OMISSÕES E DEVER DE DILIGÊNCIA POR PARTE DO MANDATÁRIO
ERRO NOTÓRIO DESCULPÁVEL E JUSTO IMPEDIMENTO
Sumário

I – Não configura uma situação de erro notório desculpável e de justo impedimento, o envio (indevido) do RAI e documentos que o acompanham, para um endereço eletrónico indicado na Agenda Oficial da Ordem dos Advogados como sendo o correspondente ao do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (apesar de o processo respetivo permanecer no DIAP da Maia após a dedução da acusação pública, a aguardar as notificações e o decurso do prazo para requerer a instrução, cfr. art. 287º nº 1 do CPP, ou a remessa dos autos para o tribunal do julgamento), no qual o mandatário judicial do arguido confiou e, na sequência desse envio nada fez, apesar de não ter recebido do tribunal destinatário qualquer mensagem de confirmação da receção (não tendo atentado no disposto nos arts. 3º nºs 1 e 2 e 7º nº 3 da Portaria nº 642/2004 de 16 de junho) conforme requer no mail e também nada dizendo (no requerimento em que invoca o erro notório desculpável e o justo impedimento) quanto a eventuais diligências por si encetadas para confirmar se, nos dias que se seguiram ao do envio, o RAI e documentos anexos foram efetivamente rececionados no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos. Nem tão pouco alega se enviou o original do RAI e docs. anexos em suporte de papel nos 10 dias seguintes à alegada remessa eletrónica do RAI diretamente para o Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (com vista à sua distribuição), quedando-se por aguardar a notificação de um qualquer despacho do tribunal.
II - Um técnico do Direito diligente, na ausência de mensagem de confirmação da receção da peça processual remetida e anexos que a acompanhavam, pelo menos, iria indagar, fosse pessoalmente fosse por telefone, se no caso, o RAI e docs. haviam efetivamente sido rececionados na Unidade Central e de Serviço Externo da Comarca do Porto, Núcleo de Matosinhos e/ou teria enviado os respetivos originais em suporte de papel, se fosse o caso.
III – Perante as omissões e dever de diligência acima descritas por parte do Ilustre mandatário do arguido/recorrente, o erro em que possa ter incorrido, por confiar no endereço eletrónico indicado na Agenda Oficial da Ordem dos Advogados (e inexistente), se possa considerar erro desculpável. Antes lhe cabia fazer prova dessa falta de culpa – cfr. art. 799º nº 1 do Cód. Civil – o que não sucedeu.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo nº 1063/15.0T9AVR-A.P1

Comarca do Porto

Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos -...

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO

O Magistrado do MºPº junto da Procuradoria da República da Comarca do Porto (DIAP – ... de Maia) em 09/07/2024 proferiu acusação em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular (cfr. (referência 461992962), contra os arguidos AA, BB e CC, imputando-lhes a prática de factos que, em seu entender, integram a prática, em coautoria imediata, dolosamente e de forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo art. 227º nºs 1 a), b) e c) e 3, do Cód. Penal.


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Por despacho proferido em 21/10/2024 (referência 464596896), o Juízo Local Criminal da Maia – ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, recebeu a acusação e ordenou a notificação dos arguidos para, querendo, no prazo de 20 dias, apresentarem contestação acompanhada do rol de testemunhas, peritos e consultores técnicos, nos termos do disposto nos arts. 311º-A e 311º-B, ambos do CPP.


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Por requerimento datado de 22/10/2024 (referência 40456344), o arguido CC veio informar que, tendo requerido a abertura de instrução no dia 19/09/2024, acompanhada do pagamento imediato de multa, mas por lapso da mandatária do arguido “pelo qual muito se penitencia” (sic), remeteu o RAI para o endereço eletrónico do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos, ao invés do endereço eletrónico do DIAP (juntando cópias do RAI e do pagamento da multa no valor de € 204,00), requer que o RAI seja admitido e os autos remetidos ao Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos.

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Por requerimento datado de 23/10/2024 (referência 40471642) o mandatário do arguido AA veio informar que, tendo requerido a abertura de instrução no dia 19/09/2024, acompanhada de substabelecimento e multa mas, por lapso do signatário, remeteu o RAI para o Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos, para o seguinte email: instrucaocriminaltribunais.org.pt, em vez de o remeter para o DIAP da Maia, requer que o RAI seja considerado apresentado dentro do prazo, embora remetido, por lapso, para o Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos.

A comprovar o alegado, juntou cópia do seguinte mail acompanhado do RAI, de substabelecimento datado de 17/09/2024 e do comprovativo do pagamento de multa no valor de € 102,00 (referência 40471642):

Assunto: FW: Requerimento de Abertura de Instrução - Proc. nº 1063/15.0T9AVR

Data: terça-feira, 17 de setembro de 2024 às 17:22:36 Hora de verão da Europa Ocidental

De: DD

Para: matosinhos.instrucaocrimlnal@tribunais.org.pt

Anexos: image001.png, image002.png, DUC.pdf, Substabestabelecimento.pdf, Pagamento ao estado.pdf, RAl.pdf,

DOC1.pdf

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos

Processo nº 1063/15.0TSAVR

Exmo/s. Senhor/s

Serve a presente para enviar, a V. Exas., o requerimento de abertura de instrução de AA, Arguido, no âmbito do processo supra referenciado.

Peço que, por favor, acusem a receção do presente email e respetivos anexos.

Com os melhores cumprimentos,

DD,

Advogado”.


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Por requerimento datado de 23/10/2024 (referência 40473650) o arguido BB veio informar que, tendo requerido a abertura de instrução no dia 17/09/2024, acompanhado do pagamento integral da multa, por lapso do mandatário, o RAI foi enviado para o endereço eletrónico do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos em vez de ter sido enviado para o endereço do DIAP, tendo o mesmo sido recebido pelo Sr. JIC, requer que o RAI seja considerado apresentado dentro do prazo.


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Por despacho datado de 23/10/2024 (referência 464862551) o Juízo Local Criminal da Maia – ... decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial): “(…). Compulsados os autos, não se encontra nem o requerimento por e-mail invocado pelo arguido nem o original do requerimento que, por força dos arts. 4.º, n.os 3 e 5, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, e 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, deveria ter sido apresentado em papel.

Assim:

– Diligencie junto do Tribunal de Instrução Criminal de Matosinhos e/ou secção central do Núcleo de Matosinhos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto para que informe se o requerimento invocado pelo arguido CC, efectivamente, deu entrada em 18-09-2024 via e-mail e, em caso afirmativo, para o autuar ao processo; e,

– Após resposta ao ponto anterior: em caso afirmativo, abra vista ao Ministério Público para se pronunciar quanto ao andamento dos autos; e, em caso negativo, notifique o arguido CC para se pronunciar quanto ao que for informado e, só após, abra vista ao Ministério Público. Notifique”.


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E, por despacho datado de 23/10/2024 (referência 464895121), o Juízo Local Criminal da Maia – ... decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial): “(…). “Os arguidos AA e BB vieram levantar a mesma questão que CC relativa à eventual apresentação de requerimento de abertura de instrução. Assim, diligencie, também quanto a estes arguidos, nos termos já determinados para o arguido CC. Notifique”.


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Em 28/10/2024 (referência 40513400), a Unidade Central e de Serviço Externo da Comarca do Porto, Núcleo de Matosinhos, veio informar que “Relativamente ao solicitado pelo V/Of.º 464965407, de 24-10-2024, Proc. Comum Singular 1063/15.0T9AVR, informa-se que feitas as pesquisas nas caixas de Emails deste núcleo de Matosinhos, nada foi encontrado relativamente ao solicitado. Mais se informa que o email indicado pelo subscritor não existe neste núcleo de Matosinhos”.

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Em 29/10/2024, o Juízo Local Criminal da Maia – ..., ordenou a notificação dos arguidos para, querendo, se pronunciarem em 10 dias, seguindo-se a abertura de vista ao MºPº (referência 465033913).

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Em 5/11/2024, 06/11/2024 e 7/11/2024 (referente ao arguido/recorrente AA), os arguidos vieram reiterar os requerimentos suprarreferidos (cfr. referências 40598435, 40611685 e 40628959).

O aqui arguido/recorrente AA, juntou cópia de uma agenda aberta contendo números de telefone e endereços de email para comprovar o erro/lapso em que incorreu no endereço eletrónico para onde remeteu o RAI e docs. anexos (referência 40628959).


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O MºPº em 10/11/2024, limitou-se a promover a remessa dos autos ao Sr. JIC (referência 465438387).

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Por despacho datado de 19/11/2024, o Juízo Local Criminal da Maia – ..., decidiu declarar “este Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local da Maia, ..., materialmente incompetente para conhecer dos requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos arguidos AA, BB e CC, por ser competente para tal o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Matosinhos. Notifique,

deposite e dê baixa estatística. Após trânsito, remeta os autos a distribuição no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Matosinhos”.


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Em 24/11/2024 (referência 465942759), o Juízo Local Criminal da Maia – ..., corrigiu o lapso de escrita do despacho de 19/11/2024, ordenando a correção do despacho no segmento “Juízo Local Criminal de Matosinhos” por pretender dizer «Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos».

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Em 09/12/2024, foram os autos remetidos eletronicamente para distribuição na Instrução Criminal de Matosinhos (referência 466583864).

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Por despacho datado de 20/01/2025 (referência 467628390) o Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos -..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, decidiu, entre o mais, “(…) não se verificar uma situação de justo impedimento, indefiro o requerido pelos arguidos (Refs. 40628959, 40611685 e 40598435, requerimentos apresentados em 05.11.2024, 06.11.2024 e 07.11.2024, respetivamente), e consequentemente rejeito os requerimentos de abertura de instrução pelos mesmos apresentados. Sem custas. Notifique. Após trânsito, remeta os autos à distribuição como processo comum com intervenção do tribunal singular”.

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Não se conformando com esta decisão, dela recorreu em 26/02/2025, o arguido AA, finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O Ministério Público deduziu acusação particular contra o ora Arguido pela prática de factos suscetíveis de consubstanciar um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo art. 227.º, n.º1, al. a), b) e c), e 3, do Código Penal.

2. Nestes termos, a 19 de setembro de 2024 o Arguido remeteu requerimento de abertura de instrução para o Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos, nos termos e com os efeitos do art. 287.º, n.º 1, al. a) do CPP.

3. Tal RAI foi remetido para o endereço eletrónico: matosinhos.instrucaocriminal@tribunais.org.pt, endereço esse indicado na Agenda oficial da Ordem dos Advogados de 2024.

4. Tal RAI foi apresentado tempestivamente, expondo os fundamentos pelos quais deveria ser proferido despacho de não pronúncia do Arguido pelos crimes de que vem acusado.

5. Ora, na presente situação, verifica-se, não só uma situação de erro notório, como uma situação de justo impedimento.

6. Senão vejamos, justo impedimento é considerado qualquer evento não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, que obste á prática atempada do ato, cfr. artº 146º do Código de Processo Civil.

7. Na presente situação, foi enviado RAI para o email do Tribunal que é mencionado na Agenda Oficial da Ordem dos Advogados.

8. Tal situação não se consubstancia em qualquer culpa por parte do ora Recorrente e/ou seu mandatário.

9. Quando foi remetido o RAI, foi feito de acordo com as informações apresentadas na Agenda da Ordem dos Advogados, agenda essa oficial e um principal instrumento de auxílio no exercício do Direito pelos mandatários, e que, como tal, faz fé quanto à informação de diversas instituições, entre elas, os tribunais.

10. Ademais, e salvo sempre Douto Entendimento em sentido diverso, a aferição de existência de um erro desculpável, deve ser avaliada em face das circunstâncias concretas do caso e pela diligência de um bom pai de família ou homem médio, pelo que, é entendível que, qualquer profissional colocado na posição do mandatário do Recorrente, utilizaria o endereço eletrónico do Tribunal, indicado na Agenda Oficial da Ordem dos Advogados, não havendo margens para duvidar da sua veracidade.

11. Concomitantemente, pela verificação de notório erro, bem como justo impedimento, deve o Tribunal ad quem determinar a admissão do Requerimento de Abertura de Instrução apresentado pelo ora Recorrente, revogando o Despacho recorrido.

Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, sendo admitido o Requerimento de Abertura de Instrução, e, em consequência, revogar-se o Despacho recorrido, Fazendo- se a costumada JUSTIÇA! ”.


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A este recurso respondeu o Ministério Público em 21/03/2025, sem formular conclusões, pronunciando-se pela improcedência do recurso, nos seguintes termos (transcrição parcial):

“Como preceitua o artigo 140.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi o artigo 1.º do CPTA, «Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.».

Reservando-se a possibilidade de utilização deste mecanismo para as situações não imputáveis à própria parte ou ao seu mandatário e que não revelem falta de diligência ou negligência daqueles.

Prescreve o n.º2 do artigo 140.º do Código de Processo Civil que a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente

a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.

Desta disposição legal resulta que o justo impedimento tem de ser alegado no preciso momento em que a parte se apresenta a praticar o ato fora de prazo, o que, nos presentes autos nem sequer se verificou, mas sim o invés, pois que o recorrente alegou ter ocorrido um lapso cometido pela sua parte.

Nestes termos, deve ser rejeitado o recurso, confirmando-se a decisão recorrida”.


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Em 25/03/2025, o Sr. JIC proferiu despacho tabelar de sustentação do despacho recorrido (referência 470233614).


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Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, em 03/04/2025, no parecer que emitiu, aderindo à resposta do Ministério Público, pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso e manutenção do despacho recorrido, referindo: “Apesar do esforço argumentativo, não assiste razão ao Exº Mandatário do arguido AA. Por um lado, quando veio invocar o impedimento, tal como lhe competia, deveria ter feito prova do alegado, o que não fez, como bem refere o Exº MP junto da 1ª Instância. Por outro lado, a natureza probatória de uma fotocópia de uma agenda, para sustentar um alegado “erro notório”, da banda de um Exº Jurista, Mandatário, que nela acreditou, sem mais, é claramente insuficiente para poder provar a que pretende”.

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Observado o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer.


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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foi realizada a conferência.


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II – FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência assente e pacífica que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respetiva motivação e, apenas quanto às sentenças/acórdãos, sem prejuízo de conhecer oficiosamente de qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do art. 410º do CPP.

Da leitura das conclusões do recorrente, resulta que a única questão a decidir é de saber se o envio do RAI, por lapso do mandatário do arguido, para um endereço eletrónico incorreto, alegadamente mencionado na agenda oficial da Ordem dos Advogados como sendo o endereço eletrónico do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (em vez de o ter enviado para o DIAP da Maia, onde se encontrava o processo), não obstante não ter sido rececionado em qualquer tribunal, constitui um caso de «erro notório» e de «justo impedimento».


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Para o conhecimento do objeto do recurso, importa ter presente o teor do despacho recorrido (transcrição):

“ Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação contra AA, pela prática de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo art. 227º, nºs 1, alíneas a), b), e c), e 3, do Código Penal, contra BB, pela prática de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo art. 227º, nºs 1, alíneas a), b), e c), e 3, do Código Penal, e contra CC, pela prática de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo art. 227º, nºs 1, alíneas a), b), e c), e 3, do Código Penal.

Não tendo sido junto aos autos qualquer requerimento a solicitar a abertura de instrução, o processo foi remetido à distribuição, onde foi proferido o competente despacho de recebimento em 21-10-2024 e os arguidos notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art. 311º-A do Código de Processo Penal.

Notificados, vieram os arguidos CC (em 22-10-2024), AA e BB (ambos em 23-10-2024) invocar ter apresentado requerimento de abertura de instrução diretamente perante o Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos. CC invoca ter apresentado o requerimento de abertura de instrução em 19-09-2024 (com o pagamento da multa processual) via e-mail. Tal como BB, em 17-09-2024. E, ainda, como AA em 19-09-2024. Juntam os arguidos cópia dos respetivos email.

Questionada a secção central do núcleo de Matosinhos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi informado que nada consta nos seus serviços a entrada de tais email.

Concedido o necessário contraditório, os arguidos invocam ter enviado os requerimentos de abertura de instrução para o endereço de e-mail que consta apontado na agenda oficial da Ordem dos Advogados.

Por despacho proferido em 19.11.2024, o Mmº Juiz do tribunal de julgamento (Juízo Local Criminal da Maia, Juiz q) declarou-se materialmente incompetente para conhecer dos requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos sobreditos arguidos e determinou a remessa a este tribunal.

Em 13.01.2025, foi solicitada à Secção de Processos que averiguasse e informasse se os requerimentos de abertura de instrução em apreço, foram recebidos na caixa de correio do endereço eletrónico matosinhos.instrucaocriminal@tribunais.org.pt., tendo sido respondido que não existe, nem nunca existiu, tal endereço eletrónico.

Cumpre apreciar e decidir.

A instrução é uma fase facultativa do processo comum em processo penal, dirigida pelo juiz de instrução (assistido pelos órgãos de polícia criminal), através da qual se decide se o inquérito deve ser arquivado ou se, ao invés, deve ser submetido a julgamento (artigo 286.º do Código de Processo Penal).

Esta fase inicia-se com o requerimento para abertura de instrução (apresentado pelo arguido ou pelo assistente, no prazo de 20 dias após a notificação da acusação ou do despacho de arquivamento do inquérito) – o qual pode ser rejeitado (artigo 287.º, n.º 3 do CPP), sendo proferido posteriormente despacho de abertura de instrução (o qual é notificado ao Ministério Público, assistente, ao arguido e seu defensor).

É consabido que o requerimento (que não está sujeito a formalidades especiais), terá de ser apresentado no processo a que respeita, dirigido ao Sr. Juiz de Instrução Criminal competente.

No caso dos autos, os três (?) arguidos, além de não terem dirigido os requerimentos de abertura de instrução para o destino legalmente acertado (DIAP da Maia), fizeram-no para um endereço eletrónico que não existe.

Conforme se decidiu no Ac. TRE de 11.01.2007, em situação com notório paralelismo com os presentes autos, não estamos no caso em apreço, perante qualquer situação de justo impedimento ou de erro notório.

Como ali se refere, justo impedimento é considerado qualquer evento não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, que obste á prática atempada do acto – artº 146º do Cód. Proc. Civil, ou seja, não pode ser considerado justo impedimento qualquer evento que para a sua produção tenha existido culpa do mandatário do autor, como, sem dúvida, aconteceu no caso em apreço, pois só a ele pode ser imputada toda a situação criada e não a terceiros.

O justo impedimento é consagrado na lei, a título excepcional, por uma questão de justiça material, para dar realização a situações excepcionais, por ocorrências estranhas e imprevisíveis ao obrigado à prática do acto, pelo que, as omissões, decorrentes de negligência simples deste ou do seu mandatário, não constituem justo impedimento.

Conclui-se, pois, pela não verificação de uma situação de justo impedimento.

Do mesmo modo, é facilmente percetível a falta de cuidado no envio dos requerimentos em análise, incompreensível quando efetuada por um profissional do foro na prática de um ato de tanta simplicidade.

Menos se compreende que o “lapso” tenha sido cometido, exatamente nos mesmos termos, por três mandatários distintos.

Com se defende no referido acórdão, são habituais os lapsos nas comunicações eletrónicas, por vezes a omissão de uma simples letra ou carater, o que impõe um cuidado acrescido no seu envio, o que claramente não sucedeu nos acasos em apreço.

Pelo exposto, por não se verificar uma situação de justo impedimento, indefiro o requerido pelos arguidos (Refs. 40628959, 40611685 e 40598435, requerimentos apresentados em 05.11.2024, 06.11.2024 e 07.11.2024, respetivamente), e consequentemente rejeito os requerimentos de abertura de instrução pelos mesmos apresentados.

Sem custas.

Notifique”.


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Apreciação do recurso

Questão única: saber se o envio do RAI, por lapso do mandatário do arguido, para um endereço de eletrónico incorreto, alegadamente mencionado na agenda oficial da Ordem dos Advogados como sendo o endereço eletrónico do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (em vez de o ter enviado para o DIAP da Maia, onde se encontrava o processo), não obstante não ter sido rececionado em qualquer tribunal, constitui um caso de «erro notório» e de «justo impedimento».

O arguido/recorrente alega que remeteu o RAI tempestivamente (dentro do prazo) por email em 19 de setembro de 2024 para o endereço eletrónico matosinhos.instrucaocriminal@tribunais.org.pt, que consta da Agenda Oficial da Ordem dos Advogados de 2024 e é o principal instrumento de auxílio no exercício do Direito pelos mandatários, fornecendo informação sobre diversas instituições, incluindo os tribunais. Alega ainda que o Tribunal a quo recebeu o RAI na caixa de correio deste endereço eletrónico oficial.

Em seu entender, o despacho recorrido ao rejeitar o RAI apesar deste envio para um endereço constante de uma fonte oficial como a Agenda da Ordem dos Advogados, incorre num notório erro, por ser percetível a qualquer profissional cuidadoso, especialmente considerando a informação apresentada na Agenda Oficial; desconsiderar a informação de um instrumento oficial e não aceitar o envio do RAI por esta via constitui o alegado erro.

Alega ainda o arguido/recorrente que a descrita situação configura, igualmente, uma situação de justo impedimento pela circunstância de o evento que terá impedido a correta prática do ato (a não aceitação ou validação do RAI enviado para o endereço oficial), decorrer de uma circunstância externa (relacionada com a aceitação ou funcionamento do canal oficial de comunicação do Tribunal) e não de culpa ou negligência do arguido ou do seu mandatário, que confiou numa informação oriunda de uma fonte oficial e (para si) fidedigna (a dita Agenda Oficial da Ordem dos Advogados).

Apreciando.

O arguido que se sinta agastado pela decisão do MºPº de deduzir acusação, tem ao seu alcance a possibilidade de requerer a abertura de instrução no prazo perentório de 20 dias a contar da notificação da acusação, para evitar ser conduzido a julgamento – cfr. arts. 286º nºs 1 e 2 e 287º nº 1 a), ambos do CPP.

Nos termos do art. 139º do CPC, aplicável ao processo penal ex vi do art. 4º do CPP, no que ao caso dos autos interessa, “1. O prazo é dilatório ou perentório.

2. O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo.

3. O decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato.

4. O ato poderá, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.

5. Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento, até ao termo do 1º dia útil posterior ao da prática do ato, de uma multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça inicial por cada dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 UC.

6. (...).

7. (…).

8. – (…)”.

Assim, como resulta do nº 3, se o sujeito processual deixa decorrer o prazo perentório estabelecido na lei – como é o caso do prazo para requerer a abertura de instrução - o ato deixa de poder ser praticado.

A este regime preclusivo estabelece a lei duas exceções:

- a primeira: a parte pode praticar o ato fora do prazo, havendo justo impedimento (entenda-se, de o praticar dentro do prazo).

- a segunda: independentemente do justo impedimento, a parte pode praticar o ato fora do prazo desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo e pague a multa fixada na lei([1]), sendo essa multa, a fixada no art. 107º-A do CPP.

No caso destes autos, o arguido/recorrente optou por apresentar o RAI, não em suporte de papel e diretamente na Secção Central do DIAP – ... da Maia (onde se encontrava o processo após a dedução da acusação pública, a aguardar as notificações e o decurso do prazo para requerer a instrução, cfr. art. 287º nº 1 do CPP, ou a remessa dos autos para o tribunal do julgamento), nem por correio postal registado endereçado ao processo, mas por via eletrónica.

O nº 1 do art. 144º do CPC, aplicável ex vi do art. 4º do CPP dispõe que “Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição”.

A prática de atos processuais por via eletrónica vem regulada na Portaria nº 642/2004 de 16 de junho, no D.L. nº 28/92 de 27 de fevereiro, na Portaria nº 280/2013 de 26 de agosto, no D.L. nº 290-D/99 de 02 de agosto e nos arts. 132º nº 2 e 144º do CPC.

Nos termos do art. 5º da Portaria nº 280/2013 de 26/08, “1 - A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados por mandatários judiciais é efetuada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes.

2 - O registo e a gestão de acessos ao sistema informático referido no número anterior por advogados, advogados estagiários e solicitadores são efetuados pela entidade responsável pela gestão de acessos ao sistema informático, com base na informação transmitida, respetivamente, pela Ordem dos Advogados e pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, respeitante à validade e às vicissitudes da inscrição junto dessas associações públicas profissionais”.

De acordo com o disposto no art. 3º da Portaria nº 642/2004 de 16 de junho (“que regula a forma de apresentação a juízo dos atos processuais enviados através de correio eletrónico, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 15.º do Código de Processo Civil”, cfr. art. 1º), “1 - O envio de peças processuais por correio eletrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do nº 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura eletrónica avançada”.

Prescreve-se no nº 2 do citado art. 3º que “Para os efeitos do disposto no número anterior, a comunicação deve assegurar: b) A entrega ao remetente de cópia da mensagem original e validação cronológica do respetivo ato de expedição, cópia essa que é assinada eletronicamente por terceira entidade idónea; c) A entrega ao remetente de uma mensagem assinada eletronicamente pela terceira entidade idónea, nos casos em que não seja possível a receção, informando da impossibilidade de entrega da mensagem original no endereço do correio eletrónico do destinatário, no prazo máximo de cinco dias após a validação cronológica da respetiva expedição.

Dispõe o seu art. 7º nº 3 que “Quando o correio eletrónico for o meio utilizado na apresentação de qualquer peça processual, o tribunal deve enviar ao remetente, pela mesma via, mensagem de confirmação da receção”.

No art. 10º estabelece-se que “À apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia”.

Nesta matéria é ainda relevante o decidido no Ac. do STJ nº 3/2024 de 23 de abril([2]) que fixou a seguinte jurisprudência: “Quando, em face de apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução remetido por correio eletrónico simples, desprovido de assinatura eletrónica avançada e sem validação cronológica, não se seguir o envio do seu original, no prazo de 10 dias, conforme o disposto nos artigos 3º, nº 1 a 3 e 10º, da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4º do Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, 6º nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287º nº 3, do CPP, deve o tribunal notificar o arguido para, no prazo que lhe for fixado, apresentar o documento em falta»”.

No caso destes autos, verificamos no mail que o mandatário do arguido/recorrente alega ter enviado para o endereço eletrónico matosinhos.instrucaocriminal@tribunais.org.pt em 17/09/2024 às 17:32:26 horas, que o mesmo requer ao tribunal destinatário que “acuse a receção do email e respetivos anexos”.

A demonstração da prática de ato processual por transmissão eletrónica de dados, de acordo com as normas que deixámos supra transcritas, só é admissível através da declaração de validação cronológica, que ateste a data da expedição ou receção do documento eletrónico correspondente([3]).

O mandatário do arguido, pela profissão que exerce, deveria saber que o processo nº 1063/15.0T9AVR encontrava-se no DIAP da Maia e que o RAI deveria para aí ser remetido e, só após, o MºPº ordenaria a remessa dos autos, consoante o caso, ao Juízo de instrução criminal ou para o tribunal do julgamento territorialmente competentes, em ambos os casos, para distribuição.

Porém, assim não o fez, optando (alegadamente) por dirigir o RAI diretamente para um endereço que confiou ser o do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos.

Partindo da hipótese que o endereço eletrónico para onde o arguido/recorrente afirma ter enviado o RAI, existe na realidade, pressupõe-se que o Sr. Advogado o utilize para enviar requerimentos e/ou peças processuais destinados a processo que aí já se encontra a correr termos, o que não é o caso (mas não é por este motivo que improcede a questão suscitada).

Também verificamos que o recorrente, em momento nenhum, diz se recebeu ou não, do tribunal destinatário do mail enviado (caso esse envio tenha efetivamente ocorrido, mas não comprovado nos autos), qualquer mensagem de confirmação da receção do RAI e documentos anexos, conforme requer no mail aparentemente por si subscrito.

Caso esse mail tenha sido enviado em 17/09/2024 às 17:32:26 horas, o recorrente também nada diz quanto a eventuais diligências por si encetadas para confirmar se, nos dias que se lhe seguiram, o RAI e documentos anexos foram efetivamente rececionados no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos. Nem tão pouco alega se enviou o original do RAI e docs. anexos em suporte de papel nos 10 dias seguintes à alegada remessa eletrónica do RAI diretamente para o Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (com vista à sua distribuição).

E, por se tratar de um técnico do Direito, o Ilustre mandatário do arguido/recorrente também deveria ter conhecimento das normas que regulam o envio de peças processuais por correio eletrónico e que, em tal caso, o remetente recebe do destinatário mensagem de confirmação da receção, nos termos das normas e diplomas legais supra citados e ainda do dever de enviar nos 10 dias seguintes e em suporte de papel, os originais do RAI e docs. anexos na situação versada no Ac. de fixação de jurisprudência do STJ nº 3/2024 de 23/04.

Do teor do corpo da motivação e conclusões do recurso, extrai-se que o Ilustre mandatário do arguido/recorrente, por estar convencido que aquele endereço eletrónico correspondia efetivamente ao endereço do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos pela circunstância de, alegadamente, constar da Agenda Oficial da Ordem dos Advogados, nada mais fez, quedando-se por aguardar a notificação de um qualquer despacho do tribunal (como veio a suceder, porém, da notificação do despacho do Juízo Local Criminal de Matosinhos de 21/10/2024, que recebeu a acusação pública e ordenou a notificação dos arguidos para, querendo, contestar).

Sucede que a Unidade Central e de Serviço Externo da Comarca do Porto, Núcleo de Matosinhos, em 28/10/2024 veio informar que “Relativamente ao solicitado pelo V/Of.º 464965407, de 24-10-2024, Proc. Comum Singular 1063/15.0T9AVR, informa-se que feitas as pesquisas nas caixas de Emails deste núcleo de Matosinhos, nada foi encontrado relativamente ao solicitado. Mais se informa que o email indicado pelo subscritor não existe neste núcleo de Matosinhos”.

Ora, perante todas as omissões e dever de diligência acima descritas por parte do Ilustre mandatário do arguido/recorrente, não se nos afigura que o erro em que possa ter incorrido, por confiar num endereço eletrónico constante da Agenda Oficial da Ordem dos Advogados, se possa considerar erro desculpável. Antes lhe cabia fazer prova dessa falta de culpa – cfr. art. 799º nº 1 do Cód. Civil – o que não sucedeu, pois, “Embora não esteja em causa o cumprimento de deveres mas a observância de ónus processuais, a que a lei associa efeitos preclusivos, a distribuição do encargo da prova coloca-se nos mesmos termos”([4]).

Conforme se decidiu no Ac. da R.E. de 11/01/2007([5]), aplicável ao caso dos autos com as devidas adaptações, “A Marca do Dia Electrónica (MDDE) comprova ao emissor que a mensagem foi enviada na data e na hora indicada no respectivo relatório e garante a integridade do conteúdo da mensagem. Todavia, ela não comprova já que a mesma tenha sido entregue ao destinatário. A MDDE garante apenas ao destinatário, caso a mensagem seja recebida por este, a integridade do conteúdo da mensagem e dos ficheiros anexos (cf. art.ºs 6º do DL. n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, e 2º e 3º da referida Portaria n.º 642/2004).

Impõe-se ao expedidor do correio electrónico que verifique os elementos gráficos do endereço do correio electrónico do destinatário para o qual pretende remeter correio. E, sabido, como é de conhecimento geral, que a simples introdução ou falta de um elemento gráfico inviabiliza a transmissão do correio até ao destinatário electrónico pretendido, impõe-se ao expedidor que faça essa verificação com cuidado. (…).

Também, por outro lado, dito em termos figurados, não existe “carteiro” electrónico que pudesse entregar no Tribunal o correio entregue noutro domínio de Internet, nomeadamente, o correspondente, se é que existe, a caixa de correio referenciada pelo recorrente.

E se é verdade, que o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, confere o direito à sua rectificação conforme dispõe o artº 249º do Cód. Civil, o certo é, que no caso presente, não estamos perante qualquer declaração constante de peça processual ou documento que a acompanhe, mas antes perante uma situação de endereço de destinatário diverso do pretendido por alegado erro no endereço da missiva, em termos equivalentes ao que se passa com a remessa de uma carta registada para um outro endereço errado.

A situação em apreço, (…), configura-se, em termos do correio via postal, numa situação em que em vez de se enviar determinada correspondência para um tribunal se endereça a mesma, por lapso, para qualquer outra entidade ou para um local inexistente. Nesta situação ninguém, certamente, viria sustentar ter existido erro de escrita notório e desculpável. (…).

Ou seja, o lapso não se caracteriza num erro de declaração, mas sim, por imprevidência, falta de cuidado e de diligência na tarefa de expedição de correio electrónico, numa verdadeira remessa de correspondência para destinatário e local diverso do pretendido. O lapso em apreço, em termos de comunicações electrónicas é habitual, susceptível de previsão normal e, por isso, se a parte não se acautelou contra ele, sendo imprevidente, sibi imputet”.

Na mesma senda alinhou o Ac. da R.E. de 22/06/2021([6]), que versando sobre uma situação semelhante à destes autos, decidiu que “- O Ilustre mandatário do arguido/recorrente incorreu em lapso na inserção do destinatário de correio eletrónico no requerimento para abertura da instrução que enviou. - Tal lapso, e não tendo o requerimento para abertura da instrução sido entregue por qualquer outra via (nomeadamente em suporte de papel), teve como consequência que esse requerimento não fosse entregue nos competentes Serviços do Ministério Público dentro do prazo legalmente definido para o arguido requerer a abertura da instrução. - A falta da realização da instrução deveu-se ao aludido lapso, lapso esse da inteira responsabilidade do Ilustre mandatário do arguido/recorrente”.

Improcede, por isso, a consideração do erro cometido como um «erro desculpável».

Vejamos de seguida do invocado justo impedimento.

Também esta alegação do recorrente deve improceder.

Dispõe o art. 107º nº 2 do CPP que “Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade judiciária, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento”.

O art. 140º do CPC, aplicável ao caso dos autos ex vi do art. 4º do CPP, no seu nº 1 define «justo impedimento» como “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato”.

Nos termos do seu nº 2, “A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou”.

Em anotação à norma do art. 140º do CPC, ensinam A. Abrantes Geraldes, P. Pimenta e L. Pires de Sousa([7]) que “A experiência aconselha que tal mecanismo seja reservado para situações que verdadeiramente o justifiquem, desconsiderando (…) eventos imputáveis à própria parte ou aos seus representantes e que sejam reveladores de negligência ou da falta de diligência devida. (…) o instituto está agora centrado na ideia da culpabilidade das partes, dos seus representantes ou dos mandatários (…)”.

Também para o Ac. da R.G. de 18/01/2018([8]), “II. No juízo de «não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes» a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto (art. 487º, nº 2 do C.C.). III. O justo impedimento, constituindo uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório, é concedido às partes a título excepcional, por um imperativo de natureza ético-jurídica, já que não se lhes deve exigir que o pratiquem quando estejam absolutamente impossibilitadas de, em determinado momento, o fazerem, por razões que não lhe sejam imputáveis, e para a verificação das quais não concorreram de forma censurável (arts. 139º, nº 1, nº 3 e nº 4, e 140º, nº 1, ambos do C.P.C.)”.

Ora, um técnico do Direito diligente, na ausência de mensagem de confirmação da receção da peça processual remetida e anexos que a acompanhavam, pelo menos, iria indagar, fosse pessoalmente fosse por telefone, se no caso, o RAI e docs. haviam efetivamente sido rececionados na Unidade Central e de Serviço Externo da Comarca do Porto, Núcleo de Matosinhos e/ou teria enviado os respetivos originais em suporte de papel, se fosse o caso.

Mas, no caso destes autos, pelas razões que acima deixámos apontadas – falta de diligência devida por parte do Ilustre mandatário do arguido/recorrente - nos momentos que se seguiram ao alegado envio eletrónico do RAI, ainda que indevidamente dirigido ao Juízo de instrução criminal de Matosinhos (em vez de para o processo ainda na disponibilidade dos serviços do MºPº no DIAP – ... da Maia), a situação ocorrida não configura uma situação de justo impedimento.

Pelo exposto, nenhuma censura merece o despacho recorrido, que deverá manter-se.


*


III – DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto decide negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.

Custas a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC - cfr. arts. 513º nº 1 do CPP e 8º nº 9 do RCP e Tabela III anexa a este último diploma legal.

Notifique – cfr. art. 425º nº 6 do CPP.

Porto, 28/05/2025

Lígia Trovão

Luís Coimbra

Pedro Vaz Pato

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[1] Cfr. Ac. da R.C. de 29/10/2024, no proc. nº 1713/12.0TALRA.C1, relatado por Calvário Antunes, acedido in www.dgsi.pt, aqui seguido.
[2] Publicado no D.R. nº 80/2024, Série I.
[3] Cfr. Ac. da R.C. de 30/06/2015 no proc. nº 39/14.9T8LMG-A.C1, relatado por Henrique Antunes, acedido in www.dgsi.pt
[4] Cfr. Ac. da R.C. de 30/06/2015, no proc. nº 39/14.9T8LMG-A.C1, relatado por Henrique Antunes, acedido in www.dgsi.pt
[5] Cfr. proc. nº 2656/06-3, relatado por Mata Ribeiro, acedido in www.dgsi.pt
[6] Cfr. proc. nº 2692/17.2T9FAR.E1, relatado por João Amaro, acedido in www.dgsi.pt
[7] Cfr. CPC Anotado, Vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág. 175.
[8] Cfr. proc. nº 6018/16.4T8GMR-B.G1, relatado por Maria João Matos, acedido in www.dgsi.pt