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CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CUMPLICIDADE
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
Sumário
I - A respeito da qualificação de condutas como autoria ou cumplicidade, deve salientar-se que a descrição ampla do tipo de crime de tráfico de estupefacientes, que reflete um propósito de mais intensa e severa punição, tende a esbater tal distinção; há condutas que, em relação a outros crimes, poderiam ser qualificadas como de cumplicidade e que essa descrição ampla do tipo equipara à autoria; por exemplo, a venda e transporte de produtos estupefacientes por conta de outrem e no âmbito de um negócio de outrem não deixa de configurar a autoria de um crime de tráfico de estupefacientes; o mesmo se verifica no caso em apreço, em que um dos arguidos fornece a outro, recluso num estabelecimento prisional, aquando da visita, canábis para este vender nesse estabelecimento. II – A circunstância modificativa agravante do crime de tráfico de estupefacientes a que se reporta a alínea h) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, não opera automaticamente. III - No entanto não deixa de operar no caso em apreço, em que estamos perante a posse de uma quantidade de canábis que se destinava a venda a outros reclusos e daria para 482 doses individuais; não se verifica nenhuma circunstância excecional que pudesse acentuadamente reduzir a agravação da ilicitude do crime decorrente da sua prática num estabelecimento prisional.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Texto Integral
Proc. nº 1807/23.6JAPRT.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – AA e BB vêm interpor recursos do douto acórdão do Juízo Central Criminal de Penafiel (...) do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este que os condenou, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado p. e p. pelos artigo 21.º, n,º 1, e 24.º, h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, o primeiro na pena de cinco anos e quatro meses de prisão e o segundo na pena de sete anos de prisão.
Da motivação dos recursos constam as seguintes conclusões:
«I - Os arguidos AA e BB foram condenados pelo crime de tráfico de estupefacientes na forma consumada, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 anos e 4 meses de prisão e 7 anos de prisão.
II – Requer-se a necessidade da aplicação da medida da pena à situação concreta, devendo existir proporcionalidade na pena aplicada, circunstância que não se verificou por parte do tribunal a quo.
Analisemos a intervenção do arguido BB
III- Por outro lado, nos autos não ficou provado que o arguido BB fazia uma distribuição ou venda do referido estupefaciente, pois que, como consumidor, seria somente para consumo próprio e nada mais.
IV - Relembre-se que o arguido BB era consumidor, com tendências suicidas, tendo por desespero, sido este o único meio de obtenção de estupefaciente para o seu consumo diário.
V - Por essa ordem de razões, o arguido BB, que como resulta dos autos, além de ser um consumidor diário de estupefacientes, não obteve qualquer compensação remuneratória, já que, como resulta dos autos, além de ser um consumidor, não ostentava quaisquer sinais de riqueza.
VI - Sendo suficiente uma pena suspensa a aplicar ao arguido por ter, enfim, começado a demonstrar consciência pelo seu comportamento errado, fazendo-se desta forma uma correta interpretação e adequação ao princípio da proporcionalidade.
VII- O Tribunal a quo, na aplicação em concreto da medida da pena aplicada, quando pese embora não se tivesse esquecido das circunstâncias agravantes, não ponderou as circunstâncias atenuantes
VIII – Deveria ter sido o resultado destes dois fatores, agravantes/atenuantes que ditasse a pena aplicada Os tipos ou Circunstâncias Atenuantes
IX - Mais uma vez o tribunal a quo não atendeu às circunstâncias que em concreto beneficiavam os ora recorrentes, como seja:
- Confissão dos arguidos;
- O arrependimento dos mesmos
- Contribuição para o apuramento da descoberta da verdade
- Interiorização do desvalor das suas condutas
-Apoio familiar.
X - Tais circunstâncias (atenuantes) seriam decisivas para a aplicação da medida da pena em concreto.
A canábis, por seu lado, é considerada uma droga leve. Trata-se de uma droga psicoativa que deriva da planta Cannabis, sendo o seu principal constituinte psicoativo a etrahidrocanabinol (THC). Quando assume a forma de resina é vulgarmente conhecida como haxixe. Tem, por isso, efeitos psicoativos e fisiológicos, tais como o relaxamento, a leve euforia, mas também uma diminuição da memória de curto prazo, diminuição leve das habilidades motoras, para além de uma subjetiva mudança na perceção e, sobretudo, no humor. Ademais, aponta-se ainda o consumo de canábis como um fator muito relevante no despoletar da doença mental, nomeadamente a esquizofrenia e a psicose. Os tipos ou circunstâncias agravantes CONSIDERAÇÕES GERAIS
XI- O Passo seguinte, é o de determinar se os arguidos, que cometeram o crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, praticaram alguma das condutas previstas no artigo 24.º, o que determinaria a sua condenação no crime de tráfico de estupefacientes agravado.
Importa, por isso, apurar se os factos praticados pelos arguidos se enquadram em alguma destas circunstâncias agravantes.
Analisemos agora a intervenção do arguido AA
XII -Na cumplicidade, pune-se (ainda que de modo mais leve, pois a pena é especialmente atenuada) o simples “prestar dolosamente auxílio, material ou moral à prática por outrem de facto doloso.
Da mera redação legal se vê que, ao contrário de qualquer das formas de autoria em que o agente detém, sozinho ou conjuntamente com outros, o domínio do facto, a cumplicidade experimenta uma subalternização face à autoria, porquanto o cúmplice presta um simples auxílio à prática do crime. Ela constitui uma “colaboração no facto do autor e, por conseguinte, a sua punibilidade supõe a existência de um facto principal (doloso) cometido pelo autor”, falando-se em termos doutrinais na “acessoriedade da participação” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, cit. pág. 824)
Agora, essencial à punição, é que o cúmplice preste auxílio material ou moral.
XIII - Importa agora determinar qual a pena concreta a aplicar aos arguidos, tendo por pano de fundo os critérios determinação da pena e, desde logo, o disposto no artigo 40.º.
Sendo o direito penal português informado pelo irrenunciável princípio da dignidade da pessoa humana, é óbvio que “em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa” do agente da infração (artigo 40.º, n.º 2) e a sua aplicação é exigida apenas em nome da necessidade de “proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (artigo 40.º, n.º 1), aqui se manifestando as finalidades de prevenção geral e especial da pena.
Quer isto dizer que na determinação da pena a aplicar, devem valer, em primeiro lugar, as exigências de prevenção geral ou de tutela dos bens jurídicos dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, assumindo um “significado prospetivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, editorial Notícias, págs. 227 e 228)
XIV - A culpa, como já foi dito, tem a função de servir fundamento (nulla poena sine culpa) e de limite máximo inultrapassável à pena, cumprindo assim o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.
XV - Por fim, e dentro da moldura fixada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos – nunca, portanto abaixo do mínimo suportável pelas exigências de prevenção geral positiva – podem e devem atuar os pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar em último termo, a medida da pena”, devendo esta evitar, na medida do possível, a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade” (Jorge Figueiredo Dias, As Consequências cit., págs. 230 e 231).
XVI - Contudo, ponderando face à prova produzida, que a sua atuação, que se entende ser de cumplicidade, se apresenta com menor gravidade relativamente ao arguido AA e que a sua participação se apresentava como de menor relevância para o delito, apesar de no limite, entende-se que ainda há espaço para a comunidade aceitar como suficiente a suspensão da pena de prisão (principalmente se acompanhada de regime de prova).
Acresce que, nas sociedades democráticas, a pena de prisão deve ser reservada para situações extremas, como ultima ratio da intervenção penal – assim fazendo gala do respeito pela liberdade -tal dado deve, aqui, ter a sua importância.
XVII - Quanto às exigências de prevenção especial, é de anotar que, embora se deva assinalar que o arguido BB apresenta maiores dificuldades nesta matéria (porque mantém hábitos de consumo de estupefacientes) entende-se que se deve suspender a execução da pena de prisão.
XVIII - Na realidade, tendo os arguidos confessado os factos pelos quais foram condenados, estando arrependidos e revelando, com tal atitude, terem interiorizado o desvalor da conduta delituosa, crê-se que é possível fazer um juízo de prognose favorável em termos de se poder afirmar que a mera ameaça do cumprimento da pena de prisão será suficiente para os manter afastados do crime
XIX - Sendo de suspender a execução da pena de pisão, fixando um regime de prova que, dum lado, sinalize comunitariamente que o crime não compensa e que as normas violadas pelo arguido continuam em vigor e são mesmo para respeitar, e, doutro (e essencialmente) sirva a necessidade do aperfeiçoamento social e estimule a vontade de abandono de práticas delituosas por parte dos arguidos.
XX - Requer-se a imposição do regime de prova que visa justamente a “reintegração do condenado”, sendo pautada por critérios de prevenção especial de socialização.»
O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento dos recursos. Dessa resposta constam as seguintes conclusões:
«1. Como decorre da matéria de facto, não resultou provado que o arguido BB tenha vendido aquele estupefaciente ou parte dele, simplesmente porque este lhe foi apreendido imediatamente após lhe ter sido entregue por seu irmão.
2. Os arguidos não impugnam a matéria de facto que dá como provado que o estupefaciente se destinava a ser vendido a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional 1....
3. Fixada a matéria de facto, quer pelo facto de os arguidos não a impugnarem,
quer pelo facto de na mesma não vermos qualquer vício que, de conhecimento oficioso pelo Tribunal ad quem, determine a sua alteração, a mesma integra, sem margem para dúvida, o crime de tráfico de estupefacientes.
4. O arguido AA pratica quatro actos que, se considerados isoladamente, integram a prática do crime de tráfico de estupefacientes: comprar, proporcionar a outrem, transportar e deter.
5. Dificilmente se consegue compreender que em qualquer um desses actos se conceba que não tem o “domínio do facto”, logo que não seja o autor.
6. Resulta que o fez mancomunado com o seu irmão BB, em execução de um plano concertado com este, em que o seu papel era adquirir o estupefaciente e fazê-lo chegar ao seu irmão BB. Logo, em co-autoria.
7. A quantidade de droga apreendida, suficiente para 482 doses, não pode deixar
de ser considerada já “significativa”, no condicionalismo próprio de um Estabelecimento Prisional, atendendo ao seu elevado potencial de disseminação pela população prisional.
8. As considerações relativas à culpa, às necessidades de prevenção geral e especial, e aos antecedentes criminais do arguido BB por crimes de idêntica natureza, e do arguido AA, levam à consideração de que as penas são equilibradas.
9. Quanto ao arguido AA, ao contrário do alegado, inexiste qualquer vislumbre de interiorização do desvalor da conduta, logo que a simples ameaça do cumprimento da pena possa ser suficiente para acautelar as finalidades da punição.
10. A matéria de facto dada como assente sob o ponto 20 não permite, salvo melhor opinião, antever factores que permitam projectar um possível sucesso de uma “ressocialização em liberdade” – ausência de hábitos de trabalho, e a danificação do aparelho de vigilância electrónica na sequência de medida de coacção de obrigação de permanência na habitação fiscalizada por meios de vigilância eletrónica a que se mostrava sujeito.
11. Quanto ao arguido BB, de forma ainda mais contundente, resulta evidente o insucesso de anteriores medidas de reclusão, pelo que seria inconcebível cogitar que perante os factos dados como provados se suspendesse a execução da pena de prisão.»
O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento dos recursos.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.
II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação dos recursos, as seguintes:
- saber se o arguido e recorrente AA deverá ser condenado como cúmplice, e não como coautor;
- saber se os arguidos e recorrentes não deverão ser condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n,º 1, e 24.º, h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro;
- saber se as penas em que os arguidos e recorrentes foram condenados deverão, face aos critérios legais, ser reduzidas e suspensas na sua execução, com regime de prova.
Há que salientar que os recorrentes não alegam que o acórdão recorrido padeça de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n. 2, c), do Código de Processo Penal, nem impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto provada, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, desse Código (para o que, de qualquer modo, teriam de cumprir o ónus indicado nestes números desse artigo). Assim, as questões suscitadas baseiam-se na factualidade considerada provada no acórdão recorrido, configurando-se, pois, apenas como questões de direito.
III - Da fundamentação do douto acórdão recorrido consta o seguinte:
«(…)
«II - FUNDAMENTAÇÃO
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
1. Os arguidos AA e BB são irmãos.
2. O arguido BB formulou o plano de proceder à venda de produtos estupefacientes no interior do Estabelecimento Prisional 1..., local onde se encontra em cumprimento de pena.
3. Para o efeito, este arguido solicitou a colaboração do seu irmão, AA, a quem pediu a aquisição no exterior de produto estupefaciente a sua subsequente introdução no EP, para que aquele o vendesse aos reclusos aí igualmente em cumprimento de pena.
4. O arguido AA aderiu a tal plano, tendo, em data e a sujeitos não concretamente apurados, adquirido cerca de 100g (cem gramas) de canábis.
5. Na execução daquele plano, no dia 25 de março de 2023, aproveitando-se do facto de ser um dia de visita, o arguido AA deslocou-se ao EP 1....
6. Para evitar a sua deteção, AA ocultou o referido produto estupefaciente na sua região genital.
7. Tendo, com sucesso, evitado a revista de segurança, o arguido AA encontrou-se com o seu irmão BB na parte do Estabelecimento Prisional destinada às visitas dos reclusos denominada por “parlatório”.
8. Uma vez aí, cerca das 10:58, AA retirou o produto estupefacientes que ocultava na sua pessoa, entregando o mesmo, por baixo da mesa, a BB.
9. Este, por seu turno, escondeu de imediato o produto supra referido igualmente na sua região genital.
10. Sucede que instantes mais tarde BB foi revistado, tendo sido encontrada na sua pessoa, oculto na referida região genital, uma substância de cor castanha com peso bruto de 99 (noventa e nove) gramas.
11. Tal substância, depois de sujeita a exame pericial, revelou ser CANABIS (RESINA), com um peso líquido de 95,001 gramas, grau de pureza de 25,4%, suficiente para compor no total 482 (quatrocentas e oitenta e duas) doses individuais.
13. Os arguidos BB e AA agiram de forma livre voluntária e consciente, de acordo com um plano previamente traçado, em repartição de tarefas e comunhão de esforços, com o propósito concretizado de introduzirem no Estabelecimento Prisional 1... produto estupefaciente para ser vendido a reclusos que para o efeito contactassem o primeiro.
14. A substância supra descrita foi introduzida no EP 1... e destinava-se a ser dividida em doses individuais que, posteriormente, seriam vendidas a outros reclusos.
15. Os arguidos sabiam da natureza ilícita das substâncias que AA adquiriu para posteriormente BB vender, sabendo, ainda, que a venda, distribuição ou cedência a terceiros de tais substâncias era proibida e punida por lei penal.
16. As condenações em penas de prisão efetivas anteriores não tiveram efeito dissuasor ou de advertência no arguido BB.
17. Na verdade, ainda no cumprimento de pena, voltou a entrar na posse de produto estupefaciente para vender a reclusos, factos essencialmente idênticos ao que o levou a ser condenado em pena de prisão efetiva anterior.
18. O arguido AA foi já condenado:
no processo comum singular n.º ... do juízo local criminal de Matosinhos-J3, por sentença proferida em 06-07-2023 e transitada em julgado em 22-09-2023, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano com regime de prova pela prática, em 28-08-2021, de um crime de roubo;
no processo comum coletivo n.º ... do juízo central criminal de Vila Nova de Gaia-J1, por acórdão proferido em 20-06-2024 e transitado em julgado em 05-09-2024, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova pela prática, em 25-07-2023, de um crime de roubo.
19. O arguido BB foi já condenado:
no processo abreviado n.º ... do 2º juízo criminal de Santa Maria da Feira, por sentença proferida em 28-05-2013 e transitada em julgado em 27-06-2013, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 5,00 pela prática, em 26-03-2012, de um crime de condução sem habilitação legal, já extinta pelo pagamento;
no processo sumário n.º ... do juízo local criminal de Santa Maria da Feira-J1, por sentença proferida em 24-04-2015 e transitada em julgado em 25-05-2015, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano com regime de prova pela prática, em 14-04-2015, de um crime de condução sem habilitação legal, suspensão essa que, depois de prorrogada, foi revogada, tendo já sido integralmente cumprida;
no processo abreviado n.º ... do juízo local criminal de Matosinhos-J2, por sentença proferida em 28-11-2016 e transitada em julgado em 02-02-2017, na pena única de 15 meses de prisão suspensa na sua execução por 15 meses (e na pena acessória de proibição e conduzir por 4 meses) pela prática, em 30-08-2016, de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, pena que foi extinta sem revogação da suspensão;
no processo sumário n.º ... do juízo de Albergaria-a-Velha-J2, por sentença proferida em 20-12-2016 e transitada em julgado em 15-03-2018, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos com regime de prova pela prática, em 29-11-2016, de um crime de furto qualificado, suspensão que veio a ser revogada; à pena inicial foi perdoado 1 ano de prisão;
no processo comum coletivo n.º ... do juízo central criminal de Vila do Conde-J6, por acórdão proferido em 19-03-2018 e transitado em julgado em 02-11-2018, na pena única de 6 anos e 10 meses de prisão pela prática, em 27-05-2017, de um crime de detenção de arma proibida, um crime de roubo qualificado, um crime de resistência e coação sobre funcionário e um crime de furto simples;
no processo comum singular n.º ... do juízo local criminal de Matosinhos-J1, por sentença proferida em 14-06-2019 e transitada em julgado em 02-09-2019, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão efetiva pela prática, em 29-05-2018, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade por detenção, enquanto recluso no EP 2..., e após uma visita, dissimulado dentro das calças, 47,649 gramas de canábis, com grau de pureza de 9,4%;
em cúmulo jurídico das penas dos processos n.ºs ... e ... foi condenado, por acórdão proferido no processo n.º ... do juízo central criminal de Vila do Conde-J7, transitado em julgado em 02-07-2020, na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão, à qual veio a ser perdoado 1 ano; foi colocado em liberdade condicional em 23-10-2024 e até 17-04-2026.
20. À data dos factos, AA integrava o agregado familiar da progenitora, constituído pela mesma, por CC, cônjuge do arguido, de 16 anos de idade, a filha do casal, atualmente com 8 meses, a companheira de um irmão (recluído no EP 1...) e o filho desta de 4 anos de idade. Presentemente também integra esse agregado familiar o sobrinho DD, que permanece com medida de obrigação de permanência na habitação fiscalizada por meios de vigilância eletrónica. Os elementos do agregado subsistem de Rendimento Social de inserção (RSI) acrescido do abono dos menores. O núcleo familiar reside numa habitação arrendada, de tipologia 3, com condições básicas de habitabilidade; na área contígua à habitação, reside a família alargada do arguido, com quem é habitual partilharem convívios mútuos. No meio de residência, o arguido, bem como o seu agregado familiar, possui uma imagem social associada ao envolvimento em situações judiciais. Além do arguido estão mais três irmãos recluídos.
O arguido encontrava-se desempregado, sendo a subsistência de todo o agregado familiar assegurada pelos rendimentos provenientes do rendimento social de inserção. O seu quotidiano era ocupado em treinos de artes marciais e no convívio com a família alargada.
AA, que integra um conjunto de sete irmãos, protagonizou um processo de desenvolvimento psicossocial no contexto da etnia de pertença e num ambiente familiar caraterizado pela coesão e solidariedade. Ao nível escolar integrou o sistema de ensino em idade regular, concluiu o 3º ciclo do ensino básico. Ingressou posteriormente num curso de informática com equivalência ao 12º ano, que não concluiu devido ao absentismo escolar.
Regista anteriores contactos com o sistema de justiça penal, condenado no âmbito do processo ... do Juízo Criminal de Matosinhos por um crime de roubo na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano sujeita a regime de prova.
No âmbito do processo ..., acusado de crimes de roubo agravado, abuso de cartão de garantia e detenção de arma proibida, permaneceu com obrigação de permanência na habitação fiscalizada por meios de vigilância eletrónica entre 07-10-2023 e 22-02-2024, sendo que nesse dia danificou o aparelho de vigilância eletrónica de modo a poder sair da habitação, permanecendo temporariamente em parte incerta.
Deu entrada como preventivo no Estabelecimento Prisional 2... em 18-04-2024 à ordem do processo nº ... do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos – Juiz 3, acusado de um crime de roubo qualificado e detenção de arma proibida. Recluído pela segunda vez, apresenta um discurso autocentrado com registo de alguma imaturidade na tomada de decisões.
Em meio prisional tem adotado comportamento de acordo com o normativo vigente, revelando intenções de frequentar a escola. Presentemente, para concretização do seu processo de reinserção social, mantém as mesmas condições que à data da reclusão. Os elementos do seu agregado familiar de origem e constituído continuam a preservar o apoio afetivo, com visitas regulares ao estabelecimento prisional.
21. À data dos factos, BB encontrava-se no Estabelecimento Prisional 1..., onde havia dado entrada em 24.10.2019, oriundo do Estabelecimento Prisional 2..., em cumprimento, em cúmulo jurídico, de uma pena de 7 anos e 3 meses de prisão (posteriormente reduzida para 6 anos e 3 meses de prisão, pelo perdão concedido no âmbito da lei n.º 38-A/2023) à ordem do processo n.º .... Mantinha acompanhamento na especialidade de psiquiatria, após registo de uma tentativa de suicídio em 2018, bem como fragilidades ao nível do consumo de haxixe, problemática cujo início situa por volta dos 16 anos de idade.
Quando deu entrada no estabelecimento prisional, BB estava habilitado apenas com o 5.º ano de escolaridade, concluído aos 13 anos de idade, altura em que abandonou o sistema de ensino, permanecendo sem qualquer ocupação estruturada e priorizando o convívio com indivíduos do mesmo grupo étnico de pertença e a prática de futebol, além de experiências irregulares na venda ambulante, sem registo de qualquer atividade laboral de carácter formal e regular até à reclusão, durante a qual registou, apenas uma experiência de curta duração na cozinha, que abandonou por iniciativa própria.
Em contexto prisional concluiu o 6.º ano de escolaridade e, à data dos factos, encontrava-se a frequentar o curso profissional de mecânica de dupla certificação, para conclusão do 3.º ciclo, que, contudo, não concluiu, acabando por ser excluído em março de 2024. O seu percurso era pautado por dificuldades de ajustamento ao normativo institucional, patentes no registo de punições, e o investimento na manutenção de uma ocupação laboral e/ou formativa tem também sido irregular.
À data dos factos, como atualmente, mantinha o apoio da companheira, com quem estabeleceu uma união de facto aos 16 anos de idade, e dos dois descendentes, menores. Beneficiava também do apoio da progenitora e do irmão, seu coarguido, atualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional 2.... Em 23-10-2024 foi-lhe concedida liberdade condicional aos 5/6 da pena.
Continua a assumir fragilidades ao nível do consumo de haxixe.
*
Não resultou provado que o plano dos arguidos visava dividir os lucros entre ambos.
Não há outros factos por provar.
⃰
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção com base na prova pericial, testemunhal e documental produzida em audiência e constante dos autos.
Em termos documentais, valoraram-se:
- a participação de fls. 4,
- a fotocópia do cartão de visitante de AA associado ao visitado BB de fls. 6,
- o registo da visita no dia dos factos de fls. 7,
- o cartão de recluso de BB e sua identificação de fls. 9,
- as fotografias do embrulho de fls. 10 e 26,
- o auto de teste rápido e pesagem de fls. 17,
- o auto de apreensão de 18,
- o auto de visionamento de imagens recolhidas pelo CCTV do estabelecimento prisional no parlatório/sala de visitas de fls. 76-87, especialmente os fotogramas n.ºs 13 e 14, confirmado em audiência pelo guarda prisional EE que se encontrava na sala de vigilância e se apercebeu em tempo real da entrega do embrulho entre arguidos, tendo AA retirado o mesmo do interior das suas calças e BB guardado em zona similar do seu corpo, o que motivou a subsequente revista ao visitado e apreensão do estupefaciente;
- a certidão da sentença do processo n.º ... de fls. 253-257;
- a certidão do acórdão de cúmulo do processo n.º ..., despacho de perdão e liquidação da pena única de fls. 321-334;
- a ficha biográfica de BB de fls. 337-340;
- a certidão da decisão de liberdade condicional de fls. 280-282;
- os CRC de fls. 309-318 e 319-320 e
- os relatórios sociais de fls. 224-226 e 228-230.
Em termos periciais, analisou-se o relatório de fls. 102 quanto ao tipo, peso, grau de pureza e número de doses individuais do estupefaciente apreendido, o qual não foi objeto de impugnação.
Concatenando estes elementos com as declarações dos arguidos em primeiro interrogatório judicial e em instrução, já que em julgamento optaram pelo silêncio, resulta por estes admitido que BB pediu a AA que o abastecesse de canábis, de que aquele era consumidor, o que AA fez, tendo para o efeito pago € 190 pela placa, que lhe entregou na visita nos termos provados.
Quis BB convencer o tribunal que destinava o produto ao seu exclusivo consumo pelo período de 1 a 2 meses, que o guardaria no armário da sua cela, alegando que consumia muito e que o irmão só o visitava de 2 em 2 meses. Contudo, esta explicação atenta contra as regras do senso comum e da normalidade, porque 1) a quantidade é muito elevada para o consumo de uma só pessoa, 2) estando BB preso, o risco de lhe ser revistada a cela e apreendido o estupefaciente no espaço de 1 a 2 meses seria enorme e não cremos, por ser ilógico, que o assumisse, e 3) nem sequer corresponde à verdade que AA o visitasse com a periodicidade que indicou, já que de fls. 7 resulta que só no mês de Março de 2023 o visitou três vezes, donde extraímos que nunca o estupefaciente seria para o seu consumo por 2 meses.
É tão elevada a quantidade e daria para tantas doses individuais que só o destino da venda a terceiros é compatível com esses factos e com o risco que os arguidos correram, no vislumbre de um lucro que o compensasse.
Quanto ao conhecimento da ilicitude da conduta, além de ser do conhecimento geral, algo que os arguidos não puseram em causa, BB já havia sido condenado por factos idênticos e AA era seu irmão, pelo que bem o sabia.
Quanto ao facto não provado, nenhum dos arguidos nos trouxe esse plano de divisão de lucros da venda projetada do estupefaciente e nenhum outro elemento nos autos nos permite essa conclusão como uma dedução lógica e excludente de qualquer outra possibilidade. Ainda assim, é manifesto dos factos, por nenhuma outra versão ser plausível, que AA sabia do lucro que BB pretendia obter.
(…)»
IV 1. -
Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente AA alegar que deverá ser condenado como cúmplice, e não como coautor do crime de tráfico de estupefacientes. Alega que a sua conduta configura apenas a prestação de auxílio à prática do crime pelo arguido BB.
Vejamos.
Vem a propósito citar o que se afirma na anotação 12 ao artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro (do relator deste acórdão) no Comentário das Leis Penais Extravagantes, volume 2, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pgs 492 a 494:
«A respeito da qualificação de condutas como autoriaou cumplicidade, deve salientar-se que a descrição ampla do tipo de crime de tráfico de estupefacientes, que reflecte um propósito de mais intensa e severa punição, tende a esbater tal distinção. Há condutas que, em relação a outros crimes, poderiam ser qualificadas como de cumplicidade e que essa descrição ampla do tipo equipara à autoria. Por exemplo, a venda e transporte de produtos estupefacientes por conta de outrem e no âmbito de um negócio de outrem não deixa de configurar a autoria de um crime de tráfico de estupefacientes (ver, neste sentido, por exemplo, os Acs. do STJ de 20.12.89., in CJ, XIV, 5, p. 11; e de 4.12.08, in CJ-STJ, XVI, 3, p. 239). Também é autor do crime quem tem a posse precária da droga e não é seu proprietário (assim, o Ac. do TRP de 14.3.07, proc. Nº 0617368, inwww.dgsi.pt).
(…) A jurisprudência portuguesa considerou cúmplices: a companheira de outro arguido que se limita a contar o dinheiro produto das vendas (Ac. do STJ de 22.7.03, proc. Nº 03P3364, in www.dgsi.pt); quem colabora na recepção da droga pelo “traficante” com a intenção de obter uma porção para seu consumo (Acs. do STJ de 7.6.95, proc. Nº 046334, in www.dgsi.pt; e de 25.10.90, in BMJ nº 400, p. 345); ou quem atende chamadas e anota os locais de encontro e os recados relacionados com o tráfico e acompanha, por vezes, o “traficante” nas entregas, assim lhe proporcionando uma protecção acrescida (Ac. do TRP de 9.2.09, proc. Nº 0847917, inwww.dgsi.pt).
(…)»
A situação em apreço pode facilmente ser equiparada a estas. A descrição ampla do tipo de crime de tráfico de estupefacientes abrange a detenção destes produtos para fornecimento a outra pessoa que os pretende vender ou ceder a terceiros (como se verifica no caso em apreço), mesmo que essa conduta pudesse ser qualificada como cumplicidade em relação a outros tipos de crimes.
A qualificação da conduta o arguido AA como coautor do crime de tráfico de estupefacientes por que foi condenado não merece, pois, qualquer reparo. Tal não invalida que a circunstância de não caberem a este arguido os proveitos da venda a que seriam destinados os produtos em causa seja tida em consideração (como foi efetivamente no acórdão recorrido) na determinação da medida concreta da pena por que seja condenado.
Deve, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido AA quanto a este aspeto.
IV 2. -
Vêm os arguidos e recorrentes alegar que não deverão ser condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n. º1, e 24.º, h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro. Alegam que a circunstância agravante em causa (a prática do crime desse crime em estabelecimento prisional) não opera de forma automática, mas apenas quando o agente revela em concreto particular desprezo ou desrespeito pelos objetivos perseguidos pela norma penal, o que não se verifica neste caso, pois confessaram e demonstraram arrependimento.
Vejamos.
Há que ter em conta, antes de mais, a ratio da agravação do crime de tráfico de estupefacientes quando praticado em estabelecimento prisional. Sobre essa questão afirma-se no acórdão, também citado no acórdão recorrido, do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de julho de 2009, proc. n.º 52/07.2PEPDL.S1, relatado por Simas Santos. disponível em www.dgsi.pt:
«I. A razão de ser da agravação por via da al. h) do art. 24.º do DL 15/93, por efeito da conduta integrante haver tido lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta. Os estabelecimentos prisionais face aos inevitáveis problemas e questões que a clausura gera, estados de depressão e inatividade dos reclusos, concentração e massificação das pessoas, conflitos pessoais, carências afetivas, sentimentos de frustração, perda de autoestima, são particularmente propícios ao consumo de estupefacientes e, consequentemente, constituem um dos alvos prioritários dos traficantes. II. Sendo essa a razão de ser daquela agravante modificativa, e não o desrespeito pela autoridade do Estado, a mesma só deverá funcionar perante comportamentos através dos quais se haja processado a difusão de substâncias estupefacientes pelos estabelecimentos prisionais ou, pelo menos, face a condutas potenciadoras desse perigo”.
Afirma-se também, a este respeito, no acórdão da Relação de Coimbra de 31 de maio de 2006; proc. n.º 1035/06, relatado por Gabriel Catarino, também acessível em www.dgsi.pt:
«As especiais condições em que se encontram os usuários de um espaço confinado e restritivo, como é o espaço prisional, exigem que aqueles que nelas se inserem adquiram e assumam comportamentos de contenção e arrimados às regras e regulamentos que, de ordinário, vigoram neste tipo de espaços, pelo fim a que se destinam, por um lado, e pela disciplina e controlo a que devem estar submetidos. A simples ameaça de introdução de produtos estupefacientes em ambientes fechados e propensos à disseminação de estereótipos constitui-se como factor de perturbação das regras e das necessidades de observância de condutas isentas de tonalidades transgressoras e colidentes com os ditames de reeducação que devem presidir a uma instituição que deve procurar reabilitar e resocializar aqueles que se apartam das normas socialmente estabelecida.»
É certo que, como alegam os recorrentes, a jurisprudência tem acentuado que a circunstância agravante em causa não opera de modo automático e que pode haver situações de tráfico em estabelecimento prisional punidas nos termos gerais do artigo 21º. Afirma-se, a este respeito, no acima referido Comentário (anotação 18 ao artigo 24.º, pg. 505): «Nos casos que envolvam quantidades diminutas, cedências sem fins lucrativos ou de reduzido grau de disseminação da droga entre a população prisional, não pode dizer-se que, à luz da ratio do preceito, estejamos perante condutas de ilicitude equiparável à ilicitude excepcionalmente elevada correspondente ao artigo 24º em apreço. Como se afirma no Ac. do TRC de 31.5.06, proc. Nº 1063/06, inwww.dgsi.pt, «a circunstância tem de ser traduzida em factualidade de referência típica, ou seja, aquela factualidade que o legislador pretendeu incutir na descrição agravativa como relevante para a densificação do sentido axiológico-normativo com que pretende a salvaguarda de específicos bens jurídicos e a protecção dos valores ético-sociais prevalentes». E, como também se afirma no Ac. do STJ de 16.1.08, CJ-STJ, XVI, 1, p. 198, quando não há intenção de disseminação por vários presos, mas cedência a um único deles, a conexão com o estabelecimento prisional é incidental. No sentido da não automaticidade desta circunstância, pode ver-se também, entre outros, os Acs. do STJ de 30.3.05, CJ-STJ, XIII, 1, p. 224; de 8.2.06, CJ-STJ, XIV, 1, p. 181; de 11.4.02, proc. Nº 02P376; de 17.4.02, proc. Nº 02P2359; e de 28.6.06, proc. Nº 06P1796, estes in www.dgsi.pt. Há, porém, divisão na jurisprudência quanto à questão de saber se o tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional pode configurar um tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do diploma em apreço, ou se, pelo contrário, a imagem global da ilicitude do facto nunca pode ser consideravelmente diminuída pelo facto de o tráfico ocorrer num estabelecimento prisional. No primeiro sentido, pronunciam-se os Acs. do STJ de 30.5.05, CJ-STJ, XIII, 1, p. 224; de 8.2.06, CJ-STJ, XIV, 1, p. 181; e de 28.6.06, proc. Nº 06P1796, www.dgsi.pt. No segundo sentido, pronunciam-se os Acs. do STJ de 11.4.02, proc. Nº 02P376; de 17.4.02, proc. Nº 02P2359, ambos inwww.dgsi.pt; e de 16.1.08, CJ-STJ, XVI, 1, p. 198; e o Ac. do TRP de 3.7.02, proc. Nº 0210427, inwww.dgsi.pt. Afigura-se-me que, por exemplo, a cedência de uma pequena quantidade de estupefaciente a um único recluso não pode deixar de configurar a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do diploma em apreço. A punição desta conduta nos termos do artigo 21º conduziria a uma manifesta desproporcionalidade entre a sua gravidade, nos planos da ilicitude e da culpa, e a gravidade da medida da pena.».
No caso em apreço, porém, não se verifica nenhuma circunstância excecional que pudesse acentuadamente reduzir a agravação da ilicitude do crime decorrente da sua prática num estabelecimento prisional. De acordo com a factualidade tida como provada no acórdão recorrido (e não está aqui em discussão essa decisão sobre prova), estamos perante a posse de uma quantidade de canábis que se destinava a venda a outros reclusos e daria para 482 doses individuais. Mesmo admitindo que algumas dessas doses seriam destinadas ao consumo do arguido BB, não estamos, de modo algum, perante quantidades diminutas, nem perante uma simples cedência a um ou dois reclusos.
Não pode deixar de operar, neste caso, a circunstância modificativa agravante a que se reporta a alínea h) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Deve, assim, ser negado provimento aos recursos quanto a este aspeto.
IV 3. -
Vêm os arguidos e recorrentes alegar que as penas em que foram condenados deverão, face aos critérios legais, ser suspensas na sua execução, com regime de prova. Alegam que na determinação dessas penas fixadas no acórdão recorrido foram consideradas circunstâncias agravantes, mas não, como deviam ser consideradas, circunstâncias atenuantes: a confissão, o arrependimento, o contributo para descoberta da verdade, a interiorização do desvalor da conduta, o apoio familiar. Alegam que o arguido BB destinava o estupefaciente apreendido apenas ao seu consumo, sendo que não obteve qualquer compensação monetária. Alegam que a canábis é considerada uma “droga leve”. Invocam as exigências da sua reinserção social.
Vejamos.
O arguido AA foi condenado na pena de cinco anos e quatro meses de prisão. O arguido BB foi condenado na pena de sete anos de prisão.
O crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, é punível com pena de prisão de cinco a quinze anos.
Na determinação da medida concreta da pena dentro desta moldura, há que considerar as seguintes disposições do Código Penal.
De acordo com o artigo 40.º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
As penas em que estes arguidos foram condenados não se situam longe do mínimo legal. A pena em que foi condenado o arguido AA (cinco anos e quatro meses) está muito próxima desse mínimo (cinco anos). A pena em que que foi condenado o arguido BB (sete anos numa moldura de cinco a quinze anos) também não se afasta muito desse mínimo. Por esse motivo, não pode, de modo algum, dizer-se que na fixação dessas penas não foram devidamente consideradas circunstâncias atenuantes.
Quanto às alegações dos arguidos e recorrentes a este respeito, há que considerar o seguinte.
Da factualidade considerada provada no acórdão recorrido (e só essa podemos aqui ter em conta, pelas razões já acima indicadas) não resulta que o arguido BB destinasse a canábis que detinha apenas ao seu consumo. A circunstância de não ter obtido alguma compensação monetárias assume pouco relevo, sendo que, de acordo com essa factualidade, era com esse objetivo que detinha tal substância.
Também da factualidade considerada provada no acórdão recorrido não resulta, de modo algum, que os arguidos e recorrentes tenham confessado, colaborado na descoberta da verdade, demonstrado arrependimento ou interiorizado o desvalor da sua conduta.
É certo que o consumo de canábis se reveste de menor perigosidade do que o de outros estupefacientes e tal poderá ser tido em conta na determinação da medida das penas relativas à prática de crimes de tráfico de estupefacientes. Mas essa perigosidade não deixa de ser acentuada, como os próprios arguidos e recorrentes reconhecem na motivação do recurso em apreço (quando referem que esse consumo é «um fator muito relevante no despoletar da doença mental, nomeadamente a esquizofrenia e a psicose»). Há que salientar que a distinção corrente entre “drogas duras” e “drogas leves” não encontra acolhimento na legislação entre nós vigente, como resulta da exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Não se nos afigura, pois, que as penas em que os arguidos e recorrentes foram condenados sejam excessivas face aos critérios legais. Há que considerar a quantidade não despicienda de canábis aprendida. E sobretudo, no que se refere ao arguido BB, os seus antecedentes criminais: praticou os crimes em apreço, de tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional, quando cumpria pena de prisão também pela prática (entre outros) de outro crime de tráfico de estupefacientes num estabelecimento prisional).
Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, a suspensão de execução da pena de prisão só é possível em caso de condenação em pena não superior a cinco anos e as penas em que os arguidos e recorrentes foram condenados são superiores a cinco anos de prisão.
De qualquer modo, é também pressuposto da suspensão da execução da pena de prisão uma prognose social favorável ao arguido, isto é, a prognose de que a censura do facto e a ameaça de eventual cumprimento da pena de prisão sejam suficientes para o afastar da criminalidade. Ora, essa prognose não é viável, pelo menos no que diz respeito ao arguido BB, que praticou os crimes em apreço, de tráfico de estupefacientes num estabelecimento prisional, quando cumpria pena de prisão também pela prática (entre outros) de outro crime de tráfico de estupefacientes num estabelecimento prisional.
O acórdão recorrido também não merece reparo quanto a estes aspetos.
Deverá ser negado provimento aos recursos quanto a estes aspetos.
Cada um dos arguidos e recorrentes deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
V - Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA e BB, mantendo o douto acórdão recorrido.
Condenam cada um dos arguidos e recorrentes em 3 (três) UCs de taxa de justiça.
Notifique.
Porto, 11 de junho de 2025
(processado em computador e revisto pelo signatário)