CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
CONEXÃO DE PROCESSOS
REGIME LEGAL
CONEXÃO OBJECTIVA
CONEXÃO SUBJECTIVA
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE DE ARGUIDOS
Sumário

I – O regime legal atinente à conexão de processos, respectivo processado e limites está prevista nos artigos 24º a 30º do Código de Processo Penal.
II – Diferentemente do que se prevê nas objectivas situações elencadas no sobredito artigo 24º, o sequente artigo 25º cuida da conexão subjectiva, que, excepcionalmente, acresce àquelas previsões daquele outro precedente preceito, exigindo para a sua aplicação a existência de uma plena identidade de arguidos.
III – Constata-se que a jurisprudência, de forma consolidada e que se afigura praticamente pacífica, vem sustentando precisamente que em caso de pluralidade de arguidos a conexão à luz do disposto no artigo 25º do Código de Processo Penal exige a verificação da identidade de todos os arguidos, ou seja, serem os mesmos os arguidos nos dois ou mais processos em apreço.
IV – Assim sendo, se num determinado processo está acusado apenas um arguido que, simultaneamente com outros três arguidos, está também acusado noutro processo pela prática de outro crime, em co-autoria com os demais, considerando que os crimes em apreço não foram cometidos pelo mesmo e único agente, tendo apenas como elo de ligação entre si a participação de um só dos arguidos na prática de ambos os crimes, fica, de forma irremediável, arredada a aplicação da conexão subjetiva de processos prevista no citado artigo 25º.

Texto Integral

Processo: 1492/21.0PBMTS-B.P1

Importa apreciar e decidir o conflito negativo de competência entre o Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 4, e o Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz 3, ambos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, tendo em vista saber a quem compete territorialmente proceder ao julgamento dos dois identificados autos de que este é dependência.

Na verdade, a juiz 4 do Juízo Local Criminal do Porto, no âmbito do processo nº 609/22.1SJPRT, que lhe foi distribuído para julgamento do arguido AA, acusado da prática de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º e 210º, nº 1, do Código Penal, na sequência de promoção nesse sentido, anotou que os autos nº. 1492/21.0PBMTS respeitam ao mesmo arguido, a crime mais grave, é mais antigo, encontra-se na mesma fase de julgamento e também faz parte da mesma comarca, pelo que, e alicerçado no artigo 25º do Código de Processo Penal, que transcreve, salientou que tal era o caso dos autos, pelo que a conexão processual entre os presentes autos e os autos de processo comum singular supra identificados opera, determinando a mesma nos termos do disposto nos artigos 25º e 28º, alínea a), do Código de Processo Penal, contexto em que, após trânsito, e nos termos do citado artigo 28º, alínea a), do Código de Processo Penal, determinou a remessa dos autos para apensação ao referido processo nº 1492/21.0PBMTS, por entender ser esse o tribunal competente.

Remetidos os autos a este tribunal, e em face de tal, a juiz em regime de estágio junto do Juízo Local Criminal de Matosinhos, Juiz 3, após ter feito uma súmula do processado aqui interferente, ali se incluindo a discordância do Ministério Público quanto à decretada apensação, e respectiva fundamentação de suporte, também disso discordando, e socorrendo-se da previsão contida nos artigos 24º, 25º e 28º, todos do Código de Processo Penal, e acobertada, além de doutrina, em várias decisões judiciais nesse mesmo sentido interpretativo em matéria de conexão, que cita e identifica, veio salientar, em síntese, que é fácil constatar que, por um lado, no âmbito do processo nº 609/22.1SJPRT existe apenas o referenciado arguido, que vem acusado pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada e, por outro, que nos seus autos existem quatro arguidos, incluindo aquele arguido, que identifica, os quais vêm acusados, em co-autoria, de um crime de roubo, pelo que, considerando que os crimes em apreço não foram cometidos pelo mesmo e único agente, tendo apenas como elo de ligação entre si a participação do arguido AA na prática de ambos os crimes, fica, de forma irremediável, arredada a aplicação da conexão subjetiva de processos prevista no citado preceito, logo, entendia que não se encontrava reunidos os pressupostos legais previstos no artigo 25º do Código de Processo Penal para que se verifique a conexão subjetiva entre os dois processos e, em consequência, para que fosse determinada a apensação supra referida.

Mais adiantou, indo de encontro ao entendimento do Ministério Público junto daquele tribunal, que, mesmo que os crimes em apreço tivessem sido cometidos pelo mesmo e único agente ou agentes, sempre importaria atender à circunstância de a realidade subjacente ao conceito de comarca previsto no referido artigo 25º do Código de Processo Penal já não mais existir, atendendo às alterações introduzidas pela última reforma do mapa judiciário ocorrida em 2014, que provocou significativas alterações na organização do sistema judiciário português, alterando quer o desenho do mapa judiciário, quer redefinindo competências dos então tribunais, alterações consagradas na Lei nº 62/2013, de 26 de agosto (lei da organização do sistema judiciário) e regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março (regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais), que explicita, tudo para concluir que a noção actual de comarca não é aquela que foi concebida aquando da formulação do preceito em análise, impondo-se, como tal, uma interpretação actualista do mesmo, no sentido de que apenas deverão ser objeto de conexão os processos em curso contra o(s) mesmo(s) arguido(s) [e apenas estes], que se encontrem na mesma fase processual e que corram termos no mesmo tribunal, pelo que, “in casu”, o processo nº 609/22.1SJPRT apenas poderia ser apensado a outro processo que corresse termos contra o mesmo arguido nos Juízos Locais Criminais do Porto e, por maioria de razão, os presentes autos apensados a outros processos que corressem termos contra todos os quatro arguidos nos Juízos Locais Criminais de Matosinhos, pelo que entende que também por essa via a apensação de processos determinada pelo Juízo Local Criminal do Porto supra mencionada, estaria voltada ao insucesso, contexto em que, inexistindo conexão subjectiva entre os sobreditos processos a que alude o artigo 25º do Código de Processo Penal, declarou aquele Juízo Local Criminal de Matosinhos incompetente para conhecer e julgar o processo nº 609/22.1SJPRT, por o ser o Juízo Local Criminal do Porto.

A par, suscitou desde logo o presente conflito, determinando a sua instrução e ulterior remessa a este tribunal.

Já neste tribunal, e no cumprimento do preceituado no nº 1 do artigo 36º do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido de que, atentas as finalidades visadas com a norma jurídica em causa, entendia que a apensação de processos no caso dos autos não colide com o teor do artigo 25º do Código de Processo Penal, porque, por um lado, o facto de se tratar duma norma anterior à reorganização judiciária não invalida que deva ser entendido como comarca a realidade abarcada pela alteração legislativa, esta centrada na concentração de recursos, e, por outro lado, o facto de o processo do JLC do Porto a apensar ser relativo a apenas um dos arguidos que faz parte do processo a correr no JL de Matosinhos, não contraria as finalidades visadas com a conexão de processos, conforme explicita, pelo que entendia que, desde que haja identidade de arguidos nos processos a apensar, tal apensação deverá ser efectuada em obediência àquele normativo, pois o que não poderá ocorrer é que, invocando-se a conexão subjectiva, se promova a apensação de processos de modo a que sejam trazidos para um mesmo julgamento arguidos que nem faziam parte do processo no âmbito do qual se procede à incorporação, o que não é o caso dos autos, pelo que entendia não assistir razão à juiz de Matosinhos, ao excepcionar a incompetência para julgar dos factos relativos ao processo nº 609/22.1SJPRT.

Do que se depreende nenhum outro sujeito processual se pronunciou.

Ora bem.

Prevê-se no nº 1 do artigo 34º do Código de Processo Penal que “Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido”.

Ora, sendo pacífico que estamos perante um conflito negativo de competência entre os dois referenciados tribunais, pois que não cessou (vide nº 2 do citado normativo), nos termos da alínea a) do nº 5 do artigo 12º do Código de Processo Penal, cumpriria decidi-lo, se nada obstasse a tal.

Na verdade, dir-se-á que ficou claro que a questão a dirimir é a de saber qual dos dois tribunais aqui em apreço será o territorialmente competente para proceder ao julgamento do processo nº 609/22.1SJPRT, se o Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 4, a quem os autos foram inicialmente distribuídos, ou se o Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz 3, este no pressuposto de que existirá uma situação de conexão entre aquele processo e o processo nº 1492/21.0PBMTS deste último tribunal.

Anote-se que é pacífico que ambos os juízes estão de acordo quanto ao regime imposto pela conexão de processos, divergindo apenas na verificação dos seus pressupostos, presentes para a juiz 4 do Juízo Local Criminal do Porto e ausentes para a juiz estagiária junto do Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 3.

Começando pela letra da lei, como se impõe, convém relembrar que decorre do estipulado no artigo 25º do Código de Processo Penal que, para além dos casos previstos no precedente artigo 24º, “…há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19º e seguintes”.

Cremos que, diferentemente do que se prevê nas objectivas situações elencadas no sobredito artigo 24º, o mencionado artigo 25º cuida da conexão subjectiva, que, excepcionalmente, acresce àquelas previsões daquele outro precedente preceito, exigindo para a sua aplicação a existência de uma plena identidade de arguidos[1], o que aqui não sucede, pois que, como anota a juiz estagiária junto do Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 3, acobertada, além de doutrina, em várias decisões judiciais nesse mesmo sentido interpretativo em matéria de conexão, que cita e identifica, é fácil constatar que, por um lado, no âmbito do processo nº 609/22.1SJPRT existe apenas o referenciado arguido, que vem acusado pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada e, por outro, que nos seus autos existem quatro arguidos, incluindo aquele arguido, os quais vêm acusados, em co-autoria, de um crime de roubo, pelo que, considerando que os crimes em apreço não foram cometidos pelo mesmo e único agente, tendo apenas como elo de ligação entre si a participação do arguido AA na prática de ambos os crimes, fica, de forma irremediável, arredada a aplicação da conexão subjetiva de processos prevista no citado artigo 25º.

Concorda-se inteiramente e, por economia, remetemos para a leitura da fundamentação inserta no correspondente despacho exarado por aquela juiz estagiária, à qual, atenta a sua assertividade, devidamente suportada, além de doutrina, por variadas decisões judiciais, parte delas atinentes a decisões de conflitos similares, nos permitimos aderir.

Em reforço de tal, transcrevemos aqui parte da argumentação vertida no despacho proferido pelo juiz do Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, no âmbito do processo nº 42/21.2PCVCD, precisamente para sustentar a sua posição assumida no seio de um conflito de competência similar, nos moldes seguintes (transcrição):

“A jurisprudência, de forma consolidada e que se afigura praticamente pacífica, vem sustentando precisamente que em caso de pluralidade de arguidos a conexão à luz do disposto no art. 25.º do Código de Processo Penal exige a verificação da identidade de todos os arguidos, ou seja, serem os mesmos os arguidos nos dois ou mais processos em apreço.

Neste sentido, podem consultar-se as seguintes decisões, todas disponíveis em www.dgsi.pt:

- Decisão do conflito de competência do Tribunal da Relação do Porto de 6 de Julho de 2005 (Processo nº 0443684): “O artigo 25º do Código de Processo Penal de 1998, no caso de haver mais de um arguido, só tem aplicação se os arguidos forem os mesmos em todos os processos […] a conexão de processos a que alude o artº 25º do CPP, pressupõe, efectivamente, o mesmo agente – ou uma unidade de agentes”;

- Decisão do conflito de competência do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Julho de 2014 (Processo nº 589/12.1GAVNF-B.P1): “As razões que estão subjacentes à conexão processual [artº 25º do CPP], sejam as de evitar a repetição das mesmas provas e dos mesmos argumentos ou de evitar julgados contraditórios, não se colocam quando os arguidos dos processos são diferentes, havendo apenas um arguido em comum […] nem sequer se colocam quando os arguidos dos processos são diferentes, havendo apenas um em comum pelo que não existe qualquer necessidade de apensação de processos”;

- Decisão do conflito de competência do Tribunal da Relação de Évora de 21 de Maio de 2015 (Processo nº 52/15.9YREVR): “A situação de conexão prevista no artigo 25º do C. P. Penal acresce àquelas que se encontram previstas no artigo 24º do mesmo código, não estando dependente da verificação das mesmas, nem se destinando a concretizá-las. A expressão usada pelo legislador no artigo 25º é clara no sentido de conformar a conexão subjetiva como um tipo de conexão diferente das situações de conexão objetiva previstas no artigo 24º e sendo mesmo autónoma das situações aí elencadas. A conexão prevista no artigo 25º do C. P. Penal importa, em princípio, unidade de acusado e pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo para cuja apreciação sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca. […] Trata-se de um caso de conexão pessoal ou subjetiva, em que a conexão assenta na pessoa do agente, que é responsável por uma pluralidade de infrações, ligando-se os diferentes crimes pelo facto de todos eles terem sido cometidos pelo mesmo autor. Esse parece ter sido o escopo visado pelo legislador ao alterar o art. 25.º do CPP, que tem a redação que lhe foi dada pela Lei n.º59/98, de 25 de Agosto, que não visando um alargamento irrestrito da conexão subjetiva em moldes idênticos aos previstos no CPP de 1929, comporta, ainda assim, um vasto campo de aplicação, face à entrada em vigor da LOSJ que estabeleceu nova matriz territorial das circunscrições judiciais, alargando substancialmente a área de jurisdição das novas comarcas, por incorporação de outras pré-existentes. […] Este entendimento não impedirá que, para além dos casos previstos nas alíneas d) e e) do art. 24.º do CPP, e em caso de vários arguidos, agindo em coautoria, possa ocorrer a apensação de processos-crime, pendentes na mesma comarca, ao processo a que respeitar o crime determinante da competência por conexão, segundo os critérios enunciados no artigo 28.º (pena mais grave, arguido preso, prioridade da notícia do crime) quando os agentes dos crimes forem os mesmos em todos os processos”;

- Decisão do conflito de competência do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de julho de 2018, (Processo n.º 870/17.3PBVIS-F.C1): “A conexão (subjectiva) prevista no artigo 25.º do CPP verifica-se apenas quando, em princípio, existe uma pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, para cujo conhecimento sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca”.

Neste global contexto, entendemos que territorialmente competente para a realização do julgamento no âmbito destes autos é o Juízo Local Criminal do Porto, concretamente a juiz 4, a quem o processo foi originariamente distribuído, o que, obviamente, nos dispensa de analisar o segundo argumento ali aduzido e decorrente da supra salientada reorganização judiciária.

Decisão:

Em consonância, e sem outros considerandos, pois que os temos como desnecessários, declara-se competente para proceder à realização do julgamento do supra referenciado processo nº 609/22.1SJPRT o Juízo Local Criminal do Porto, em concreto a Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

Observe de imediato o disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código de Processo Penal.

Não há lugar a tributação.


*
Porto, 25/06/2025.
O Relator[2]
(Moreira Ramos, Presidente da Secção)
(assinado electronicamente)
_______________
[1] A necessidade de plena identidade de arguidos é igualmente preconizada por António Gama in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal – Tomo I, Almedina, 2019, pp. 366-367, argumentando que “Discute-se a aplicação do normativo apenas aos processos em que o arguido é o agente dos vários crimes cujo julgamento é da competência de tribunais com sede na mesma comarca, ou se o normativo também se aplica quando há outros agentes. […] Parece-nos que o âmbito de previsão e aplicação da norma (conexão subjectiva), que é excepcional relativamente aos casos regra de conexão, visa apenas os casos de pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, para cujo conhecimento sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca. Esse foi o sentido da alteração legislativa, como se evidenciou no § 1, sem os inconvenientes do artº 55º do CPP/29”.
[2] Texto escrito composto e revisto pelo relator, com a opção de não observância das regras do acordo ortográfico, excepto nas importadas transcrições que mantêm a grafia do original (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).