ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
CONSENTIMENTO
CRIME DE PERSEGUIÇÃO
STALKING
Sumário

(da responsabilidade da Relatora):
I. No caso do abuso sexual de menores, estamos perante um crime contra as pessoas, sendo a incriminação protectora de bens eminentemente pessoais, fundamentais, imputados a título de dolo directo.
O tipo legal realiza-se com a actuação que atinja o bem jurídico tutelado, como em todos os casos, pelo que importará caracterizar o tipo sobretudo na vertente deste mesmo bem jurídico, que não diverge em substância em qualquer dos números do preceito legal.
II. A integridade moral e sexual é, pois, o bem jurídico protegido pela incriminação, no universo das demais em que este mesmo tipo se integra (art.º 171º e 177º CP).
Mas, além desta, também se tutela a autodeterminação sexual de forma particular – as condutas de natureza sexual que envolvam menor de 14 anos, tendo atenção à pouca idade da vítima, são idóneas e suficientes para atingirem, quiçá de forma irreparável, o livre desenvolvimento da personalidade da mesma.
Daí a necessidade de o proteger.
III. A interpretação típica, embora restritiva por um lado, abrange directa e inequivocamente a factualidade descrita (quer quanto aos factos que integram o nº 1 da norma, quer quanto ao facto que integra o nº 2 do mesmo preceito), que se reconduz à vivência e convivência sexual com menor em idade relevante para efeitos de protecção penal.
E é isto que nos leva às considerações sobre conhecimento ou consentimento que sejam relevantes quanto a estas actuações.
O conhecimento, só por si, nada traz de novo a este assunto, porque o conhecimento tem relevância apenas social ou moral, quando em causa esteja a previsibilidade de que os adultos, conhecedores de factos desta natureza, objectem a eles porque culturalmente os percebem inadequados, ou porque moralmente os avaliam como inadmissíveis.
Quanto ao consentimento, convocando em abreviado o que dele conhecemos no âmbito do direito criminal, importa atender a que, no nosso direito penal, mesmo no caso de cópula e mesmo sendo esta consentida pelo menor, o consentimento não possui qualquer virtualidade para eximir o agente da responsabilidade criminal.
E isto acontece porque, e volta-se ao que foi já dito, para além da vontade da vítima, a lei parte do pressuposto de que o menor não possui desenvolvimento/discernimento suficiente para alcançar a total compreensão desse facto e a repercussão dele no seu desenvolvimento pessoal, físico e emocional.
IV. O tipo legal do crime de perseguição [stalking] foi desenhado pelo nosso legislador inscrevendo precisamente como razões relevantes a protecção da vítima que deve inserir medidas, umas no interesse e em proveito intrínseco da mesma, e outras que obstem à continuação da conduta ilícita, intrínsecas ao próprio agressor, reconduzindo-se o comportamento criminoso à prática reiterada de actos sobre a vítima que envolvam a perseguição e o assédio à mesma, por qualquer forma que se mostre adequada a causar-lhe medo ou inquietação ou prejudicando a sua liberdade de determinação, ou seja, em rigor, qualquer acto cuja persistência seja idónea a interferir, limitando-a, na liberdade de querer e fazer da vítima.
O tipo legal, necessariamente doloso, é também aparentemente aberto. Querendo com isto significar-se que parece caber lá tudo, o que, no entanto, não é totalmente verdade.
De facto, quer pela via da reiteração, quer pela via do processo intencional do agente, são adequados a preencher o tipo legal todos os actos daquela natureza que tenham em vista conseguir essa mesma finalidade, ou seja, manter a vítima numa situação de constrangimento permanente.
Por outro lado, quer através dos limites impostos pelo bem jurídico tutelado, quer através daquele processo intencional, quer mesmo por confronto com outros tipos legais que, em vista dos factos, se mostrem especialmente vocacionados, o tipo legal aqui analisado não deixa de impor-se a si mesmo uma concretização que efectivamente o distingue dos demais.
V. Não se trata, como pretende o recorrente, de apanhar determinado autocarro ou fazer determinado
percurso habitualmente, coincidindo esse com os locais onde estava a vítima.
Trata-se de se fazer comparecer onde sabe que a ofendida estará, trata-se de contornar as oposições dela quando o bloqueia nas redes sociais, procurando contacto através de amigos ou falsos perfis, trata-se de controlar a sua vida e os passos que dá, trata-se de tentar forçar a aproximação rejeitada pela ameaça de violação de privacidade. É disto que se trata aqui, como refere o Tribunal recorrido.
E ao actuar da forma descrita, e com as condutas que levou a cabo, o arguido logrou afectar efectivamente a paz da ofendida, causando-lhe inquietação e medo, o que perturbou a vida da mesma, a sua convivência familiar e a sua liberdade pessoal.

Texto Integral

Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório
Pelo Juízo Central Criminal de …… foi proferido Acórdão que decidiu do seguinte modo:
(…)
1. julgar a acusação, após alteração da qualificação jurídica, parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
1.1. Absolve-se o AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de 87 (oitenta e sete) crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal;
1.2. Absolve-se o AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal;
1.3. Absolve-se o AA da agravação do crime de perseguição, prevista no art.º 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal;
1.4. Absolve-se o AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, previsto e punido pelos arts. 199.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), e 197.º, n.º 1, do Código Penal;
1.5. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.6. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.7. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.8. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.9. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.10. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.11. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.12. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.13. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.14. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.15. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.16. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.17. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.18. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.19. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.20. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
1.21. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
1.22. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perseguição, previsto e punido pelos artigos 154.º-A, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
1.23. Condena-se o AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.º, n.º 1, als. b) e c), e 177.º, n.º 8, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
1.24. Em cúmulo jurídico das penas referidas em 1.5. a 1.23., condena-se o AA na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
1.25. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.26. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.27. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.28. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.29. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.30. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.31. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.32. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.33. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.34. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.35. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.36. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.37. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.38. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.39. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.40. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.41. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.42. Em cúmulo jurídico das penas referidas em 1.25. a 1.41, condena-se o AA, na pena acessória única de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 10 (dez) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
1.43. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.44. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.45. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.46. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.47. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.48. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.49. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.50. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.51. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.52. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.53. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.54. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.55. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.56. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.57. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.58. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.59. Condena-se o arguido AA, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 5 (cinco) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.60. Em cúmulo jurídico das penas referidas em 1.43. a 1.59., condena-se o arguido AA, na pena acessória única de proibição de assumir a confiança de menor (em especial de adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), por um período de 10 (dez) anos, ao abrigo do disposto no art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal;
1.61. Condena-se o AA no pagamento dos encargos e custas crime do processo, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC´s.
2. julgar procedente, por provado, o pedido cível formulado pela Demandante BB, e, em consequência, condena-se o Demandado AA no pagamento ao Demandante da quantia de € 11.000,00 (onze mil euros).
(…)
Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
I. O arguido foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de 16 crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, de 1 crimes de ameaça agravados, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, de 1 crime de perseguição agravado, previsto e punido pelos artigos 154.º-A, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, de 1 crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.º, n.º 1, alíneas. b) e c), e 177.º, n.º 8, do Código Penal, SETE anos e 6 meses de prisão.
II. Foi ainda aplicado ao arguido em 17 penas acessórias de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades (públicas ou privadas) cujo exercício envolva contacto regular com menores, de proibição de assumir a confiança de menor (em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), e de inibição do exercício de responsabilidades parentais.
III. O período de duração de cada das penas acessórias supra descritas foi fixado em 5 anos para cada uma das penas.
IV. Foi ainda o arguido condenado no pagamento do pedido de indemnização civil formulado pela ofendida, no valor de € 11.000,00 (onze mil euros), a título de danos patrimoniais, quer pelos seus direitos violados, quer pela tristeza e medo sofridos, quer pelas sequelas de que padeceu em virtude da atuação do arguido/demandado.
V. O arguido discorda da sua condenação vem solicitar a revisão da matéria de facto dada como provada e a matéria de direito. VI. O arguido discorda da qualificação jurídica e do quantum da pena e pelo facto de ser efetiva.
VII. O Tribunal a quo deu como assente matéria que não poderia ter dado como provada pela prova produzida.
VIII. É a seguinte a matéria que o Tribunal a quo deu como assente relativamente ao arguido AA:
a) Por via de relação de confiança e amizade estabelecida, no ano de 2018, o arguido começou a frequentar a casa de BB, e a criar laços de confiança com a família desta, que o passou a considerar e tratar como membro da família.
b) Por via desse convívio próximo com a BB, em dia não concretamente apurado, mas no ano de 2018, o arguido e BB iniciaram uma relação amorosa, à revelia da família desta.
c) Entretanto, em momento posterior, o arguido e BB começaram a namorar com autorização da mãe desta.
d) Apesar de tal autorização, ambos foram expressamente advertidos de que não podiam manter relações sexuais.
e) Em dia e local não concretamente apurados do ano de 2020, o arguido e BB começaram a ter relações sexuais, sem preservativo, tendo, pelo menos, o arguido, introduzido o pénis ereto na vagina desta e ejaculado fora do corpo da mesma.
f) O arguido sabia a idade de BB.
g) Durante os momentos em que mantinha relações sexuais com BB, em número de vezes, locais e datas não concretamente apurados, o arguido fotografou-a nua e fotografou partes íntimas do corpo desta, com o seu telemóvel, algumas vezes com o consentimento daquela, tendo guardado essas imagens no sistema de armazenamento desse aparelho.
h) Durante o ano de 2020, em altura não apurada, o arguido e BB fizeram, entre si, videochamadas de cariz sexual, onde esta, a pedido do arguido, expunha as suas partes íntimas, ficando apenas em roupa interior e também completamente nua.
i) BB, em 2021, terminou o relacionamento amoroso com o arguido, após a sua mãe ter ficado a saber dessa sua relação e por determinação desta.
j) A mãe de BB também comunicou ao arguido que, imediatamente, se deveria afastar desta.
k) O Arguido não aceitou que a BB terminasse o relacionamento entre ambos.
l) Após o fim do relacionamento em ... de 2021, durante período não concretamente apurado, o arguido começou a enviar mensagens a BB a dizer-lhe que iria expor publicamente e através das várias redes sociais, os vídeos e fotografias de cariz sexual que tinha efetuado consigo.
m) Durante um período de tempo não concretamente apurado, mas durante alguns meses após o início do ano letivo de 2021/2022, após o mês de ..., o arguido estava à frente da escola que BB frequentava.
n) Após BB ter terminado a relação com o arguido, o arguido mandou-lhe a seguinte mensagem “So te digo uma coisa se eu for preço quando eu sair vou par a tua mãe a beber o teu sangue”.
IX. O Tribunal deu como provado que por via da relação de confiança e amizade estabelecida, no ano de 2018, o arguido começou a frequentar a casa da BB, e a criar laços de confiança com a família desta, que o passou a considerar e tratar como membro da família.
X. Por via desse convívio próximo com a BB, em dia não concretamente apurado, mas no ano de 2018, o arguido e BB iniciaram uma relação amorosa à revelia desta.
XI. Entretanto, em momento posterior, o arguido e BB começaram a namorar com autorização da mãe desta.
XII. Apesar de tal autorização, ambos foram expressamente advertidos de que não podiam manter relações sexuais.
XIII. O arguido e BB começaram a ter relações sexuais no ano de 2020.
XIV. Quando o arguido e BB começaram a ter relações sexuais, aquele ainda tinha 16 anos de idade, a caminho dos 17 anos, e esta tinha 11 anos de idade, a caminho dos 12 anos.
XV. O que significa que estamos prante um adolescente e uma criança que se diziam apaixonados, autorizados a namorar pela mãe da criança, e não autorizados a manter relações sexuais também pela mãe da criança.
XVI. O pai da BB foi informado pela ex-mulher, mãe da BB sobre a relação amorosa/namoro.
XVII. Inclusive, o arguido passava o dia todo na casa da mãe de BB com esta e com os restantes membros da família; CC, mãe da ofendida, e com o companheiro de CC, DD.
XVIII. Quando BB ia passar os fins de semana a casa do pai, o arguido acompanhava a BB e passava lá o dia todo.
XIX. Perguntado em audiência de discussão e julgamento à mãe da ofendida, CC, uma vez que o arguido passava a maior parte do tempo na sua casa, sabendo que o arguido e a ofendida estavam apaixonados um pelo outro, que o caminho/resultado não poderia ter sido muito diferente, ou seja, acabar em relações sexuais, respondeu que errou porque acreditou que estava controlando.
XX. Todavia, e salvo melhor opinião, CC, mãe de BB, errou não por achar que estava controlando, mas sim e antes quando autorizou uma criança de 11 anos, sua filha, a namorar com um adolescente de 16 anos.
XXI. Pois, que, não se poderia esperar desfecho diferente de uma criança e um adolescente apaixonados, ainda mais autorizados a namorar pela mãe da criança.
XXII. A mãe da ofendida, em audiência de discussão e julgamento, disse que autorizou o arguido e a ofendida a serem somente amigos, o que é falso!
XXIII. O pai da ofendida, em audiência de discussão e julgamento, disse que autorizou o arguido e a ofendida a serem somente amigos, o que é falso!
XXIV. A testemunha DD, atual marido de CC no seu depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento desmistificou todo o mistério criado pela testemunha CC e EE sobre a autorização do namoro entre o arguido e a ofendida, deixando bem claro ao Tribunal que BB e o arguido inicial eram só amigos e que passaram a ser namorados após CC ter autorizado o namoro.
XXV. Ainda assim, tanto a mãe como o pai da ofendida tentaram esconder que ambos SABIAM PERFEITAMENTE DA RELAÇÃO DE NAMORO ENTRE AMBOS, AUTORIZARAM-NA (AINDA QUE TENTASSEM A TODO O CUSTO OCULTAR ESSA INFORMAÇÃO AO TRIBUNAL), E AINDA CRIARAM TODAS AS CONDIÇÕES PARA QUE AMBOS VIESSEM A ESTABELECER RELAXÕES SEXUAIS, NÃO QUERENDO, OU SENDO INOCENTES, OU ERRANDO, OU ACHANDO QUE ESTAVAM CONTROLANDO, OU CONFIANDO.
XXVI. Existem nos autos mensagens trocadas entre CC e a mãe do arguido em como aqueles eram namorados (mensagens juntas aos autos com a referência Citius (6005639).
XXVII. Pelo menos uma vez, o arguido e BB estiveram juntos sozinhos, com o conhecimento da mãe da ofendida, quando BB foi ao aniversário do arguido (depoimento da testemunha CC).
XXVIII. A mãe da ofendida, em audiência de discussão e julgamento, disse que nunca deixava o arguido e a filha sozinhos, o que é falso!
XXIX. O pai da ofendida, em audiência de discussão e julgamento, que nunca deixava o arguido e a filha sozinhos, o que é falso!
XXX. Pelo menos uma vez, o arguido e BB estiveram juntos sozinhos, quando iam comprar um gelado (depoimento da testemunha EE).
XXXI. Com o devido respeito, que é muito, no decurso da audiência de discussão e julgamento, quer o Tribunal, quer o Ministério Público, foram pouco ou nada imparciais, mostrando o seu desprezo relativamente à autorização de namoro pelos pais da ofendida com o arguido, sendo que aquela tinha 11 anos e este 16 anos. E também mostraram desacreditar na à inocência que os pais da ofendia tentaram passar para o Tribunal quanto ao não acreditarem que as relações sexuais entre o arguido e ofendida não iriam ocorrer (QUANDO ESTES ERAM UM CASAL DE NAMORADOS, AUTORIZADOS A NAMORAR PELOS PAIS DA OFENDIDA, QUE AGIAM OCMO NAMORADOS, APAIXONADOS, AINDA MAIS QUE O ARGUIDO FREQUENTAVA A CASA DE AMBOS OS PAIS!).
XXXII. No entanto, para surpresa do arguido, o Tribunal a quo, no acórdão que proferiu, a única pessoa que censurou, foi o adolescente de 16 anos, ora arguido, por manter relações sexuais com a namorada, ainda que tivesse 11 anos.
XXXIII. Ou seja, o único que deveria de ter tido a capacidade e maturidade nas suas escolhas, deveria de ter sido o adolescente em detrimento dos adultos, que por sua vez eram os próprios pais de BB, pais estes que autorizaram a relação de namoro/amorosa.
XXXIV. Inclusivamente, o pai de BB, EE, no decurso da audiência de discussão e julgamento acabou a afirmar ao Ministério Público que a dada altura, por ter começado a achar que era amizade “a mais”, decidiu ter uma conversa com a filha sobre a importância do uso de preservativo.
XXXV. Posto isto, dúvidas não restam que CC e EE, pais de BB, prestaram um depoimento pouco credível e na tentativa de não contar a “verdade verdadeira” ao Tribunal.
XXXVI.O que motivou CC a apresentar queixa-crime contra o arguido foi o que de o arguido enviar à BB as mensagens constantes do ponto 26 dos Factos Provados do douto Acórdão.
XXXVII. Posto isto, estamos perante um puro ato de vingança de CC, mãe de BB, que, caso não tivessem ocorrido as ditas mensagens por parte do arguido à ofendida, NUNCA este processo teria surgido!
XXXVIII. De resto, e contrariamente ao que descreveu o douto Tribunal na Motivação do Acórdão, é falso que o arguido se tenha feito de vítima da família de BB, que tenha assumido uma postura de vítima da família de BB e da sua família e até com desdém relativamente ao que ia ocorrendo no julgamento, sem que a sua versão lograsse merecer credibilidade.
XXXIX. Aliás, as únicas coisas que o arguido disse de diferente de toda a matéria constante dos autos: que tinha sido o arguido quem havia terminado a relação havia, em vez de BB; negou que tivesse publicado/partilhado as fotos e vídeos de BB em qualquer rede social, negou que as gravações dos vídeos tivessem ocorrido sem o consentimento de BB e negou que perseguia a BB!
XL. No entanto, e o que é facto, é que sendo o arguido um amigo da família de BB, autorizado a namorar com esta pelos pais daquela (ainda que o pai tivesse negado em julgamento: mentiu), acabou aquele, em Tribunal, e julgado pela prática dos crimes constantes do acórdão que se recorre.
XLI. O Tribunal a quo deu ainda como provado que durante os momentos em que o arguido e BB mantinham relações sexuais, o arguido fotografou BB nua e fotografou partes íntimas do corpo desta, com o seu telemóvel, algumas vezes com o consentimento daquela (sublinhado nosso), tendo guardado essas imagens no sistema de armazenamento desse aparelho.
XLII. Que fizeram, entre si videochamadas de cariz sexual, onde BB, a pedido do arguido, expunha as suas partes íntimas, ficando apenas em roupa interior e também completamente nua.
XLIII. E que o arguido fez algumas capturas de ecrã de BB.
XLIV. Ora, não faz qualquer sentido que BB não desse o seu consentimento para ser fotografada, ainda mais quando estamos a falar das partes íntimas.
XLV. Ademais, não tendo resultado provado que BB não tivesse notado ou não tivesse tido conhecimento das gravações e vídeos dessas videochamadas e dos “screenshots” (fotografias de ecrã) por parte do arguido, e que sem autorização e à revelia desta, o arguido armazenou no seu telemóvel ou nas contas das redes sociais usadas para efetuar essas videochamadas, designadamente, através do “Messenger/Facebook” e “Whatsapp” (alínea d) dos Factos Não Provados).
XLVI. O Tribunal deu como provado que o arguido, por uma vez, colocou uma foto de BB nua numa história da rede social Instragram, a qual era apenas visível para os “amigos chegados” deste na mencionada rede social.
XLVII. Todavia, de todas as testemunhas ouvidas em Tribunal, não existiu uma única testemunha que tivesse visto/afirmado que viu ou tivesse sabido de alguém que tenha visto a mencionada história.
XLVIII. O Tribunal, baseou-se única e exclusivamente nas declarações de BB, que não juntou aos autos qualquer prova que sustentasse a sua alegação.
XLIX. O Tribunal a quo deu ainda como provado que durante um período de tempo não concretamente apurado, mas durante alguns meses, após o início do ano letivo de 2021/2022, após o mês de ..., o arguido estava em frente da escola que BB frequentava.
L. E por esse facto que considerou como provado, o arguido incorreu na prática de 1 crime de perseguição.
LI. Ora, o arguido estudava na Escola ..., ilha de ....
LII. BB estudava na Escola ..., ilha de ....
LIII. O autocarro que o arguido ia de sua casa para a sua escola, da parte da manhã, tinha como destino final a Escola ..., tendo já um autocarro à espera para levar as os alunos que vinham de outras freguesias mais distantes, à escola profissional, caso contrário iriam a pé, tal como explicou a testemunha FF, amigo e colega de escola do arguido à sua Defensora Oficiosa:
LIV. Ou seja, a testemunha FF, amigo do arguido, no depoimento afirmou que o autocarro parava em frente à escola básica.
LV. Contudo, na alínea h) dos Facos Não Provados, o Tribunal não considerou que o arguido estivesse em frente à escola de BB esperando a mesma, com o intuito de a pressionar ou intimidar, para que esta percebesse que o arguido a estava a vigiar e a perseguir durante parte do seu caminho para, depois, passados poucos minutos desaparecesse do seu campo de visão.
LVI. Assim, a questão que se coloca, é a de que porque razão vem então o arguido condenado da prática de um crime de perseguição (?)
LVII. NUNCA poderia este homem, à data com 21 anos de idade, ser condenado:
LVIII. Pela prática dos crimes pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de 16 crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, de 1 crimes de ameaça agravados, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, de 1 crime de perseguição agravado, previsto e punido pelos artigos 154.º-A, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, de 1 crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176.º, n.º 1, alíneas. b) e c), e 177.º, n.º 8, do Código Penal;
LIX. Pela prática dos crimes supra descritos, foi o arguido condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão;
LX. Em 17 penas acessórias de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades (públicas ou privadas) cujo exercício envolva contacto regular com menores, de proibição de assumir a confiança de menor (em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), e de inibição do exercício de responsabilidades parentais;
LXI. Por período de duração de cada das penas acessórias supra descritas foi fixado em 5 anos para cada uma das penas.
LXII. No pagamento do pedido de indemnização civil formulado pela ofendida, no valor de € 11.000,00 (onze mil euros), a título de danos patrimoniais, quer pelos seus direitos violados, quer pela tristeza e medo sofridos, quer pelas sequelas de que padeceu em virtude da atuação do arguido/demandado.
LXIII. Exmos. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, o Acórdão proferido pelo douto Tribunal foi INESPERADO, e o sentimento de INJUSTIÇA é DESMESURADO!
LXIV. Mas porque ainda existe Fé na Justiça, acreditamos que V. Exas. irão FAZER JUSTIÇA!
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE O ACÓRDÃO PROFERIDO PELO DOUTO TRIBUNAL, E POR CONSEQUÊNCIA SER O RECORRENTE ABSOLVIDO DA PRÁTICA DE 16 CRIMES DE ABUSO SEXUAL DE MENORES, UM CRIME DE AMEAÇA AGRAVADO E UM CRIME DE PERSEGUIÇÃO, NA PENA ÚNICA DE 7 ANOS E SEIS MESES DE PRISÃO!
- CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVE SER PROFERIDO OUTRO ACÓRDÃO EM QUE CONDENE O ARGUIDO NUMA PENA NÃO SUPERIOR A 5 ANOS E SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO!
- DEVE AINDA O ARGUIDO SER ABOLVIDO DAS 17 PENAS ACESSÓRIAS DE PROIBIÇÃO DE EXERCÍCIO DE PROFISSÃO, EMPREGO, FUNÇÕES OU ATIVIDADES (PÚBLICAS OU PRIVADAS) CUJO EXERCÍCIO ENVOLVA CONTACTO REGULAR COM MENORES, DE PROIBIÇÃO DE ASSUMIR A CONFIANÇA DE MENOR (EM ESPECIAL A ADOÇÃO, TUTELA, CURATELA, ACOLHIMENTO FAMILIAR, APADRINHAMNTO CIVIL, ENTREGA, GUARDA OU CONFIANÇA DE MENORES), E DE INIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS.
- POR FIM, DEVE O ARGUIDO SER ABOSLIDO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL FORMULADO PELA OFENDIDA, NO VALOR DE € 11.000,00 (ONZE MIL EUROS).
(…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo:
(…)
2. O arguido discorda da sua condenação e vem solicitar a revisão da matéria de facto dada como provada e a matéria de direito (mas não indica qualquer norma legal violada); insurge-se relativamente ao quantum da pena e pelo facto de ser efetiva; afirma que o Tribunal a quo deu como assente matéria que não poderia ter dado (porém, não especifica bem qual e as transcrições efetuadas não foram efetuadas por reporte para a ata de julgamento); invoca a parcialidade do Tribunal e do Ministério Público que, no seu entender, menosprezaram a autorização de namoro pelos pais da ofendida com o arguido.
3. Parece-nos, com todo o respeito que temos pelo recorrente e respetiva Mandatária/Defensora, que o recurso tenta inverter a realidade e a lógica das coisas e até, salvo o devido respeito, do bom senso.
4. Desde logo, quando o recurso versa sobre matéria de fato que impugne, a indicação da prova gravada, faz-se, diz o artigo 412.º, n. 4 do Código de Processo Penal faz-se por referência consignado na ata e ainda com indicação das passagens.
5. A indicação ao consignado na ata não foi feita, o que tem as consequências previstas no artigo 417.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Penal, designadamente, o convite ao seu aperfeiçoamento.
6. No que concerne à hipotética responsabilidade dos pais da menor BB, em primeiro lugar, o crime de não foi cometido em coautoria, isto é, o arguido juntamente com os pais da menor, e por isso, quem foi julgado foi o arguido, ora recorrente, porque é a sua atuação que consubstancia a prática de um crime.
7. De notar que, a indignação do recorrente na parte em que responsabiliza os pais da menor BB e se desresponsabiliza a si, não configura, com o devido respeito, matéria de fato, nem de direito, em suma, não configura matéria de recurso, por não ser matéria jurídica, trata-se de uma opinião, desprovida de suporte fatual e ou jurídico que se entende que não deve de ser apreciada por anódina.
Porém e à cautela sempre se dirá o seguinte.
8. O arguido tinha, à data da prática dos fatos 16 e 17 anos.
9. O legislador estabeleceu no artigo 19.º do Código Penal qual a idade a partir da qual se considera alguém imputável que é os 16 anos.
10. Assim, o fato de os progenitores da menor BB terem conhecimento e terem ainda que de forma tácita acabado por autorizar a relação entre ambos não é causa de exclusão, da culpa nem da ilicitude do arguido.
11. Quanto ao crime de ameaça, defende o recorrente que a ameaça não era séria, nem credível e que foi escrita num estado de puro rescaldo de fim de namoro conhecimento de uma queixa-crime movida contra si, e com enorme sentimento de injustiça!
12. Analisando. Desde logo, o arguido sabendo os fatos que havia cometido, perante a existência de uma queixa contra si… enviou uma mensagem com o teor da mensagem descrita nos autos, onde dizia que beberia o sangue da menor, caso fosse preso. Uma vez mais, o arguido tornou patente a sua personalidade vingativa, incapaz de assumir os seus erros, de ser empático para com a menor BB e a sua atuação é por isso, extremamente censurável.
13. Ademais, a jurisprudência tem-se pronunciando de forma já unânime quanto ao condicionalismo das ameaças e ao uso de tempo verbal que não fosse o tempo verbal futuro, que anteriormente era o suficiente para se considerar não permitir o preenchimento do elemento objetivo do tipo de crime na parte do “mal futuro”, porém tal conceção já foi abandonada, vingando hoje, a teoria de que, mesmo usando outros tempos verbais e condições e sendo o meio apto a causar receio está preenchido o elemento objetivo.
14. Assim, a este respeito pode ver-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.01.2020, proferido no processo 8 1/18.0PBFIG-C1, “, sendo irrelevante o tempo verbal utilizado, reportado ao momento presente.” O Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.07.2014, proferido no processo n.162/12.4GAACN.C1; o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2010, de 1 713/06.9TALRS.L1-5, “III – Dizer a alguém que “Está, mas é calada! Se não estás calada, atiro-te pelas escadas abaixo que vais parar ao Hospital” pode preencher o tipo objetivo de crime de coação como ameaça de mal futuro, mas, se por alguma razão este tipo de crime não puder estar em causa, aquelas afirmações são suficientes para preencher o tipo objetivo do crime de ameaça.”
15. Quanto a saber se a mensagem tinha ou não tinha a virtualidade de ser crível, basta pensarmos na pessoa que recebe aquele mensagem, por apelo à figura do homem médio, medianamente sagaz e prudente, com conhecimento mediano, - no caso, com a idade e maturidade da ofendida BB – e pensar se aquela expressão contida na mensagem que lhe foi dirigida, era apta a causar-lhe medo, ou não. Cremos que a reposta só pode ser afirmativa.
16. Veja-se também a este respeito o Acórdão, entre muitos outros, do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.07.2021, no processo 159/19.3T9FAF.G1, que entendeu: “VI – É pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência que a adequação legalmente exigida pressupõe que a expressão intimidatória dirigida pelo agente do crime ao destinatário seja, de acordo com a experiência comum, suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, independentemente de este ficar ou não intimidado.”
17. No que concerne à agravação do crime de ameaça, diz o recorrente que desconhece o motivo para o agravamento previsto no artigo 155.º, a) do Código Penal. Ora, o motivo parece-nos muito evidente: beber o teu sangue… para alguém beber o sangue de outra pessoa a ofensa a praticar contra a mesma teria de ser tão grave, que consubstanciaria, no mínimo, ou uma ofensa à integridade física qualificada ou grave, ou, no máximo, a morte, e por isso, crimes puníveis com penas superiores a três anos de prisão (tudo conforme artigo 153.º, n.1 e 155.º a) do Código Penal].
18. Sendo irrelevante o estado de animosidade do agente que praticou o crime (este estado só revela a incapacidade de o arguido entender o mal que praticou, isto é, incapacidade em interiorizar o desvalor da sua conduta.
19. Pelo que, deve manter-se a condenação por ameaça agravada, p. e p. artigo 153.º e 155.º a) do Código Penal, nada havendo que apontar à subsunção efetuada.
20. No que concerne ao crime de pornografia de menores: porquanto utilizou BB, menor, em fotografias e filmes pornográficos, e divulgou algumas de tais fotografias.
21. Neste particular, o recorrente afirma que que em momento algum o arguido guardou fotografias da menor, quando diz que nunca captou a menor “nas suas partes íntimas”. Mas, se assim fosse, e se efetivamente, o não tivesse feito, não tivesse guardado fotografias íntimas da menor BB como poderia o arguido ter mostrado essas mesmas fotografias ao seu conhecido GG?
22. Quanto ao fato de o Tribunal ter valorado apenas o testemunho de BB, considerando-o credível para dar como provado que o arguido colocou uma história na rede social onde constava uma foto da BB desnuda, página essa que apenas era acessível aos amigos chegados, diremos que,
23. Desde logo, “O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório” - Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., pg. 211.
24. Depois, a livre convicção não significa total liberdade, a lei impõe que o convencimento que se extraia das provas, seja lógico e motivado, e que a apreciação da prova, o seja com sentido da responsabilidade e bom senso, por apelo a parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.
25. Ora, segundo as regras da experiência e da normalidade se a página apenas era acessível aos amigos mais chegados e se depois de publicar a fotografia o arguido a apagou, é normal que apenas BB a tenha visto.
26. Mais, existem print screens das mensagens trocadas no Instagram onde se falam de imagens, e na quais nomeadamente o arguido diz: “– arguido: “queres mais fotos” (…) – arguido: “amanhã é essa” – BB: “Qual, Não, AA, Para, Vou ligar a pulixia” – arguido: “liga a vontade, eu já tirei da historia, eu não vou por mais os pés em ..., ta descansada” (…) – arguido: “Vai ver vou publicar a primeira, na minha historia BB be na tua conta, esta para os amigos chegados” – arguido: “eu não vku para, A historia começou agora, se acabar agora não tem peada, boa sorte amiga” (…) “queres começa a publica” – BB: “N publiques, AA” – arguido: “A historia começou agora, e o fim da historia e quando fores para baixo da twrra (…) adeus” – BB: “Apaga, agr” – arguido: “já viste” – BB: “vou para baixo da terra agr” (…) – arguido: “Amanha vais ver, vou mandar para cada rapaz que tiver aqui no meu insta” – BB: “Para AA” – arguido: “não quero saber vou publicar”
27. O arguido não podia ser mais claro quando afirma que publicou, que apagou, mas que iria publicar mais. Em face disto, improcedem os argumentos do recorrente também, nesta parte.
28. Com respeito ao crime de perseguição, ao contrário do alegado pelo arguido, o Tribunal considerou provado, além do mais, que durante algum tempo não concretamente apurado, mas um período de meses após o início do ano letivo 2021/2022 após o mês de ... de 2021 o arguido estava em frente da escola de BB. Ora, tal fato, juntamente com as mensagens que tinha começado a enviar a partir de ... 2021, preenchem o crime de perseguição.
29. Veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.07.2019, proferido no processo 742/16.9PGLRS.L1-5, disponível em www.dgsi.pt, e no qual se pode ler o seguinte: “O crime de perseguição ou “stalking” (…) pode caracterizar-se por uma série de comportamentos padronizados que consistem num assédio permanente, nomeadamente através de tentativas de comunicação com a vítima, vigilância, perseguição, etc. - Embora estes comportamentos possam ser aparentemente corriqueiros se não forem percebidos no seu contexto do “stalking”, as condutas que integram o seu tipo objectivo podem ser bastante intimidatórios pela persistência e intensidade com que são praticadas, causando um enorme desconforto na vítima e atentando claramente à reserva da vida privada. - Este novo tipo de crime, agora previsto no art.154º-A, nº.1 C.P. tem como seus elementos constitutivos objectivos, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção.”
30. O recorrente não se conforma com a medida da pena aplicada ao arguido e entende, que deveria, antes, ter aplicada uma pena de apenas cinco anos de prisão suspensa na sua execução.
31. Nesta matéria, o Tribunal antes de mais, discorreu acerca da aplicação do regime “especial para jovens” e concluiu que não era de aplicar “precisamente verificar-se uma daquelas situações em que é de formular um juízo de prognose negativo afastador da aplicação da atenuação especial. (…) não obstante a idade do arguido à data da prática dos factos, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir são elevadas, sendo os vários crimes praticados graves, quer na sua individualidade, quer analisados no seu conjunto, com especial incidência nesta comarca (…). Por outro lado, e decisivamente, o facto de o arguido não estar minimamente consciencializado da gravidade das suas condutas ou arrependido do que fez, (…) Não há, assim, sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do arguido, pelo que este não beneficiará do regime especial para jovens, ínsito no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, nem, consequentemente, de qualquer atenuação especial, nos termos dos arts. 73.º e 74.º, do Código Penal (art.º 4.º, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro).”
32. O Tribunal atendeu aos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal, as circunstâncias a favor e contra o arguido, e teve em conta: – a admissão da materialidade relevante relativamente ao crime em causa; – a ilicitude de grau médio/baixo, atendendo a cada um dos actos praticados no contexto do espectro da incriminação em causa, idade do arguido e idade da vítima; – a existência de consentimento para o namoro encetado com BB; – o grau sociocultural e escolar baixo do arguido; – a inserção familiar, social e profissional do arguido; – a inexistência de quaisquer antecedentes criminais. Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte: – o dolo com que actuou, que é directo; – as elevadas as exigências de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa ser frequente por todo o país e ter especial incidência nesta Comarca; – a inversão do papel agressor/vítima, com consequente ausência de arrependimento, de consciencialização do desvalor e gravidade do comportamento ou de preocupação com a vítima; – a personalidade imatura e impulsiva do arguido.” (sublinhado e bold nossos).
33. Ora, tendo a moldura legal abstrata aplicável ao crime de abuso sexual de crianças (p. e p. artigo 71.º n.º 1 e 2 do CP) um limite mínimo 3 anos de prisão e como limite máximo 10 anos de prisão, o Tribunal aplicou a cada um dos crimes, a pena inferior de 3 anos.
34. No crime de ameaça pelo crime de ameaça agravado. atendendo à factualidade provada, artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, o Tribunal entendeu ser de aplicar a pena de prisão, por a multa se revelar insuficiente e inadequada para satisfazer as finalidades da punição, pena de prisão essa que é de 1 mês de prisão a 2 anos de prisão (cfr. os arts. 41.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal) o Tribunal aplicou uma pena de 5 meses de prisão.
35. Na ponderação da pena a aplicar pelo crime de perseguição o Tribunal entendeu “No caso em apreço, prevendo o tipo legal, em alternativa, pena de multa e pena de prisão (art 154.º-A, n.º 1, do Código Penal), entendeu não poder ser aplicada a pena de multa, por ser insuficiente e inadequada para satisfazer as finalidades da punição e aplicou e em face da moldura legal abstrata que tem como limite mínimo 1 mês (cfr. o art.º 41.º, n.º 1, do Código Penal) de prisão e como limite máximo 3 anos de prisão, o Tribunal aplicou 5 meses de prisão.
36. Quanto ao crime de pornografia de menores agravado, p. e p. art.º 176.º, n.1 b) e c) e 177.º, n.º8 do Código Penal, que uma moldura abstrata que tem como limite mínimo 1 ano de prisão e como limite máximo 5 anos de prisão e após a agravação de metade nos limites máximos e mínimos passa para 1 ano e seis meses a 7 anos e 6 meses, tendo o Tribunal aplicado, uma pena de 2 anos de prisão.
37. O Tribunal efetuou o cúmulo nos termos do artigo 77.º do Código Penal, sendo o limite mínimo da pena unitária de 3 anos de prisão e o limite máximo da pena unitária nos presentes autos é de 50 anos e 10 meses de prisão (não podendo ultrapassar os 25 anos de prisão), dentro da moldura aplicável o Tribunal entendeu adequada a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.
38. Também o raciocínio que presidiu à aplicação das penas acessórias dos artigos 69.º-B e 69.º-C do Código Penal nos parece isento de reparo, tendo sido ponderadas todas as circunstâncias favoráveis e desvaráveis ao arguido.
39. Quanto à pena e medida da pena, o Tribunal, por ter entendido que a pena mais adequada e ajustada ao caso concreto era de 7 anos e seis meses de prisão, estava desde logo, vedada a sua suspensão, considerando a redação do n.º 1, do artigo 50.º do Código Penal.
40. A escolha da pena e da medida da pena de prisão de sete anos e seis meses, - relembrando que as penas parcelares ficaram quase todos situadas no mínimo legal da moldura penal, - parece-nos proporcional e adequada, face à gravidade dos fatos, suas consequências, ilicitude de culpa do arguido e as necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, ao contrário do que pretende o ora recorrente,
41. e foi determinada por aplicação dos critérios enunciados nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, e em estrito respeito pelo vertido nestes normativos, não acarretando, assim, qualquer violação destes artigos e tão pouco do artigo 50.º do mesmo diploma legal, muito embora o recorrente, nem alega qualquer violação de norma legal, pelo menos, expressamente.
42. Também como ficou patente na apreciação feita pelo Tribunal, este, teve em consideração o consentimento que existia relativamente ao namoro da menor BB com o arguido, o que resulta expresso na sentença, que basta ler.
43. Aqui chegados, entendemos que, o Tribunal a quo efectuou uma correcta subsunção dos factos ao Direito, tendo ponderado adequadamente todas as circunstâncias que sopesaram a favor e contra o ora recorrente, não merecendo, assim, a decisão recorrida qualquer censura, a qual deverá ser mantida nos seus precisos termos, não tendo ocorrido qualquer violação das normas indicadas pelos recorrentes.
44. Por último, quanto à credibilidade dos depoimentos prestados por que CC e EE, por se concordar que não foram totalmente honestos (verdeiros) o Ministério Público promoveu extração de certidão para apuramento da sua responsabilidade criminal nas suas alegações.
45. Por fim, tendo-se verificado a alegada parcialidade por parte do MP e do Tribunal, deveria de ter sido suscitado, pela Il. Defensora, um qualquer incidente o que, curiosamente, olhando para a ata, não sucedeu!
46. Tudo para dizer que, contra factos não há argumentos, e que não se vê em que medida, o Ministério Público foi parcial, mas admitindo que tal sucedeu, por mera hipótese- em principio, ter-se-á ficado a dever, certamente, ao facto de, ter cumprido a sua função: deduziu acusação, pugnado pela condenação do arguido em sede de alegações por ter entendido que os factos tinham ficado provados, visando sempre o arguido AA, precisamente, o que estava sentado no banco dos “arguidos” e aquele que praticou os atos ilícitos e não os progenitores, que não foram acusados, sempre com respeito pela lei e para Constituição!
47. Em suma, o Tribunal a quo efectuou uma correta subsunção dos factos ao Direito, tendo ponderado adequadamente todas as circunstâncias que sopesaram a favor e contra os ora recorrentes, não merecendo, assim, a decisão recorrida qualquer censura, a qual deverá ser mantida nos seus precisos termos.
(…)
A assistente respondeu ao recurso do arguido, concluindo a resposta do seguinte modo:
(…)
Deve o acórdão recorrido ser mantido nos seus precisos termos – incluindo no que respeita ao pedido de indemnização civil –, por ser acertado, estar de acordo com a lei e com os factos provados, não tendo violado qualquer norma ou princípio jurídico. Termos em que deve ser julgado totalmente improcedente o presente recurso interposto pelo arguido/demandado, mantendo-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos, desta forma se fazendo justiça. Com as consequências legais.
(…)
***
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, sublinhando a resposta do Ministério Público de primeira instância.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a Conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º, por remissão do art.º 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem preferencial:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (art.º 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [art.º 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no art.º 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.
O arguido, nas conclusões do recurso, e muito embora misture alegações quanto a factos e direito, impugnações com discordâncias [como veremos], fixa o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões:
- impugnação da matéria de facto;
- impugnação da matéria de direito;
- escolha e determinação da pena.
***
Fundamentação
O Tribunal recorrido fixou a matéria de facto do seguinte modo:
(…)
1. FACTOS PROVADOS:
1.1. FACTOS CONSTANTES DA ACUSAÇÃO E DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL:
1. BB, nasceu em ...-...-2008.
2. Até ... de 2022, residiu com a sua mãe, CC, e o seu padrasto, DD, na ....
3. Por via de relação de confiança e amizade estabelecida, no ano de 2018, o arguido começou a frequentar a casa de BB, e a criar laços de confiança com a família desta, que o passou a considerar e tratar como membro da família.
4. Por via desse convívio próximo com a BB, em dia não concretamente apurado, mas no ano de 2018, o arguido e BB iniciaram uma relação amorosa, à revelia da família desta.
5. Entretanto, em momento posterior, o arguido e BB começaram a namorar com autorização da mãe desta.
6. Apesar de tal autorização, ambos foram expressamente advertidos de que não podiam manter relações sexuais.
7. Em dia e local não concretamente apurados do ano de 2020, o arguido e BB começaram a ter relações sexuais, sem preservativo, tendo, pelo menos, o Arguido, introduzido o pénis erecto na vagina desta e ejaculado fora do corpo da mesma.
8. A partir desse momento e até 2021, quando se encontrava sozinho com BB, o arguido introduzia o pénis erecto na vagina de BB, aí o friccionando até ejacular fora do corpo desta, sem nunca usar preservativo.
9. O que ocorreu, pelo menos, duas vezes por mês, em diversos locais.
10. O arguido sabia a idade de BB.
11. Durante os momentos em que mantinha relações sexuais com BB, em número de vezes, locais e datas não concretamente apurados, o arguido fotografou-a nua e fotografou partes íntimas do corpo desta, com o seu telemóvel, algumas vezes com o consentimento daquela, tendo guardado essas imagens no sistema de armazenamento desse aparelho.
12. Durante o ano de 2020, em altura não apurada, o arguido e BB fizeram, entre si, videochamadas de cariz sexual, onde esta, a pedido do arguido, expunha as suas partes íntimas, ficando apenas em roupa interior e também completamente nua.
13. No âmbito das videochamadas referidas em 12., o arguido fez algumas capturas de ecrã de BB.
14. BB, em 2021, terminou o relacionamento amoroso com o arguido, após a sua mãe ter ficado a saber dessa sua relação e por determinação desta.
15. A mãe de BB também comunicou ao arguido que, imediatamente, se deveria afastar desta.
16. O arguido não aceitou que BB terminasse o relacionamento entre ambos.
17. E criou uma conta falsa na rede social “Instagram”, com o exclusivo propósito de falar com BB.
18. Nessa altura, começou a querer seguir o que esta fazia e querer saber com quem esta estava e com quem andava.
19. Para isso, fez-se passar por um desconhecido interessado em com ela fazer amizade e iniciou uma conversação com BB, fazendo-lhe perguntas sobre a sua vida, locais onde esta tinha estado e com quem estava a conviver, perguntas que a levaram a concluir que se tratava do arguido, momento em que lhe bloqueou essa conta, para impedir o contacto deste consigo, por essa via.
20. Após BB ter bloqueado essa conta do arguido, este passou a usar outras contas de redes sociais para o mesmo efeito, de amigas comuns, e a pedir a essas amigas para que lhe fizessem chegar mensagens suas.
21. Após o fim do relacionamento em ... de 2021, durante período não concretamente apurado, o arguido começou a enviar mensagens a BB a dizer-lhe que iria expor publicamente e através das várias redes sociais, os vídeos e fotografias de cariz sexual que tinha efectuado consigo.
22. O que realmente fez, tendo o arguido exibido, pelo menos uma vez, a GG, fotografias onde BB aparecia nua e a ter relações sexuais.
23. Mais tendo o arguido, por uma vez, colocado foto de BB nua numa história da rede social Instagram, a qual era apenas visível para os “amigos chegados” deste na mencionada rede social.
24. Durante um período de tempo não concretamente apurado, mas durante alguns meses, após o início do ano lectivo de 2021/2022, após o mês de ..., o arguido estava à frente da escola que BB frequentava.
25. Após BB ter terminado a relação com o arguido, o arguido mandou-lhe a seguinte mensagem “So te digo uma coisa se eu for preço quando eu sair vou par a tua mãe a beber o teu sangue”.
26. Em dia e hora não concretamente apurados, mas após BB ter terminado a relação com o arguido, o arguido e BB tiveram a seguinte troca de mensagens:
– arguido: “queres mais fotos”
– BB: “Pfv, Para com isso, Sfv, Para”
– arguido: “amanhã é essa”
– BB: “Qual, Não, AA, Para, Vou ligar a pulixia”
– arguido: “liga a vontade, eu já tirei da historia, eu não vou por mais os pés em ..., ta descansada”
– BB: “podes parar, Pfv”
– arguido: “hey BB agente esta solteiro mais a gente se pode encontrar pra dar umas fodas, não respondes”
– BB: “Para, AA”
– arguido: “Não queres dar umas fodas as escondidas, já tens outor”
– BB: “AA podes parar, Pfv”;
– arguido: “Vai ver vou publicar a primeira, na minha hsitoria BB be na tua conta, esta para os amigos chegados”
– BB: “Para, Vou para baixo da terra agr”
– arguido: “Não faças isso eu quero que a historia continue, Vai sofre muito apartirbde agora”
– BB: “Para AA (…)”
– arguido: “olha a escola esta a começar e as pessoas querem ver alguma coisa” (…)
– BB: “vou me matar”
– arguido: “Mais ante de te matares não queres dar umas fodas”
– BB: “AA não, (…) Para”
– arguido: “Então estas a modo de te matar (…) amanhã já pode aparecer alguma coisa publicada no inst” (…) Fds eles ate vao se conselser (…) uii conia fresca (…)
– BB: “Param Pfv” – arguido: “Estas a chorar oara, vais penar” (…)
– BB: “para”
– arguido: “eu não vku para, A historia começou agora, se acabar agora não tem peada, boa sorte amiga” (…) “queres começa a publica”
– BB: “N publiques, AA”
– arguido: “A historia começou agora, e o fim da historia e quando fores para baixo da twrra (…) adeus”
– BB: “Apaga, agr”
– arguido: “já viste”
– BB: “vou para baixo da terra agr” (…)
– arguido: “Amanha vais ver, vou mandar para cada rapaz que tiver aqui no meu insta”
– BB: “Para AA”
– arguido: “não quero saber vou publicar” (…) não mandas em mim, adeus, Boa sorte para a tua vida, Vai vendo as historias” (…) Queres que te manda uma foto (…) que linda cona” (…)
– BB: “AA Para”
– arguido: “Eu disse que ia te fazer a vida negra (…) não mandas em mim” (…) “todos os dias vou publicar”.
27. A partir do mês de ..., BB deixou de viver o seu quotidiano como até aí, passando a viver em permanente receio sobre aquilo que o arguido pudesse vir a fazer com essas fotografias e vídeos, deixando de conviver da mesma forma com amigos e amigas e vendo a sua motivação escolar afectada.
28. Os factos praticados pelo arguido, criaram em BB medo e tristeza.
29. E afectaram o seu relacionamento emocional com a sua mãe, pai e padrasto.
30. Fazendo com que se cortasse nos braços e nas pernas, por várias vezes, e com que verbalizasse vontade de se suicidar.
31. Por força dos factos supra mencionados, BB devia ser acompanhada por psicólogo, mas recusa.
32. BB, até ao dia em que teve a primeira relação sexual com o arguido, nunca tinha mantido relações sexuais com ninguém.
33. Actuando da forma supra descrita em 1 a 11, com o propósito, concretizado, de ter relações sexuais com BB, bem sabendo a idade desta, mas não se inibindo de o fazer, sabendo que as aludidas condutas, atenta a sua idade, punham em causa o desenvolvimento da personalidade desta, na esfera sexual, e que esta não tinha a capacidade e o discernimento necessários para se auto-determinar sexualmente, prejudicando o seu normal desenvolvimento psicológico e afectivo.
34. O arguido actuou do modo descrito em 25., sabendo que a expressão em causa causava medo e inquietação em BB, fazendo-a temer pela sua vida e, não obstante, não se inibiu de a proferir, o que quis, prejudicando-a na sua liberdade pessoal.
35. O arguido actuou do modo descrito em 16. a 21., 24. e 26., sabendo que, de modo reiterado, estava a assediar BB, causando-lhe medo e inquietação, e, não obstante, não se inibiu de levar a cabo tais condutas, o que quis, prejudicando-a na sua liberdade pessoal.
36. O arguido actuou do modo descrito em 11. a 13., 22. e 23., sabendo que estava a utilizar BB, menor, em fotografias e filmes pornográficos, e a divulgar algumas de tais fotografias, e, não obstante, não se inibiu de levar a cabo tais condutas, o que quis, prejudicando-a na sua autodeterminação sexual.
37. O arguido agiu, sempre, de forma livre, deliberada e consciente e, não obstante, decidiu actuar das formas supra descritas, tendo sempre com a noção de que as suas condutas prejudicavam gravemente BB e eram proibidas e punidas por lei penal.
1.2. FACTOS RELATIVOS ÀS CONDIÇÕES ECONÓMICAS, PESSOAIS, SOCIAIS E PROFISSIONAIS DO ARGUIDO
38. AA é natural da ....
39. À data dos factos, residia com os progenitores no meio de origem.
40. Residia, ainda, com o irmão mais velho, actualmente com 29 anos de idade e com uma sobrinha, de 10 anos de idade, entregue aos cuidados deste.
41. Encontrava-se a frequentar a escola, inicialmente no ensino regular, contexto em que concluiu o 9.º ano de escolaridade.
42. Posteriormente, foi integrado na ..., frequentando um curso de ..., do qual foi expulso devido a atitudes intempestivas.
43. Tem desmotivação e desinteresse pelas actividades escolares.
44. Não tem pretensão de retomar o percurso escolar e obter um maior grau de escolaridade.
45. Dependia do suporte dos progenitores, ambos laboralmente activos, o pai como ..., numa autarquia local, e a progenitora como operária, numa fábrica de lacticínios.
46. Com cerca de 18 anos, na sequência da crise sismovulcânica, o arguido deslocou-se para a ....
47. Aí, trabalhou na vitivinicultura.
48. Regressou, entretanto, a ..., reintegrando o agregado familiar de origem.
49. Aí, desenvolveu trabalho na construção civil.
50. Um ano depois deslocou-se para a ..., ficando alojado na casa dum familiar.
51. Aí, trabalhou na construção civil.
52. Em 2023, regressou a ....
53. Residiu, inicialmente, com os progenitores e posteriormente em habitação arrendada.
54. Manteve a actividade laboral na construção civil, de acordo com as oportunidades de trabalho.
55. Há cerca de 4 meses fixou-se na ....
56. Nesta ilha, arrendou habitação.
57. Exerceu actividade profissional como ajudante de padeiro numa panificação.
58. Passou, há cerca de um mês, a trabalhar num estabelecimento de restauração, com horário nocturno.
59. Aufere vencimento de cerca de € 900,00 mensais.
60. Gasta, com a habitação, cerca de € 500,00.
61. Não tem quaisquer outras despesas regulares.
62. Iniciou consumo de haxixe com cerca de 16 anos.
63. Manteve tais consumos até recentemente.
64. Abandonou, por sua iniciativa, os consumos em causa.
65. Devido à ansiedade gerada pela ocorrência do presente processo, teve um período de consumos abusivos de bebidas alcoólicas.
66. Entretanto, deixou de ter tais consumos.
67. O arguido nasceu num contexto familiar estruturado, sem aparentes dificuldades relacionais no enquadramento familiar.
68. Viveu num ambiente económico onde eram garantidas as necessidades básicas.
69. O foco do agregado era o suporte aos cuidados aos filhos.
70. O arguido contextualiza o presente processo a desentendimentos com a família da Ofendida.
71. Revela dificuldades na percepção dos tipos legais de crime em causa e da sua gravidade.
72. Tem um discurso de animosidade em relação à vítima e restantes intervenientes.
73. Assume uma postura de vitimização.
74. Tende a mitigar a sua responsabilidade, por considerar que a família da vítima tinha conhecimento da natureza da sua relação com a jovem.
75. Teve alguns períodos de postura menos ajustada, devido a impulsividade.
76. O presente processo teve impacto em termos da sua estabilidade emocional, pelo receio das eventuais consequências punitivas.
77. Não valoriza a eventual necessidade de intervenção especializada.
78. Na eventualidade de condenação, está receptivo a uma abordagem psicoterapêutica.
79. É imaturo e impulsivo.
80. Tem acentuados défices de educação para o direito, défices de consciência crítica e de descentração.
1.3. ANTECEDENTES CRIMINAIS DO ARGUIDO
81. O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais.
*
2. FACTOS NÃO PROVADOS:
a) BB e o arguido AA conheceram-se e estabeleceram, ambos, uma relação de amizade e confiança recíprocas, quando começaram a jogar na mesma equipa de futebol, treinada pelo pai da ofendida BB.
b) Durante o período de tempo referido em 7 e 8, o arguido aliciava sexualmente e coagia BB para a prática de actos sexuais consigo, através do envio de mensagens de cariz sexual para o seu telemóvel, através de várias redes socias, como “Instagram”, “Messenger” e “Whatsapp”.
c) O mencionado em 12., ocorreu ao longo de um ano, em dias, locais e número de vezes não concretamente apurados, mas nunca inferior a 10 vezes.
d) A mais do dado como provado em 13., que, de todas as vezes referidas em 12., o arguido, sem que BB tivesse notado, e, na altura, disso viesse a ter conhecimento, gravou os vídeos dessas videochamadas e efectuou vários “screenshots” (fotografias do ecrã) através do seu telemóvel que, sem autorização e à revelia desta, armazenou no seu telemóvel ou nas contas das redes sociais usadas para efectuar essas videochamadas, designadamente, através do “Messenger/Facebook” e “Whatsapp”.
e) O mencionado em 21. ocorreu durante mais de um ano,
f) As mensagens mencionadas em 21. eram enviadas para BB aceitar a continuar a ter relações sexuais com o arguido.
g) A mais do dado como provado em 22. e 23., que o arguido tenha exibido fotografias e vídeos de BB nua ou a ter relações sexuais, a vários amigos de ambos, designadamente, através de “stories” da rede social “Instagram”.
h) A mais do dado como provado em 24., que o arguido, em número e datas não concretamente apuradas, mas por várias vezes, por forma a pressionar a ofendida BB e intimidá-la, começou a esperar a ofendida à porta da Escola que esta frequentava, em ..., para que esta percebesse que a estava a vigiar e a perseguir durante parte do seu caminho para, depois, passados poucos minutos desaparecer do seu campo de visão.
i) A mais do dado como provado em 25., que o arguido, porque queria continuar a ter relações sexuais com BB e esta não queria, em datas e número de vezes não concretamente apurados, começou a enviar-lhe mensagens pelo “Instagram” e pelo “Whatsaap”, a dizer que a matava, a ela e à sua mãe, CC, caso ela não aceitasse continuar a ter relações sexuais consigo.
j) O arguido reproduziu as mesmas ameaças presencialmente, por uma vez, em dia e local não concretamente apurados e por chamada telefónica, várias vezes, em vezes e datas não concretamente apuradas.
k) A mais do dado como provado em 27., que BB tenha baixado drasticamente o seu rendimento escolar.
l) Por força da conduta do arguido, BB ficou com depressão profunda.
m) A mais do dado como provado em 31, que BB tivesse sido acompanhada por um psicólogo em consultas regulares, consultas que ainda frequenta.
n) BB nunca teve relações sexuais com mais ninguém para além daquelas que vão descritas nos factos provados.
o) A mais do dado como provado em 34., que o arguido tenha querido em conseguido causar medo na mãe de BB.
(…)
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto do seguinte modo:
(…)
A convicção do Tribunal adveio da ponderação crítica do conjunto da prova produzida e analisada em audiência de discussão e julgamento.
Assim:
Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 1 a 13 e 32, a convicção do tribunal fundou-se no teor complementar e consentâneo das declarações do arguido, de BB (Ofendida) e de CC (mãe da Ofendida), os quais verbalizaram a ocorrência do namoro em causa quando o arguido frequentava a casa do agregado da ofendida, com autorização da mãe da ofendida (autorização que esta naturalmente procurou suavizar), e período em que o mesmo decorreu, tendo o arguido e a ofendida (que nunca tinha tido relacionamento sexual anteriormente), ainda, descrito que, após os 12 anos da ofendida e até à separação do casal, em 2021, iniciaram e mantiveram relacionamento sexual de cópula completa, o qual, dada a natural imprecisão da ofendida quanto à frequência, ocorreu, pelo menos, 2 vezes por mês, como confessado pelo arguido, tendo, no decurso de tais relacionamentos e de videochamadas de cariz sexual feitas entre ambos, o arguido, com e sem o consentimento da ofendida (como verbalizado de forma credível por esta, procurando, aqui, sem sucesso, o arguido aligeirar a sua responsabilidade, no que não foi credível), colhido vídeos e imagens das relações sexuais e da Ofendida nua.
Tais declarações e depoimentos foram, quanto à idade de BB, devidamente conjugados com o teor do assento de nascimento desta, constante de fls. 157-158, idade que o arguido, confessadamente, conhecia.
Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 14 a 26, a convicção do tribunal fundou-se no teor dos depoimentos de BB (Ofendida) e de CC (mãe da Ofendida), as quais, de forma credível (tanto mais que a ofendida não procurou sequer agravar os comportamentos do arguido), complementar, e corroboradas pelo teor das mensagens de fls. 203-235 e 236-237 (enviadas pelo arguido e tendo como interlocutora a ofendida, o que nem este nega), descreveram o modo como a ofendida, em ..., decidiu terminar a relação de namoro com o arguido, o que o mesmo não aceitou, tendo este, em consequência, assediado, de forma grave, a ofendida por diversas formas dizendo que iria divulgar fotografias e vídeos sexuais desta e pretendendo ter relações sexuais com a mesma, o que fez primordialmente pelas redes sociais, mas também surgindo à porta da escola desta, mais tendo o arguido ameaçado a ofendida de morte e, inclusive, mostrado fotografias da mesma com cariz sexual (o que foi confirmado e visto pela testemunha GG) e integrado uma delas em história do Instagram acessível aos “amigos chegados” deste nesta rede.
Irrelevaram, aqui, as declarações do arguido, assumindo, este, nesta parte, apenas o incontornável e constante de prova documental, mas fazendo-se de vítima da família em causa, sempre indiferente ao sofrimento da ofendida e sua família e até com desdém relativamente ao que ia ocorrendo no julgamento, sem que a sua versão lograsse merecer credibilidade, dada congruência dos supra mencionados depoimentos e os elementos externos corroborantes dos mesmos.
Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 27 a 31 e ao facto dado como não provado na alínea m), a convicção do tribunal fundou-se no teor do depoimento de CC (mãe da Ofendida), de DD (padrasto da Ofendida) e de EE (pai da Ofendida), devidamente conjugado com as mais elementares regras da normalidade ou experiência comum (atentas as condutas empreendidas pelo arguido sobre a ofendida), a qual relatou, de forma minuciosa e com conhecimento directo do relatado, a forma como a sua filha ficou afectada pelas condutas do arguido (afectação que a ofendida, em sede de julgamento e querendo mostrar-se de forte, tendeu a desvalorizar, sem sucesso), sobremaneira pelo ocorrido após o fim do namoro, precisando esta, inclusive, de apoio psicológico, que rejeita (como atestado pela sua mãe).
Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 33 a 37, elementos subjectivos dos ilícitos em questão, a convicção do tribunal fundou-se no teor dos actos objectivos praticados pelo arguido e supra motivados, aliados às mais elementares regras da normalidade ou experiência comum, não afastadas por qualquer elemento existente nos autos, das quais resulta o conhecimento e vontade com que actuou o arguido em cada momento.
Quanto à condição social, pessoal, económica e profissional do Arguido, constante dos n.ºs 38 a 80, a convicção do tribunal fundou-se no teor do relatório social junto com a RE 5994468, o qual não se mostrou contrariado por qualquer elemento existente nos autos, nem por qualquer regra da normalidade ou experiência comum, e foi, aqui e além, corroborado quer pelas declarações do arguido, quer pela postura que assumiu em julgamento, com constantes e desdenhosos sorrisos relativamente ao que ia ocorrendo, indiferentes à gravidade do assunto em apreço nos autos.
Quanto à inexistência de antecedentes criminais por parte do Arguido (cfr. o facto n.º 81, dado como provado), a convicção do Tribunal filiou-se na análise do certificado do registo criminal, constante da RE 5989130.
Quanto aos factos dados como não provados nas alíneas a) a l), n) e o), a convicção do Tribunal filiou-se na total ausência de prova positiva quanto à matéria em causa, não resultando a mesma de qualquer depoimento, documento ou outro elemento de prova constante dos autos.
(…)
O Tribunal recorrido enquadrou o direito do seguinte modo:
(…)
O arguido vem, após alteração da qualificação jurídica, acusado da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de 103 crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, de 2 crimes de ameaça agravados, previstos e punidos pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, de 1 crime de perseguição agravado, previsto e punido pelos arts. 154.º-A, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, de 1 crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos arts. 176.º, n.º 1, als. b) e c), e 177.º, n.º 8, do Código Penal, e de 1 crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, previsto e punido pelos arts. 199.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), e 197.º, n.º 1, do Código Penal.
É o seguinte, no que ora interessa, o conteúdo das disposições incriminadoras citadas:
–“Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.” (art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal);
–“Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.” (art.º 171.º, n.º 2, do Código Penal);
–“Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias” (art.º 153.º, n.º 1, do Código Penal);
−“Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º-C forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, nos casos dos artigos 153.º e 154.º-C, com pena de prisão de 1 a 5 anos, nos casos dos n.º 1 do artigo 154.º e do artigo 154.º-A, e com pena de prisão de 1 a 8 anos, no caso do artigo 154.º-B” (art.º 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal);
−“Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal” (art.º 154.ºA, n.º 1, do Código Penal);
−“Quem: b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim; c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior; é punido com pena de prisão de um a cinco anos.” (art.º 176.º, n.º 1, als. b) e c), do Código Penal);
−“As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 175.º, no n.º 1 do artigo 176.º e no 176.º-C são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos” (artigo 177.º, n.º 8, do Código Penal);
−“1 - Quem sem consentimento: a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas; é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.” (artigo 199.º, n.º 1, do Código Penal);
−“2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade: a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.” (artigo 199.º, n.º 2, do Código Penal);
−“1 - As penas previstas nos artigos 190.º, 191.º, 192.º, 194.º e 195.º são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o facto for praticado para obter recompensa ou enriquecimento, para o agente ou para outra pessoa, ou para causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado.” (artigo 197.º, n.º 1, do Código Penal).
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1.1. DO CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
Isto posto, passemos à análise do crime de abuso sexual de crianças.
O crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, (tipo legal em que o bem jurídico protegido é a autodeterminação sexual, procurando-se, ainda, proteger o ofendido de condutas que possam prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade - cfr., neste sentido, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I – Artigos 131.º a 201.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 541), para que se mostre consumado, demanda a demonstração dos seguintes elementos1 :
(1) a prática de acto sexual de relevo ou a determinação à prática de acto sexual de relevo com outrem (elemento objectivo previsto no art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal); ou
Assim, a hipótese típica da prática do crime em causa consiste ou na prática de acto sexual de relevo entre o agente e a vítima ou na determinação, pelo agente, à prática, pela vítima, de acto sexual de relevo com um terceiro.
Será acto sexual de relevo, o comportamento (activo ou passivo) que, objectivamente, tem uma natureza, conteúdo ou significado (reconhecível como sexualmente significativo pela vítima) directamente relacionados com a esfera da sexualidade, interferindo com a autodeterminação sexual da vítima [nota 2 no texto original].
E isto independentemente do motivo da actuação do agente, não se exigindo que este actue com intenção de despertar ou satisfazer, em si ou em outrem, a excitação sexual.
Mas, note-se, só serão actos sexuais tipicamente significantes aqueles que tenham relevo, excluindo-se os actos insignificantes ou bagatelares, analisados à luz do bem jurídico protegido.
Deve, assim, em cada caso, perguntar-se se o acto em causa atinge, objectivamente, com importância, a autodeterminação sexual, sendo que, quando atinja, será um acto considerado de relevo.
Note-se que, aqui, está em causa a prática de acto sexual de relevo com menor de 14 anos e não perante menor de 14 anos, pois que, nesse caso, a conduta do agente enquadrar-se-á no disposto no art.º 171.º, n.º 3, al. b), do Código Penal, entendendo-se que consiste na actuação sobre menor de 14 anos por meio de espectáculo pornográfico.
(1) a existência de cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos ou a determinação à prática de tais actos com outrem (elemento objectivo previsto no art.º 171.º, n.º 2, do Código Penal);
A hipótese típica da prática do crime de abuso sexual de crianças em análise consiste em o agente ter com a vítima cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos.
E, ao contrário do que outrora sucedia, prevê-se, ainda, o preenchimento do tipo legal, quando o agente leva a vítima a ter alguma das actuações supra mencionadas com terceiro [nota 3 no original], pois o n.º 2, do art.º 171.º, do Código Penal, substancialmente diferente do seu antecessor e suprindo lacuna de punibilidade, apenas introduz especificidade quanto à gravidade dos actos sexuais praticados e não quanto à modalidade de acção.
Para efeitos da incriminação legal, entende-se por cópula a penetração da vagina pelo pénis, haja, ou não, emissio seminis (cfr. o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 5/2003), não preenchendo o conceito de cópula as designadas “cópula vestibular” ou “vulvar”, as quais constituirão acto sexual de relevo para efeitos do n.º 1, do art.º 171.º, do Código Penal.
Por seu turno, será coito anal a penetração, total ou parcial, do ânus pelo pénis, com ou sem emissio seminis.
Por fim, poder-se-á definir coito oral como a penetração da boca pelo pénis (haja ou não erecção, haja ou não emissio seminis), designada por fellatio, e a estimulação da vagina pela boca ou língua, designada por cunnilingus (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/05/2009, relatado pelo Ex.mo Senhor Conselheiro SOARES RAMOS, processo n.º 07P0035, nota (2) in www.dgsi.pt, onde se refere que “(…) é diferente a redacção do art.º 172º, nº 2 (agora art.º 171º, nº 2) que apenas fala de cópula, coito anal ou coito oral do agente com menor de 14 anos, de forma que se deve entender que só o comportamento sexualmente passivo (sofrer o coito oral, o que abrange a “fellatio” e o “cunnilingus”) está incluído na previsão típica.”).
E, note-se, é agora também tipicamente relevante, ao lado da cópula, coito oral e coito anal, como modalidade de acção, a introdução vaginal ou anal de partes do corpo (v.g. mão, dedo, língua, nariz) ou objectos (qualquer que seja o seu estado – v.g. vibradores, pénis artificiais, próteses, paus, garrafas, cabos de vassoura, sémen, urina, partes de um cadáver, de um animal), assumindo, aqui, a vítima, uma posição meramente passiva.
(2) a actuação sobre menor de 14 anos de idade (elemento objectivo);
Em segundo lugar, para além do desenvolvimento, pelo agente do crime, de alguma das modalidades de conduta supra descritas, é necessário que a vítima seja uma criança com menos de 14 anos, independentemente do seu sexo.
E isto independentemente da iniciação ou experiência sexual da vítima e do papel que esta assume no contexto dos factos, que pode ser activo ou passivo.
(3) a existência de dolo (elemento subjectivo).
O crime de abuso sexual de crianças em causa é, à semelhança da maioria dos crimes (cfr. o art.º 13.º do Código Penal), doloso, sendo admissíveis as várias modalidades de dolo (art.º 14.º, do Código Penal).
Isto é, basta-se, o preenchimento do mencionado tipo legal, com a mera existência de dolo eventual, o qual deve cobrir todos os elementos objectivos do tipo (in casu, a prática de acto sexual de relevou ou a determinação à prática de acto sexual de relevo com outrem – no caso do art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal – ou a prática de cópula, coito anal, coito oral ou a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos ou a determinação à prática de cópula, coito anal, coito oral ou à introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos com outrem – no caso do art.º 171.º, n.º 2, do Código Penal –, sobre menor de 14 anos), e sendo, suficiente para a realização do tipo de ilícito que o autor represente que está praticar acto sexual de relevou ou a determinar à prática de acto sexual de relevo com outrem – no caso do art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal – ou a praticar cópula, coito anal, coito oral ou a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos ou a determinar à prática de cópula, coito anal, coito oral ou à introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos com outrem – no caso do art.º 171.º, n.º 2, do Código Penal –, sobre menor de 14 anos, e, não obstante, actue, conformando-se com isso.
Realce-se, dada a importância prática, que, como vimos de dizer, o dolo supõe o conhecimento (certo, nos casos de dolo directo ou necessário, ou incerto, nos casos de dolo eventual) da idade da vítima.
E, se o agente não representou (ou representou erradamente) a idade da vítima, o erro exclui o dolo e, com ele, a punição, nos termos do art.º 16.º, n.º 1, do Código Penal.
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Note-se, por fim, em virtude da entrada em vigor da Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, não é admissível o crime continuado de abuso sexual para condutas posteriores à sua entrada em vigor [nota 4 no original] (art.º 30.º, n.º 3, do Código Penal).
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Note-se, ainda, que, em virtude da esmagadora maioria da jurisprudência dos nossos tribunais afastar a continuação criminosa e a figura do crime exaurido, de trato sucessivo, nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, entendemos não ser hoje sustentável a figura do trato sucessivo em crimes contra a liberdade ou autodeterminação sexual como os que estão em apreço nos autos.
Na verdade, conforme vem entendendo tal jurisprudência, e à qual agora aderimos, em face do supra mencionado art.º 30.º, n.º 3, do Código Penal, o crime de trato sucessivo não se pode aplicar aos crimes de abuso sexual de menores, pois o resultado prático pretendido pelo legislador foi a supressão da benesse do crime continuado em caso de condutas contra bens eminentemente pessoais, pelo que também é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime de trato sucessivo, ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as acções.
O crime de abuso sexual de crianças não é compaginável com tal figura jurídica, uma vez que exige, pressupõe, a afirmação de uma pluralidade de resoluções criminosas na produção do resultado que desencadeiam e que, portanto, se autonomizam como tal, não pressupondo tal crime a reiteração, isto é, não se pretende com os crimes em causa punir uma actividade.
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1.2. DO CRIME DE AMEAÇA AGRAVADO
Passemos, em segundo lugar, à análise, abstracta, do crime de ameaça agravado.
Quanto a este, e antes de mais, cumpre salientar que com a incriminação em causa pretendeu o legislador tutelar a liberdade de decisão e de acção [nota 5 no original].
Para se verificar o preenchimento dos elementos constitutivos (objectivos e subjectivos) do tipo legal de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, é necessário que se demonstre:
(1) o anúncio feito pelo agente de que pretende infligir a outrem um mal (elemento objectivo comum à ameaça e à ameaça agravada).
Assim, em primeiro lugar, é necessário que o agente do crime declare que pretende infligir a um terceiro um determinado mal.
Mais.
É necessário que esse mal esteja dependente da vontade do agente, não podendo o mesmo consubstanciar um simples aviso ou advertência.
E, o anúncio em causa, não carece de qualquer forma específica, podendo ser feito por qualquer modo (escrito, verbal, gestual) de onde se deduza o anúncio do mal ameaçado.
É também necessário que o anúncio em causa chegue ao conhecimento do destinatário, sendo que, quando não chegue, estaremos perante uma tentativa impunível dada a moldura penal do crime em questão e a falta de previsão expressa quanto à punibilidade da tentativa (cfr. o art.º 23.º, n.º 1, do Código Penal).
Note-se, por fim, que há que distinguir entre o destinatário da ameaça e o objecto do crime ameaçado, porquanto estes podem não coincidir [nota 6 no original].
(2) que o mal se consubstancia na prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou contra bens patrimoniais de considerável valor (elemento objectivo comum à ameaça e à ameaça agravada).
Depois, é necessário que o mal em causa diga respeito a determinados elementos de natureza pessoal ou patrimonial.
Isto é, só haverá crime de ameaça quando o mal ameaçado consista, por um lado, na prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual, ou, por outro lado, na prática de crime contra bens patrimoniais de considerável valor.
E, tendo o mal ameaçado de configurar, em si mesmo, o cometimento de um ilícito típico, pode sê-lo por acção ou por omissão.
(3) que o mal é futuro (elemento objectivo comum à ameaça e à ameaça agravada).
Em terceiro lugar, é necessário que o mal em causa não seja iminente, porquanto, se o for, estar-se-á já no início da tentativa de execução do acto violento, isto é, do mal em causa [nota 7 no original].
É necessário, pois, para que se conclua estarmos perante um crime de ameaça, que não haja eminência de execução, no sentido que a mesma é utilizada para efeitos de tentativa no art.º 22.º, n.º 2, al. c), do Código Penal.
(4) que a ameaça é apta para provocar medo ou inquietação ou para prejudicar a liberdade de determinação (elemento objectivo comum à ameaça e à ameaça agravada).
Em quarto lugar, exige-se que a ameaça susceptível e adequada (segundo um critério de adequação objectivo-individual) a afectar, a lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo, contudo, necessário que, em concreto, provoque o medo ou a inquietação (assim, o crime em causa consubstancia um crime de perigo concreto) [nota 8 no original].
(5) que a ameaça é com a prática de crime punível com a pena de prisão superior a três anos (elemento objectivo específico para os casos de ameaça agravada do art.º 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal).
E, para que o crime de ameaça seja o agravado do art.º 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, exige-se que a ameaça em causa seja com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos.
(6) a existência de dolo (elemento subjectivo comum à ameaça e à ameaça agravada).
O crime de ameaça é, à semelhança da maioria dos preceitos penais, exclusivamente doloso (cfr. o art.º 13.º do Código Penal), bastando-se com a mera existência de dolo eventual, o qual deve cobrir todos os elementos objectivos do tipo.
Sobre este ponto, refere, exemplarmente, AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, que “[e]ste dolo exige e basta-se com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado. Isto, assim como o próprio conceito de ameaça, pressupõe, naturalmente, que o agente tenha a vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do seu destinatário. Tendo em conta que o que releva é o critério do efeito e, portanto, a consciência do agente da susceptibilidade de provocação de medo ou intranquilidade, é irrelevante que o agente tenha, ou não, a intenção de concretizar a ameaça” [nota 9 no original].
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1.3. DO CRIME DE PERSEGUIÇÃO AGRAVADO
Passemos, em terceiro lugar, ao crime de perseguição agravado. O crime de perseguição, previsto e punido pelo art.º 154.º-A, .º 1, do Código Penal (tipo legal em que o bem jurídico directamente protegido é a liberdade individual de acção ou decisão de outra pessoa, na vertente da autodeterminação [nota 10 no original], para que se mostre consumado, demanda a demonstração dos seguintes elementos:
(1) a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto (elemento objectivo).
Assim, em primeiro lugar, é necessário que o agente, persiga ou assedie a vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto.
Trata-se de crime novo na nossa ordem jurídica, sendo as condutas susceptíveis de o preencher vulgarmente conhecidas, antes de tal criminalização específica, como “stalking”.
Na exposição de motivos do projecto de lei nº.647/XII escreveu-se que: “A perseguição - ou stalking - é um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Estes comportamentos podem consistir em acções rotineiras e aparentemente inofensivas (como oferecer presentes, telefonar insistentemente) ou em acções inequivocamente intimidatórias (por exemplo, perseguição, mensagens ameaçadoras). Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode escalar em frequência e severidade o que, muitas vezes, afecta o bem-estar das vítimas, que são sobretudo mulheres e jovens. A perseguição consiste na vitimação de alguém que é alvo, por parte de outrem (o assediante), de um interesse e atenção continuados e indesejados (vigilância, perseguição), os quais são susceptíveis de gerar ansiedade e medo na pessoa-alvo.”
(2) a adequação da acção a provocar na vítima medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação (elemento objectivo).
Depois, é necessário que a conduta em causa seja adequada a provocar na vítima medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
Isto é, não basta a acção do arguido e o medo da vítima, é necessário que a actuação seja adequada a provocar o mencionado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de autodeterminação.
(3) a reiteração da acção (elemento objectivo).
Por fim, é necessária a demonstração da reiteração do comportamento, estando os comportamentos singulares integrados ou não em outros preceitos legais incriminadores.
(4) a existência de dolo (elemento subjectivo).
O crime de perseguição previsto no art.º 154.º-A, n.º 1, do Código Penal é doloso (cfr. o art.º 13.º do Código Penal), bastando, à semelhança da generalidade dos crimes, a mera existência de dolo eventual.
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Acresce que, para que o crime de perseguição seja o agravado do art.º 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, exige-se que a ameaça utilizada na perseguição ou assédio seja com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos.
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1.4. DO CRIME DE PORNOGRAFIA DE MENORES AGRAVADO
Passemos, então, à análise, em abstracto, do crime de pornografia de menores agravado [nota 11 no original].
O crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, als. c) ou d), do Código Penal (tipo legal em que o bem jurídico protegido é a autodeterminação sexual dos menores – não dos concretos menores, mas dos menores em geral – e a protecção e defesa da dignidade de menores), para que se mostre consumado, demanda a demonstração dos seguintes elementos [nota 12 no original]:
(1) a utilização de menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciamento deste para esse fim (elemento objectivo previsto no art.º 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal); ou
Assim, em primeiro lugar, para estar em causa o crime do artigo art.º 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, o agente tem de utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciá-lo para esse fim.
Mas não se pode tratar de qualquer fotografia, filme ou gravação pornográficos, tem de estar em causa material pornográfico com utilização de menor no mesmo ou, pelo menos, com representação realística de menor [nota 13 no original].
(1) a produção, distribuição, importação, exportação, divulgação, exibição, cedência ou disponibilização a qualquer título ou por qualquer meio, de fotografia, filme ou gravação pornográficos, com utilização de menor (elemento objectivo previsto no art.º 176.º, n.º 1, al. c), do Código Penal);
Por outro lado, para estar em causa o crime do artigo art.º 176.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, o agente tem de produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar, a qualquer título ou por qualquer meio, fotografia, filme ou gravação pornográficos.
Mas não se pode tratar de qualquer fotografia, filme ou gravação pornográficos, tem de estar em causa material pornográfico com utilização de menor no mesmo ou, pelo menos, com representação realística de menor [nota 14 no original].
(2) a existência de dolo (elemento subjectivo).
O crime de pornografia de menores em causa é, à semelhança da maioria dos crimes (cfr. o art.º 13.º do Código Penal), doloso, sendo admissíveis as várias modalidades de dolo (art.º 14.º, do Código Penal).
Isto é, basta-se, o preenchimento do mencionado tipo legal, com a mera existência de dolo eventual, o qual deve cobrir todos os elementos objectivos do tipo (in casu, a utilização de menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciamento deste para esse fim ou a produção, a distribuição, a importação, a exportação, a divulgação, a exibição, a cedência ou disponibilização, a qualquer título ou por qualquer meio, de fotografia, filme ou gravação pornográficos, com utilização de menor), e sendo, suficiente para a realização do tipo de ilícito que o autor represente que está a utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciá-lo para esse fim ou a produzir, distribuir, a importar, a exportar, a divulgar, a exibir, a ceder ou a disponibilizar, a qualquer título ou por qualquer meio, fotografia, filme ou gravação pornográficos, com utilização de menor, e, não obstante, actue, conformando-se com isso.
Realce-se, dada a importância prática, que, como vimos de dizer, o dolo supõe o conhecimento (certo, nos casos de dolo directo ou necessário, ou incerto, nos casos de dolo eventual) da idade da vítima.
E, se o agente não representou (ou representou erradamente) a idade da vítima, o erro exclui o dolo e, com ele, a punição, nos termos do art.º 16.º, n.º 1, do Código Penal.
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Acresce que, para que o crime seja o de pornografia de menores agravado, do art.º 177.º, n.º 8, do Código Penal, é ainda necessário que se demonstre que a vítima é menor de 14 anos.
Assim, é uma especial vulnerabilidade da vítima, em razão da sua tenra idade, a justificar um maior desvalor do tipo de ilícito e, consequentemente, a motivar a agravação consagrada.
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1.5. DO CRIME DE GRAVAÇÕES E FOTOGRAFIAS ILÍCITAS AGRAVADO
Atentemos, por fim, nos elementos típicos do crime de gravações e fotografias ilícitas agravado [nota 15 no original].
Conforme resulta do art.º 199.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 2, als. a) e b), do Código Penal [tipo legal em que se protege o direito à palavra e o direito à imagem [nota 16 no original], para que exista um crime de gravações ilícitas, é necessário que se demonstre:
(1) a gravação de palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público (elemento objectivo). Ou
Assim, em primeiro lugar, é elemento do tipo a gravação de palavras (excluindo-se, pois, a gravação de comunicação não oral ou da comunicação oral que não contenha palavras), qualquer que seja o seu conteúdo ou língua, proferidas por outra pessoa, podendo sê-lo por vídeo ou áudio.
Depois, é necessário que tais palavras não sejam destinadas ao público, ainda que sejam dirigidas a quem as gravou.
(1) a utilizar ou permissão de utilização de gravações de palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que licitamente produzidas (elemento objectivo). ou
Alternativamente, é elemento do tipo a utilização ou permissão de utilização de gravações de palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que licitamente produzidas, não se punindo, neste caso, a produção da gravação, mas sim a sua utilização ou permissão de utilização.
(1) a fotografia ou filmagem de outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado (elemento objectivo). ou
Por outro lado, alternativamente, é elemento do tipo a fotografia ou filmagem de outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado
(1) a utilização ou permissão de utilização de fotografias ou filmes de outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado, mesmo que licitamente obtidos (elemento objectivo). e
Alternativamente, é, ainda, elemento do tipo a utilização de fotografias ou filmes de outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado, mesmo que licitamente obtidos, não se punindo, neste caso, a obtenção da fotografia ou filme, mas sim a sua utilização ou permissão de utilização.
(2) a ausência de consentimento ou vontade (elemento objectivo).
Depois, é necessário que a os comportamentos em causa ocorram sem o consentimento ou contra a vontade do visado, ainda que meramente presumido.
(3) a existência de dolo (elemento subjectivo).
O crime de gravações ilícitas previsto no art.º 199.º, n.ºs 1, als. a) e b) e n.º 2, als. a) e b), do Código Penal é doloso (cfr. o art.º 13.º do Código Penal).
Basta-se, contudo, o preenchimento do mencionado tipo legal com a mera existência de dolo eventual, o qual deve cobrir todos os elementos objectivos do tipo, e sendo, suficiente para a realização do tipo de ilícito que o autor represente que está a adoptar um dos comportamentos em causa, e, não obstante, actue conformando-se com isso.
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Acresce que, para que o crime seja o de gravações e fotografias ilícitas agravado, do art.º 197.º, n.º 1, do Código Penal, ex vi art.º 199.º, n.º 3, do Código Penal, é ainda necessário que se demonstre que as gravações ou fotografias em causa tiveram como finalidade obter recompensa ou enriquecimento, para o agente ou para outra pessoa, ou para causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado.
Assim, é, neste caso, a finalidade da gravação ou fotografia a justificar uma agravação de ilicitude, com a consequente agravação da pena aplicável.
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1.6. SUBSUNÇÃO JURÍDICA DA FACTUALIDADE APURADA
Feita a apreciação abstracta dos crimes em causa, passemos, agora, à análise em concreto da situação dos autos, isto é, à subsunção jurídica da factualidade apurada para concluirmos se estão, ou não, preenchidos os elementos típicos dos crimes que vêm imputados ao arguido após alteração da qualificação jurídica.
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Comecemos pelos 103 crimes de abuso sexual de crianças.
Ora, da factualidade dada como provada, mormente dos n.ºs 1. a 11., 33. e 37., resulta, inequivocamente, que as condutas do arguido integram os elementos objectivos [pois entre ... e ..., pelo menos 2 vezes por mês, introduziu o pénis erecto na vagina de BB, aí o friccionando até ejacular fora do corpo desta, sem nunca usar preservativo, o que ocorreu quanto a ofendida tinha 12/13 anos de idade] e subjectivos (pois este bem sabia o que estava a fazer e quis fazê-lo) do tipo de ilícito do art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
E, afastado que está o crime continuado ou de trato sucessivo nos crimes em causa, integram-no, por 16 vezes, na medida em que as relações sexuais em causa ocorreram entre ... (o que terá de ter ocorrido pelo menos em ...) e ..., pelo menos 2 vezes por mês.
Tem, em consequência, o arguido, de ser condenado pela prática de 16 crimes de abuso sexual de crianças do art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, e absolvido da prática dos demais crimes de abuso sexual de crianças de que vinha acusado.
E, note-se que, conforme resulta do tipo legal em apreço, atento o bem jurídico protegido, é irrelevante para a consumação do crime, o consentimento da menor para a prática sexual em causa (pois que a mesma não tem idade para se autodeterminar) ou o consentimento da mãe desta para a ocorrência de uma relação de namoro (consentimento que, aliás, nem sequer era para a existência de relações sexuais).
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Passemos, em segundo lugar, aos 2 crimes de ameaça agravados.
Quanto a tal crime, da matéria de facto dada como provada (cfr. os pontos 25, 34 e 37, dos factos dados como provados) resulta, inequivocamente, que a conduta do arguido integra os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito em análise [na medida em que em mensagem envidada a BB disse “So te digo uma coisa se eu for preço quando eu sair vou par a tua mãe a beber o teu sangue” o que pretendia significar que a iria matar se fosse preso, o que, objectivamente, à luz de um normal declaratário, traduz um mal futuro (pois que este sempre se referiu a actuação que não era imediata e não iniciou), ameaçador da vida de BB, tendo as expressões em causa chegado ao conhecimento desta por terem sido feitas a si, bem sabendo o Arguido o que estava a fazer e querendo fazê-lo], pelo que se impõe a conclusão de que cometeu um dos crimes de ameaça agravado que lhe está imputado, crime pelo qual será condenado.
Não cometeu, contudo, mais crimes dessa natureza, uma vez que não se demonstra que tenha proferido expressões ameaçadoras dirigidas a quaisquer outras pessoas, tendo, em consequência, o arguido, de ser absolvido da prática de um crime de ameaça agravado que lhe vinha imputado.
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Avancemos, em terceiro lugar, para o crime de perseguição agravado
Ora, quanto a este ponto e sem necessidade de grandes desenvolvimentos, da análise da factualidade dada como provada (cfr. os factos n.ºs 16. a 21, 24 e 26 dados como provados), temos que o arguido, após ..., criou uma conta falsa de Instagram para falar com BB, quis saber o que esta fazia e com quem estava, iniciou conversa com esta fazendo-se passar por desconhecido, tentou contactar com a mesma por redes sociais de amigas comuns após ter sido bloqueado, foi para a frente da escola desta e enviou-lhe mensagens dizendo que iria expor as fotografias e vídeos de cariz sexual que tinha suas, causando-lhe medo e inquietação, bem sabendo o que estava a fazer e querendo fazê-lo, pelo que facilmente se constata que se encontrarem provados os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime de perseguição do art.º 154.º-A, n.º 1, do Código Penal.
Note-se que, não obstante, não se demonstrando que, na perseguição ou assédio, o arguido tenha ameaçado com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o crime em causa não é agravado, tendo, por via disso, o arguido, de ser absolvido da agravação que lhe vinha assacada.
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Em quarto lugar, atentemos no crime de pornografia de menores agravado.
Ora, da factualidade dada como provada, mormente dos n.ºs 11. a 13., 22, 23, 7 e 37, resulta, inequivocamente, que a conduta do arguido integra os elementos objectivos [pois, entre ... e ..., o arguido filmou e fotografou BB, de 12/13 anos, nua e a ter relações sexuais, e, depois, mostrou fotografias dessas, pelo menos 1 vez, e ainda integrou fotografia da mesma nua em história da rede social Instagram disponibilizando-a para os “amigos chegados”] e subjectivos (pois este bem sabia o que estava a fazer e quis fazê-lo) do tipo de ilícito do art.º 176.º, n.º 1, als. b) e c), do Código Penal, pelo que se impõe a conclusão de que cometeu o crime em causa.
E, na medida em que esteve em causa menor de 14 anos, tem de se ter por verificada a agravação prevista no art.º 177.º, n.º 8, do Código Penal.
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Terminemos com o crime de gravações ou fotografias ilícitas agravado.
Ora, da factualidade dada como provada, mormente dos n.ºs 11. a 13, resulta, inequivocamente, que o arguido colheu imagens e vídeos de BB, alguns sem o consentimento desta.
Não obstante as imagens e vídeos colhidos pelo arguido, atendendo a que as mesmas dizem respeito a menor e que se trata de fotos com cariz pornográfico, conforme resulta da análise ao crime que antecede, a conduta do arguido preenche o crime de pornografia de menores agravado, mostrando-se o crime de gravações ou fotografias ilícitas agravado totalmente consumido por este.
Por tal motivo, tem, sem mais, o arguido de ser absolvido de tal crime que lhe vinha imputado.
(…)
Concretamente quanto à escolha e determinação da pena, fundamentou:
(…)
Nessa conformidade, passemos, então, à determinação concreta da medida da pena a aplicar ao arguido por cada um dos crimes por que vimos dever ser condenado.
Conforme resulta do art.º 40.º, do Código Penal, “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1), sendo que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (n.º 2).
Por outro lado, estipula o art.º 70.º, do Código Penal, a preferência do legislador pelas penas não privativas da liberdade, sempre que realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e estatui o art.º 71.º, do mesmo diploma legal, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” e, para essa operação, o tribunal terá de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (n.º 2 do mesmo normativo).
Assim, a culpa, segundo a função que lhe é político-criminalmente determinada, constitui condição necessária de aplicação da pena e limite inultrapassável da sua medida. Dentro do limite máximo permitido pela culpa, a pena deve ser determinada no interior de uma moldura de prevenção geral positiva, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral positiva a medida da pena será encontrada em função de exigências de prevenção especial, maxime, de socialização. Em sentido idêntico, cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português. As consequências jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, Coimbra, pp. 227 a 229.
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Façamos, antes de analisar cada uma das penas a aplicar, um parêntesis para apurar se será de aplicar ao arguido, com menos de 21 anos à data da prática de todos os factos (art.º 1.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro), o regime especial para jovens, ínsito no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro. Assim, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado (artigo 4.º, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro).
Note-se que não estamos perante uma aplicação automática da atenuação especial e das demais medidas consagradas como especiais para os jovens (cf., como expressão de uma jurisprudência uniforme, o acórdão do STJ de 3 de Março de 1999, no processo nº 198/99).
Sobre este ponto, entendemos que a interpretação que melhor corresponde ao espírito do legislador do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, vai no sentido de, reconhecendo embora o carácter não automático da aplicação do regime especial para jovens, admitir que só um juízo de prognose negativo poderá afastar a aplicação da atenuação especial, pois só então as exigências preventivas podem fazer valer os seus direitos sobre as preocupações ressocializadoras do legislador.
Nessa conformidade, entendemos a atenuação especial como um regime penal normal para os jovens de idade compreendida entre os 16 e os 21 anos — e não revestida de carácter excepcional, como a atenuação especial prevista no artigo 72.º, do Código Penal (é nesta perspectiva que se move, por ex., o acórdão do STJ de 29 de Março de 2001, acentuando por um lado a flexibilidade do julgador, que é mesmo preconizada e incentivada no preâmbulo do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 se Setembro, e, por outro lado, a inconveniência dos efeitos estigmatizantes das penas (Cfr., ainda, o acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Fevereiro de 2001, CJ, ano XXVI 2001, tomo I, p. 150).
Vertendo ao caso dos autos, entendemos, precisamente verificar-se uma daquelas situações em que é de formular um juízo de prognose negativo afastador da aplicação da atenuação especial.
Na verdade, não obstante a idade do arguido à data da prática dos factos, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir são elevadas, sendo os vários crimes praticados graves, quer na sua individualidade, quer analisados no seu conjunto, com especial incidência nesta comarca (onde os crimes sexuais são dos mais praticados).
Por outro lado, e decisivamente, o facto de o arguido não estar minimamente consciencializado da gravidade das suas condutas ou arrependido do que fez, antes se vendo como uma vítima da família da ofendida (que tinha conhecimento do seu namoro com BB), o que o torna claramente indiferente ao desvalor das suas condutas, as quais só admite em parte, e impõe que as exigências preventivas, sobretudo ao nível da prevenção especial, sobrelevem sobre as preocupações ressocializadoras do legislador.
Não há, assim, sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do arguido, pelo que este não beneficiará do regime especial para jovens, ínsito no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, nem, consequentemente, de qualquer atenuação especial, nos termos dos arts. 73.º e 74.º, do Código Penal (art.º 4.º, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro).
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Comecemos, então, pela pena a aplicar por cada um dos 16 crimes de abuso sexual de crianças.
No caso em apreço, prevê o tipo legal do abuso sexual de crianças (do art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal) a punição do crime em causa com uma pena de prisão que tem como limite mínimo 3 anos de prisão e como limite máximo 10 anos de prisão.
Isto posto, no que concerne ao concreto tempo de privação da liberdade a impor ao arguido, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar, cada vez mais, frequente por todo o país, com um claro alarme social e nefastas consequências, fazendo-se sentir, sobremaneira, com particular incidência, em toda a comarca dos ....
Contudo, se, como já dissemos, são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário.
Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, in casu, atendendo à forma como tudo se desenrolou, personalidade do arguido e inexistência de antecedentes criminais, aconselha uma agravação baixo/média.
Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que, a favor do arguido, militam as seguintes circunstâncias:
– a admissão da materialidade relevante relativamente ao crime em causa;
– a ilicitude de grau médio/baixo, atendendo a cada um dos actos praticados no contexto do espectro da incriminação em causa, idade do arguido e idade da vítima;
– a existência de consentimento para o namoro encetado com BB;
– o grau sociocultural e escolar baixo do arguido;
– a inserção familiar, social e profissional do arguido;
– a inexistência de quaisquer antecedentes criminais.
Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte:
– o dolo com que actuou, que é directo; – as elevadas as exigências de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa ser frequente por todo o país e ter especial incidência nesta Comarca;
– a inversão do papel agressor/vítima, com consequente ausência de arrependimento, de consciencialização do desvalor e gravidade do comportamento ou de preocupação com a vítima;
– a personalidade imatura e impulsiva do arguido. Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, entendemos que a conduta do Arguido deverá ser sancionada, por cada um dos 16 crimes de abuso sexual de crianças em causa, com uma pena de 3 anos de prisão.
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Passemos, em segundo lugar, à pena a aplicar pelo crime de ameaça agravado.
No caso em apreço, atendendo à factualidade provada, e prevendo o tipo legal da ameaça agravada (artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal), em alternativa, pena de multa e pena de prisão, considerando que o crime em causa é cada vez mais frequente, que o arguido praticou o crime em causa enquadrado numa ampla conduta gravosa dirigida a BB, de tenra idade, não se mostrando o arguido minimamente arrependido ou consciente da gravidade do que fez, entende-se ser de aplicar a pena de prisão, por a multa se revelar insuficiente e inadequada para satisfazer as finalidades da punição, pena de prisão essa que é de 1 mês de prisão a 2 anos de prisão (cfr. os arts. 41.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal).
No que concerne à prisão a aplicar, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço, são elevadas as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa ser cada vez mais frequente.
Ora, se, como já dissemos, são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário.
Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial, que aconselha média agravação, atenta a personalidade do arguido.
Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que, a favor do arguido, militam as seguintes circunstâncias:
– a ilicitude de grau médio/baixo, atendendo à natureza da ameaça dirigida, forma como foi feita e idade da vítima;
– o grau sociocultural e escolar baixo do arguido;
– a inserção familiar, social e profissional do arguido;
– a inexistência de quaisquer antecedentes criminais.
Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte:
– o dolo com que actuou, que é directo;
– as elevadas as exigências de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa ser frequente por todo o país e ter especial incidência nesta Comarca;
– a inversão do papel agressor/vítima, com consequente ausência de arrependimento, de consciencialização do desvalor e gravidade do comportamento ou de preocupação com a vítima;
– a personalidade imatura e impulsiva do arguido.
Em face das circunstâncias supra enumeradas, entendemos que a conduta do arguido deverá ser sancionada, pelo crime de ameaça agravada em apreço, com pena de 5 meses de prisão.
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Avancemos, em terceiro lugar, para a pena a aplicar pelo crime de perseguição.
No caso em apreço, prevendo o tipo legal, em alternativa, pena de multa e pena de prisão (art.º 154.º-A, n.º 1, do Código Penal), atendendo ao número de crimes praticados pelo arguido em apreciação nos autos, com uma ampla conduta gravosa dirigida a BB, de tenra idade, e sua personalidade, não se mostrando o arguido minimamente arrependido ou consciente da gravidade do que fez, entende-se não poder ser aplicada a pena de multa, por ser insuficiente e inadequada para satisfazer as finalidades da punição.
Entendendo-se ser de aplicar pena de prisão, prevê o tipo legal do crime de perseguição (do art.º 154.º-A, n.º 1, do Código Penal) a punição do crime em causa com uma pena de prisão que tem como limite mínimo 1 mês (cfr. o art.º 41.º, n.º 1, do Código Penal) de prisão e como limite máximo 3 anos de prisão.
No que concerne à prisão a aplicar, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço, são médio/elevadas as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar com crescente frequência na comunidade.
Ora, se, como já dissemos, estão a crescer as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário.
Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial, que, atendendo à personalidade do arguido, aconselha mediana agravação.
Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que, a favor do arguido, militam as seguintes circunstâncias:
– a ilicitude de grau médio/baixo, atendendo à natureza dos actos de perseguição levados a cabo, forma como foi feita e idade da vítima;
– o grau sociocultural e escolar baixo do arguido;
– a inserção familiar, social e profissional do arguido;
– a inexistência de quaisquer antecedentes criminais.
Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte: – o dolo com que actuou, que é directo;
– as crescentes exigências de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa ser frequente por todo o país e ter especial incidência nesta Comarca;
– a inversão do papel agressor/vítima, com consequente ausência de arrependimento, de consciencialização do desvalor e gravidade do comportamento ou de preocupação com a vítima;
– a personalidade imatura e impulsiva do arguido.
Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, entendemos que a conduta deste deverá ser sancionada, pelo crime de perseguição, com uma pena de 5 meses de prisão.
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Terminemos com a pena a aplicar pelo crime de pornografia de menores agravado.
No caso em apreço, prevê o tipo legal da pornografia de menores (do art.º 176.º, n.º 1, als. b) e c, do Código Penal) a punição do crime em causa com uma pena de prisão que tem como limite mínimo 1 ano de prisão e como limite máximo 5 anos de prisão.
Tais limites, por força do mencionado art.º 177.º, n.º 8, do Código Penal, em virtude de agravação de metade, passam a ser, respectivamente, de 1 ano e 6 meses (limite mínimo) e de 7 anos e 6 meses (limite máximo).
Isto posto, no que concerne ao concreto tempo de privação da liberdade a impor ao arguido, importa ponderar, à luz dos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, do Código Penal, que, quanto ao crime em apreço são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa se apresentar, cada vez mais, frequente por todo o mundo, com um claro alarme social (causando medo e horror na população) e nefastas consequências para os menores.
Contudo, se, como já dissemos, são, cada vez mais, prementes as necessidades de prevenção geral em crimes deste tipo, também não deixa de ser verdade que a pena a aplicar concretamente há-de resultar das regras da prevenção especial, segundo as quais esta será o limite necessário à reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe apenas e tão-só o mal necessário.
Assim, o limite aconselhado pela culpa e pela prevenção geral, deve ser temperado pela prevenção especial que, in casu, atendendo à idade, modo e forma e ausência de antecedentes criminais do arguido, aconselha agravação médio/baixa.
Atendendo aos critérios estabelecidos pelo art.º 71.º, n.º 2, do Código, temos, em síntese, que, a favor do arguido, militam as seguintes circunstâncias:
– a admissão da materialidade relevante relativamente ao crime em causa;
– a ilicitude de grau médio/baixo, atendendo aos actos praticados, idade do arguido e idade da vítima;
– a existência de consentimento para o namoro encetado com BB;
– o grau sociocultural e escolar baixo do arguido;
– a inserção familiar, social e profissional do arguido;
– a inexistência de quaisquer antecedentes criminais.
Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte:
– o dolo com que actuou, que é directo;
– as elevadas as exigências de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa ser frequente por todo o país e ter especial incidência nesta Comarca;
– a inversão do papel agressor/vítima, com consequente ausência de arrependimento, de consciencialização do desvalor e gravidade do comportamento ou de preocupação com a vítima;
– a personalidade imatura e impulsiva do arguido.
Por conseguinte, em face das circunstâncias supra enumeradas e factualidade dada como provada, entendemos que a conduta do Arguido deverá ser sancionada, pelo crime de pornografia de menores agravado, com uma pena de 2 anos de prisão.
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Uma vez determinada a pena para cada um dos crimes cometidos pelo Arguido, há que proceder, nos termos do disposto no art.º 77.º, do Código Penal, à determinação da pena única, levando em conta os factos e a personalidade do agente, no seu conjunto.
No cúmulo jurídico a efectuar há que atender as seguintes regras:
(1) Na medida da pena devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. art.º 77º, n.º 1, parte final, do Código Penal);
(2) A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (não podendo ultrapassar 25 anos) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (cfr. n.º 2 do art.º 77º do Código Penal);
(3) Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos n.ºs 2 e 3, do art.º 77.º, do Código Penal (cfr. art.º 77.º, n.º 3, do Código Penal).
Assim, tendo em conta tais considerandos, sendo:
- o limite máximo da pena unitária a aplicar o que resulta da soma das penas concretamente aplicadas (in casu, respectivamente, de 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, 3 anos de prisão, de 5 meses de prisão, de 5 meses de prisão e de 2 anos de prisão), temos que o limite máximo da pena unitária nos presentes autos é de 50 anos e 10 meses de prisão (sendo certo que não poderão ser ultrapassados os 25 anos de prisão);
- o limite mínimo a mais elevada das penas parcelares, temos que o limite mínimo da pena unitária nos presentes autos é de 3 anos de prisão.
Conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/03/2004, proc. 03P4431, “na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.”
No presente caso em apreço em termos da gravidade da ilicitude global constata-se que os crimes que integram o concurso são crimes relacionados entre si (constituindo várias actuações autónomas do arguido, sempre sobre a mesma vítima, sua namorada e ex-namorada, de tenra idade e ao longo do crescimento desta, por um período de cerca de 3 anos), e que, atenta a idade do arguido, ausência de arrependimento demonstrado e inexistência de antecedentes criminais, serão claros indicadores de uma personalidade que, num determinado largo período temporal, se mostrou desvaliosa e voltada para a prática de criminalidade de cariz sexual e conexa com relação de namoro que manteve, e que, actualmente, dada personalidade demonstrada em julgamento, não revela indicadores de poder sofrer uma inversão no sentido da aceitação progressiva das regras de comportamento social e afastamento futuro da criminalidade.
Haverá, ainda, que considerar os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente em termos de não prejudicar em definitivo as possibilidades de reinserção futura de indivíduo que actualmente conta com 21 anos de idade.
Pelos fundamentos expostos, dentro da moldura aplicável (de 3 anos de prisão a 50 anos e 10 meses de prisão, sempre com o limite de 25 anos de prisão), entendemos adequada a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.
*
No caso de condenação por crime previsto nos arts. 163.º a 176.º-A, do Código Penal, sendo a vítima menor, de acordo com o disposto nos artigos 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, são, ainda, aplicadas as penas acessórias de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades (públicas ou privadas) cujo exercício envolva contacto regular com menores, de proibição de assumir a confiança de menor (em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), e de inibição do exercício de responsabilidades parentais (quando o facto seja praticado contra descendente do agente, do seu cônjuge ou de pessoa com quem mantenha relação análoga à dos cônjuges).
As penas acessórias em causa, muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral, visam sobretudo prevenir a perigosidade do agente, devendo ser fixada segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente.
As penas acessórias têm, assim, um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas de defesa contra a perigosidade individual e, embora a sua aplicação dependa da condenação na pena principal, tendo uma função preventiva adjuvante da pena principal, não é automática (cfr. os arts. 65.º do Código Penal e 30.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa), tratando-se de uma sanção penal (ainda que acessória, mas submetida aos princípios gerais da pena, como os da legalidade, proporcionalidade, jurisdicionalidade), de duração variável, em função da gravidade do crime e/ou do fundamento que justifica a privação do direito.
Por conseguinte, ponderando todas as circunstâncias do caso em análise (estando em causa 16 crimes de abuso sexual de crianças e 1 crime de pornografia de menores agravado, praticados contra menor de 12/13 anos de idade), e atendendo aos referidos critérios de perigosidade do agente (avaliados pela ausência de antecedentes criminais, ausência de arrependimento e actos praticados sobre a menor em causa) e ao seu grau de culpa (actuando este com dolo directo), mas não esquecendo que irá cumprir pena de 7 anos e 6 meses de prisão, entendemos fixar em 5 anos o período de duração de cada uma das 17 penas acessórias em causa.
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Uma vez determinada a pena acessória para cada um dos crimes cometidos pelo Arguido, há que proceder, nos termos do disposto no art.º 77.º, do Código Penal, à determinação da pena acessória única, levando em conta os factos e a personalidade do agente, no seu conjunto.
No cúmulo jurídico a efectuar há que atender as seguintes regras:
(1) Na medida da pena devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. art.º 77º, n.º 1, parte final, do Código Penal);
(2) A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (cfr. n.º 2 do art.º 77º do Código Penal);
(3) Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos n.ºs 2 e 3, do art.º 77.º, do Código Penal (cfr. art.º 77.º, n.º 3, do Código Penal).
Assim, tendo em conta tais considerandos, sendo:
- o limite máximo da pena unitária a aplicar o que resulta da soma das penas concretamente aplicadas (in casu, respectivamente de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos, de 5 anos e de 5 anos), temos que o limite máximo das penas acessórias unitárias nos presentes autos é de 85 anos;
- o limite mínimo a mais elevada das penas acessórias parcelares, temos que o limite mínimo das penas acessórias unitárias nos presentes autos é de 5 anos.
Conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/03/2004, proc. 03P4431, “na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.”
No presente caso em apreço em termos da gravidade da ilicitude global constata-se que os crimes que integram o concurso são crimes relacionados entre si (constituindo várias actuações autónomas do arguido, sempre sobre a mesma vítima, sua namorada e ex-namorada, de tenra idade e ao longo do crescimento desta, por um período de cerca de 3 anos), e que, atenta a idade do arguido, ausência de arrependimento demonstrado e inexistência de antecedentes criminais, serão claros indicadores de uma personalidade que, num determinado largo período temporal, se mostrou desvaliosa e voltada para a prática de criminalidade de cariz sexual e conexa com a sua relação de namoro, e que, actualmente, dada personalidade demonstrada em julgamento, não revela indicadores de poder sofrer uma inversão no sentido da aceitação progressiva das regras de comportamento social e afastamento futuro da criminalidade.
Haverá, ainda, que considerar os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente em termos de não prejudicar em definitivo as possibilidades de reinserção futura de indivíduo que actualmente conta com 21 anos de idade.
Pelos fundamentos expostos, dentro da moldura aplicável (de 5 anos a 85 anos), entendemos adequada a fixação de cada uma das penas acessórias únicas em 10 anos.
*
Na medida em que o arguido foi condenado será, ainda, responsável pelo pagamento das custas, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC’s, e encargos (arts. 513.º e 514.º, do CPP, e 8.º, n.º 9, do RCP, com referência à Tabela III anexa ao RCP).
(…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do arguido recorrente.
• Da pretendida impugnação da matéria de facto e de direito [uma vez que a motivação de recurso mistura indistintamente as mesmas, não se conseguindo dissociar as questões para resposta]:
O recorrente vem dizer que pretende a revisão da matéria de facto, discordando daquela que foi fixada pelo Tribunal recorrido.
Vejamos, em primeiro lugar.
A impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art.º 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto, previsto no art.º 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP (é esta última norma que o recorrente invoca na sua impugnação).
O sujeito processual que discorda da “decisão de facto” do acórdão pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ, de 19.10.95) ou de um erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre.
No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença ou acórdão e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar.
Na verdade, impõe o art.º 412º, nº3 do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas. Esta especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art.º 412º, nº4 do CPP). Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012).
O incumprimento das formalidades impostas pelo art.º 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.1
As exigências previstas legalmente e sobejamente tratadas pela jurisprudência são essenciais para que se cumpra a renovação da apreciação da prova num contexto de recurso em que os juízes não têm já a imediação. Porque a não têm, e porque ainda que a tivessem a repetição é sempre isso mesmo e a prova perde, pelo menos, parte da sua espontaneidade, os juízes de recurso contam com o cumprimento das exigências legais como factor circunstanciador dos limites da sua intervenção.
Ora, o que se verifica, não apenas lidas as conclusões de recurso, mas também a motivação do mesmo, é que o recorrente indica passagens de depoimentos, parte deles sem a sequência completa, e apenas na parte que depois usa para dizer que não concorda com o decidido, sendo certo que, ainda que apresente argumentos nesse sentido, não conclui no sentido da desconformidade das conclusões a que chegou o Tribunal.
Em rigor, o arguido não impugna a matéria de facto.
O que faz é interpretar a mesma de outra forma, discordando com a interpretação dela a que chegou o Tribunal a quo em alguns casos e, noutros, discordando apenas das consequências dela retiradas.
Assim, o recorrente não discute os factos a que aponta.
Senão, vejamos:
O recorrente não discute que começou o namoro com a assistente [2018], começando um relacionamento sexual em 2020, sendo ela menor de idade [e ele], sem conhecimento dos pais dela, que vieram, no entanto, embora tardiamente, a saber da relação e não se lhe opuseram.
Estes factos, que se incluem no capítulo da impugnação de factos do recurso, são, no entanto, aceites pelo recorrente. O que o recorrente invoca é que o Tribunal a quo retirou dali conclusões erradas, desconsiderando o conhecimento e autorização dos pais neste contexto.
No entanto, isto não constitui impugnação da matéria de facto, pois que a impugnação significa discordância com ela, fundamentando-se a discordância com outra prova que contrarie a primeira conclusão a que chegou o Tribunal, explicando com argumentação como foi e como deveria ter sido feito.
Nada disto se fez.
O que, em rigor, o recorrente faz no seu recurso é discutir as consequências de direito retiradas pelo Tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada.
Aliás, dos depoimentos que cita e até parcialmente transcreve, não resulta conclusão diversa daquela a que chegou o Tribunal de julgamento quanto aos factos. Resulta exactamente a mesma factualidade.
O recorrente pretende é que essa factualidade não constitua crime pelos motivos que ali indica: primeiro, porque os pais sabiam do relacionamento e o autorizaram; segundo, porque o Tribunal censura o arguido e não os adultos, como se aquele fosse o único a quem se pode exigir a maturidade necessária; terceiro, porque os adultos não impediram que eles se continuassem a encontrar; terceiro, porque esta queixa constitui apenas um acto de vingança contra o arguido.
Ora, nem isto constitui impugnação de facto, porque, como se disse, os factos se aceitam, e nem constitui qualquer das formas de ela se fazer, atento o teor do art.º 412º do Cód. Proc. Penal.
Para além de que esta discordância manifestada não cumpre a exigência do nº 3 do referido preceito, em qualquer das suas dimensões: não se apontam os concretos pontos de facto erradamente julgados, porque, afinal, se concorda com os factos provados; não se indicam as concretas provas que impõem decisão diversa porque, afinal, a prova é a mesma mas interpretada de forma a excluir a ilicitude dos factos; e não se indicam as provas que devem ser atendidas, contrariando a conclusão a que se chegou na decisão recorrida porque, mais uma vez, a prova é a mesa e dela não se diverge, divergindo-se apenas das conclusões delas retiradas pelo tribunal a quo.
E, mesmo quanto a isto, nem bem assim é, porque o que se vem invocar, perscrutada toda a motivação do recurso, é um conjunto de afirmações conclusivas e juízos de valor que serviriam para considerar não verificados os crimes, seja por que motivo for, uma vez que também esse não resulta expressamente categorizado juridicamente e invocado.
Assim, quanto a impugnação da matéria de facto, nada mais se impõe dizer.
Remanesce, como sabemos, e até por via da oficiosidade, o conhecimento por parte do Tribunal de recurso de eventuais nulidades da sentença [art.º 379º do Cód. Proc. Penal] e eventuais vícios previstos no art.º 410º do Cód. Proc. Penal.
Lida a decisão sob censura, não se vislumbra qualquer das nulidades a que alude o art.º 379º do Cód. Proc. Penal.
E a ser assim, fica-se-nos o poder de averiguação quanto a potenciais vícios que se enquadrem no art.º 410º daquele mesmo diploma.
Vejamos, então, em segundo lugar.
Convém começar por ter presente que os vícios invocados nesta sede têm que resultar do texto da decisão, sem averiguação de prova além daquela que ali se pondera.
O acórdão que acima citámos, diz ainda a este respeito:
(…) como é jurisprudência pacífica do S.T.J. (cfr. por todos o douto Sentença do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 02.03.2016 no Pº 81/12.4GCBNV.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), (…) Os vícios do n.º 2 do artigo 410º do CPP, todos eles relativos ao julgamento da matéria de facto, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
– Quanto ao vício previsto pela al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, o mesmo só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.2
Ora, o recorrente vem dizer que os pais da assistente sabiam do namoro de ambos, ainda que tardiamente souberam também que tinham relacionamento sexual, e nada fizeram para contrariar essa situação, sendo que, para o arguido, isso impedirá, de algum modo que também não nomeou, para se ter por verificados os crimes de abuso sexual.
No entanto, alguma coisa parece estar a escapar ao recorrente.
Vamos por partes.
O tipo legal de crime agora em causa é o de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo art.º 171º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal, e que nos diz o seguinte:

Artigo 171º - Abuso sexual de crianças

1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3 - Quem:
a) (…)
Não conseguimos encontrar em parte nenhuma do tipo legal qualquer causa que exclua a ilicitude dos actos porque terceiros sabiam ou autorizavam.

E talvez porque não exista. Talvez porque o conhecimento por outros é causa exterior ao tipo, talvez porque o consentimento de terceiros, mesmo a haver, e não houve aquando do início dos contactos sexuais, é absolutamente irrelevante para a verificação deste tipo legal.
No entanto, porque o recorrente não tem presente esta questão do conhecimento e consentimento aqui relevantes, importa enquadrar a mesma, fazendo-se aqui também apelo ao direito a considerar, uma vez que esta é, em rigor, matéria de direito.
Estamos, no caso do abuso sexual de menores, perante um crime contra as pessoas, sendo a incriminação protectora de bens eminentemente pessoais, fundamentais, imputados a título de dolo directo.
O tipo legal realiza-se com a actuação que atinja o bem jurídico tutelado, como em todos os casos, pelo que importará caracterizar o tipo sobretudo na vertente deste mesmo bem jurídico, que não diverge em substância em qualquer dos números do preceito legal.
Tal como o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.06.2014 3 refere, os crimes sexuais protegem, por um lado, a liberdade sexual dos adultos; e, por outro, o livre desenvolvimento dos menores no campo da sexualidade, considerando-se aqui que, determinados actos ou condutas de natureza sexual podem, mesmo sem violência, em razão da pouca idade da vítima prejudicar gravemente o seu crescimento harmonioso e, por consequência, o livre desenvolvimento da sua personalidade.
No domínio dos crimes sexuais relativamente a menores, o legislador optou, muitas vezes, por uma protecção escalonada em razão da idade, reconhecendo que tal circunstância confere especificidades ao bem jurídico protegido que justificam a autonomia da densificação normativa típica.
Assim, no abuso sexual de crianças [art.º 171°] é punido quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o importunar com acto de carácter exibicionista ou ainda sobre ele actuar por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos.
A integridade moral e sexual é, pois, o bem jurídico protegido pela incriminação, no universo das demais em que este mesmo tipo se integra (art.º 171º e 177º CP).
Mas, além desta, também se tutela a autodeterminação sexual de forma particular – as condutas de natureza sexual que envolvam menor de 14 anos, tendo atenção à pouca idade da vítima, são idóneas e suficientes para atingirem, quiçá de forma irreparável, o livre desenvolvimento da personalidade da mesma.
Daí a necessidade de o proteger.
Retira-se da forma como está estruturado o tipo legal que a intenção do Legislador é considerar comportamento relevante (e, como tal, inadmissível) o acto que se pratica com o menor, ou consigo próprio, ou levando o menor a envolver-se fisicamente nele, sendo como tal o agente que actua sexualmente sobre o menor e/ou é o conteúdo sexual do acto que actua ele mesmo sobre o menor (com o perdão da redundância que aqui tem o mérito de esclarecer). Ou seja, trata-se de qualquer acto que, analisado objectivamente, assuma a referida natureza, conteúdo ou significado directamente relacionado com a esfera da sexualidade e, por isso, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica 4, independentemente do conteúdo subjectivo que se lhe dê também [como sabemos, actualmente, a ciência médica elenca uma série de traumas e limitações de adultos provenientes de simples circunstâncias que se prendem com a exposição ao exibicionismo sexual de terceiros na adolescência ou juventude].
Na linha da doutrina de Beleza dos Santos 5, nem sequer se impõe aceitar como subjectividade relevante aquela que se chamava a intenção libidinosa do agente, pois que com isso se estava a dar um sentido ao conteúdo típico que se prendia mais directamente com a moral do que com o direito.
Muito embora se reconheça que em idos tempos se estabeleceram confusões relevantes entre ambos, o facto é que a actualidade nos sistemas democráticos prescinde saudavelmente dessa imbricância, aceitando-se pacificamente um conteúdo mínimo comum, e deixando ao Direito a tarefa de avaliar os comportamentos humanos de natureza criminal com a liberdade, a pluralidade e a imparcialidade necessárias.
Ademais, não pode sequer dizer-se que no pensamento do Legislador, que se inspira nas razões e motivações culturais e sociais actuais (ou, pelo menos, assim se presume na origem o art.º 9º do CC), não estejam já sedimentadas essas mesmas cautelas que, por via disso, acabam por ser objectivadas na norma legal.
Pelo contrário, é legítimo concluir, da análise dos tipos legais deste capítulo da Lei penal, que o Legislador quis nitidamente que o conteúdo objectivo da norma (o acto sexualmente relevante) abrangesse aquele subjectivismo, porque só tem relevo [criminal] aquilo que é socialmente e culturalmente aceite/não aceite como tal em cada lapso histórico da nossa existência.
Concluindo, pois, o acto sexual que aqui importa seleccionar para preenchimento do tipo legal é aquele que é relevante, ou seja, aquele que é protegido pela norma legal, que cabe e se ajusta ao seu conteúdo ou, como ensina Figueiredo Dias 6, aquele que represente um entrave importante para a liberdade e determinação sexual da vítima. Para além deste, ainda que fazendo parte do seu conteúdo, encontra-se a actuação que consista em manter com menor cópula, coito anal ou oral, introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, como referenciado no nº 2 do citado art.º 171º CP.
Assim, a interpretação típica, embora restritiva por um lado, abrange directa e inequivocamente a factualidade descrita (quer quanto aos factos que integram o nº 1 da norma, quer quanto ao facto que integra o nº 2 do mesmo preceito), que se reconduz à vivência e convivência sexual com menor em idade relevante para efeitos de protecção penal.
E é isto que nos leva às considerações sobre conhecimento ou consentimento que sejam relevantes quanto a estas actuações.
O conhecimento, só por si, nada traz de novo a este assunto.
Por duas razões fundamentais: primeira, porque o conhecimento tem relevância apenas social ou moral, quando em causa esteja a previsibilidade de que os adultos, conhecedores de factos desta natureza, objectem a eles porque culturalmente os percebem inadequados, ou porque moralmente os avaliam como inadmissíveis.
Seja como for, segunda consideração, à parte a obrigação que haja de os denunciar, o conhecimento por terceiros – note-se, de acto que ali possa ser abrangido - só releva lateralmente, nada acrescentando ou diminuindo ao tipo legal de crime.
Diferente é a circunstância relativa ao consentimento.
Falemos das duas vertentes a considerar: o invocado consentimento da menor relativamente aos actos criminalmente relevantes e o invocado consentimento por parte dos adultos, pais daquela, responsáveis por ela e alegadamente pelo relacionamento mantido, com e sem interacção sexual entre ambos.
Quanto ao primeiro aspecto, cumpre dizer que a vontade aqui relevante, do ponto de vista do menor, merece apenas duas notas.
Primeira, a de que quando em causa estejam menores, a Lei assume que essa menoridade, que caracteriza um padrão de falta de esclarecimento emocional e de maturidade pessoal, se presume, sem mais, objectivamente se se quiser, pelo simples facto de a vítima ter menos de 14/16 anos de idade.
Em parte alguma se excepciona este aspecto, sendo ainda irrelevante para este efeito que a menor seja madura, ou até sexualmente experiente, ou pareça ter essa maturidade, ou tenha algum contacto com um qualquer desempenho erótico, desde logo vendo revistas, filmes ou cenas reais, sozinha, acompanhada com outros ou com o agente.
Segunda nota, a vontade com que actua a vítima, prendendo-se ainda com outra figura que o direito consagra e que é o consentimento, é também aqui avaliada pelo critério legal que é objectivado – presume-se que a menoridade implica a não avaliação dos comportamentos sociais na sua total dimensão (pela falta de experiência mínima de vida), ao mesmo tempo que se presume que, mesmo «consentido» o acto sexual, tal consentimento é ineficaz e irrelevante porque a vítima não está em condições (sócio-culturais, emocionais, físicas) de o prestar com discernimento, ou de o querer em toda a sua extensão.
Assim, a lei pune qualquer comportamento que viole esta dupla limitação, quer por razões óbvias que se prendem com o civismo cultural por que devem pautar-se as relações em sociedade, quer por razões biológicas, médicas, que se prendem com a defesa dos direitos de personalidade íntima, de protecção do corpo e saúde da vítima, com o seu devir como ser humano e cidadão de plenos direitos.
Importa isto para concluir que, no nosso direito penal, mesmo no caso de cópula e mesmo sendo esta consentida pelo menor, o consentimento não possui qualquer virtualidade para eximir o agente da responsabilidade criminal.
E isto acontece porque, e volta-se ao que foi já dito, para além da vontade da vítima, a lei parte do pressuposto de que o menor não possui desenvolvimento/discernimento suficiente para alcançar a total compreensão desse facto e a repercussão dele no seu desenvolvimento pessoal, físico e emocional.
Ora, a ofendida teria, à data destes iniciais contactos sexuais, como se prova, 12 anos de idade.
A nossa jurisprudência vem afirmando isso mesmo7:
Dessa incapacidade natural resulta que o crime é concebido como de perigo abstracto resultante da presunção implicitamente inscrita na lei, “juris et de jure“, “com razoável correcção“ , do prejuízo físico e psíquico, para a pessoa da criança , na sua dimensão integral , que os actos sexuais de relevo , segundo o enunciado o legal , podem provocar –Cfr. Tereza Beleza , citada in Comentário Conimbricense do Código Penal , TI , 541 .
Essa presunção legal de ausência valorativa redunda num abrandamento da prova baseada em regras da experiência em que a lei deduz de um facto outro e antecipa o procedimento lógico necessário para estabelecer uma relação interfactual, recorrendo a parâmetros abstractos de valoração, segundo Bettiol, in Sobre a Presunção legal, Escritos Jurídicos, 1996, I, 344.
Alguns países inscrevem esta presunção “juris et de jure” no seu ordenamento jurídico, caso do art.º 224.º, do CP brasileiro, do direito norueguês e mesmo no direito americano, reportando-a. à menoridade da vítima, não vale mesmo um “consentimento informado”.
No direito brasileiro reina divergência na jurisprudência e doutrina, apesar da consagração legal da presunção com aquela dimensão, admitindo a sua relatividade sempre que a menor de 14 anos aja livre e conscientemente dos seus actos e consequências, cedendo à impunibilidade do acto.
A experiência sexual anterior não elide tal presunção porque o que se trata é, face ao acto sexual de relevo, a punir, de proteger a criança, e não recriminá-la pelo seu passado.
Por outro lado inexiste a figura da compensação de culpa entre a vítima e lesante em matéria penal (art.ºs 570.º e 572 .º , do CC) onde o consentimento afasta a ilicitude nos termos do art.º 31.º n.º 1 d) , do CP , sendo eficaz se referente a interesses jurídicos livremente disponíveis , de forma a não ofender os bons costumes , prestado de forma livre , por qualquer meio que traduza uma vontade séria , livre e esclarecida do titular daquele interesse , visto o que preceitua no art.º 38.º n.ºs 1 , 2 e 3 , do CP .
O interesse da livre autodeterminação sexual de menor de 14 anos não está na sua disponibilidade, respeita a bens supraindividuais , ofende os bons costumes, pela reprovação moral ou opinião comum , no dizer de Cavaleiro de Ferreira , Lições de Direito Penal , ed Verbo , 1992 , 252 , vista a ponderação global do grau de gravidade da lesão e a sua irreversibilidade , critério de que se deve lançar mão para aferir daquela ofensa , no dizer do Prof. Figueiredo Dias , citado por Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário ao Código Penal , 196 .
Logo, pois, irrelevante o invocado consentimento.
Nem faria sentido que assim não fosse.
O direito penal não se inspira nas atitudes pessoais concretas, antes impondo regras de convivência gerais, apontando como limite delas aquilo que, do ponto de vista histórico e cultural, a própria comunidade considera ter que ser escrutinado e censurado pela justiça criminal, porque tange o núcleo fundamental dos direitos que a sociedade enquanto todo deve assegurar a todos e cada um dos seus membros.
O princípio da intervenção mínima do direito criminal deixa bem notada a importância com que a sociedade, enquanto comunidade cultural e social, considera dever ser tutelo este núcleo essencial de direitos, sendo manifesto que a nossa sociedade transmite essa sua vontade de protecção em cada normativo deste capítulo, sendo evidente o seu total repúdio face a estes comportamentos.
Pode perguntar-se, no entanto, e entrando já na apreciação do invocado conhecimento ou consentimento por parte dos pais desta menor, pelo menos a partir de determinada altura, se esta situação aí se afigura como divergente em face do comportamento sexualmente activo apurado.
E a resposta é ainda negativa.
De facto, o conhecimento por parte dos pais e/ou o consentimento alegado pelo recorrente [não provado, no entanto] por parte dos mesmos é irrelevante numa dupla perspectiva: por um lado, porque não serve para suprir a incapacidade de consentimento da menor, como se compreende; em segundo lugar porque apenas pode relevar na perspectiva deles próprios poderem ser, ou não, eventualmente co responsabilizados pelos factos, o que, também quanto à menor e ao arguido nada altera.
Quanto ao primeiro aspecto, atenta a natureza pessoal do crime, nem o conhecimento, e ainda que fosse também o consentimento, dos pais altera aquela natureza e nem o bem jurídico tutelado é transmissível ao ponto de poder ser desonerado o agente da sua responsabilidade porque os pais da vítima sabiam do que se estava a passar.
A inerência à menor destas qualidades, impostas por um tipo legal desta natureza, inibem a transmissão de direitos, assim como impedem que a mesma se oponha à reacção penal que a violação deles desencadeia.
E quanto ao segundo aspecto, que aqui não está em causa porque não faz parte do thema decidendum, nada implicaria o mesmo quanto à posição do arguido perante os factos, pois que não era o conhecimento por parte dos pais que excluiria a ilicitude destes comportamentos.
No entanto, importa ter presente que o Tribunal a quo não deu como provado que os pais da menor autorizaram o relacionamento sexual entre ambos. Pelo contrário. Deu como provado que a mãe autorizou o namoro, logo advertindo que não poderia haver relacionamento sexual, e que o pai nada tinha que ver com isto, como se demonstrou, mesmo quando a defesa tentou tirar da sua ignorância a certeza de um pacto de silêncio 8.
Aliás, isso mesmo se retira das passagens citadas pelo próprio arguido na sua motivação de recurso: o pai nada sabia de concreto, para além de que eram namorados, sendo irrelevante o que imaginava ou deixava de imaginar a esse respeito; a mãe sabia do namoro, que autorizava, mas opôs-se directamente ao relacionamento sexual (factos 5 e 6 e depoimento da mesma citado no recurso em análise), tendo mesmo sabido dele tardiamente, em 2021 (facto 21), altura em que proibiu os contactos da filha com o arguido.
Portanto, duas notas finais quanto a isto: nem o conhecimento ou consentimento dos pais [existente o primeiro quanto ao namoro apenas e inexistente o segundo] é relevante para excluir a ilicitude, e nem existe para servir, como factualidade excludente da culpa, de satisfação moral ao arguido, transformando-o a ele em vítima, como parece pretender.
Por último, e muito embora tudo se misture na motivação sem critério classificativo legal, importa deixar umas franjas de notas quanto a outros aspectos suscitados, ainda que sem alegação quanto às suas decorrências, mas para os deixar clarificados.
Quando o Tribunal a quo diz:
(…)
5. Entretanto, em momento posterior, o arguido e BB começaram a namorar com autorização da mãe desta.
(…)
14. BB, em ..., terminou o relacionamento amoroso com o arguido, após a sua mãe ter ficado a saber dessa sua relação e por determinação desta.
(…)
Não está a contradizer-se em nada, uma vez que, como decorre dos restantes factos que não se transcrevem nem citam, o primeiro desses factos reporta-se ao início do namoro entre o arguido e a ofendida, e o último facto reporta-se ao conhecimento pela mãe da ofendida do trato sexual existente entre o arguido e a filha.
Não há aqui qualquer contradição, como é fácil de perceber e decorre da simples leitura dos factos.
Sendo também irrelevante que se conjugue essa circunstância com o conhecimento de mensagens recebidas pela filha, porque o que está em causa é, por um lado, o conhecimento do namoro e, por outro, o conhecimento de que havia trato sexual entre os namorados.
Não se percebe sequer a confusão que isto parece fazer ao recorrente.
No entanto, seja como for, isso não reflecte qualquer contradição na decisão.
Quanto ao destempero em que estaria o arguido quando enviou mensagens [desde logo a que se considerou para o crime de ameaças], também se invocando nesta parte que pretendia fazer-se daqui uma impugnação de facto, ainda que se não perceba a que título ali figura, sempre se dirá que nenhum facto a este nível se apresenta contraditório, mal avaliado ou sem fundamentação adequada por parte do Tribunal a quo.
Por outro lado, nada resulta da prova analisada na decisão recorrida de onde possa retirar-se algum desrazoável daquela avaliação feita pelo Tribunal de julgamento, até porque, ao contrário do que parece aceitar o recorrente, o fim de um relacionamento não pode justificar o cometimento de qualquer facto criminalmente relevante, como bem se compreende.
Portanto, vir dizer que o arguido estava muito transtornado com o fim do relacionamento quando escreveu uma ou outras mensagens, nem constitui impugnação e nem serve de justificação para nada. Tanto bastando quanto à sua relevância neste contexto.
Quanto à alegação de que se não provou que a ofendida não dera conta da cativação de imagens a que o arguido procedia, nem sequer se consegue perceber bem a que título vem indicada como potencial contradição esta constatação de dupla negativa nestes termos.
Atente-se.
O que o arguido pretende dizer é que, porque não se fez prova de que a ofendida desconhecia que ele capturava esses conteúdos nas comunicações trocadas, tal significa que sabia perfeitamente que ele o fazia e não se opunha a isso.
Quanto à oposição, repete-se o que se disse sobre o consentimento.
Quanto ao mais, a nossa esperança é de que a simples leitura do segmento anterior deixe evidenciada a manifesta improcedência desta alegação.
No entanto, sendo preciso dizer mais, aqui fica: não é a ofendida que está a ser julgada e nem é a ofendida que tem de provar um facto negativo relativamente à sua posição processual.
Assim como é a acusação que tem de fazer prova dos factos relevantes para integração dos ilícitos penais imputados, é ao arguido que compete invocar e, sendo caso disso e tendo esse interesse processual, trazer ao processo elementos de prova de que decorram as causas de justificação da ilicitude ou de exculpação que vem invocar a julgamento.
A circunstância de não se ter provado uma coisa não resulta na prova inequívoca do seu contrário.
Tanto basta, também quanto a isto, para que improceda ainda esta alegação.
O arguido diz também que não guardou ficheiros com a imagem da ofendida, pretendendo com isso que o Tribunal julgou erradamente essa factualidade também.
Ora, além do que consta documentado no processo, dos registos documentados e que a resposta ao recurso pelo Ministério Público deixa bem localizados, importa dizer o seguinte.
Servindo aqui ainda o que se disse acima quanto ao princípio da livre convicção, acresce a circunstância de o Tribunal de julgamento deixar claro na fundamentação que parte desses factos foram confirmados pela testemunha que ali identifica. Pelo que, também quanto a essa factualidade, não servindo a impugnação feita porque se limita a discordar da conclusão, nada invalida o juízo probatório a que chegou o Tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o Tribunal de julgamento não está impedido considerar provados factos com base num único depoimento, porque o considera credível e consistente. Pelo que, quando considera que a ofendida faz prova de que houve publicação em rede social de um conteúdo íntimo seu por parte do arguido, a menos que se venha apontar prova de onde decorra o contrário, o princípio a respeitar é, mais uma vez, o da livre convicção do julgador.
Além de que o recorrente assenta a sua alegação na circunstância de mais ninguém ter visto essa publicação e falado disso em julgamento, argumento que, como se repete, não constitui impugnação e é facilmente rebatível, como acima se demonstrou.
Vejamos os factos que se pretendem impugnar quanto ao indicado crime de perseguição.
Repescamos o que se disse supra quanto aos registos de mensagens que estão documentados no processo e cujo conteúdo, ponderado pelo Tribunal a quo, é muito claro.
E acrescentamos a isso o que se diz na citada alínea h) dos factos não provados e que, como daí mesmo se fez constar, vá além do provado em 24, para que se deixe clarificado que não há aí qualquer contradição nem insuficiência, pois que tal como um facto expressamente prevê o outro como limite ao seu próprio âmbito, também a perseguição se não fundamentou, ao contrário do que parece entender o recorrente, nesse único facto 24, como decorre da fundamentação.
Ora, a característica principal do comportamento que pode integrar o tipo em causa é mesmo a complexidade de actos que podem preencher o conteúdo objectivo do tipo.
A razão é histórica e conta-se em meia dúzia de linhas.
Foi a partir das pesquisas nacionais desenvolvidas no campo da prevenção, em conjunto com o reconhecimento de diplomas internacionais como a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate da Violência Contra as Mulheres e da Violência Doméstica (de 11 de Maio de 2011, na cidade de Istambul) e a Resolução 1962 inserida no Relatório da Comissão para a Igualdade e Não Discriminação (Doc. 13336 do dia 22 de novembro de 2013) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que Portugal desenvolveu a criação de um tipo penal específico para os casos de “perseguição”, actividade internacionalmente designada como stalking.
É comummente aceite, como enquadramento prévio da questão, que o stalking é um padrão de comportamentos de assédio persistente, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Estes comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como oferecer presentes, telefonar frequentemente) ou em ações inequivocamente intimidatórias (por exemplo, perseguição, mensagens ameaçadoras). Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode escalar em frequência e severidade o que, muitas vezes, afeta o bem-estar das vítimas, que são sobretudo mulheres e jovens. O stalking consiste na vitimação de alguém que é alvo, por parte de outrem (o stalker), de um interesse e atenção continuados e indesejados (vigilância, assédio, perseguição), os quais podem gerar ansiedade e medo na pessoa-alvo9.
Importando atender, ainda, a que (…) a criminalização das condutas, e consequente responsabilização penal dos seus agentes, resulta da progressiva consciencialização da sua gravidade individual e social, sendo imperioso prevenir as condutas de quem, a coberto de uma pretensa impunidade, inflige a outrem, dizendo de um modo generalista, maus tratos físicos ou psíquicos. Princípios de prevenção que devem estar sempre presentes. Ora, a natureza jurídica das condutas no contexto de stalking são das mais variadas e diversas, que se revestem desde a sua natureza particular (difamação, injúria), à natureza semi-pública (ameaças, ofensas à integridade física simples), à sua natureza pública (ofensas corporais qualificadas e crimes sexuais). Mas a todas subjaz a protecção da vítima na sua saúde (bem jurídico principal protegido). Assim, a sua protecção deve inserir medidas, umas no interesse e em proveito intrínseco da vítima, e outras, como já referido, que obstem à continuação da conduta ilícita, intrínsecas ao próprio agressor 10.
E o tipo legal desenhado pelo nosso legislador inscreve precisamente estas razões, reconduzindo o comportamento criminoso à pratica reiterada de actos sobre a vítima que envolvam a perseguição e o assédio à mesma, por qualquer forma que se mostre adequada a causar-lhe medo ou inquietação ou prejudicando a sua liberdade de determinação, ou seja, em rigor, qualquer acto cuja persistência seja idónea a interferir, limitando-a, na liberdade de querer e fazer da vítima.
O tipo legal, necessariamente doloso, é também aparentemente aberto. Querendo com isto significar-se que parece caber lá tudo, o que, no entanto, não é totalmente verdade.
De facto, quer pela via da reiteração, quer pela via do processo intencional do agente, são adequados a preencher o tipo legal todos os actos daquela natureza que tenham em vista conseguir essa mesma finalidade, ou seja, manter a vítima numa situação de constrangimento permanente.
Por outro lado, quer através dos limites impostos pelo bem jurídico tutelado, quer através daquele processo intencional, quer mesmo por confronto com outros tipos legais que, em vista dos factos, se mostrem especialmente vocacionados, o tipo legal aqui analisado não deixa de impor-se a si mesmo uma concretização que efectivamente o distingue dos demais.
Em face da complexidade das relações interpessoais existentes nos nossos dias, importa a concretização da solução legal.
Foi neste pressuposto que se assentou argumento, numa altura em que estas actuações eram sancionadas (imperfeitamente, diga-se) por recurso a tipos legais de conteúdo axiológico tangencial, como a violência doméstica ou a ameaça.
As reflexões surgidas no âmbito de sucessivas recomendações de organizações internacionais, desde logo no seio da UE, e a necessidade de dotar os direitos nacionais de mecanismos que, de uma assentada, não apenas reconhecessem o direito inalienável à paz individual e tranquilidade como inerentes à saúde emocional dos cidadãos, mas que também permitissem tratar o fenómeno concreto da perseguição/assédio com a especialidade de uma solução que lhe reconhecesse a importância que tem como elemento de corrosão do tecido social em geral, muitas vezes também num contexto de violência de género, mas sobretudo reconhecessem que, em determinados contextos sociais, por vicissitudes várias, uma ou mais pessoas podem estar sujeitas a fenómenos de reiterada e abusiva limitação das suas liberdades pessoais, dizíamos, foi no contexto destas reflexões que surgiu como evidente e necessária a criação desta nova tipologia penal.
Ora, o tipo legal do nosso Cód. Penal reflecte todas estas preocupações que, como dissemos, satisfazem de forma muito eficaz as necessidades assim assumidas por Portugal no contexto internacional.
Perscrutando o tipo legal em evidência, podemos concluir, tal como concluiu o Tribunal a quo, que o comportamento do arguido permite integrar, pela reiteração e natureza dos actos, aquela tipologia, tal como diz a decisão recorrida:
(…)
Ora, quanto a este ponto e sem necessidade de grandes desenvolvimentos, da análise da factualidade dada como provada (cfr. os factos n.ºs 16. a 21, 24 e 26 dados como provados), temos que o arguido, após ..., criou uma conta falsa de Instagram para falar com BB, quis saber o que esta fazia e com quem estava, iniciou conversa com esta fazendo-se passar por desconhecido, tentou contactar com a mesma por redes sociais de amigas comuns após ter sido bloqueado, foi para a frente da escola desta e enviou-lhe mensagens dizendo que iria expor as fotografias e vídeos de cariz sexual que tinha suas, causando-lhe medo e inquietação, bem sabendo o que estava a fazer e querendo fazê-lo, pelo que facilmente se constata que se encontrarem provados os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime de perseguição do art.º 154.º-A, n.º 1, do Código Penal.
Note-se que, não obstante, não se demonstrando que, na perseguição ou assédio, o arguido tenha ameaçado com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o crime em causa não é agravado, tendo, por via disso, o arguido, de ser absolvido da agravação que lhe vinha assacada.
(…) 11
Não se trata, como pretende o recorrente, de apanhar determinado autocarro ou fazer determinado percurso habitualmente.
Trata-se de se fazer comparecer onde sabe que a ofendida estará, trata-se de contornar as oposições dela quando o bloqueia nas redes sociais, procurando contacto através de amigos ou falsos perfis, trata-se de controlar a sua vida e os passos que dá, trata-se de tentar forçar a aproximação rejeitada pela ameaça de violação de privacidade. É disto que se trata aqui, como refere o Tribunal recorrido.
E ao actuar da forma descrita, e com as condutas que levou a cabo, o arguido logrou afectar efectivamente a paz da ofendida, causando-lhe inquietação e medo, o que perturbou a vida da mesma, a sua convivência familiar e a sua liberdade pessoal.
Considerações que valem, tal e qual, remetendo para as explicações constantes da decisão recorrida, quanto à única ameaça considerada:
(…)
Quanto a tal crime, da matéria de facto dada como provada (cfr. os pontos 25, 34 e 37, dos factos dados como provados) resulta, inequivocamente, que a conduta do arguido integra os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito em análise [na medida em que em mensagem envidada a BB disse “So te digo uma coisa se eu for preço quando eu sair vou par a tua mãe a beber o teu sangue” o que pretendia significar que a iria matar se fosse preso, o que, objectivamente, à luz de um normal declaratário, traduz um mal futuro (pois que este sempre se referiu a actuação que não era imediata e não iniciou), ameaçador da vida de BB, tendo as expressões em causa chegado ao conhecimento desta por terem sido feitas a si, bem sabendo o Arguido o que estava a fazer e querendo fazê-lo], pelo que se impõe a conclusão de que cometeu um dos crimes de ameaça agravado que lhe está imputado, crime pelo qual será condenado.
Não cometeu, contudo, mais crimes dessa natureza, uma vez que não se demonstra que tenha proferido expressões ameaçadoras dirigidas a quaisquer outras pessoas, tendo, em consequência, o arguido, de ser absolvido da prática de um crime de ameaça agravado que lhe vinha imputado.
(…)
Nada tendo ficado por dizer.
As considerações que faça sobre a verificação, ou não, do crime esbarram com a clareza com o que o Tribunal de julgamento deixou fundamentada de direito a interpretação que fez dos factos.
E os factos não se impugnam por discordância, sendo que não se veio demonstrar o que avaliou mal o Tribunal ou devia ter ponderado de diverso.
E, assim, também quanto a estes fundamentos, como tal, improcede o recurso.
In totum,
Analisado o acórdão recorrido, constata-se que o mesmo fundamentou a decisão de facto com critério e cuidado. Cuidado e critério esses que se percepcionam inclusivamente através da transcrição que o recorrente aqui faz daquela prova que ali se avaliou.
Não há insuficiência da matéria de facto que ponha em causa o preenchimento típico dos referidos ilícitos.
Também quanto ao direito aplicável se avaliou bem.
Aliás, mesmo quando mistura pretensa impugnação de facto com alegação de direito, não consegue o recorrente desmontar a construção jurídica da decisão.
Não se mostra evidente qualquer contradição nos factos ou na fundamentação da convicção quanto à sua fixação. E menos ainda por confronto com a decisão de direito.
Não se evidencia qualquer erro na apreciação ou valoração da prova.
Mostrando-se completa a fundamentação de facto.
Tem-se presente que é a motivação da decisão que permite atribuir-lhe a sua própria natureza e autoridade ou, como diz Fátima Mata-Mouros, é a motivação que confere um fundamento e uma justificação específica à legitimidade do poder judicial e à validade das suas decisões, a qual não reside nem no valor político do órgão judicial nem no valor intrínseco da justiça das suas decisões, mas na verdade que se contém na decisão”, para além de ser mera consequência do direito a um processo equitativo (…).12
Essa fundamentação que deve consagrar o princípio da livre convicção do julgador (art.º 127º do Cód. Proc. Penal) como critério fundamental, pois que deve sobressair daquela a realização e justificação deste.
Nótula final para atender aos crimes em concreto e à forma por que o Tribunal a quo os tratou em termos de natureza do bem jurídico em causa, unidade ou pluralidade de infracções e agravação/desagravação de condutas, atento a que esta matéria consubstancia a eventual fundamento de nulidades que é do conhecimento oficioso.
É certo que, mais uma vez, o recorrente mistura as considerações que faz a este respeito com tudo o resto que alega. No entanto, impõe-se salvaguardar um mínimo de conhecimento que possa evitar alguma falha na nossa própria apreciação.
Atentos os factos provados, e no que respeita aos crimes de abuso sexual, pode verificar-se que o Tribunal a quo fixou o número de vezes em que ocorreram os ilícitos com base no que de certo e seguro apurou, decidindo-se, e bem, pela verificação de tantos crimes quantos os actos abusivos, assim se cumprindo a lei no que tange a crimes cuja tutela visa bens eminentemente pessoais.
Partindo do que de certo apurou, e até ao limite também apurado, fixou o número de crimes de forma que não merece qualquer censura.
Afastando o crime continuado e o chamado crime de trato sucessivo, cumpriu também o direito nos seus princípios estruturantes.
E apreciou o concurso, enquanto real, como também decorre daqueles princípios do direito.
Todos os actos que ficavam fora do período considerado relevante foram desconsiderados, acabando por resultar não provados por defeito.
Igual atenção se teve quanto aos crimes de ameaça agravada.
Ponderando as circunstâncias que se lograram provar, enquadrou os factos como dali decorria, quanto apenas a um crime, determinando-se a absolvição de um outro cuja factualidade não resultou provada inequivocamente.
E quanto ao crime de perseguição decidiu com igual competência, partindo da factualidade apurada para inscrever a verificação de um único, pelo qual condenou o arguido, sem a agravação que vinha imputada, também pelos motivos que deixa explicados.
O mesmo se verificando quanto ao crime de pornografia com menor, cujos factos integrou no tipo objectivo e subjectivo também, deixando bem clarificado também o motivo da agravação.
Tal como fez quanto ao crime de gravações ou fotografias ilícitas, como explicou, cujos factos integram também o tipo de ilícito de pornografia, dando por verificada a relação de consumpção neste aparente concurso de crimes, determinando assim a sua absolvição quanto ao mesmo.
Em todos os casos ponderou de forma criteriosa as normas e fez questão de analisar caso a caso, decidindo-se pela condenação ou absolvição.
De todo o modo, tal como declarou, estamos perante um concurso efectivo dos crimes por que se condenou o arguido.
Quanto a eventuais vícios a este título, como se percebe, nada há a apontar ao decidido.
• Da alegada violação das normas aplicáveis quanto à pena:
Conforme ensina Figueiredo Dias, a fixação da pena deverá obedecer ao critério geral consignado no artigo 71º e ao critério especial previsto no artigo 77º, nº1, ambos do Cód. Penal, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique 13, relevando, na avaliação da personalidade do agente.
Factores que a determinação concreta da pena impõe que se tenham aqui em consideração:
- a idade do arguido e a eventual aplicação do regime decorrente do DL nº 401/82 de 26.09;
- as concretas ponderações (art.º 71º e, sendo caso disso, 72º do Cód. Penal);
- os limites das penas a que se chegue por virtude da fixação de um mínimo relativa à prevenção e de um máximo inerente à culpa;
- as ponderações relativas à pena única que venha a fixar-se e suas decorrências.
Posto que assim seja, vejamos.
O Tribunal a quo foi claro nas ponderações e deixou clarificado o processo decisório também quanto à escolha e determinação das penas.
Acima transcreveu-se no essencial essa ponderação.
Vejamos.
O Tribunal afastou a aplicação do Regime Especial para Jovens Delinquentes, aprovado pelo DL nº 401/82 de 26.09 porque, como disse, nem o regime é de aplicação automática, nem está em causa um juízo de prognose positiva sobre o arguido, antes pelo contrário:
(…)
Vertendo ao caso dos autos, entendemos, precisamente verificar-se uma daquelas situações em que é de formular um juízo de prognose negativo afastador da aplicação da atenuação especial.
Na verdade, não obstante a idade do arguido à data da prática dos factos, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir são elevadas, sendo os vários crimes praticados graves, quer na sua individualidade, quer analisados no seu conjunto, com especial incidência nesta comarca (onde os crimes sexuais são dos mais praticados).
Por outro lado, e decisivamente, o facto de o arguido não estar minimamente consciencializado da gravidade das suas condutas ou arrependido do que fez, antes se vendo como uma vítima da família da ofendida (que tinha conhecimento do seu namoro com BB), o que o torna claramente indiferente ao desvalor das suas condutas, as quais só admite em parte, e impõe que as exigências preventivas, sobretudo ao nível da prevenção especial, sobrelevem sobre as preocupações ressocializadoras do legislador.
Não há, assim, sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do arguido, pelo que este não beneficiará do regime especial para jovens, ínsito no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, nem, consequentemente, de qualquer atenuação especial, nos termos dos arts. 73.º e 74.º, do Código Penal (art.º 4.º, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro).
(…)
Como já explicou o nosso Supremo Tribunal de Justiça, se, a partir da avaliação feita, for de formular um prognóstico favorável à ressocialização do condenado será, em princípio, de considerar positiva a aplicação do regime previsto no art.º 4.º do DL 401/82, de 23-09, sendo pois de atenuar especialmente a pena; no caso contrário, isto é, se não for possível formular aquele juízo positivo, ou o juízo de prognose for desfavorável, obviamente que se terá de excluir a aplicação daquele regime. 14
Não tendo, na sua autonomia de decisão e deixando clarificado o critério, verificado aquele pressuposto, o Tribunal a quo decidiu não aplicar o referido Regime.
Entendendo-se, como se entende, que a apreciação da aplicação do regime especial para jovens não é uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado, que deve ser sempre apreciado, oficiosamente, mas que tal poder-dever de apreciação não corresponde à obrigatoriedade de aplicação desse mesmo regime, passa a apreciar-se se, no caso concreto, deverá o mesmo ser aplicado ao arguido.
A idade do delinquente (compreendida entre os 16 e os 21 anos) funciona como o pressuposto legal necessário para a obrigatoriedade de apreciação.
Mas já não vincula na sua aplicação efectiva.
Esta dependerá, como estipula o artigo 4º do DL nº 401/82, de 23 de Setembro, de existirem «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado»”.
Não é de aplicar o regime dos jovens delinquentes ao arguido, que à data da prática dos factos tinha menos de 21 anos de idade, quando do conjunto dos actos por ele praticados e a sua gravidade desaconselham, em absoluto, a aplicação desse regime, por se não mostrar passível de prognose favorável à sua reinserção social 15.
Esse prognóstico favorável à ressocialização radica, pois, na apreciação, em cada caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e modo de execução do crime e dos seus motivos determinantes.
Efectivamente, a idade não determina, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas sim, como referido, numa dosimetria reeducadora, a qual poderá ser encontrada através de uma atenuação especial.
Para além de considerações de prevenção especial de socialização que estão na base desta atenuação e, por consequência, de reintegração na comunidade impõe-se, também, que a atenuação especial facilite a reinserção, conclusão esta que deverá assentar em elementos factuais provados que conduzam à conclusão de que a moldura penal comum não cumpre, por excessiva, os fins da socialização do jovem condenado.
Para esse juízo concorre, também, o próprio facto criminoso, na medida em que é a revelação do maior ou menor desajustamento do jovem ao acatamento dos valores jurídicos, não devendo esquecer-se que as penas cumprem também finalidades de prevenção geral positiva que não podem ser postergadas para um nível comunitariamente intolerável, pelo simples facto de se estar na presença de jovens condenados 16.
Daí que a atenuação especial em referência se justifique, no juízo global sobre os factos, se se puder concluir que é vantajosa para o jovem, sem constituir desvantagem para a defesa do ordenamento jurídico.
De acordo com o entendimento maioritário do Supremo Tribunal de Justiça17, a atenuação especial da pena, fundada no art.º 4º do DL nº 401/82, só pode ocorrer quando o tribunal tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente e, simultaneamente, se considerar a atenuação compatível com as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de protecção de bens jurídicos.
Daqui resulta que, não obstante a emissão de um juízo de prognose favorável incidente sobre jovem delinquente, pode o mesmo revelar-se insuficiente para a aplicação do regime de favor do DL nº 401/82, se colidir com a “última barreira” da defesa da sociedade, aqui incontornável bastião 18.
O Tribunal a quo deixou expostos os motivos pelos quais afastou essa aplicação, não merecendo censura a sua apreciação.
O Tribunal ponderou todos os critérios de fixação da pena, como resulta do acima transcrito.
Quanto aos 16 crimes de abuso sexual de crianças, estando em causa (art.º 171º, ns. 1 e 2 do Cód. Penal), variando a punição de cada crime entre mínimo 3 anos de prisão e o máximo 10 anos de prisão, por cada crime fixou o Tribunal a pena de 3 anos de prisão, portanto, no mínimo da moldura, fazendo coincidir a prevenção com a culpa.
Nessa ponderação teve em atenção, entre os demais critérios que expôs, a idade jovem do arguido e a admissão da materialidade objectiva dos factos.
Quanto ao crime de ameaça agravado, o Tribunal a quo seguiu o mesmo critério, afastando expressamente a aplicação da pena de multa, e ponderada a moldura entre 1 mês de prisão e 2 anos de prisão (arts. 41º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) do mesmo Cód. Penal), fixou a pena concreta em 5 meses de prisão, considerando justificar-se que o limite da ponderação coincidisse com a maior necessidade de prevenção e a ausência de interiorização do desvalor da conduta.
Quanto ao crime de perseguição, seguiu ainda a mesma ponderação e critério, entre um limite mínimo 1 mês (art.º 41º, nº 1 do Cód. Penal) de prisão e o limite máximo de 3 anos de prisão, novamente atendendo a que os limites da prevenção deviam fixar-se acima do mínimo ainda que a culpa se tenha fixado na sua quase coincidência, determinou-se uma pena de 5 meses de prisão.
E o mesmo fez quanto ao crime de pornografia de menores agravado que, em virtude de agravação de metade, passa a ter uma moldura abstracta de 1 ano e 6 meses de prisão a 7 anos e 6 meses de prisão, atenta a admissão da materialidade dos factos e a idade jovem do arguido, mas também justificando o limite da prevenção acima do mínimo, fixou a pena concreta em 2 anos de prisão.
Estamos, em todos os casos, como se vê, a falar de penas individuais fixadas no terço inferior da moldura abstracta respectiva, sempre ponderando, para cada um deles, as circunstâncias especialmente atendíveis.
Nenhuma destas penas se mostra desadequada ou desproporcional, tendo-se usado de apurado critério na determinação, pelo que se impõe manter o decidido.
Depois disso, e ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa (cfr. art.º 77º nº1, 2ª parte) como acima se deixou, calculou com igual critério a pena única, atenta a moldura de cúmulo que se fixa num mínimo de 3 anos de prisão e máximo de 50 anos e 10 meses de prisão que se reduz ao máximo legal de 25 anos, fixando-a em 7 anos e 6 meses de prisão.
Mais uma vez, fixando a pena única junto ao limite do terço inferior da moldura, ou seja, três meses acima do terço inferior.
Como se sabe, não havendo violação das regras que devem ser ponderadas nesta sede, mostrando-se adequada a ponderação, o Tribunal de recurso não deve alterar a condenação pois que a sua intervenção deve ser, nesta sede, meramente correctiva, não se justificando qualquer correcção.
Nestas circunstâncias, mostrando-se correctamente feita a ponderação, nada havendo a alterar à pena, não estará em causa a ponderação de qualquer suspensão da execução da pena por não estarem sequer reunidos os pressupostos formais (art.º 50º do Cód. Penal).
Tudo visto, impõe-se concluir pela total improcedência do recurso.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se intocada a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC’s, a que acrescem os demais encargos legais, e sem prejuízo da isenção de pagamento de que possa beneficiar.
Notifique.

Lisboa, 04 de Junho de 2025
Hermengarda do Valle-Frias
Ana Rita Loja
Ana Paula Grandvaux
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO
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1. Acórdão Tribunal da Relação de Évora de 09.01.2018 [Rel. Desembargadora Ana Barata Brito] – https://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase.
2. Idem.
3. Rel. Desembargadora Maria Deolinda Dionísio – https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase.
4. J. Figueiredo Dias - Comentário Conimbricense do Código Penal, Pte Especial, TI, Coimbra Ed. 1999, p. 447.
5. RLJ nº 59, p. 177 e ss.
6. Op. cit., p. 449.
7. Acórdão do STJ de 22.05.2025 – https://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase.
8. De acordo com o que resulta da prova, como refere o Tribunal de julgamento, e como decorre mesmo do que se transcreveu daquelas declarações, o pai nada sabia de concreto do que se passava entre ambos, sabendo apenas que a mulher era firme na oposição a que houvesse contacto sexual entre eles, muito embora venha dizer como generalidade, e que disso não passa como decorre daquelas transcrições, que sempre fazia avisos sobre protecção no sexo.
Assim bem ao jeito de sempre avisar como é importante atravessar a estrada pela passadeira, a bem dizer, num depoimento «fraquinho» e de que só mesmo a defesa consegue «espremer» conteúdo.
9. Stalking – abordagem penal e multidisciplinar, CEJ/Formação, 2013, p. 6.
10. Idem, p. 81.
11. Destaques nossos.
12. A fundamentação da decisão como discurso legitimador do Poder Judicial – Boletim Informação e Debate, ASJP – IVª série, nº 2, Dezembro de 2003, ASJP, p. 109.
13. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Coimbra - 1993, p. 290 ss.
14. Ac. STJ 05.03.2008 [proc. 08P114] Rel. Conselheiro Oliveira Mendes - ECLI:PT:STJ:2008:08P114.C1
15. Cfr. Ac. do STJ de 08.01.1998 [proc. n.º 1077/97], apud Ac. STJ de 26.02.2002 – https://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase.
16. Cfr., neste sentido, Ac. TRL de 24.10.2006 - www.dgsi.pt.
17. Cfr. entre outros, os acórdãos de 28.03.2007, 16.01.2008, 05.11.2008 e 18.02.2009, proferidos nos Processos nº 653/07, 4837/07, 2861/08 e 100/09, citados no Acórdão daquele mesmo Tribunal, em 30.09.2015, no âmbito do processo comum colectivo nº 861/13.3PFCSC, deste mesmo Tribunal.
18. Cfr. o citado Ac. do STJ de 28.03.2007, proferido no Processo nº 653/07.