrente consiga demonstrar que a conclusão a que o Tribunal chegou sobre a matéria de facto, em face das provas produzidas, não é plausível, ou, pelo menos é duvidosa.
Tal acontece, por exemplo, quando o Tribunal dá como provado determinado facto com base no depoimento de uma testemunha e, ouvido esse depoimento, constata-se que nunca referiu tal facto, ou quando esse depoimento é violador das regras da experiência.
Como se extrai do artigo 412, nº3 do CPP, quando o recurso tem por objeto a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar, sob pena de rejeição:
a) Indicação individualizada dos pontos de facto constantes da decisão recorrida que considera incorretamente julgados;
b) Indicação das provas que impõem decisão diversa, identificando o meio de prova ou o meio de obtenção de prova que imponham decisão diversa, com menção concreta, quanto à prova gravada, do início e termo da gravação, e a citação do ponto concreto da gravação, que fundamente a impugnação (neste sentido Pereira Madeira em anotação ao CPP, pág. 1391; e
c) A indicação das provas que pretende que sejam renovadas.
Acrescentando o nº 4 que : “- Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Tais exigências facilmente se compreendem se tivermos em conta que o julgamento da matéria de facto em primeira instância é realizado segundo o princípio da imediação.
Tal princípio pressupõe um contacto direto e pessoal entre o Julgador e as pessoas que perante o mesmo prestam depoimento ou declarações, permitindo uma maior perceção sobre o facto objeto de julgamento.
Assim, é compreensível que em sede de recurso se exija ao recorrente que cumpra as formalidades elencadas no citado artigo.
É o mínimo que se exige a quem, por via do recurso e da impugnação da matéria de facto, pretende ver alterada a factualidade dada por assente pelo Tribunal de julgamento.
´Não se trata de um segundo julgamento por parte do Tribunal de recurso, mas de reapreciação de prova indicada, que implica no caso de depoimentos de testemunhas a audição das provas indicadas.
“O recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância (Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae, Maio/1999)”.
Acresce que a decisão do Tribunal há de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, «Direito Processual Penal», Vol. I, 1974, pág. 204.
Concluir-se por erro de julgamento implica que o Tribunal apreciou erradamente a prova, sem atentar à prova produzida, violando as regras da experiência.
Na situação concreta, o recorrente limita-se a questionar se a prova é suficiente para o Tribunal concluir nos termos que constam do acórdão, acrescentado ainda que os factos constantes de 5 a 17 e 23 a 27 assentam essencialmente em dois meios de prova, mais concretamente “nas mensagens de SMS constantes de fls. fls. 388 a 390 e no depoimento prestado pela testemunha GG em sede de inquérito perante autoridade judiciária”.
Analisando as alegações de recurso, verifica-se que o recorrente não invoca, em concreto, qualquer erro de julgamento, limitando-se a questionar a valoração feita pelo Tribunal a quo sobre a prova.
No fundo o que pretende a recorrente é que este Tribunal se substitua ao Tribunal a quo, proceda a novo julgamento e conclua em sentido distinto, formulando uma nova convicção sobre a credibilidade da prova.
Contudo, sempre se acrescenta que o Tribunal recorrido fundamentou a sua convicção, no que tange aos factos provados 5 a 17 e 23 a 27, não só, com as mensagens e o depoimento da testemunha HHH, mencionados pelo recorrente, mas também, com outros elementos de prova, nomeadamente com outros depoimentos e outras mensagens trocadas entre os dois arguidos antes e depois dos factos.
Acresce que, mesmo que o Tribunal recorrido apenas tivesse tido em conta os meios de prova mencionados pelo recorrente, o que não é o caso, da análise dos mesmos não se extrai qualquer erro de julgamento.
Muito pelo contrário, da análise das mensagens em causa resulta a intervenção do recorrente nos factos, nomeadamente quando o arguido BB escreve, na mensagem enviada à namorada “Amor fomos para ... dei lume acertou na cabeça da dama e trakino deu em um puto de bdk (…)”, ou quando a testemunha HHH refere nas declarações prestadas em inquérito perante Magistrada do MP e reproduzidas em audiência de julgamento que: “Afirmou que no momento que saiu do restaurante se preparava para subir uma rampa que dava acesso ao ..., ouviu cerca de três/quatro disparos. Disse que III e JJJ começaram a correr para a rua existente à direita, enquanto a ora declarante nao teve reacção, permanecendo parada. Disse que nesse momento, viu um grupo de cerca de 7 jovens do sexo masculino a descer a rampa onde se encontrava parada, e deu um grito "hei" e três deles pararam, sendo que deles se tratava de AA, também conhecido por "...", usava rastas e tinha uma tatuagem que cobria a mão e trazia aneis nas mãos libras e não tinha balacava na cara, sendo visivel a cara, e trazia um fato de treino cinzento, pelo que o reconheceu de imediato, e BB que tinha um fato de treino preto e piercing e já não trazia a referida mala consigo”.
Da conjugação dos meios de prova indicados pelo recorrente não se extrai qualquer erro de julgamento, muito pelo contrário, resulta a intervenção do recorrente nos factos, inclusive que terá sido o autor de um dos disparos.
Acontece que a prova é um todo, que deve ser conjugada entre si, e que permite ao Tribunal concluir em determinado sentido.
O Tribunal a quo fundamentou de forma exaustiva os factos agora impugnados, com fundamento não só nos meios de prova indicados pelo recorrente, mas, ainda, em outros.
O recorrente, para impugnar a matéria de facto, que pretende ver como não provada, não indica todo o acervo probatório tido em conta pelo Tribunal, mas, apenas, parte dessa prova.
As provas tidas em conta pelo Tribunal recorrido para fixar a matéria de facto que agora se impugna, foram devidamente valoradas e não se resumem aos meios de prova indicados pelo recorrente.
A factualidade dada como provada, assenta em prova sólida e consistente.
Excluído qualquer erro de julgamento, cumpre ainda referir que a primeira instância julga a matéria de facto segundo o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com as regras da experiência, nos termos do art. 127º do CPP.
Tal não significa livre arbítrio, encontrando-se o juiz vinculado a critérios objetivos de raciocínio e às regras da lógica, tendo sempre presente as regras da experiência, impondo a lei que se extraia das provas um convencimento lógico
“A experiência comum são regras consistentes em realizações empíricas fundadas sobre aquilo que ocorre; têm origem na observação de factos que se repetem de forma rotineira, e que permitem a formulação de uma regra (máxima) potencialmente aplicável em idênticas situações. Decorrem daqui regras que fazem parte do conhecimento do homem comum, relacionado com a vida em sociedade” (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Verbo Ed., págs. 182 a 188).
Assim, a prova terá de ser apreciada de forma racional e objetiva de acordo com as regras da experiência.
Na situação concreta uma leitura atenta da fundamentação do acórdão recorrido, não suscita quaisquer dúvidas quanto ao raciocínio lógico-indutivo, que cumpriu integralmente o disposto nos artigos 127.º e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Analisado o acórdão recorrido, os factos dados como provados impugnados têm consistência na totalidade da prova produzida, nomeadamente documental e testemunhal.
Concluir em sentido diferente como pretende a recorrente é que seria violador das regras da experiência.
É certo que invoca o recorrente a violação do princípio in dubio pro reo:
O “in dubio pro reo” é um princípio geral do direito penal.
Tal princípio decorre ainda da presunção da inocência previsto no artigo 32 da CRP, e no artigo 6º da CEDH, assentando na dignidade humana ( princípio este mais abrangente que o princípio in dubio pro reo).
Contudo, o princípio “in dubio pro reo”, é meramente probatório, devendo ser aplicado pelo Tribunal sempre que este tem uma dúvida razoável sobre a ocorrência de um facto, enquanto que o princípio da presunção de inocência está relacionado com o tratamento processual do arguido.
Assim, o princípio “in dubio pro reo” só tem aplicação depois de produzida a prova e da respetiva valoração.
Tal princípio embora não consagrado diretamente no nosso CPP extrai-se de vários artigos, nomeadamente dos artigos 125º, 127º e 340º.
Tem sido entendimento maioritário que tal princípio só vale para a matéria de facto (entre outros MARIA JOÃO ANTUNES, in Direito Processual Penal, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 181: “O princípio vale para toda a matéria de facto, quer para a relativa ao crime quer para a atinente à sanção que lhe corresponde (...) mas já não para a matéria de direito”.
Já para o Professor Figueiredo Dias: “o princípio aplica-se não só aos elementos fundamentais e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e todas as circunstâncias atenuantes e quando subsistir a dúvida acerca da concorrência de um facto impeditivo ou extintivo da responsabilidade do arguido, o juiz deve proferir decisão absolutória” (cfr. Direito Processual Penal (1ª edição de 1974), Coimbra).
“IV-O princípio do “in dubio pro reo” é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos, ao passo que o princípio da presunção de inocência se impõe aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido. V- O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.VI -A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados” (sumário do ac. da RC de 12.9.2018, relator Orlando Gonçalves, in base de dados do igjef).
Assim, deve aplicar-se tal princípio sempre que produzida a prova subsiste no espírito do julgador, uma dúvida razoável sobre a mesma, a qual se impõe que seja decidida a favor do arguido.
Analisando o acórdão recorrido e a sua fundamentação resulta que o Tribunal a quo não exprimiu qualquer dúvida insanável. Muito pelo contrário, o Tribunal demonstrou, em face do acervo probatório, não ter dúvidas sobre os factos, sendo inequívoco no que tange à factualidade dada como assente, indicando as razões que motivaram a sua convicção.
Lendo a fundamentação do acórdão sobre a matéria de facto, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática dos factos por parte da recorrente. Antes pelo contrário, não lhe suscitaram quaisquer dúvidas.
Confunde a recorrente o princípio in dubio pro reo, com a livre convicção do Tribunal.
A primeira instância julga a matéria de facto segundo o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com as regras da experiência, nos termos do art. 127º do CPP.
Na situação concreta lido o acórdão e apreciado o conjunto de prova não se suscitam quaisquer dúvidas quanto ao raciocínio lógico-indutivo tido pelo Tribunal a quo, raciocínio esse que cumpriu integralmente o disposto nos artigos 127.º e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal”.
O Tribunal a quo fez uma análise crítica da prova e concluiu nos termos que constam do acórdão.
Assim, também nesta parte deve o recurso improceder.
* Da errada qualificação jurídica no que tange aos factos 14, 16 e 21
Foi dado como provado no acórdão recorrido: “ 14. Com a atuação acima descrita, os arguidos AA e BB atingiram com um projétil, também de raspão, a região clavicular esquerda de HH, que também ali se encontrava nas imediações. (…) 16.Mais, admitiram a possibilidade, ao dispararem naquele local e vista a proximidade em que outras pessoas se encontravam de CC, de poder atingi-las no corpo, como veio a acontecer com HH, causando-lhe lesões, resultado com o qual se conformaram. (…) 21. Em consequência direta e necessária dos referidos disparos, II sofreu dores e lesões nas zonas atingidas e traumatismo perfuro-contundente no ombro esquerdo, apresentando ferida de entrada na face anterior do ombro esquerdo e de saída na face posterior da mesma região anatómica, ambas infra centimétricas, com impotência funcional, sendo que tais lesões determinaram 15 (quinze) dias para a consolidação médico-legal, com 10 (dez) dias de afetação da capacidade de trabalho geral”.
Em face de tal foi o recorrente condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p.p artigo 143º, nº 1 e 145º nº 1 a) e 2 e, por referência, artigo 132°, nº 2, al. h), todos do Código Penal.
Consta do acórdão recorrido que: “ O tipo que ora concretamente se imputa, em sede de reconvolação, encontra-se previsto no artigo 145º e equivale a um tipo autonomizado e qualificado, que se exige pela especial censurabilidade dos meios empregues ou da qualidade da vítima. Dos factos dados por assentes, verifica-se que os arguidos não podem deixar de estar comprometidos com esta circunstância modificativa agravante, pois que usam pistolas com as quais vêm a atingir e a perfurar a clavícula de FFF. (…). Mas esta ação dos arguidos é perpetradacom um meio particularmente perigoso para causar a ofensa concretamente visada, pelo que não se pode deixar de considerar que as suas condutas os comprometem com a alínea h) do artigo 132º, nº 2 do CP, que opera por referência do nº 2 do artigo 145º.
Insurge-se o recorrente contra o facto da arma ter sido considerada meio particularmente perigoso para qualificar as ofensas à integridade física.
Vejamos então:
Segundo o art. 143º, nº1 do CP: “ Quem ofender o corpo ou a saúde de outrem é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Neste artigo protege-se a integridade física e a saúde da pessoa humana.
Pretende-se tutelar a integridade física e a saúde de cada um.
Lesão corporal ou à saúde deve ser vista em sentido médico-legal. Segundo esta, lesão corporal é: “ uma alteração anatómica ou patológica, uma perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas” ( Ofensas Corporais, Introdução ao seu Estudo Médico Legal, Colóquio de 83.03.01, Aula Magna da Faculdade de Medicina do Porto). Saúde é : “ o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.
O elemento objetivo deste tipo de crime é, portanto, a ofensa ao corpo ou à saúde de outrem.
Quanto ao elemento subjetivo da infração há que referir que o crime previsto nesta norma é a ofensa à integridade física dolosa, pressupondo, portanto, uma conduta intencional. Além disso, este tipo doloso admite qualquer das formas de dolo previstas no art. 14º do CP.
Estamos perante um crime que não é próprio, podendo por isso a infração ser cometida por qualquer pessoa.
E de acordo com o artigo 145 do CP:
“1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:
a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º;
b) Com pena de prisão de três a doze anos no caso do artigo 144.º
2 - São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º
Trata-se de um tipo de culpa agravada de ofensa à integridade física por força da cláusula geral da especial censurabilidade.
Assim, o art.º 132º, nº2 do CP, dá-nos algumas circunstâncias suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade no homicídio, sendo uma delas a prática do facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas.
Impõe-se fazer algumas considerações a propósito deste artigo.
Tal como escreve o Prof. Figueiredo Dias: “As circunstâncias contempladas no nº2 do art. 132º não são taxativas, nem implicam por si só a qualificação do crime; isto é, pode o juiz considerar como homicídio qualificado a conduta do agente que não se acompanhasse de qualquer das circunstâncias descritas, mas sim de outras, e pode, por outro lado, deixar de operar tal qualificação apesar da existência clara de uma ou mais dessa circunstâncias” ( in Homicídio qualificado, parecer, Col Jur.XII, 4, 51).
As circunstâncias previstas no art. 132º, nº2 são elementos da culpa e não do tipo. Desta forma, não podem, tais circunstâncias, funcionar automaticamente, sendo necessário, em cada caso concreto, verificar se revelam especial perversidade ou censurabilidade.
Tal como se escreve no ac. do STJ de 5.12.2007: “A especial censurabilidade prende-se essencialmente com a atitude interna do agente, traduzida em conduta profundamente distante em relação a determinado quadro valorativo, afastando-se dum padrão normal. O grau de censura aumenta por haver na decisão do agente o vencer de factores que, em princípio, deveriam orientá-lo mais para se abster de actuar; as motivações que o agente revela, ou a forma como realiza o facto, apresentam, não apenas um profundo desrespeito por um normal padrão axiológico, vigente na sociedade, como ainda traduzem situações em que a exigência para não empreender a conduta se revela mais acentuada. III - Por sua vez, a especial perversidade representa um comportamento que traduz uma acentuada rejeição, por força dos sentimentos manifestados pelo agente que revela um egoísmo abominável. A decisão de matar assenta em pressupostos absolutamente inaceitáveis. O agente toma a decisão sob grande reprovação, atendendo à personalidade manifestada no seu comportamento, deixa-se motivar por factores completamente desproporcionais, aumentando a intolerância perante o seu facto”.
A propósito da circunstância da al. h) consta da anotação a este norma, feita por Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 2ª ed., pág. 67, que ela deve ser interpretada no sentido «que não é a comparticipação, em si e por si mesma, que constitui o exemplo padrão, mas apenas se e quando ela determinar uma particular perigosidade do “meio” (no sentido amplo da “situação” e não apenas no sentido estrito do “instrumento”) e uma consequente dificuldade particular da vítima de dele se defender … Ao que acresce dever ainda o aplicador, mesmo depois de ter considerado que uma concreta situação da vida integra, segundo o pensamento da lei, a circunstância em análise, ser particularmente severo e exigente ao determinar se ela revela ou não, no caso concreto, em definitivo, uma especial censurabilidade ou perversidade do agente …».
Desde logo cumpre referir que na situação concreta estamos perante um crime contra a integridade física e não perante um crime contra a vida.
Assim sendo, não ignoramos, como refere o recorrente, a doutrina e a Jurisprudência que defende que uma arma de fogo, só por si, não configura um meio particularmente perigoso, pelo facto de não constituir um meio anormal de matar.
Contudo, tal não sucede quando estamos perante um crime contra a integridade física.
De facto, o meio normal e natural para agredir outrem, não é, certamente, através de uma arma de fogo, atenta a sua perigosidade.
A arma de fogo é um meio letal, adequado para matar, mas já não para agredir fisicamente.
Na verdade as armas de fogo são usadas para matar, adequadas a tal, e constituem um perigo não apenas para o alvo, mas para todos aqueles que se encontram nas proximidades, como sucedeu no caso e análise.
Disparado um projétil é extremamente difícil, ou impossível, a alguém defender-se do mesmo.
Assim, ao utilizar-se uma arma de fogo, para ofender outrem na sua integridade física, temos de concluir que o seu uso constitui um meio particularmente perigoso e anormal, dificultando, ou tornando mesmo impossível, a defesa da vítima.
Pelo exposto, nenhuma censura merece o acórdão recorrido na parte em que considerou o uso da arma de fogo como um meio particularmente perigoso.
* Da medida da pena:
Finalmente insurge-se o recorrente com as concretas penas e a pena única aplicada, considerando-as manifestamente excessivas.
No caso concreto, foi o recorrente condenado nas seguintes penas:
- Seis anos e seis meses de prisão por cada um dos crimes de homicídio na forma tentada;
- Dois anos de prisão no que tange ao crime de ofensa à integridade física qualificada;
- Três anos de prisão no que tange ao crime de detenção de arma proibida.
Realizado o cúmulo jurídico foi o mesmo condenado na pena única de 9 anos e seis meses de prisão.
Os crimes pelos quais o arguido foi condenado são puníveis:
- O crime de homicídio, com a agravação de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo, contemplada no artigo 86º, nº 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições e atenuado nos termos dos artigos 23º, nº 2 e 73º, nº 1 a) e b) do Código Penal, com pena de prisão entre os 2 anos, 1 mês e 18 dias e 14 anos, 2 meses e 20 dias.
- O crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, n. º1 a) e nº 2 do Código Penal, com pena de prisão entre um mês e quatro anos de prisão.
- O crime de detenção de arma proibida com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
As circunstâncias a que se deve atender para a determinação da medida concreta da pena, estão previstas no art.71º do Código Penal.
Na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes.
A pena deve, assim, partir dos factos, analisar a liberdade de ação, o grau de culpa e ter em conta a personalidade do arguido. Por um lado, depende de uma visão global da personalidade do arguido, como pessoa humana. Por outro lado, deve estimular a auto- responsabilização do arguido e satisfazer as exigências da prevenção geral.
Tal como refere o Prof. Figueiredo Dias " culpa e prevenção são os dois termos do binómio como auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena" ( in Consequências Jurídicas do Crime, pág. 255).
Através do requisito da prevenção geral dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto.
Por seu turno, a prevenção especial visa a necessidade de socialização do agente.
Através do requisito da culpa do agente dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime é um limite de forma inultrapassável.
Sendo assim, a pena em caso algum deve ultrapassar a medida da culpa (artigo 40, nº2 do CP). A prevenção deve funcionar como limite mínimo da pena e a culpa como limite máximo.
Na graduação da pena, tarefa não maquinal, antes individualizada a partir do momento em que deixaram elas de ser fixas para serem variáveis- Ac. STJ de 1/6/94, in Col. Jurisp., Ano XIX, Tomo III, pág.106, há que fazer-se consequentemente, um apelo a critérios de justiça, na procura de uma adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa por um lado e a pena por outro, sem olvidar as exigências da prevenção de futuros crimes.
Como se escreve no ac. da RC de 5.4.2017 (in base de dados do igfej):“-No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização”.
Tendo em conta a factualidade apurada e as circunstâncias ponderadas pelo tribunal recorrido em sede de determinação da medida concreta da pena nenhum reparo merecem nem as concretas penas aplicadas, nem a pena única encontrada.
O acórdão faz uma análise criteriosa de todas as circunstâncias, as quais se mostram corretas tendo em conta as necessidades de prevenção especial e geral que o caso impõe, sem ultrapassar a barreira da culpa.
O Tribunal recorrido faz uma correta e adequada valoração e ponderação das circunstâncias que se impunham considerar e que constam do acórdão.
Na verdade, elevadíssimas são as necessidades de prevenção especial, cometendo o recorrente estes factos após uma condenação pela prática de um crime de roubo em que lhe foi aplicada uma pena de prisão suspensa da sua execução.
Já depois destes factos, foi condenado em nova pena de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, por factos anteriores aos aqui em causa.
Os factos praticados assumem uma gravidade extrema, demonstrando falta de preparação do recorrente para manter uma conduta conforme ao direito e às regras em sociedade.
Estamos perante criminalidade violenta.
Prementes são também as necessidades de prevenção geral.
Factos como os dos autos causam o repúdio da sociedade em geral, gerando sentimentos de intranquilidade.
Segundo o RASI de 2024 a criminalidade violenta grave aumentou 2,6%.
Mas mais preocupante do que este número, e segundo o mesmo relatório, é o facto da criminalidade grupal ter aumentado cerca de 7,7% e a juvenil 12,5%.
Assim, premente é combater este tipo de criminalidade.
Depois nenhuma estranheza nos causa o facto de deter sido aplicada ao arguido a mesma pena em relação aos dois crimes de homicídio na forma tentada, apesar da conduta, no que respeita à ofendida DD, ter sido praticada com dolo eventual.
De facto, as consequências do crime em relação a esta ofendida assumiram uma gravidade superior relativamente ao ofendido CC. Esta ofendida, ao contrário do ofendido CC que não sofreu quaisquer lesões físicas, sofreu: “dores e lesões nas zonas atingidas e traumatismo de natureza contundente da face e traumatismo perfuro-contundente no membro inferior direito, apresentando como consequências permanentes: Face: cicatriz linear, eucrómica, ténue, no supercílio esquerdo, com 1 (um) centímetro de comprimento; Membro inferior direito: duas cicatrizes eucrómicas no terço inferior da coxa, uma arredondada na face anterior com 1 (um) centímetro de diâmetro (relaciona com ferida de entrada) e a outra oval, na face postero-lateral com 1,5x1cm.. Tais lesões determinaram 15 (quinze) dias para consolidação médico-legal, com 8 (oito) dias de afetação da capacidade para trabalho geral”.
Perante tal justifica-se que o Tribunal a quo tenha fixado a mesma pena nos dois crimes de homicídio na forma tentada.
As concretas penas aplicadas foram-no abaixo do meio da pena no que tange aos crimes de homicídio na forma tentada e de ofensa à integridade física qualificada e no primeiro terço no que tange à pena única.
Tem sido defendido, quer na doutrina quer na jurisprudência que só perante um manifesto desequilíbrio ou desproporcionalidade se impõe que a medida da pena seja alterada.
Como consta do ac. da RC de 5.4.2017 em que foi Relatora Olga Maurício in base de dados do igfej “Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada”.
Ainda a este propósito temos o acórdão do STJ de 16.2.2006 “I- Na quantificação da pena única «tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique» (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 421). II - «Na avaliação da personalidade - unitária - do agente, relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa», caso em que «será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta» (ibidem). III - Concluindo-se pela «correcção» das operações do tribunal a quo de determinação da pena única, de indicação dos factores penalmente relevantes e admissíveis e de aplicação dos princípios específicos de determinação da pena conjunta, pela proporcionalidade da quantificação operada no tribunal de instância e pela sua conformidade com as regras de experiência, restaria ao Supremo a pronúncia sobre a justiça do «quantum exacto da pena», aspecto este, porém, em que o recurso de revista se mostra algo «inadequado para o seu controlo». IV - E isso porque, depois de controladas e julgadas correctas todas as operações de determinação da pena, não restará ao tribunal de recurso, num recurso limitado às correspondentes questões de direito, senão verificar se a quantificação operada nas instâncias, respeitando as respectivas «regras de experiência», se não mostra «de todo desproporcionada»” (in Jurisprudência.pt).
Esta não é seguramente a situação dos autos, mostrando-se as penas adequadas.
Destarte deve o recurso improceder, inexistindo qualquer violação do artigo 40, 71 e 77 do CP.
*
2)- Do recurso do arguido BB:
São as seguintes as questões a decidir:
- Da impugnação da matéria de facto;
-Da violação do princípio in dúbio pro reo:
- Da pena única aplicada.
* Da impugnação da matéria de facto:
Na situação concreta começa o recorrente por alegar que “ em momento algum da audiência de julgamento, foi mencionado pelas testemunhas que foram inquiridas que o BB era membro de algum gangue apelidado por A27, ou outro qualquer”.
Para tal transcreve os depoimentos das testemunhas, dizendo que nenhuma confirmou tal facto.
Acrescenta ainda que os factos 4 a 6 também não podiam ser dados como provados, pois não constam dos autos quaisquer localizações dos telemóveis e a arma referida em 7 foi encontrada na posse de outro indivíduo.
A impugnação da decisão da matéria de facto pode ocorrer por uma de duas vias:
- Através da arguição de vício de texto previsto no art.º 410.º nº 2 do CPP;
Ou;
- Através do recurso amplo ou efetivo em matéria de facto, previsto no art.º 412.º, nºs 3, 4 e 6 do CPP.
Ora, alega o recorrente os vícios do artigo 410º do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova e a “manifesta insuficiência de provas prevista na al.a) do nº2 do artigo 410 do CPP”, para impugnar a matéria de facto.
Quer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quer o erro notório na apreciação da prova, constituem vícios da decisão previstos no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
Tais vícios são de conhecimento oficioso.
O vício da alínea a) do nº2 do artigo 410 (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) verifica-se quando a matéria de facto provada é insuficiente para suportar a decisão do Tribunal.
Assim, sempre que o recorrente alega este vício deve especificar, tendo em conta o texto da decisão, os factos que deveriam ter sido averiguados para a decisão e não o foram.
O vício, do nº2, da al.a) do artigo 410 do CPP respeita aos factos dados como provados na decisão recorrida, e não à prova que fundamentou esses factos. Tal vício ocorre quando os factos dados como provados são insuficientes, tendo em conta as várias soluções plausíveis, para concluir nos termos constantes da decisão, nomeadamente para condenar ou absolver.
Tal, por norma, ocorre quando existe uma deficiente investigação do objeto do processo, faltando algo na matéria de facto para a decisão a proferir.
No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente.
“Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69).
Assim, quando esse vício é invocado, o recorrente, tendo em conta o texto, deve especificar os factos que entende ser necessário averiguar para que a decisão seja correta.
Ora, facilmente se extrai da motivação do recurso e das suas conclusões que o recorrente nada disso fez.
Como se refere no Acórdão desta Relação 18/7/2013, proc.nº1/05.2JFLSB.L1-3, “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. Na primeira critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal”.
O recorrente não sustenta nem fundamenta tal vício, confundindo o mesmo com a insuficiência de prova para o Tribunal a quo ter dado como provados os factos, nomeadamente quando alega que não constam dos autos as localizações dos telemóveis dos arguidos à data da prática dos factos.
Contudo, sempre se acrescenta a irrelevância de tal diligência, atenta a prova produzida nos autos, nada resultando sequer dos autos, que, aquando dos factos os arguidos estavam na posse dos telemóveis.
Do texto da decisão recorrida resulta claramente que a matéria de facto dada como provada é suficiente para a decisão que veio a ser proferida.
Pelo que, e manifestamente não padece o acórdão recorrido de tal vício.
Alega, ainda a recorrente o erro notório na apreciação da prova.
No que respeita ao erro notório, como se extrai da letra da lei, o mesmo tem de ser notório. Contudo “basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha de ser devidamente escrutinada-ainda que para além das perceções do homem comum- e sopesado à luz das regras da experiência. Ponto é que, no final, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique deviamente demonstrada pelo Tribunal ad quem” (Código Processo Penal anotado, Pereira Madeira, pág. 1359).
“I -As anomalias, os vícios da decisão elencados no n.° 2 do art. 410.° do CPP têm de emergir, resultar do próprio texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma; esses vícios têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo.
II - Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei -vícios da decisão, não do julgamento.
III - Os vícios previstos no artigo 410.°, n.° 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127.° do CPP.
IV - Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida; é, afinal, querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
V - Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.° 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
VI - O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.
VII - No caso de impugnação da matéria de facto nos termos dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP a apreciação pelo tribunal superior já não se restringe ao texto da decisão, mas abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431.°, al. b), do CPP” ( sumário do ac. do STJ de 15-07-2009 proc. n.º 103/09 -3.ª Secção, relator o Sr. Conselheiro Fernando Fróis).
Como referido há erro notório na apreciação da prova quando da sentença ou do acórdão constam como provados factos que nunca se poderiam ter verificado ou que são contraditados por documento autênticos, o que terá de resultar da leitura do texto da decisão.
Ora, procedendo a uma leitura cuidada do acórdão facilmente se extrai inexistir no mesmo qualquer facto provado que em face da experiência comum, não pudesse ter acontecido.
Do texto da decisão recorrida, em conjugação com as regras da experiência comum, não resulta qualquer erro de onde se possa concluir que os factos foram erradamente dados como provados pelo Tribunal.
É certo que o recorrente alega que: “a arma referida em 7 foi encontrada na posse de outro individuo motivo pelo qual este facto também não podia ser dado como provado.
Consta do texto do acórdão que: “O relatório de exame pericial do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária nº ...-CBA, constante de fls. 394, confrontado com nº ...-CBA e com o auto de apreensão de ... de ... de 2023, extraídos do processo comum coletivo nº 99/23.1..., ora juntos aos autos a fls. que antecedem, comprovam que as duas cápsulas apreendidas nos termos de fls. 21 dos presentes autos, junto do local onde as testemunhas colocam os atiradores, permitem concluir que uma das armas que ora foi utilizada corresponde à apreendida naquele processo comum coletivo, deste mesmo J2”.
Ora, da leitura deste extrato do texto não resulta qualquer erro notório na apreciação da prova. Na verdade, tendo em conta a data da apreensão da arma, posterior aos presentes factos, e o exame pericial efetuado nestes autos, não há dúvidas que a mesma foi utilizada na prática dos factos em causa nos autos, nenhuma estranheza causando o facto de, posteriormente, ter sido apreendida no âmbito de outros autos.
A matéria de facto dada como provada encontra-se de acordo com as regras da experiência e fundamentada pelo Tribunal recorrido de modo, que lendo a fundamentação, não se extrai qualquer erro.
Igualmente não é a mesma contraditada por qualquer documento autêntico.
Nesta conformidade, e sem necessidade de grandes considerações concluímos inexistir qualquer vício de erro notório da apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
Aliás, lidas as conclusões de recurso e a sua motivação facilmente se conclui que, o que parece pretender o recorrente, não obstante a confusão de conceitos, é impugnar a matéria de facto, nos termos do artigo 412 do CPP, apesar de não o referir.
Acontece que o recorrente não cumpre os requisitos do artigo 412, nº3 do CPP, limitando-se a transcrever os depoimentos das testemunhas sem qualquer relação com as concretas provas tidas em conta pelo Tribunal a quo, na fundamentação da matéria de facto, a qual ignorou na sua maioria, nomeadamente a prova documental e os depoimentos das testemunhas prestados em inquérito e valorados pelo Tribunal nos termos do artigo 356, nº3 do CPP.
Na verdade, logo após os factos, o recorrente envia à sua namorada uma mensagem com o seguinte teor: “ Amor fomos para ... dei lume acertou na cabeça da dama e trakino deu em um puto de bdk (…) Te juro que é última vez amor já não faço mais te prometo só não fica fdd comigo eles sabem pk que fomos lá (…) Eu só fui lá pk eles disseram bem feito já já vamos matar mais um safoda se é inocente (…) Essa foi a última vez confia já não vou mais (…) Afinal o meu acertou no gajo de pka na Costa (…) Eu sei que errei mais aceitar no direto dizerem já matamos um da FF inocente se que vamos tar outro (…) UU nem era de beef era puto com sonho (…) Eu vi o direto raiva bateu tu não sabes oq estou a passar nesses tempo (…)”.
Também outras mensagens foram referidas no acórdão recorrido, trocadas entre os arguidos, de onde resulta, nomeadamente a participação do recorrente no grupo em causa.
Acontece que o recorrente na impugnação que faz não alude a tais meios de prova, nem a outros tidos em conta pelo Tribunal para fundamentar os factos em causa.
Dos elementos de prova invocados pelo recorrente não se extrai qualquer erro de julgamento e analisados os elementos de prova considerados pelo Tribunal a quo facilmente se conclui pela inexistência de qualquer erro de julgamento.
E também em relação a este arguido inexiste qualquer violação do princípio in dubio pro reo, dando-se por reproduzidas as considerações tecidas a respeito do recurso do arguido AA.
Lido o acórdão não se extrai que o Tribunal recorrido tenha manifestado qualquer dúvida insanável. Muito pelo contrário, o Tribunal demonstrou, em face do acervo probatório, não ter dúvidas sobre os factos, sendo inequívoco no que tange à factualidade dada como assente, indicando as razões que motivaram a sua convicção.
Assim sendo, deve o recurso improceder.
* Da determinação da medida da pena:
Finalmente insurge-se o recorrente contra a concreta pena aplicada.
Foi o recorrente condenado nas seguintes penas:
- Quatro anos e seis meses por cada um dos crimes de homicídio, na forma tentada;
- Um ano e seis meses no que tange ao crime de ofensa à integridade física qualificada;
- Um ano e seis meses no que tange ao crime de detenção de arma proibida.
Realizado o cúmulo jurídico foi o mesmo condenado na pena única de 6 anos e quatro meses de prisão.
Os crimes pelos quais o recorrente foi condenado são puníveis (tendo em conta a atenuação da tentativa e do regime jovem):
- Entre um mês e 9 anos, 5 meses e 23 dias de prisão, no que tange aos crimes de homicídio agravado na forma tentada;
- Entre um mês e 2 anos e 8 meses, no que tange ao crime de ofensa à integridade física qualificada;
- Entre um mês e 3 anos e 4 meses quanto ao crime de detenção de arma proibida.
Na situação concreta não impugna o recorrente as penas parcelares, mas apenas a pena única que considera excessiva.
De acordo com o artigo 77º do CP:
“ 1- Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
A determinação da pena única deve observar, como qualquer outra pena ao critério do artigo 71º do CP.
Na verdade, as circunstâncias a que se deve atender para a determinação da medida concreta da pena, estão previstas no art.71º do Código Penal.
Na situação concreta damos aqui por integralmente reproduzidas as considerações teóricas feitas a propósito do recurso do arguido AA.
Ora, tendo em conta a factualidade apurada e as circunstâncias ponderadas pelo tribunal recorrido em sede de determinação da pena única, nenhum reparo merece a mesma.
De facto o limite mínimo da pena única é de quatro anos e 6 meses de prisão (pena parcelar mais elevada em concurso) e o limite máximo 12 anos (soma material das penas parcelares aplicadas).
A pena encontrada corresponde a cerca de um quarto da diferença da soma das penas e da pena mais elevada.
Nada é alegado em sede de recurso que leve este Tribunal de recurso a concluir que as pena deve ser fixada em patamar inferior.
A ausência de antecedentes do recorrente e as suas condições pessoais foram sopesadas no acórdão recorrida, não obstante a reduzida importância da ausência de antecedentes atenta a idade do recorrente, como refere o acórdão.
O acórdão fez uma análise criteriosa de todas as circunstâncias, as quais se mostram corretas tendo em conta as necessidades de prevenção especial e geral que o caso impõe, sem ultrapassar a barreira da culpa.
Como se refere no acórdão recorrido : “ Os traços de personalidade apontam, igualmente, para a tendência para interagir com pares ligados à delinquência, ainda que este arguido seja primário. Revela, no entanto, pela sua conduta, desrespeito pelo valor vida. Valora-se, igualmente, a homogeneidade da conduta. Vista a imagem global da ação delinquente, causadora de elevado alarme social, e a juventude do arguido, julga-se adequado condená-lo numa pena única global de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão de prisão,correspondente a cerca de um quarto da diferença da soma das penas e da pena mais elevada”.
O Tribunal recorrido faz uma correta e adequada valoração e ponderação das circunstâncias que se impunham considerar e que constam do acórdão.
Na verdade, elevadíssimas são as necessidades de prevenção geral, dando-se aqui por reproduzidas as considerações feitas a propósito do recurso do arguido AA
Na situação concreta, a pena única encontrada mostra-se proporcional e adequada.
Destarte deve o recurso improceder.
*
Tendo em conta as penas aplicadas aos recorrentes fica prejudicado o conhecimento da questão da suspensão da execução da pena aplicada.
III- Decisão:
Termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a 9º secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- Negar total provimento aos recurso interpostos, confirmando-se na integra o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça (individual) em quantia correspondente a quatro unidades de conta (arts. 513º, nº1 do C.P.P. e 8º, nº9, do Regulamento das custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
Lisboa, 26 de junho de 2025
Ana Paula Guedes
Ivo Nelson Caires B. Rosa
Marlene Fortuna