PRISÃO PREVENTIVA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ACTOS SEXUAIS COM ADOLESCENTES
DÚVIDA RAZOÁVEL
Sumário

1. O juízo indiciário sustenta-se em prova séria e é formulado no tempo da aplicação da medida de coacção e não num hipotético futuro, em que outros meios de prova possam ser produzidos. E, não exige uma comprovação categórica e sem dúvida razoável, exigível para a condenação.
2. A imposição da medida de coacção de prisão preventiva é adequada às exigências cautelares que visam minimizar os perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas.
3. A medida de coacção de prisão preventiva é proporcional à gravidade da conduta criminosa do recorrente (crime de violência doméstica e crime de actos sexuais com adolescente) e, igualmente, à sanção que previsivelmente lhe será aplicada dentro da moldura pena de 2 a 5 anos de prisão e pena de 1 mês a 2 anos de prisão.
4. É necessária a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, por não existir outra medida de coacção que, em concreto, permita alcançar o mesmo nível de cautelas face aos perigos demonstrados pelo comportamento do recorrente.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
No processo de inquérito com n.º 296/25.5PBOER, foi proferido despacho a 27/02/2025 pelo Juiz 1 Juízo de Instrução Criminal de Cascais do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Oeste que determinou que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva e de proibição de contactos com a vítima, mesmo em estado de reclusão.
Inconformado o arguido apresentou as seguintes conclusões:
"1. Vem o presente recurso interposto do despacho de aplicação de medidas de coacção nos autos nº 296/25.5PBOER do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Instrução Criminal de Cascais – Juiz 1, que determinou que o arguido aqui ora recorrente devesse aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva.
2. O aqui recorrente não se conforma quanto à existência de indícios suficientemente fortes de verificação dos ilícitos indiciados e conducentes à verificação do perigo plasmado na al. c) do artigo 204º do CPP.
3. O despacho de que ora se recorre sustenta a aplicação da prisão preventiva com referencia à existência de fortes indícios de o arguido ter praticado os crimes de violência doméstica por referência ao artigo 152º nº 1 al. b), nº 2 al. a), nº 4 e nº 5, bem como o crime de acto sexual com adolescente prefigurado no artigo 173º, ambos do Código Penal fundando ainda nesses mesmos fortes indícios a verificação do perigo de continuação da actividade criminosa e perigo de perturbação da tranquilidade e ordem pública.
4. Escalpelizando os factos indiciários constantes do Auto de interrogatório temos que as factualidades incitas nos autos e conforme descritas, não se coadunam com a verdade material espelhada por esta.
5. O aqui recorrente negou a prática dos factos, sendo através da concatenação das suas declarações com o demais acervo indiciário até agora carreado para os autos que se extrairá a valoração probatória tendente à fundamentação e aplicação das medidas de coacção.
6. No que ao crime de violência doméstica diz respeito, indicia-se o arguido de ter praticado diversos actos tendentes a ofender, maltratar e limitar a liberdade da ofendida por meio de perseguição.
7. Do acervo indiciário constante do despacho recorrido não se consegue asseverar qual o tipo de relação existente entre o arguido e a ofendida, sendo apenas certo que ambos efectivamente se conhecem.
8. Dos referidos elementos de prova não se vislumbram comprovações insofismáveis acerca de qualquer actuação do aqui recorrente tendente a injuriar, perturbar, constranger ou maltratar a vítima, nomeadamente mensagens ou actos de cariz persecutório.
9. Quanto aos alegados maus-tratos psicológicos tudo o que se descreve nos factos indiciários tem suporte nas declarações da ofendida, bem como da progenitora da mesma, inexistindo demais prova quanto às injúrias e ao alegado comportamento abusivo e controlador por parte do arguido.
10. A versão apresentada pela progenitora revela-se tendenciosa e permeável à efabulação, porquanto além de não ter presenciado os factos que reporta, nem elucidar como é que estes terão chegado ao seu conhecimento, também não carreou para os autos elementos probatórios tendentes a confirmar a versão por si apresentada, a qual não se mostra consonante com aquela que é relatada pela aqui ofendida.
11. Refere a ofendida que era instada pelo aqui recorrente a enviar-lhe fotografias íntimas de cariz sexual para o "WhatsApp", e que era ameaçada pelo arguido a agir segundo as suas directrizes sob a seguinte ameaça: "se não fizeres o que te digo, nunca mais trabalho contigo".
12. Tais relatos não se mostram credíveis uma vez que não estão devidamente comprovados nos autos.
13. Sendo que, numa alegada relação mantida tendencialmente à distância, deveriam existir outros elementos de prova que não somente as declarações da própria ofendida e da sua progenitora que a nada assistiu nem qualquer prova possui.
14. Assim, inexistem nos autos mensagens ou meras alusões a conversas onde o arguido injuriasse a ofendida ou atentasse contra a sua dignidade enquanto pessoa.
15. Inexistindo também qualquer comprovativo, do envio de fotografias íntimas, sendo que estas últimas terão sido pedidas em conversação mantida à distância e a própria ofendida afirma terem sido remetidas através de "WhatsApp".
16. Em face da inexistência dos referidos comprovativos coloca-se seriamente em crise a veracidade das imputações que são feitas ao arguido.
17. No que concerne aos "prints" de alegadas conversações entre a ofendida e o arguido, bem como entre o arguido e amigos da ofendida, nada nos autos nos demonstra com cabal e escorreita certeza que o aqui recorrente seja interlocutor nas referidas conversações, uma vez que desses mesmos "prints" não consta um concreto contacto telefónico ou endereço de correio electrónico que possa ser imputado ao arguido.
18. Nesta senda, dos autos também não se conclui como é que esses mesmos "prints" foram obtidos, mormente de onde foram extraídos e se respeitaram os princípios legais vigentes para a sua junção aos autos.
19. Ainda sem conceder, os tais "prints" são inócuos quanto à matéria incriminatória aqui sub judice, mormente quanto a alegados abusos psicológicos e injúrias perpetradas pelo arguido.
20. No que concerne ao valor probatório atribuído às declarações da progenitora da ofendida, atente-se que a mesma refere ter confrontado o arguido sobre a relação entre este e a sua filha, o que afirmou ter feito através de uma fotografia dos dois a beijarem-se, sem que, no entanto, a referida testemunha tivesse junto a aludida fotografia aos autos, colocando novamente em crise a credibilidade das suas declarações.
21. À semelhança do que acontece com as alegadas fotografias em frente ao espelho tiradas através do telemóvel da progenitora e que esta asseverou terem como escopo a aprovação da indumentária da ofendida, se tais fotografias foram efectivamente tiradas com recurso ao seu telemóvel tendo chegado assim ao seu conhecimento directo, não se concebe como é que a referida testemunha não fez sequer chegar qualquer documento aos autos que possa atestar a versão por si apresentada.
22. Aqui chegados, salvo respeito por opinião diversa, estamos em crer que, dos autos não constam elementos indiciários suficientemente fortes que visem comprovar o ensejo do arguido em atentar contra a integridade da menor ou comprimir a sua liberdade de actuação.
23. No que afere à factualidade de o arguido se deslocar aos locais que a ofendida frequenta, por forma a coagi-la a reatar a suposta relação entre ambos, temos que nem a própria nem a sua progenitora foram capazes de concretizar as datas e locais onde tal tenha alegadamente ocorrido.
24. A única situação a que de facto existe referência concreta e onde se refere que o arguido terá estado presente com a finalidade de contactar com a ofendida é a de um espectáculo de dança ocorrido no dia ...-...-2025 na sede da ..., ocasião essa da qual, resulta do depoimento conjugado das testemunhas AA e BB que o arguido terá encetado conversações com a ofendida única e exclusivamente no sentido de lhe entregar um saco de papel que aquele transportaria consigo, sabendo-se posteriormente que eram pertences desta.
25. Refira-se que, nessa ocasião o arguido compareceu num espaço aberto ao público para assistir a um espectáculo de dança e fazer a entrega de alguns pertences da ofendida, o que fez na companhia de uma amiga sua, tornando por demais inverosímil a tese de que este quisesse perseguir a ofendida por forma a reatar uma eventual relação, mais se dirá quanto ao facto de este almejar atentar contra a integridade física daquela na presença de diversas pessoas.
26. Não obstante, nas suas próprias declarações, a ofendida apenas mencionou que recebe mensagens do arguido com periodicidade semanal, o que nos leva a duvidar do carácter persecutório ou ameaçador dos referidos contactos.
27. Aliás, das mesmas declarações da ofendida resulta, ser apenas mera convicção sua que o arguido estivesse a tentar reatar a alegada relação entre ambos, o que coloca em causa não só os acontecimentos relatados, como também as próprias eventuais motivações do arguido.
28. Dos elementos indiciários recolhidos não se vislumbra que a actuação do arguido tivesse como animus perturbar ou coagir a ofendida a fazer o que quer que fosse.
29. Assim, salvo melhor opinião em contrário, não se vislumbram indícios suficientemente fortes e inabaláveis para que se vejam preenchidos os elementos típicos da prática do crime de violência doméstica, pelo que o despacho de que ora se recorre deveria ter desconsiderado a forte indiciação do aqui recorrente quanto à prática do aludido crime.
30. Quanto ao crime de actos sexuais com adolescentes, dos elementos indiciários carreados para os autos não se vislumbram referências a que o arguido fosse conhecedor da real idade da ofendida.
31. Tampouco resulta da prova testemunhal ou documental existente nos autos que tivesse havido quaisquer toques nas partes íntimas do corpo da ofendida, abraços ou carícias entre esta e o arguido.
32. Fazendo a confrontação entre as declarações da ofendida e o depoimento da sua progenitora, encontramos uma grave incongruências e contradição pois que, se esta última refere que a filha lhe terá confidenciado ter tido actos de cariz sexual com o arguido, a dúvida é adensada pela declarações da própria filha onde esta refere nunca ter praticado actos de cariz sexual com o arguido.
33. Ainda que se atente ao depoimento da testemunha AA onde este afirma ter detectado ambos aos beijos numa determinada ocasião, a mesma testemunha não refere a que tipo de beijos assistiu, qual a sua intensidade, duração, ou até mesmo se presenciou quaisquer outros actos – elementos os quais se reputam indispensáveis quanto à aferição da prática de um eventual acto sexual de relevo.
34. Assim, salvo melhor opinião em contrário, nos presentes autos inexistem elementos que nos permitam indiciar de forma suficiente e inabalável a concretização de uma conduta por parte do arguido tendente a preencher os elementos típicos do crime de actos sexuais com adolescente.
35. Mesmo que a relação - seja ela qual for, entre o arguido e a ofendida seja socialmente censurável tendo em conta o fosso etário existente entre ambos, os acontecimentos que aqui se permitem indiciar não revestem só de per si natureza criminal.
36. Pelo que, será excessivo confundir-se a censurabilidade que a sociedade atribui ao relacionamento entre um adulto e uma adolescente de 15 anos, com a censurabilidade que possa advir da prática de eventuais crimes no contexto dessa mesma relação, sendo que no caso em concreto não se nos afigura existirem factualidades aptas e idóneas a preencher, ainda que em abstracto, os elementos típicos de qualquer ilícito punível.
37. Por todo o já discorrido, entende o aqui recorrente que o Tribunal a quo teve uma apreciação errónea do acervo indiciário apresentado ao indiciá-lo fortemente pelo crime de violência doméstica e prática de actos sexuais com adolescente, respectivamente previstos e punidos por referência ao artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e artigo 173.º, n.º 1 e nº 2, ambos do Código Penal.
38. No que concerne à escolha e aplicação das medidas de coacção, esta tem necessariamente de considerar os princípios da legalidade, excepcionalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.
39. Para que sejam aplicadas as medidas de coacção, terão de verificar-se, no momento da aplicação, algum dos requisitos constantes do art.º 204º do CPP.
40. O Tribunal a quo considerou que, quanto ao arguido e aqui recorrente se verifica o perigo de continuação da actividade criminosa e perturbação da ordem e tranquilidade pública.
41. O Tribunal a quo deveria ter tido em consideração as circunstâncias dos alegados crimes, a personalidade do arguido, mas também as suas condições socioeconómicas e valorar correctamente os seus antecedentes criminais.
42. A fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo é sustentada numa perspectiva de possibilidade de continuação da actividade delituosa, tendo o despacho considerado o aqui recorrente actuou movido por um sentimento de ciúme e posse em relação à ofendida, alheando-se das consequências que a diferença de idades entre ambos poderia provocar, em especial no que toca à gestão emocional das questões que lhe suscitou, mais referindo que apesar de o arguido não ter exercido qualquer violência física em relação à ofendida, não se poderá deixar de ater quanto a uma anterior condenação de 8 anos de prisão em razão de um homicídio qualificado na forma tentada em contexto de violência doméstica, o qual é revelador da sua personalidade.
43. O Tribunal a quo não relevou devidamente o modo de vida organizado, estruturado e socialmente integrado do aqui recorrente, bem como não relevou correctamente que a aludida condenação ocorrera em 2013, ou seja, volvidos cerca de 12 anos sem que o aqui recorrente tivesse praticado quaisquer crimes.
44. Uma vez que o aqui recorrente saiu em liberdade condicional ainda no ano de 2018, desde essa data até então este encontra-se plenamente inserido laboral e socialmente, dispondo de um agregado familiar que lhe provém todo o apoio necessário à prossecução de uma boa ressocialização, sem que haja qualquer necessidade do cometimento de ilícitos puníveis.
45. Tal amparo é ainda corroborado pela existência e forte presença de um círculo social de amigos com o qual o arguido se relaciona no seu quotidiano.
46. Conforme decorre da lei, o perigo de continuação da actividade criminosa não se confunde, necessariamente, com a consumação de novos actos criminosos, devendo para o efeito ser aferido em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido neles revelada.
47. Assim, após uma análise cuidada do acervo indiciário podemos verificar que, dos elementos indiciários constantes dos autos não se vislumbram elementos que permitam indiciar suficientemente o arguido pela prática dos crimes que lhe são imputados, aferindo também que inexistem referências concretas, nomeadamente através da recolha de elementos de prova, de comportamentos agressivos por parte do ora arguido para com a ofendida.
48. Ainda que não nos possamos olvidar da condenação anterior do arguido, certo é que a mesma ocorreu há 12 anos, tendo o recorrente passado por um período de reclusão e posterior ressocialização.
49. Desta forma, nem as condições psicossociais do arguido são as mesmas da época, nem o próprio comportamento do arguido para com a ofendida tem qualquer semelhança com o que se passara anteriormente.
50. O que deveria ter sido correctamente relevado pelo Tribunal a quo, pois somente se nos atermos no caso concreto dos autos podemos extrair elementos sobre a personalidade do arguido, à época dos factos a que se reporta a casuística ora em apreço, ou seja no decorrer dos anos de 2024 e 2025.
51. No que concerne à verificação de efectivo perigo de continuação da actividade criminosa entende o Tribunal da Relação de Coimbra em Acórdão datado de 22-02-2023 que "O perigo é sempre um risco, uma probabilidade de acontecimento, não um facto histórico, e por isso a sua afirmação tem que ser inferida de factos suficientemente indiciados", referindo o mesmo Acórdão que "O perigo de continuação da actividade criminosa não tem como finalidade acautelar a prática de qualquer futuro crime, mas acautelar, apenas e só, a continuação da actividade delituosa que nos autos é indiciariamente imputada ao arguido.".
52. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não andou bem ao motivar o seu entendimento na mera probabilidade do cometimento de outros crimes, ainda que de natureza análoga, uma vez que a proibição e imposição de condutas, aliado ao facto de o arguido somente agora conhecer que contra ele corre determinado inquérito, seria suficiente só de per si para coarctar a continuação de quaisquer contactos entre este e a ofendida.
53. Isto porque, conforme resulta também do despacho recorrido, o arguido nunca utilizou qualquer violência física sobre a ofendida.
54. Assim, inexistem nos autos elementos que nos tragam ao conhecimento quaisquer comportamentos agressivos por parte do aqui recorrente para com a ofendida.
55. Desta feita, em face da natureza e circunstâncias concretas do caso sub judice, qualquer outra medida restritiva de contactos entre a ofendida e o arguido seria suficiente para afastar a eventual verificação do perigo de continuação da actividade criminosa aqui indiciada.
56. No mais, inexistem factos indiciários ou circunstâncias que nos permitam indiciar uma forte probabilidade, ou até mesmo qualquer necessidade e motivação para a continuação da alegada actividade criminosa que aqui ora se indicia.
57. Ao aqui recorrente não pode assacar-se-lhe um concreto perigo para a integridade física da ofendida, pelo que deveria o Tribunal a quo ter desconsiderado a existência do propalado perigo.
58. Relativamente ao perigo de perturbação da ordem pública, entende o Tribunal a quo estar verificado o perigo de perturbação da ordem pública referindo que "- O descontrolo emocional do arguido agrava o perigo de continuação da actividade criminosa e torna o risco de possíveis consequências mais desastrosas intolerável para a comunidade em geral, sobretudo tendo em atenção o seu recente comportamento anterior."
59. No entanto, é entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 12-02-2019, o qual refere quanto a este perigo que "este deve ser aferido e entendido como reportando-se ao previsível comportamento do arguido e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que o mesmo pudesse gerar na comunidade".
60. Na mesma esteira, entende o Tribunal da Relação de Coimbra em Acórdão datado de 22-02-2023 o qual consigna que "O perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas deve ser reportado a previsível comportamento no futuro imediato do arguido, resultante da sua postura ou actividade, e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que pode gerar na comunidade, pois não é a gravidade do crime indiciado e o consequente alarme social gerado que aqui estão em causa."
61. O que contraria largamente a motivação apresentada pelo Despacho de que ora se recorre quanto à perigosidade do aqui recorrente para a ordem e tranquilidade públicas, uma vez que se deve atender ao previsível comportamento do agente e não ao crime indiciariamente cometido.
62. Assim, o facto de o aqui recorrente ter a sua vida organizada, actividade profissional regular, residir a uma distância considerável da ofendida, bem como não ter carta de condução, faz com que se possa atender a um juízo de prognose favorável quanto à potencial perigosidade deste e da perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
63. Ademais, inexistem nos autos quaisquer outros indícios que permitam inferir quanto à perigosidade do comportamento imediato do aqui recorrente para a ordem e tranquilidade pública.
64. Pelo que, o juízo a fazer-se acerca dessa perigosidade imediata deve atender a um carácter concreto por referência a elementos factuais que revelem ou indiciem o propalado perigo de que este continue a delinquir, e não uma mera presunção abstracta e genérica.
65. Em face do exposto, e salvo melhor opinião em contrário, ao considerar verificado o perigo de continuação da actividade criminosa e perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas conforme descrito no despacho de que ora se recorre, o Tribunal a quo não valorou convenientemente os elementos indiciários carreados para os autos, bem como não valorou devidamente as circunstâncias pessoais do arguido aqui ora recorrente.
66. O despacho de que ora se recorre descura a preferência da aplicação de quaisquer outras medidas de coacção, em detrimento da medida de última ratio que é a prisão preventiva.
67. Esta natureza excepcional faz, como dispõe o Artigo nº193 CPP, recair sobre o juiz o ónus de demonstrar cabalmente que qualquer medida de coacção menos gravosa não cumpre de forma adequada as exigências cautelares.
68. Não chega afirmar como no caso do Despacho de que ora se recorre que " – Uma medida de obrigação de apresentações periódicas no OPC seria, em absoluto ineficaz e inadequado no quadro acima referido".
69. A proibição da arbitrariedade e de qualquer excesso na aplicação da prisão preventiva, são corolário da credibilização de qualquer Estado de Direito Democrático.
70. O Princípio da Presunção de Inocência consagrado no artigo 11º da DUD, bem como no nº 2 do artigo 60º da CEDH, ou ainda no nº2 do artigo 14º do PIDCP, exige que seja aplicada a medida de coacção menos gravosa e lesiva de entre todas as admissíveis, com respeito aos Princípios da Intervenção Mínima, Adequação, Necessidade e Proporcionalidade dispostos no artigo 193º do CPP.
71. Em face do exposto, o Tribunal a quo não demonstrou concretamente o motivo pelo qual outra medida de coacção menos gravosa não cumpria as exigências cautelares de forma adequada.
72. No que toca à ponderação entre a prisão preventiva e a OPHVE, afirma o despacho recorrido que "- Contrariamente ao disposto no art.º 193º, nº 3, do CPP, a medida de OPHVE não se revela adequada nem eficaz contra os perigos acima enunciados, sendo certo que a criminalidade de natureza passional e emotiva como a presente, pelos impulsos que a movem, revela-se pouco sensível a medidas de controlo meramente electrónico ou remoto, sobretudo quando o arguido revela absoluta incapacidade de controlar os seus impulsos e apresenta um comportamento anterior marcado pela violência em contexto de violência doméstica que configurou tentativa de homicídio de contornos preocupantes. - Por outro lado importará apurar se o arguido ainda tem na sua posse fotografias íntimas da vítima não sendo de descartar um uso nefasto caso as detivesse e dispusesse de internet.".
73. Ora, a medida de coacção da prisão preventiva jamais poderá ser aplicada no espírito de preparação de uma posterior condenação, nem pode envolver qualquer juízo de antecipação de uma futura condenação.
74. O Princípio da Proibição do excesso vertido no supra-referido Princípio da Proporcionalidade refere que a aplicação da prisão preventiva está condicionada à inadequação e à total insuficiência de qualquer outra medida de coacção.
75. Ainda que por mera cautela de patrocínio se concedesse quanto à insuficiência de uma medida não privativa da liberdade e cuja necessidade culminasse na aplicação de uma medida de coacção privativa de liberdade, a ponderação deveria ter levado o Tribunal a quo a optar por medidas menos gravosas que não a medida de última ratio.
76. Nomeadamente aquelas que de forma mais comum são aplicadas em situações idênticas às dos autos como a obrigação de apresentações periódicas, proibição de contactar, por qualquer forma ou meio com a ofendida, proibição de permanecer a determinada distância da ofendida com recurso a medidas electrónicas de vigilância, ou até mesmo a Obrigação de Permanência na Habitação (OPHVE).
77. Relativamente à insuficiência e inadequação da OPHVE no que se reporta ao caso em concreto, importa escalpelizar os argumentos aduzidos no despacho de que ora se recorre.
78. Não nos podemos compadecer com o argumento da natureza "passional e emotiva" dos crimes aqui em discussão nos presentes autos, porquanto e conforme já discorrido, do acervo indiciário não se extrai com exactidão qual a relação subjacente o arguido teria com a ofendida.
79. Sendo certo que, essa certeza não poderá ser percepcionada através dos "prints" de mensagens existentes, uma vez que nenhum deles comprova, com o carácter de certeza necessário, que se reportem a conversações mantidas efectivamente entre o aqui recorrente e a ofendida.
80. Quanto a esta parte, também os depoimentos das testemunhas são inócuos porquanto as declarações da progenitora além de não serem isentas, apresentam diversas incongruências com o relatado pela própria ofendida, sendo que a testemunha BB apenas sabe da suposta relação amorosa porque a progenitora da ofendida lhe disse, e a testemunha AA referiu apenas ter presenciado ambos aos beijos numa única ocasião, nada mais sabendo acerca da suposta relação.
81. Aqui chegados, uma vez que a proibição de contactos e de permanência a determinada distância das vítimas é a medida de coacção preferencial e mais utilizada nos casos análogos aos dos crimes ora imputados ao arguido, não podemos concordar com o Tribunal a quo quando este afirma que estas medidas se revelam completamente inadequadas à protecção e bem-estar da ofendida.
82. Além de o arguido deter residência a mais de 30 Km da vítima, não disponde de meios de deslocação próprios.
83. A própria ofendida reside com ambos os progenitores e, em face da sua idade, está praticamente todo o tempo acompanhada por estes ou outros adultos da sua confiança.
84. Mas mais, o despacho recorrido também não sindica qual a motivação para se afirmar que o arguido "revela absoluta incapacidade de controlar os seus impulsos".
85. Se, dos autos não se extraem elementos onde se vislumbre que o arguido, à data dos factos fosse uma pessoa violenta, possessiva, controladora ou que pretendesse atentar contra a integridade física da ofendida.
86. Temos também que, a mera referência à anterior condenação do arguido não se reporta à actualidade, tampouco a um passado recente, uma vez que já decorreu um considerável lapso temporal, o qual foi pautado por um reconhecido percurso de ressocialização, coroado pela ausência de qualquer prática delituosa.
87. Ora, se dos autos não se infere que o aqui recorrente quisesse atentar contra a integridade física da ofendida.
88. Tal é atestado pela própria ofendida, a qual por não se sentir realmente em perigo e receosa, mas apenas incomodada, prescindiu da protecção por meios de teleassistência.
89. Uma vez que a progenitora e legal representante da ofendida anuiu à eventual utilização de meios técnicos para o controlo de uma distância a ser mantida entre esta e o arguido, não se concebe qual a ratio do Tribunal a quo para relevar de forma tão intensa a possibilidade de o aqui recorrente praticar quaisquer actos atentatórios quanto a integridade física da vítima.
90. Igual exercício de intelecção deverá ser feito quanto aos perigos para a integridade psicológica da vítima porquanto os contactos entre esta e o arguido recorrente tinham apenas uma periodicidade semanal, e sem que deles tivesse resultado qualquer comportamento apto e idóneo a causar temor à ofendida.
91. Não obstante, ao arguido foram-lhe apreendidos todos os dispositivos electrónicos que este detinha à sua disposição, mormente aqueles através dos quais alegadamente efectivava tais contactos.
92. Quanto à mera hipótese do recorrente deter quaisquer fotografias íntimas da ofendida, a existência destas não se encontra devidamente demonstrada nos autos.
93. Ainda assim, pela forma como a ofendida relatou tê-las remetida ao arguido, estas circunscrever-se-iam ao dispositivo onde terão sido recepcionadas, dispositivo esse que conforme já se disse, se encontra apreendido.
94. No mais, atente-se ainda ao facto de ter sido o próprio arguido a colaborar na descoberta da verdade material, pois além de procurar esclarecer os factos que lhe foram imputados e trazer aos autos a sua versão dos mesmos, foi o próprio quem autorizou a realização das buscas à sua residência.
95. Assim, estamos em crer que a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido se afigura terminantemente excessiva face aos indícios existentes nos presentes autos, bastando para a manutenção da segurança da ofendida e para a perpetuação da paz social, a medida de coacção de proibição de contactos proposta pelo próprio Ministério Público, ou seja, o órgão titular do inquérito.
96. Pelo exposto, o Tribunal a quo não relevou de forma conveniente, o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva consagrado constitucionalmente no artigo 28º nº 2 da CRP e previsto nos nº 2 e 3 do artigo 193º do CPP, tendo em vista a aplicação de medida de coacção menos gravosa, ainda que privativa de liberdade como é o caso da OPHVE, cumulativamente ou não com a proibição de contactar, por qualquer forma ou meio, com a ofendida.
97. Por se entender desadequada, desproporcional e manifestamente excessiva deverá ser, desde já, revogada a medida aplicada, sendo substituída por outra que respeitando a Lei, obedeça ao legislador.
98. O Recorrente tem casa e família à sua espera pelo que, caso assim se entenda, aceita e presta desde já consentimento expressa à sua sujeição à medida de coacção prevista no artigo 201° do Código de Processo Penal – Obrigação de Permanência na Habitação, com recurso a meios de controlo à distância (OPHVE), podendo esta ser cumulada com quaisquer imposições e proibições de conduta".
O Ministério Público apresentou resposta, tendo concluído pela improcedência do recurso e para tal formulou as seguintes conclusões:
"1 – O recurso interposto pelo arguido veio impugnar o despacho judicial proferido em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, no dia ...-...-2025, que aplicou a CC a medida de prisão preventiva.
2 – O arguido vem recorrer da decisão proferida quanto à matéria de facto, considerando não se encontrarem suficientemente indiciados factos passíveis de se subsumir aos crimes de violência doméstica e de actos sexuais com adolescente, e quanto à matéria de Direito, por considerar que não se verificam exigências cautelares que justifiquem a aplicação ao arguido da medida de prisão preventiva, violando-se com essa aplicação os princípios da subsidiariedade, da adequação, da proporcionalidade e da necessidade, consagrados no artigo 193º do Código de Processo Penal.
3 – Salvo o devido respeito, o Ministério Público entende que, ao contrário do que se alega no recurso, a decisão recorrida não padece de qualquer vício, nem na decisão sobre a matéria de facto nem na aplicação do Direito, estando fortemente indiciados todos os factos e crimes graves imputados ao arguido, sendo urgente a necessidade de prevenir a continuação da actividade criminosa contra esta vítima tão jovem e vulnerável, exigência cautelar que apenas se satisfaz com a prisão preventiva.
4 – Começando por analisar os argumentos aduzidos no recurso, para impugnar a decisão sobre a matéria de facto quanto ao crime de violência doméstica, importa rebater todos os pontos invocados e concluir que os factos enunciados se encontram indiciados.
5 – Quanto ao tipo de relação entre o arguido e a ofendida, está sobejamente comprovada a sua natureza como relação de namoro, o que resulta das declarações da própria vítima menor, DD, prestadas a fls. 52, que disse ter mantido uma relação de namoro com o arguido, não havendo quaisquer dúvidas quanto a esse ponto.
6 – Essa natureza amorosa da relação do arguido com a menor é corroborada pelo teor das mensagens juntas aos autos, o print de mensagens trocadas entre o arguido e amigos da ofendida de fls. 25 a 27, o print de mensagens trocadas entre o arguido e a ofendida de fls. 28 a 45, e o print de mensagens trocadas entre o arguido e a mãe da ofendida de fls. 46 a 47, as quais comprovam que o arguido e a ofendida eram namorados, trocando entre si mensagens típicas de namorados, com cariz emocional característico desse tipo de relação, pelo que não tem qualquer sentido o alegado no recurso, ao invocar que não está provada a relação de namoro do arguido com a ofendida.
7 – Perante este acervo probatório, as declarações do arguido ao alegar que não tinha uma relação de namoro com a ofendida pecam por falta de credibilidade, até porque ele próprio acabou por admitir ter dado beijos na boca da menor, acto de cariz sexual característico de uma relação de namorados, contradizendo tudo o que ele próprio alega tanto no interrogatório como no recurso, ao declarar que não eram namorados.
8 – O facto de a mãe da menor apenas ter um conhecimento indirecto dos factos e, por isso, não ter presenciado beijos e trocas de carícias entre a filha e o arguido, não se contesta, contudo a demais prova produzida nos autos, designadamente as declarações das testemunhas que viram o arguido e a menor aos beijos e sabiam que os dois eram namorados (como declarou a testemunha AA a fls. 56), comprovam a natureza da relação amorosa que existiu entre o arguido e a menor, DD.
9 – Quanto à prova dos factos nº 13 e 14, o envio de fotografias pela ofendida ao arguido, fotografias íntimas da menor ou fotografias da menor mostrando as roupas que vestia para o arguido aprovar se podia ou não sair de casa com esse vestuário, é certo que na fase em que se realizou o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tais fotografias e as mensagens trocadas com as fotos ainda não constam dos autos.
10 – Contudo a prova desses factos, nesta fase inicial do processo, resultava já das declarações da própria ofendida, de fls. 52, que relatou esses factos sem hesitação, os quais foram depois confirmados a fls. 14 pela mãe da menor, que teve conhecimento das fotografias que a filha teve de enviar ao arguido, por as ter visto no telemóvel da menor, tendo também conhecimento das mensagens trocadas entre ambos.
11 – Existe assim prova destes factos nº 13 e nº 14, mesmo não constando ainda tais fotografias e mensagens do processo, com base nos mencionados depoimentos.
12 – Em relação ao ponto em que o recorrente alega não existir prova de insultos dirigidos pelo arguido à vítima, importa precisar que a maioria das expressões que o arguido dirigia à jovem ("és vulgar, isso não é forma de uma mulher se vestir") e que vêm descritos no despacho recorrido, não constituem insultos típicos e habituais, mas antes formas mais sofisticadas de rebaixar uma pessoa, fazendo-a sentir mal consigo própria, o que arguido fez repetidamente em relação à menor, o que constitui uma forma de violência psicológica passível de integrar o crime de violência doméstica.
13 – Aliás, das mensagens juntas aos autos a fls. 28 a 45, trocadas entre o arguido e a ofendida, extraídas do telemóvel desta, constam já diversas expressões que denotam que CC exercia violência psicológica sobre a jovem DD (dizendo-lhe por exemplo "tás parva, ingratidão, egoísta, vazia, com complexos de superioridade") entre outras mensagens de teor persecutório que rebaixam e humilham a vítima e mostram o controlo que o arguido sobre ela exercia, obrigando-a a trocar com ele mensagens durante toda a noite para tentar justificar a sua vida passada.
14 – Tais mensagens são tudo menos inócuas, ao contrário do que se alega no recurso.
15 – Quanto à prova do remetente dessas mensagens, de fls. 28 a 45, sendo certo que das mesmas não consta a identificação do nº de telemóvel, o depoimento da ofendida e da sua mãe, o facto do remetente estar identificado no telemóvel da menor ofendida como "EE" (epíteto característico de namorados), constitui prova suficiente, nesta fase do inquérito, de que foi o arguido que remeteu tais mensagens à menor ofendida, para a rebaixar, para a perseguir, para a fazer sentir-se mal e para a controlar.
16 – O facto da mãe da ofendida ter comunicado com o arguido e ter acesso ao nº de telemóvel do mesmo não causa qualquer estranheza nem afecta a credibilidade do depoimento de FF, na medida em que é natural a mesma ter pedido o nº do arguido à filha quando se apercebeu que a menor estava a sofrer aquele tormento causado por uma relação abusiva com um homem mais velho, assim como é natural que a mãe da menor tenha pedido satisfações ao arguido por mensagem telefónica, como atestam as mensagens de fls. 46 a 47, nas quais a mesma se limita a dizer ao arguido "boa noite, não são horas para estar ao telemóvel com a minha filha" (mensagem remetida dia ...-...-2024 às 00:50).
17 – Ao contrário do que se alega no recurso, tal mensagem enviada pela mãe da ofendida ao arguido, não afecta minimamente a credibilidade do depoimento de FF, pelo contrário, comprova que a mesma conhecia a relação de namoro do arguido com a filha, mesmo antes da relação terminar, comprova que estava preocupada com o mal que essa relação abusiva estava a provocar na saúde da filha e decidiu, como mãe que se preocupa, intervir em defesa da filha e comunicar directamente com o arguido, causador dessa perturbação na vida da menor.
18 – Não existe nada de insólito nessa comunicação da mãe da menor com o arguido, homem muito mais velho que a filha, sendo perfeitamente natural e compreensível, não retirando qualquer crédito ao depoimento desta testemunha importante.
19 – Relativamente às perseguições do arguido à ofendida após o fim do namoro, nos meses de ..., descritas nos factos nº 16 a 18, através de mensagens e encontros presenciais, resultam provadas não só com base no depoimento da menor ofendida (que declarou a fls. 54 "possui mensagens escritas que comprovam que o denunciado a perseguia dizendo-lhe que tem saudades suas e que quer voltar para a relação"), como com base nos demais depoimentos testemunhais prestados.
20 – O facto dessas mensagens não constarem ainda do processo, tem a ver com a fase inicial do inquérito no momento em que o arguido foi detido e presente a primeiro interrogatório, não tendo ainda nessa fase inicial sido examinados os telemóveis do arguido e da ofendida, o que não retira valor probatório aos depoimentos testemunhais prestados que descreveram tais perseguições nos meses de ... e ....
21 – É, aliás, neste contexto que deve ser encarado e entendido o episódio de ...-...-2025, único em que há testemunhas, que atestaram o extremo nervosismo que a presença do arguido num evento de dança em ... provocou na menor, o que apenas se compreende quando se toma em consideração toda a perseguição, todos os actos de violência psicológica que o arguido vinha exercendo sobre a vítima nos meses antecedentes, ao ponto de lhe afectar a saúde mental e o aproveitamento escolar.
22 – Assim, ao contrário do que se alega no recurso, este episódio na sede da ..., é tudo menos um acto isolado, é o culminar de uma perseguição e violência psicológica de meses, que provocaram muito sofrimento na menor, só assim se compreendendo que a mesma ao ver o arguido tenha entrado em pânico e começado a chorar.
23 – No que toca à matéria de facto relativa ao crime de actos sexuais com adolescente, mais uma vez todos os argumentos invocados no recurso carecem de sentido e lógica.
24 – O recorrente alega que nada prova que o arguido conhecesse a idade real da ofendida, contudo basta escutar as declarações do arguido prestadas em primeiro interrogatório judicial para o ouvir dizer que sabia que DD tinha 15 anos quando se relacionou com ela, contradizendo o que se invoca no recurso.
25 – A mesma contradição probatória existe quando se invoca que não existe prova de terem existido toques do arguido nas partes íntimas do corpo da ofendida.
26 – Em primeiro lugar, o próprio arguido admitiu ter dado beijos na boca da menor, o que constitui um acto sexual de relevo, um toque numa parte íntima do corpo da ofendida.
27 – Em segundo lugar, a testemunha AA também declarou a fls. 57 ter visto o arguido e a menor aos beijos, em ..., escondidos junto a um acesso das casas de banho do edifício ..., o que denota terem trocado carícias com toques nas partes íntimas do corpo da menor.
28 – O depoimento desta testemunha, ao contrário do que se alega no recurso, é tudo menos impreciso, dizendo quando, onde e como é que viu o arguido a beijar a boca da menor, sendo um meio de prova suficiente desse facto.
29 – Por fim, apesar do depoimento de DD inicialmente prestado a fls. 52 ter sido vago a este respeito, denotando desconforto com a situação, nas declarações para memória futura entretanto prestadas pela menor em ...-...-2025, DD declarou de forma muito mais explícita e descritiva os actos sexuais que praticou com o arguido, mais graves do que os que lhe foram inicialmente imputados, não havendo por isso dúvidas quanto à prova desse crime de actos sexuais com adolescente.
30 – Ponderada toda a prova produzida e supra examinada, rebatendo todos os argumentos invocados no recurso na tentativa de impugnar a decisão da matéria de facto, conclui-se sem margem para dúvida que, independentemente de ainda haver diligências de investigação por realizar, estão já fortemente indiciados os factos imputados ao arguido, que integram a prática dos crimes de violência doméstica e de actos sexuais com adolescente, crimes muito graves que causam alarme social e determinaram justificadamente a prisão preventiva do arguido.
31 – Em relação à matéria de Direito, contrariamente ao invocado pelo recorrente, verificam-se as exigências cautelares mencionadas no despacho recorrido, de forma tão imponente que apenas a prisão preventiva é apta a prevenir.
32 – Quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa, em primeiro lugar, o Tribunal não baseou a sua conclusão simplesmente no facto do arguido ter antecedentes criminais pela prática de um crime de homicídio no contexto de violência doméstica, examinando essa exigência cautelar com base nos factos imputados ao arguido, que denotam ter o mesmo agido "movido por um forte sentimento de posse sobre a vítima jovem de 15 anos de idade, ciúme que o leva a impor a sua presença (…) demonstrando um absoluto desprezo pelo bem estar psicológico de uma jovem de 15 anos de idade com quem se predispôs a manter uma relação de amorosa, não obstante conhecer a diferença de idades e das consequências que esse facto traria na forma de lidar com as questões emocionais que iria suscitar".
33 – O primeiro fundamento para alicerçar a conclusão quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa não são os antecedentes criminais do arguido, mas sim as características específicas do caso em apreço, o ascendente, o controlo, a pressão psicológica que o arguido, homem mais velho (de 40 anos), exerceu sobre a ofendida, uma adolescente de 15 anos, muito jovem e imatura, vulnerável a essa violência psicológica e que não se conseguiu libertar da pressão que sobre ela exercia o arguido, que actuava para com a vítima como se a mesma fosse sua propriedade.
34 – Este contexto de violência doméstica, cometida através da internet, do telemóvel, das redes sociais, à distância mas com um pendor de controlo absoluto sobre a vida da vítima, é um fenómeno recente que, apesar de não envolver necessariamente violência física, não é menos nefasto, traduzindo-se em actos de controlo de um agressor sobre uma vítima capazes de reduzir a ofendida a um estado de grande depressão e submissão, lesivo dos seus direitos e da sua liberdade.
35 – Tais actos de controlo à distância e violência psicológica são ainda mais lesivos quando a vítima é uma jovem vulnerável, incapaz de se impor à acção violenta e manipuladora do agressor, como é o caso da vítima dos presentes autos.
36 – Foi este contexto, infelizmente cada vez mais frequente nas relações amorosas entre jovens, desenvolvidas em casa à distância de uma mensagem de telemóvel ou de uma publicação nas redes sociais, que foi devidamente ponderado pelo Tribunal para concluir, com base na facilidade que o arguido mesmo à distância tinha de fazer mal à vítima, que é muitíssimo elevado o perigo de continuação da actividade criminosa, perigo que apenas se previne com a prisão preventiva do agressor.
37 – Acresce que o arguido, homem adulto, com capacidade de movimento, ao contrário da vítima que é menor e vive na dependência dos pais, poderia em liberdade continuar a deslocar-se da sua casa, em ..., até à zona da residência da vítima, em ..., para a abordar na rua e nos locais que sabe que a mesma frequenta, para a continuar a perseguir e assediar, para continuar a afectar a sua liberdade e o seu desenvolvimento enquanto pessoa menor de idade.
38 – Esse perigo é real, nada tem a ver com os antecedentes criminais do arguido.
39 – Quanto aos antecedentes criminais do arguido, apesar de não ter sido o primeiro fundamento do Tribunal para concluir pela existência de um forte perigo de continuação da actividade criminosa, ao contrário do que se alega, não deixou de ser um factor de peso na apreciação dessa exigência cautelar.
40 – Mesmo sendo antigos os factos pelos quais o arguido foi condenado (de 2013), as características de tais crimes não podem ser ignoradas, ao contrário do que o recorrente alega, na medida em que o arguido foi condenado pela prática contra outra mulher de três crimes num contexto de violência doméstica, um crime de introdução em lugar vedado ao público, um crime de dano simples, e um crime de homicídio qualificado na forma tentado contra a namorada de então, cometido com uma faca que usou para esfaquear a vítima no peito e na barriga, só não a matando por pouco.
41 – Estes factos mesmo antigos mostram que o arguido tem uma personalidade violenta, que é obsessivamente ciumento, que não lida bem com as relações amorosas quando as namoradas têm outro namorado (como aconteceu com a infeliz vítima do processo nº 246/13.1PBVFX que foi esfaqueada, sobrevivendo por sorte), e que por isso é um homem perigoso que poderá vir a fazer muito mais mal à vítima DD do que já fez até aqui, sendo elevadíssimo o perigo de continuação da actividade criminosa, tão elevado que apenas a prisão preventiva o acautela.
42 – Acresce que a circunstância dos factos pelos quais o arguido foi condenado no processo nº 246/13.1PBVFX serem antigos, com mais de dez anos, não significa que o mesmo tenha feito um caminho relevante de ressocialização e correcção do seu comportamento agressivo para com as mulheres, na medida em que CC foi condenado nesse processo numa pena de 8 anos de prisão, tendo passado a maior parte dos últimos anos num Estabelecimento Prisional onde não poderia cometer crimes de violência doméstica contra outras mulheres, apenas saindo em liberdade em ..., não significando que tenha um comportamento exemplar relevante.
43 – Antes pelo contrário, após sair em liberdade definitivamente em ...-...-2021 (cfr. CRC a fls. 77), o arguido demorou pouco mais de dois anos até que, em inícios de 2024 começou mais uma relação amorosa abusiva com a jovem vítima destes autos, exercendo sobre a mesma actos de violência psicológica que, se não fossem travados com a sua detenção e prisão preventiva, poderiam muito provavelmente desembocar em actos de grave violência física, como os que praticou contra a antiga companheira em ..., antes de ter sido preso.
44 – Não se pode por isso concluir, com base nesse hiato temporal desde o último crime, que os antecedentes criminais do arguido não têm relevo por serem muito antigos, pois o mesmo só não cometeu crimes nos últimos anos porque esteve sempre preso.
45 – Ademais, nada nos autos sustenta a conclusão do recorrente, ao invocar que o mero conhecimento da pendência deste processo seria bastante para prevenir a continuação da actividade criminosa e fazer o arguido cessar com o comportamento violento para com a jovem vítima, na medida em que mesmo depois de ter sido condenado por crimes violentíssimos contra a ex-namorada (incluindo homicídio), mesmo depois de ter cumprido uma pena de oito anos de prisão por esses crimes, o arguido não se coibiu de, pouco tempo após ter saído em liberdade, voltar a cometer crimes de violência doméstica contra uma nova namorada, desta feita muito mais nova e vulnerável do que ele, a menor DD de 15 anos, que não tem capacidade de fazer frente a um homem tão violento como o arguido, CC, condenado por homicídio de outra mulher.
46 – Neste cenário, nada permite concluir que o arguido, que já esteve preso e mesmo assim continua a ser violento com as mulheres, ao saber da existência deste processo iria cessar a sua conduta violenta, nada atenuando o perigo elevadíssimo de continuação da actividade criminosa, ao contrário do que se alega no recurso.
47 – O facto de no caso "sub judice" o arguido não ter usado (ainda) violência física contra DD, não torna a sua actuação menos grave, na medida em que os maus tratos psicológicos e os actos sexuais contra essa menor, incapaz de se defender dada a sua idade, são muito graves e afectaram severamente a saúde da jovem ofendida, como se encontra comprovado nos autos, com base no relatório psicológico de fls. 21.
48 – Como supra se explanou, no actual contexto de relações amorosas à distância e através da internet, em que os jovens se relacionam mais através do telemóvel e das redes sociais, a violência cometida dessa forma não é menos grave que a violência física, principalmente quando as vítimas são menores de idade, tendo em conta as consequências muito nefastas que esse tipo de violência cibernética acarreta para as vítimas, a sua saúde mental, a sua ressocialização e o seu desenvolvimento futuro.
49 – Neste cenário tão grave, mais nenhuma medida de coacção para além da prisão preventiva satisfaria exigências cautelares como o perigo de continuação da actividade criminosa, pois nem a data da condenação anterior é favorável ao arguido (tendo em conta que passou os últimos anos preso e não podia cometer crimes desta índole), a distância da sua residência em relação à casa da vítima não o previne de a visitar e perseguir na área de ..., como tem feito no último ano, nem tem qualquer relevo abonatório a pretensa formação académica e apoio familiar do arguido, o que não o impediu de se dedicar nos últimos anos à prática de crimes violentos contra mulheres, sendo a prisão preventiva a única medida de coacção adequada a travar essa conduta.
50 – Relativamente ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, ao contrário do que se alega, para a sua verificação não se deve apenas aferir o provável comportamento futuro do arguido, como também o seu comportamento passado e as características intrínsecas do caso em apreço que levaram à sua detenção.
51 – Sendo certo que ninguém conhece o comportamento futuro de alguém, certo é também que a conduta passada do arguido permite compreender qual é a sua personalidade e o que o levou a cometer os crimes que lhe são agora imputados.
52 – E analisando essa conduta passada, o facto de o arguido ter sido condenado por um crime de homicídio contra outra mulher, de ter cumprido uma longa pena de prisão, e de pouco tempo após sair em liberdade ter voltado a cometer crimes de violência doméstica, não pode augurar um futuro calmo e isento de mácula em relação este arguido, em particular no que toca à prática de crimes de violência contra mulheres.
53 – Analisando a sua personalidade violenta no contexto de namoro, que o levou a cometer vários crimes violentos contra as mulheres com que se relaciona, mais novas ou mais velhas, forçoso é concluir que a sua actuação no caso em apreço, ao violentar e abusar sexualmente de uma menor, causa um enorme alarme social, que apenas se acautela com a sua prisão preventiva.
54 – O que o recorrente alega, quanto à suposta vida presente do arguido, alegadamente organizada, a grande distância da ofendida, sem ter, alegadamente, facilidade de se aproximar dela por, alegadamente, não ter carta de condução, não se encontra minimamente comprovado no processo nem tem qualquer sentido.
55 – O que se sabe é que o arguido saiu da prisão há pouco tempo, onde esteve preso por violência contra uma mulher, e pouco tempo depois de estar em liberdade voltou a ser violento contra outra mulher, desta feita uma menor, de 15 anos.
56 – Tenha ou não a vida organizada nos últimos três anos, desde a sua liberdade definitiva em 2021, certo é que tal não o impediu de continuar a cometer crimes contra mulheres.
57 – Quanto à alegada inexistência de carta de condução e quanto à alegada dificuldade de se aproximar da vítima, por viver a 30 km de distância da mesma, desconhece-se se o primeiro facto é verdadeiro, contudo tal não constitui qualquer impedimento à deslocação do arguido, na medida em que o facto de viver na zona de ..., nunca o impediu de se deslocar à zona de ... para se encontrar com a ofendida e participar nos eventos de dança em que ambos participavam.
58 – Essa distância geográfica nunca foi, e nunca seria no futuro, impedimento para a continuação da actividade criminosa do arguido, que se desloca da sua área de residência para a zona onde mora a vítima sem qualquer dificuldade, ficando a mesma sempre sujeita a ser perseguida e maltratada caso o arguido se mantivesse em liberdade, more longe ou more perto da mesma.
59 – Consequentemente, essa distância geográfica em nada atenua o juízo de prognose necessário para aferir o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública e de continuação da actividade criminosa associados à conduta do arguido.
60 – Perante a fortíssima indiciação dos factos, perante os gravíssimos crimes imputados ao arguido, perante os prementes perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade pública, nenhuma outra medida para além da prisão preventiva é satisfatória a prevenir tais exigências cautelares, pelo que não existe qualquer violação do princípio da subsidiariedade da prisão preventiva.
61 – Todas as outras medidas de coacção se revelam ineficazes, como bem se explicou na decisão recorrida, não havendo nenhuma violação nem desse princípio, previsto no artigo 28º nº 2 da Constituição, nem dos princípios da presunção da inocência, da intervenção mínima, da adequação, da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade, consagrados no artigo 193º do Código de Processo Penal.
62 – O descontrolo emocional do arguido e a sua insensibilidade a decisões judiciais, demonstrada pela reiteração da prática criminosa mesmo depois de ter cumprido uma pena de prisão, mostram que tanto a proibição de contactos com a vítima como a sujeição a uma medida de obrigação de permanência na habitação com recurso a meios de vigilância electrónica seriam ineficazes para prevenir o arguido de continuar a cometer actos de violência, mesmo à distância, contra a vítima dos autos, a menor.
63 – A natureza passional dos crimes cometidos, os impulsos emotivos que movem a conduta do arguido, não são sensíveis a medidas de controlo remoto, tendo em conta a incapacidade do arguido controlar os seus impulsos, demonstrada pela sua conduta passada em que, mesmo após ser condenado numa pena de prisão e sair em liberdade, voltou a cometer crimes violentos contra mulheres.
64 – A conclusão do Tribunal a respeito destas matérias, na fundamentação da decisão de afastamento por ineficazes das outras medidas de coacção, é clara e lógica, demonstrando que os meios de vigilância electrónica, tanto associados à medida de proibição de contactos como à obrigação de permanência na habitação, não são capazes de conter o arguido e os seus impulsos violentos e não são, por isso, eficazes para proteger a vítima e prevenir a continuação da actividade criminosa.
65 – O facto de o arguido ter, alegadamente, colaborado com as autoridades, autorizando a busca domiciliária à sua residência, não tem qualquer relevo nesta matéria, tendo em conta que não estão em causa as exigências cautelares como o perigo de fuga ou perturbação do inquérito como factores determinantes para a prisão preventiva e a exclusão das outras medidas, mas o perigo de continuação da actividade criminosa.
66 – O que está em causa, no caso em apreço, é a conduta violenta do arguido e a protecção da vítima, que apenas se acautelam e satisfazem com a prisão preventiva, sendo as demais medidas de coacção manifestamente insuficientes.
67 – Por todo o exposto, não merece qualquer colhimento a fundamentação do recorrente, devendo o despacho recorrido, e a subsequente decisão de aplicação da medida de prisão preventiva, manter-se nos termos em que foi exarado".
Os autos subiram a este Tribunal e nos mesmos o Ministério Público elaborou parecer em que conclui pela improcedência do recurso.
Uma vez que o parecer adere às razões fundamentos da resposta não houve (nem tinha de haver) cumprimento do disposto no artigo 417.º n.º 2 do Código Processo Penal.
Os autos foram a vistos e a conferência.
2. Âmbito do recurso e identificação das questões a decidir
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º n.º 2 do Código Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr., Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995 e artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1 e n.º 2, ambos do Código Processo Penal).
Inexistindo questões de conhecimento oficioso que importe decidir e face ao teor das conclusões da motivação apresentadas, nos presentes autos as questões a apreciar respeitam: à existência de fortes indícios da prática dos crimes imputados ao recorrente; à existência dos pressupostos de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva; à substituição da medida de coacção de prisão preventiva por medida de coacção menos gravosa.
3. Fundamentação
O despacho recorrido tem o teor que segue.
"Após, passou a informar dos motivos da detenção, factos concretamente imputados, e elementos do processo que indiciam os factos imputados e que são os seguintes:
1 – CC e a menor ofendida, DD, nascida em ...-...-2009, actualmente com 15 anos de idade, conheceram-se em ..., quando a vítima tinha 14 anos e o arguido 39 anos, na escola de dança "...", sita na ....
2 – Em ... de 2024 o arguido e a vítima menor iniciaram uma relação de namoro, relação que se manteve durante 9 meses, até ... de 2025, quando a ofendida DD tinha 15 anos e o arguido 40 anos de idade.
3 – Durante a relação de namoro, o arguido, homem muito mais velho e experiente, aproveitou-se da juventude e inexperiência da menor, uma rapariga de 15 anos, para a seduzir e praticar com ela actos sexuais, como beijos na boca, toques nas partes íntimas do corpo da menor, abraços e carícias, não chegando os dois a terem relações sexuais envolvendo cópula ou penetração.
4 – O arguido sabia que DD tinha 15 anos quando se relacionou sexualmente com ela, sabendo que era muito jovem, abusando da inexperiência da vítima para a levar a praticar com ele actos sexuais de relevo.
5 – Durante todo o namoro, ao praticar actos sexuais com uma adolescente de 15 anos, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se coibindo de continuar a praticar actos sexuais com DD ao longo de 9 meses de namoro.
Crime de violência doméstica:
6 – Durante os 9 meses de namoro, entre ...  de 2024 e  ... de 2025, o arguido e a vítima menor encontravam-se em vários locais no concelho de ..., onde a menor reside e onde fica a escola de dança que ambos frequentam.
7 – Desde o início do namoro o arguido mostrou-se sempre muito ciumento para com a menor, cada vez que a mesma falava com algum rapaz, o arguido começava a discutir com ela e insultava-a com as expressões "tu queres chamar a atenção dos homens, és vulgar, isso não é forma de uma mulher se vestir, pareces uma puta, burra, otária", expressões que eram proferidas todas as semanas, presencialmente ou por telemóvel, e que entristeciam DD afectando a sua auto-estima.
8 – Quando estavam afastados, o arguido exigia todos os dias à vítima que lhe enviasse fotografias mostrando a roupa que a mesma vestia, para ele verificar a indumentária e dar a sua aprovação para a menor sair de casa assim vestida, o que DD acedia para evitar discussões e insultos do arguido.
9 – Se a roupa que a menor tivesse vestida não fosse do agrado do arguido, este exigia-lhe que ela a fosse trocar imediatamente antes de sair de casa, o que a vítima fazia para evitar problemas com o namorado, obedecendo assim a todas as suas ordens.
10 – Durante a relação o arguido exigia à vítima que o informasse constantemente para onde ia, o que fazia durante o dia e com quem estava, controlando assim todos os movimentos da menor, que vivia muito ansiosa com este controlo obsessivo.
11 – Durante todo o namoro o arguido, na posse das palavras passe da ofendida, acedia às redes sociais que ela usava (Facebook, Instagram, email), controlando assim as mensagens que a menor recebia, os pedidos de amizade e as publicações que ela colocava, chegando a responder em nome dela a mensagens que a mesma recebia.
12 – No intuito de rebaixar a vítima, durante todo o namoro o arguido aproveitava-se das inseguranças dela em relação ao corpo para a magoar, dizendo-lhe que estava muito magra, ou que estava muito gorda, afectando a auto-estima da menor.
13 – Ao longo de todo o namoro, o arguido exigiu à menor que lhe enviasse fotografias da mesma nua ou em roupa íntima, o que DD acedia, enviando-lhe fotografias com essas características pela rede social "WhatsApp", fotografias que o arguido depois guardava no seu computador portátil.
14 – Ao receber tais fotografias da vítima nua ou em trajes menores, o arguido muitas vezes respondia com críticas em relação ao seu corpo e à sua pose, exigindo assim que DD lhe enviasse mais fotografias de teor erótico, o que esta fazia.
15 – Em consequência destes constantes maus tratos verbais, do comportamento controlador do arguido e das humilhações a que o mesmo a sujeitava, a menor sofreu de uma depressão, sendo acompanhada psicologicamente por causa disso, vindo a terminar a relação com o arguido em ... de 2025.
16 – Contudo o arguido não aceitou o termo da relação e nos meses que se seguiram, de ..., o arguido continuamente persegue DD, enviando constantes mensagens à menor e a pessoas suas amigas, e comparece nos locais que a mesma frequenta, tentando forçá-la a retomar a relação com ele.
17 – No dia ...-...-2025, pelas 18:00, num evento de dança na sede da ..., na ..., em ..., DD foi abordada pelo arguido que lá se deslocou para importunar, fazendo com que a menor começasse a chorar por causa das palavras que o arguido lhe dirigiu, recusando-se a deixá-la em paz.
18 – Apesar da insistência dos organizadores do evento de dança para o arguido abandonar o local, dado o estado de pranto em que se encontrava a vítima, o arguido recusou-se a sair, permanecendo a controlar o que fazia DD, olhando para ela constantemente no salão, tentando aproximar-se dela.
19 – Em consequência dos maus tratos psicológicos durante o namoro e após a separação, das perseguições e tentativas de controlo da sua vida por parte do arguido, DD sofreu e sofre de problemas psicológicos graves que afectam o seu desenvolvimento e aproveitamento escolar, desencadeando um profundo desinteresse pela sua vida quotidiana e pela escola, fases de choro intenso, tristeza e baixa auto-estima, ansiedade, insónias, redução de apetite, dificuldades de concentração, isolamento social, apatia e uma depressão severa, sendo actualmente acompanhada em consultas de psicoterapia.
20 – Ao actuar do modo descrito, insultando e perseguindo a menor ofendida, controlando todos os seus movimentos, o que veste, onde vai e com quem está, ao controlar os seus contactos nas redes sociais, controlando com quem a vítima se relaciona, dirigindo-lhe inúmeras mensagens e perseguindo-a após o termo da relação, o arguido agiu com o propósito concretizado humilhar, intimidar e ofender a sua ex-namorada, afectando a sua saúde física e mental, o que logrou efectivar.
21- Em todo o circunstancialismo descrito, agiu de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que o seu comportamento é censurado por lei como crime.
*
Pelo exposto, o arguido, CC cometeu, em autoria material e em concurso efectivo:
a) um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152º nº 1 al. b), nº 2 al. a), nº4 e nº5, do Código Penal.
b) um crime de actos sexuais com adolescente, previsto e punido pelo artigo 173.º, n.º 1 do Código Penal.
*
PROVA: Os factos enunciados resultam dos seguintes elementos probatórios:
Dos presentes autos (processo nº 296/25.5PBOER):
- Auto de notícia de fls. 2 a 6 e 12,
- Autos de inquirição de testemunhas de fls. 14, 56, 58, 69,
- Documento subscrito pela psicóloga que acompanha a menor ofendida de fls. 21,
- Print de mensagens trocadas entre o arguido e amigos da ofendida de fls. 25 a 27,
- Print de mensagens trocadas entre o arguido e a ofendida de fls. 28 a 45,
- Print de mensagens trocadas entre o arguido e a mãe da ofendida de fls. 46 a 47,
- Auto de inquirição da menor ofendida, DD, de fls. 52,
- Documentação do processo nº 246/13.1PBVFX (homicídio qualificado em contexto de violência doméstica cometido pelo arguido contra outra mulher) de fls. 79 a 95, 98 a 104,
- Relatório de antecedentes criminais do arguido de fls. 96,
- Participação policial referente ao episódio de ...-...-2025 na ... de fls. 105,
- Auto de notícia por detenção de fls. 139,
- Autorização de busca domiciliária de fls. 145,
- Auto de busca e apreensão do telemóvel e do computador portátil do arguido de fls. 146,
- Reportagem fotográfica referente à busca domiciliária realizada de fls. 149 a 153,
- Auto de exame e avaliação do telemóvel e do computador portátil do arguido de fls. 154,
- Certificado de Registo Criminal de fls. 73 a 78.
Do processo nº 628/24.3JDLSB (apensado aos presentes autos):
- Auto de notícia de fls. 2 a 3,
- Auto de diligências de fls. 8,
- Auto de inquirição de testemunha de fls. 16,
- Informação da CPCJ de fls. 33.
**
(…).
Seguidamente, o Mmº Juiz de Instrução proferiu o seguinte:
DECISÃO SOBRE MEDIDA DE COACÇÃO
I – Pressupostos legais da detenção
O arguido foi detido fora de flagrante delito, na sequência de mandados de detenção que respeitaram os requisitos materiais e formais, dispostos nos art.ºs 257º e 258º, do CPP.
A detenção foi legal porque efectuada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 254º, do CPP.
Foi respeitado o prazo de 48 horas para a apresentação do arguido a este JIC, nos termos do disposto no art.º 254º, do CPP.
Foram integralmente comunicados e explicados ao arguido os direitos referidos no nº 1, do art.º 61º, do CPP, bem como dos factos que concretamente lhe são imputados, as circunstâncias de tempo, lugar e modo e os elementos do processo que os indiciam.
O arguido foi ainda informado para efeitos do disposto no art.º 141º, nº 4, al. b), do CPP.
II – Factos indiciados
Estão fortemente indiciados todos os factos que vêm acima descritos nesta acta, para onde se remete, e que integralmente foram comunicados ao arguido, nos termos do disposto no art.º 141º, nº 4, als. c) e d), do CPP.
III – Factos não indiciados
Não há factos não indiciados.
IV – Enquadramento jurídico das circunstâncias de facto indiciadas
Indiciam fortemente os autos, para além do mais, a prática pelo arguido, em autoria material, de:
- a) um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152º nº 1 al. b), nº 2 al. a), nº4 e nº5, do Código Penal.
- b) um crime de actos sexuais com adolescente, previsto e punido pelo artigo 173.º, n.º 1 do Código Penal.
V – Análise crítica dos indícios que fundamentam a imputação
A prática dos factos pelo arguido resulta fortemente indiciada pelas declarações já prestadas pela vítima DD, as quais são coerentes com os demais elementos recolhidos, nomeadamente as inquirições das demais testemunhas entre elas a mãe da vítima e outras que presenciaram as manifestações públicas de perturbação que o arguido pretendia incutir à vítima, assim como as mensagens já juntas aos autos
O arguido negou a prática dos factos apresentando um discurso rápido e evasivo, com dificuldade em especificar os pontos que lhe pareceram mais comprometedores mas discorrendo com grande rapidez sobre aspectos menos centrais.
Foram, assim, considerados os seguintes meios de prova:
Dos presentes autos (processo nº 296/25.5PBOER):
- Auto de notícia de fls. 2 a 6 e 12,
- Autos de inquirição de testemunhas de fls. 14, 56, 58, 69,
- Documento subscrito pela psicóloga que acompanha a menor ofendida de fls. 21,
- Print de mensagens trocadas entre o arguido e amigos da ofendida de fls. 25 a 27,
- Print de mensagens trocadas entre o arguido e a ofendida de fls. 28 a 45,
- Print de mensagens trocadas entre o arguido e a mãe da ofendida de fls. 46 a 47,
- Auto de inquirição da menor ofendida, DD, de fls. 52,
- Documentação do processo nº 246/13.1PBVFX (homicídio qualificado em contexto de violência doméstica cometido pelo arguido contra outra mulher) de fls. 79 a 95, 98 a 104,
- Relatório de antecedentes criminais do arguido de fls. 96,
- Participação policial referente ao episódio de ...-...-2025 na ... de fls. 105, - Auto de notícia por detenção de fls. 139,
- Autorização de busca domiciliária de fls. 145,
- Auto de busca e apreensão do telemóvel e do computador portátil do arguido de fls. 146,
- Reportagem fotográfica referente à busca domiciliária realizada de fls. 149 a 153,
- Auto de exame e avaliação do telemóvel e do computador portátil do arguido de fls. 154,
- Certificado de Registo Criminal de fls. 73 a 78.
Do processo nº 628/24.3JDLSB (apensado aos presentes autos):
- Auto de notícia de fls. 2 a 3,
- Auto de diligências de fls. 8,
- Auto de inquirição de testemunha de fls. 16,
- Informação da CPCJ de fls. 33.
VI – Perigos indiciados
- O crime em causa, de violência doméstica suscita cautelas dado que se desenvolve em ambiente de tensão emocional e propício à continuação da actividade criminosa, sendo que em concreto, o arguido apresenta-se movido por um forte sentimento de posse sobre a vítima jovem de 15 anos de idade, ciúme que o leva a querer impor a sua presença mesmo em locais públicos onde sabe não ser desejado…
-…demonstrando um absoluto desprezo pelo bem estar psicológico de uma jovem de 15 anos de idade com quem se predispôs a mentar uma relação amorosa, não obstante conhecer a diferença de idades e das consequências que esse facto traria na forma de lidar com as questões emocionais que iria suscitar …
- O arguido não chegou a utilizar a violência física contra a vítima mas em caso algum se poderá esquecer que o mesmo cumpriu pena longa de prisão (08 anos de prisão) por condenação pela prática de crime de homicídio qualificado na forma tentada em contexto de crime de violência doméstica praticado na pessoa de outra mulher, com uso de arma branca e os requintes preparativos da execução da mesma conforme bem descrito nas cópias juntas a fls. 79 e seguintes …;
- Sé certo que não são esses os factos aqui em consideração, também é certo que após a ponderação que levou à qualificação dos factos aqui em análise como fortemente indiciados não se poderá deixar de ter em consideração esse comportamento do arguido em situação anterior idêntica…
- Pois só assim será possível alcançar a sua verdadeira personalidade e comportamento posterior que será de esperar.
- O arguido em momento algum reconheceu o mal da sua conduta, mas, a final, pediu "uma oportunidade e voto de confiança", o que não é coerente com a circunstância de ter declarado nada ter praticado de ilícito contra a menor.
- O descontrolo emocional do arguido agrava o perigo de continuação da actividade criminosa e torna o risco de possíveis consequências mais desastrosas intolerável para a comunidade em geral, sobretudo tendo em atenção o seu recente comportamento anterior.
VII – Medida de coacção proposta pelo Ministério Público e posição manifestada pela defesa Pelo Ministério Público:
Medida de proibição de contactos e proibição de frequência de locais.
Sem oposição da defesa que, no entanto, sustentou a possibilidade de aplicação da OPHVE, sendo diferente o entendimento do tribunal quanto ao promovido pelo MP.
VIII – Medida de coacção adequada
Face ao crime indiciado, perigos e circunstâncias acima enunciadas, nomeadamente de intenso perigo de continuação da actividade criminosa com possíveis consequências letais para a vítima, revela-se legalmente admissível, proporcional, necessária e adequada ao caso concreto, a medida de prisão preventiva.
Uma medida de obrigação de apresentações periódicas no OPC seria, em absoluto ineficaz e inadequado no quadro acima referido.
Contrariamente ao disposto no art.º 193º, nº 3, do CPP, a medida de OPHVE não se revela adequada nem eficaz contra os perigos acima enunciados, sendo certo que a criminalidade de natureza passional e emotiva como a presente, pelos impulsos que a movem, revela-se pouco sensível a medidas de controlo meramente electrónico ou remoto, sobretudo quando o arguido revela absoluta incapacidade de controlar os seus impulsos e apresenta um comportamento anterior marcado pela violência em contexto de violência doméstica que configurou tentativa de homicídio de contornos preocupantes.
Por outro lado, importará apurar se o arguido ainda tem na sua posse fotografias íntimas da vítima não sendo de descartar um uso nefasto caso as detivesse e dispusesse de internet.
A medida de prisão preventiva mostra-se, assim, no presente momento, imperiosa, necessária, adequada, proporcional e legalmente admissível.
IX – Medida de coacção concreta
Pelo exposto, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva e de proibição de contactos com a vítima, mesmo em estado de reclusão - cfr. artºs. 200º, al. d), 202°, nº 1, al. b) e 1º, al. j); 203º, nºs 1 e 2, 191.º, 193.º e 204.° alínea c), todos do Código de Processo Penal".
3.1. Do mérito do recurso.
Da existência de fortes indícios da prática dos crimes imputados ao recorrente.
O recorrente colocou em causa a existência de fortes indícios da prática dos crimes que lhe foram indiciariamente imputados no despacho recorrido.
O saudoso Senhor Juiz Conselheiro Clemente Lima, relator do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/01/2003, proferido no processo 0096353, sumariou este aresto afirmando que "a expressão fortes indícios da prática do crime (…) inculca a ideia da necessidade de que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime tenha uma base de sustentação segura, que essa suspeita assente em factos de relevo que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade. O que não invalida o entendimento de que a expressão utilizada pelo legislador porventura não constituirá mais do que uma injunção psicológica ao juiz, no sentido de uma maior exigência na ponderação dos dados probatórios recolhidos acerca do crime assacado ao arguido. Assim, quando a Lei fala em fortes indícios pretende exigir uma indiciação reforçada filiada no conceito de provas sérias"1.
Para Paulo Pinto de Albuquerque fortes indícios são "as razões que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória"2.
E, Simas Santos e Leal Henriques defendem que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime não pode estar "assente num qualquer estrato factual, mas antes em factos de relevo, que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade, sob pena de se arriscar uma medida tão gravosa como esta em relação a alguém que pode estar inocente ou sobre o qual não haja indícios seguros de que com toda a probabilidade venha a ser condenado pelo crime imputado"3.
Esta concepção dogmática alastra pela jurisprudência, designadamente no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/02/2017, proferido no processo 92/15.8GAPRL-B.E1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro António João Latas, sustenta-se que "Existem indícios fortes, nomeadamente para efeitos da aplicação de Prisão Preventiva (art. 202º do CPP), quando constem dos autos elementos de prova que sustentem e revelem a convicção de que um facto se verifica no momento da decisão. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os conhecidos no momento em que é proferida a decisão interlocutória"4.
Levando a afirmar, como consta no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/05/2013, proferido no processo 174/11.5GDGDM-P.P1, relatado pela Senhora Juíza Desembargadora Maria Manuela Paupério, que:
"I – As expressões fortes indícios e indícios suficientes são equivalentes e devem ser entendidas como indícios bastantes, indícios consistentes quer para sujeitar uma pessoa a julgamento quer para a sujeitar a uma medida de coacção.
II – Nesse sentido, só são suficientes aqueles indícios que comportem em si uma forte – e não uma ténue ou remota – possibilidade de o arguido vir a ser condenado pelos crimes que lhe são imputados: requer-se a existência de uma convicção fundada, perante os elementos de prova (já) existentes no processo que se aprecia, de que o arguido, futuramente, poderá vir por eles a ser condenado.
III – Não se entenderia que outra tivesse sido a intenção do legislador, porquanto, sendo a decisão de deduzir acusação tomada na fase final do inquérito e podendo a medida de coacção de prisão preventiva ser decidida numa fase inicial ou embrionária do processo, exigisse mais neste momento que naquele outro"5.
No entanto, é importante a distinção entre prova indiciária e "indícios suficientes" assinalada no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2022, proferido no processo 297/22.5GAVNO-A.E1, relatado pelo Senhor Juiz Desembargador Edgar Valente, em que sustenta:
"O juízo de prova que devemos efectuar, tendente à aplicação de uma medida de coacção, não é outro senão o que nos poderá permitir (ou não) chegar à "forte indiciação" referida no art.º 202.º, n.º 1, alínea a).
É, assim, errado, identificar a chamada prova indiciária (ou indirecta) com a noção de indícios suficientes que a lei utiliza para fundamentar a acusação (art.º 283.º, n.º 1) ou a pronúncia (art.º 308.º, n.º 1): com efeito , enquanto a existência (ou não) destes últimos é o resultado da convicção da entidade decidente relativamente às provas produzidas ao longo do processo até então, visando o seu prosseguimento (ou não), a prova indiciária (ou indirecta) é aquela que não incide sobre os factos a provar (thema probandum) ou a fortemente indiciar mas que, mediante processos lógicos, permite chegar à prova / indiciação forte daqueles: por isso se pode afirmar que este grau de convicção [fortes indícios] deve ser aferido de acordo com os elementos probatórios que existem no momento da prolação da decisão e é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os conhecidos no momento em que é proferida a decisão interlocutória"6.
Voltando ao critério de decisão imanente ao conceito de "fortes indícios", a utilização do conceito de "prova séria" é utilizado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2022, proferido no processo 435/19.5GESTB-G.E1, relatado pelo Senhor Juiz Desembargador Edgar Valente, da seguinte forma:
"Com fortes indícios o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida de coacção de prisão preventiva com base em meras suspeitas, mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por «provas sérias», provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objectivadas a partir dos elementos recolhidos"7.
Finalmente, como fronteira da do grau de certeza factual do juízo indiciário necessário à aplicação da medida de coacção da prisão preventiva, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/02/2023, proferido no processo 1142/22.7JACBR-B.C1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Vasques Osório, salienta-se que:
"I – Os fortes indícios, das alíneas a) a e) do nº 1 do art.º 202º do C.P.P. não equivalem a comprovação categórica e sem dúvida razoável, exigível para a condenação, antes significam que os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da medida suportam a convicção, objectivável, de ser maior a probabilidade de futura condenação do arguido do que a da sua absolvição, ou, noutra formulação, quando deles seja possível inferir como altamente provável a futura condenação do arguido ou, pelo menos, como mais provável, a condenação do que a absolvição ou, ainda, quando impliquem a existência de uma base factual consistente que permita seriamente inferir a possibilidade da condenação.
(…)..
III – A qualificação dos indícios como fortes, para além da rigorosa ponderação dos elementos de prova disponíveis, depende também do concreto momento processual em que essa ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, podendo essa qualificação modificar-se na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos"8.
Assim sendo, a aplicação da medida de coacção da prisão preventiva pressupõe um juízo indiciário baseado em "prova séria" que comporte a "possibilidade de o arguido vir a ser condenado pelos crimes que lhe são imputados". Este juízo é feito tendo em consideração o próprio momento processual em que a medida de coacção é aplicada e não com base numa projecção hipotética do final da investigação.
No caso em análise, o despacho recorrido motivou o seu juízo indiciário afirmando que "a prática dos factos pelo arguido resulta fortemente indiciada pelas declarações já prestadas pela vítima DD, as quais são coerentes com os demais elementos recolhidos, nomeadamente as inquirições das demais testemunhas entre elas a mãe da vítima e outras que presenciaram as manifestações públicas de perturbação que o arguido pretendia incutir à vítima, assim como as mensagens já juntas aos autos".
E, o acervo probatório referido é o seguinte:
- Autos de inquirição de testemunhas de fls. 14, 56, 58, 69,
- Documento subscrito pela psicóloga que acompanha a menor ofendida de fls. 21,
- Print de mensagens trocadas entre o arguido e amigos da ofendida de fls. 25 a 27,
- Print de mensagens trocadas entre o arguido e a ofendida de fls. 28 a 45,
- Print de mensagens trocadas entre o arguido e a mãe da ofendida de fls. 46 a 47,
- Auto de inquirição da menor ofendida, DD, de fls. 52,
- Participação policial referente ao episódio de ...-...-2025 na ... de fls. 105, - Auto de notícia por detenção de fls. 139,
- Autorização de busca domiciliária de fls. 145,
- Auto de busca e apreensão do telemóvel e do computador portátil do arguido de fls. 146,
- Reportagem fotográfica referente à busca domiciliária realizada de fls. 149 a 153,
- Auto de exame e avaliação do telemóvel e do computador portátil do arguido de fls. 154.
O recorrente coloca em causa a matéria indiciária relativa ao crime de violência doméstica. Não obstante, a análise que fez ao depoimento da menor e ao depoimento da mãe da menor, haverá que, desde já, afirmar que o depoimento da menor é consistente e reveste a qualidade de "prova séria". O qual é, por si só, suficiente para formar um forte juízo indiciário suportando "existência de uma base factual consistente que permita seriamente inferir a possibilidade da condenação". O qual coordenado com a prova documental e aquela referente ao incidente ocorrido no evento de dança na sede da "...", aumenta consideravelmente o grau de credibilidade do depoimento da menor. O qual, em nada é beliscado pelas declarações do recorrente que nega a factualidade indiciária em causa de uma forma que se pode qualificar de pueril.
Quanto ao crime de actos sexuais com adolescente, de novo, é determinante o depoimento da menor, constituindo uma "prova séria" na sustentação do juízo indiciário em causa.
A afirmação do desconhecimento da idade da menor é mais um argumento pueril do recorrente, recorde-se que o mesmo manteve contacto com a menor por período superior a 9 meses, frequentando ambos a escola de dança "...", onde a menor estava inscrita e, como tal, onde constariam os elementos de identificação, designadamente, aqueles referentes à idade.
No caso de um contacto fortuito é plausível a defesa do desconhecimento da idade da vítima, mas, no caso de tão prolongado contacto, não é credível o desconhecimento alegado pelo recorrente.
A desconstrução efectuada pelo recorrente dos meios de prova que considerou mais prejudiciais não é susceptível de os descredibilizar e não se pode esquecer que o juízo indiciário efectuado pelo tribunal a quo constitui uma "ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, podendo essa qualificação modificar-se na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos". No entanto, o juízo indiciário é formulado no tempo da aplicação da medida de coacção e não num hipotético futuro, em que outros meios de prova possam ser produzidos. E, nem exige a "comprovação categórica e sem dúvida razoável, exigível para a condenação".
Em suma, analisados os meios de prova disponíveis à data da aplicação da medida de coacção, é de afirmar, como fez o tribunal a quo, a existência de fortes indícios da prática pelo recorrente de:
- um crime de violência doméstica, p. e p., no artigo 152.º n.º 1 alínea b), n.º 2 alínea a), n.º 4 e n.º 5 do Código Penal.
- um crime de actos sexuais com adolescente, p. e p., no artigo 173.º n.º 1 do Código Penal.
Da existência dos pressupostos de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva.
Os factos fortemente indiciados são susceptíveis de integrar a prática pelo recorrente de:
- um crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º n.º 1 alínea b), n.º 2 alínea a), n.º 4 e n.º 5 do Código Penal e punível com pena de prisão de 2 a 5 anos.
- um crime de actos sexuais com adolescente previsto no artigo 173.º n.º 1 do Código Penal e punível com pena de prisão de 1 mês a dois anos.
O crime de violência doméstica pode ser integrado na categoria dogmática de criminalidade violenta, tal como se encontra definida na alínea j) do artigo 1 do Código Processo Penal "as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos".
Deste modo, a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva é admissível aos autores de crimes de violência doméstica, nos termos do artigo 202.º n.º 1 alínea b) dos Código Processo Penal.
De acordo com o despacho recorrido, o caso concreto impõe exigências que tenham por finalidade acautelar os perigos continuação da actividade criminosa e de perturbação gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Tais perigos verificam-se no caso do recorrente.
Com efeito, o perigo de continuação da actividade criminosa é premente. O antecedente criminal do recorrente pela prática de crime de idêntica natureza – cuja condenação implicou um período de reclusão – não foi inibidor suficiente de comportamentos delituosos semelhantes. O que impõe cautelas redobradas no caso em análise, pois a possibilidade de continuação do comportamento delituoso face à menor é muito forte.
E, o perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas é sempre muito intenso em casos de violência doméstica – não sendo de desprezar o recente relatório sobre Portugal, elaborado pelo o Grupo de Peritos Independentes do Conselho da Europa sobre a implementação da Convenção de Istambul (GREVIO). Ou seja, a violência contra as mulheres é um factor de instabilidade no tecido social português, como é encarada com grande preocupação ao nível europeu.
Em suma, encontram-se preenchidos todos os requisitos processual que possibilitam a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
E, em concreto a aplicação desta medida de coacção é necessária, adequada e proporcional.
Conforme definição alcança pelo Senhor Juiz Desembargador Alfredo Costa no acórdão do Tribunal da Relação de 04/05/2022, proferido no processo 68/22.9JAPDL-A.L1:
"Os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade previstos no n.º 1 do artigo 193.º do Código Processo Penal devem considerar-se conceptualizados da seguinte forma:
a. Necessidade: "consiste em que o fim visado pela concreta medida de coacção (…) decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido", estando essas medidas previstas, em consonância, numa escala de crescente gravidade a partir do TIR, passando por outras não privativas da liberdade até às duas mais graves - a obrigação de permanência na residência e a prisão preventiva -, que "só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção" (cfr. nº 2 daquele preceito), devendo, ainda assim, ser dada preferência à primeira sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares" (cfr. nº 3 do mesmo preceito).
b. Adequação: "consiste em que as medidas de coacção (…) devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer".
c. Proporcionalidade: "consiste em que as medidas de coacção devem ser proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas"9.
Ora, a imposição da medida de coacção de prisão preventiva é adequada às exigências cautelares que visam minimizar os perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas.
A medida de coacção de prisão preventiva é proporcional à gravidade da conduta criminosa do recorrente (crime de violência doméstica e crime de actos sexuais com adolescente) e, igualmente, à sanção que previsivelmente lhe será aplicada dentro da moldura pena de 2 a 5 anos de prisão e pena de 1 mês a 2 anos de prisão.
Finalmente, é necessária a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, por, como se constatará, não existe outra medida de coacção que, em concreto, permita alcançar o mesmo nível de cautelas face aos perigos demonstrados pelo comportamento do recorrente.
Desta forma, é de confirma a imposição pelo tribunal a quo da medida de coacção de prisão preventiva.
Da substituição da medida de coacção de prisão preventiva por medida de coacção menos gravosa.
O recorrente propõe a substituição da medida de coacção de prisão preventiva por "nomeadamente aquelas que de forma mais comum são aplicadas em situações idênticas às dos autos como a obrigação de apresentações periódicas, proibição de contactar, por qualquer forma ou meio com a ofendida, proibição de permanecer a determinada distância da ofendida com recurso a medidas electrónicas de vigilância, ou até mesmo a Obrigação de Permanência na Habitação (OPHVE)".
Os argumentos do recorrente poderiam ser acolhidos não fosse a circunstância da premência de acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa. No caso, a aplicação de uma obrigação de apresentações periódicas perante o OPC, ou a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, não coloca a menor ao abrigo da perseguição que lhe foi movida pelo recorrente e se torna imperioso acautelar que não continue no futuro. Com efeito, a possibilidade de alcance da menor por via virtual impõe que o recorrente seja colocado numa situação de reclusão.
No caso em análise, a prisão preventiva é a única medida que eficazmente acautela o perigo de continuação da actividade criminosa.
Assim sendo, não é adequada a substituição da medida de coacção imposta ao recorrente tendo em consideração o perigo de continuação da actividade criminosa.
E, como tal, o despacho recorrido é confirmado.
4. Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso e, consequentemente, manter o despacho proferido.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC – artigo 513.º do Código Processo Penal.
Notifique.

Lisboa, 04 de Junho de 2025
Francisco Henriques
Ana Rita Loja
Carlos Alexandre
_______________________________________________________
1. In, https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/fce432ddf135c48780256cc60040e4d1?OpenDocument.
2. In, in "Comentário do Código de Processo Penal", Universidade Católica Editora, 2ª edição, pág. 331, nota n.º 8 ao artigo 127º.
3. in "Código de Processo Penal Anotado", Editora Rei dos Livros, 2.ª edição, 2004, volume I, página 995.
4. In, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2017:92.15.8GAPRL.B.E1.FB/.
5. In, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2013:174.11.5GDGDM.P.P1.4E/.
6. In, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2022:297.22.5GAVNO.A.E1.B3/.
7. In, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2022:435.19.5GESTB.G.E1.AF/.
8. In, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRC:2023:1142.22.7JACBR.B.C1.65/.
9. In, https://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/75e299bb16030a688025886e0050256e?OpenDocument .