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CRIME DE INSOLVÊNCIA DOLOSA
CÁLCULO DA VANTAGEM OBTIDA ILICITAMENTE
Sumário
I - No crime de insolvência dolosa para calcular a vantagem obtida ilicitamente tem de se avaliar, - tendo em conta os factos que ficaram provados-, quais os atos praticados pelo arguido, que efetivamente fizeram diminuir o património da sociedade declarada insolvente e, nessa medida, a impediram de saldar as suas dívidas para com os credores e ao mesmo tempo aumentaram o património pessoal do arguido/recorrente. II - Há que distinguir em concreto, entre dano emergente do crime e cuja reparação deve ser feita através do pedido de indemnização cível, e o aumento do património pessoal do autor do crime, por via da incorporação de bens e valores que o mesmo dolosamente subtraí ao património da sociedade insolvente, e que por esse motivo, não pode ser tido em conta para efeito de pagamento aos credores. III - Não sendo possível apurar o valor da totalidade ou de parte da vantagem obtida pelo autor do crime, esse valor terá de ser determinado em sede de execução nos termos previstos no art.110 nº4 do CP. IV - Pretende-se que nenhum benefício resulte para o agente com a prática do crime e, como tal, não podem ser ignorados bens dissipados mesmo que o seu valor não esteja determinado.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Processo: 363/18.1T9AMT.P1
1. Relatório
Nos autos de processo comum com julgamento perante tribunal singular que com o nº363/18.1T9AMT correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Criminal de Felgueiras, foi em 13/09/2024, depositada sentença com o seguinte dispositivo: «1) Absolver os arguidos, AA, BB, CC e DD, da prática, e cada um deles, em autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 2 do Código Penal. 2) condeno o arguido EE, como autor material, na forma consumada, pela prática de um crime de Insolvência dolosa, p. e p. pelo art. 227º, nº1 al. a) e 229º-A do Código Penal, na pena de pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros). 3) condeno o arguido EE nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, nos termos do art. 8º do R.C.P., na versão dada pela Lei nº 7/2012, de 13.02. 4) Ao abrigo do disposto no artigo 111º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal, e a título de perda de vantagem patrimonial, condena-se ainda o arguido FF a pagar Estado a quantia de € 3.048.326,25. (três milhões, e quarenta e oito mil, trezentos e vinte e seis euros, e vinte e cinco cêntimos).»
Inconformado com a decisão condenatória veio interpor o presente recurso o arguido EE.
É o seguinte o teor das conclusões elaboradas no recurso: «1. O arguido, aqui Recorrente, vinha acusado na prática, como autor material, de 1 crime de insolvência dolosa agravado, p. e p. pelo art.º 227.º, n,º 1, al. a) e 229.º-A do Código Penal, sendo que, submetido a julgamento, foi condenado na pena de multa de 400 dias, à taxa diária de 6,00€, num total de 2.400,00€ e no pagamento ao Estado da quantia de 3.048.326,25€ (três milhões e quarenta e oito mil, trezentos e vinte e seis euros e vinte e cinco cêntimos), a título de perda de vantagem patrimonial. 2. O presente recurso versa apenas e só na perda da vantagem patrimonial a que o arguido foi, com o devido respeito, injustamente condenado. 3. O Tribunal a quo considerou, na Douta Sentença que aqui se recorre, que o Recorrente, enquanto gerente da “A..., S.A” praticou “actos, dos quais resultou um benefício ilegítimo, de pelo menos de montante igual ao dos créditos reclamados e reconhecidos no processo de insolvência da sociedade “A..., S.A” e ainda não liquidados, que no presente caso ascendem à quantia de € 3.082.404,84, a que se terá de descontar o montante de € 34.078,19 e relativa ao produto obtido com a venda dos bens e que foi paga aos credores, o que totaliza a quantia de € 3.048.326,25.” 4. Hodiernamente, o regime da perda de vantagens do crime no Código Penal encontra-se sistematicamente inserido no Capítulo IX sob a epígrafe “Perda de instrumentos, produtos e vantagens” do Título III – “Das consequências jurídicas do facto”. 5. Por sua vez, o regime em causa encontra previsão expressa no artigo 110.º sob a epígrafe “Perda de produtos e vantagens”, nos termos do qual se estabelece que: “1 – São declarados perdidos a favor do Estado: Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.» 6. Ora, a perda de vantagens consubstancia a modalidade de confisco por excelência demonstrativa da intenção legislativa de combate ao incremento patrimonial ilícito. 7. O legislador ordinário consagrou um conceito amplo de vantagens numa tentativa esforçada de abranger tudo aquilo que – direta ou indiretamente proveniente do facto ilícito típico – possa significar um enriquecimento patrimonial do visado. 8. Com efeito, serão passíveis de serem confiscadas as próprias coisas ou montantes imediatamente obtidos com a prática do facto ilícito típico que representem um benefício de índole patrimonial e que poderão consistir “num aumento do ativo, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisas ou direitos alheios ou na mera poupança ou supressão de despesas. 9. O legislador ordinário consagrou, ainda, a possibilidade de substituir o confisco da vantagem pelo pagamento ao Estado do respectivo valor – cfr. artigo 110.º, n.º 4, do Código Penal. 10. Todavia, a declaração da perda do valor da vantagem pressupõe, necessariamente, a impossibilidade de apropriação da vantagem em espécie. 11. Como tal, o mecanismo em causa não se revela alternativo, mas sim subsidiário à declaração da perda da vantagem em espécie. 12. Aqui chegados, cumpre indagar qual o critério que deverá presidir à determinação do valor da vantagem, considerando que o legislador apenas estabeleceu que “a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor” e nada mais. A letra da lei é, assim, omissa quanto: (1) Ao período temporal a considerar, designadamente, se deve relevar o momento da aquisição da vantagem ou o da condenação; (2) À perspectiva a atender, mormente, se económico-objectiva (o valor da vantagem é aferido de acordo com as regras de mercado) ou objectiva-individual (o valor da vantagem é apurado considerando a situação patrimonial do arguido, seguindo critérios objectivos de natureza económica); ou (3) Ao valor final a atender (líquido ou bruto). 13. De facto, não se poderá obnubilar de que há inúmeros fatores externos que poderão despoletar oscilações no valor da vantagem desde a data em que foi realizada até ao momento de declaração da respetiva perda. 14. Neste conspecto, torna-se premente determinar qual o critério que deverá ser atendido pelo julgador. 15. Aqui a solução passará pela necessária compreensão da ratio subjacente ao confisco: impedir que o crime compense, retirando todos os proventos do crime e colocando o arguido na situação patrimonial em que estaria caso não o tivesse perpetrado. 16. Destarte, tendo como corolário as finalidades da perda, e seguindo o entendimento de CONDE CORREIA, cremos, pois, que “o momento decisivo para o cálculo do valor deverá ser, portanto, o da sua integral constituição, a perspectiva utilizada deverá ser objectivo-individual e o valor imputado deverá ser líquido: com a utilização da epígrafe ‘perda de vantagens’, o legislador exige uma valorização líquida do património (medida pela diferença entre o que o condenado tem e aquilo que ele teria se não tivesse cometido o facto ilícito típico) e não uma simples valorização bruta”. 17. Sobre a perda de vantagens determina o artigo 110.º, n.º 1, al b) do Código Penal que são declaradas perdidas a favor do Estado as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 18. Trata-se, em suma, de uma imposição de justiça: a restauração da ordenação dos bens correspondente ao direito, sendo que o pressuposto da perda das vantagens é a prática pelo agente de um facto ilícito típico. 19. No seu âmago, a vantagem patrimonial do Recorrente, devidamente, quantificada, reduz-se ao valor de 111.000,00€ (cento e onze mil euros), referentes aos valores apurados pelo Ministério Público e, posteriormente, confirmados pelo Tribunal a quo. 20. O regime jurídico da perda de vantagens não justifica que sejam declaradas perdidas a favor do Estado vantagens que efetivamente não existiram, porquanto só existe vantagem quando o agente vê o seu património aumentado para além, e na medida do excesso, do valor não entregue aos credores – nesse sentido, vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proc.º n.º 1325/17.1T9PRD.P1, datado de 30/04/2019. 21. A perda da vantagem patrimonial terá de ser sempre reduzida, ao montante que resultar do benefício retirado pelo arguido pela prática do crime, ou seja, a integração desse benefício no seu património, a um incremento no seu património e sempre em prejuízo dos credores, ou seja, tem de existir um nexo causal entre o enriquecimento do arguido e o empobrecimento dos credores, tendo necessariamente de ser quantificado e não apenas remeter para o montante dos crédito reclamados e reconhecidos, cujo o não ressarcimento não se deveu a comportamentos ilícitos do arguido, ora recorrente. 22. Tendo como corolário as finalidades da perda, e seguindo o entendimento de CONDE CORREIA, entende-se que “o momento decisivo para o cálculo do valor deverá ser, portanto, o da sua integral constituição, a perspectiva utilizada deverá ser objectivoindividual e o valor imputado deverá ser líquido: com a utilização da epígrafe ‘perda de vantagens’, o legislador exige uma valorização líquida do património (medida pela diferença entre o que o condenado tem e aquilo que ele teria se não tivesse cometido o facto ilícito típico) e não uma simples valorização bruta” – nesse sentido, vide, CORREIA, João Conde, in “Da proibição do confisco à perda alargada”, págs. 83-84. 23. O Tribunal a quo estabeleceu o nexo de casualidade entre a prática do crime de insolvência dolosa e o ganho ilegítimo da quantia apurada de 111.000,00€, nunca, sequer, pondo em causa ou fazendo referência aos avultados e ideados 3.048.326,25€ que o Recorrente acabou por ser condenado a pagar ao Estado. 24. Para constatar da inexistência de concurso de atuações da insolvente ou da sua administração para a sua situação, há que compreender a evolução da situação comercial da empresa. 25. Pois a única e exclusiva razão para a insolvência prende-se com uma perda drástica de clientela, que conduziu a que em cerca de 3 anos, de uma faturação anual de mais de 5 milhões de euros, passasse para uma faturação de pouco mais de dois milhões, isto é, menos de metade. 26. Que teve origem na perda de importante cliente italiano (a empresa B...) que, enquanto trader internacional, conseguia a colocação da maior parte da produção da empresa no mercado internacional. 27. Sem que tal pudesse ser acompanhada de correspondente diminuição de custos, uma vez que os custos fixos se encontravam cristalizados. 28. A empresa A..., S.A, cujo Recorrente era o único administrador, encontrava-se numa situação de grandes dificuldades financeiras, porquanto a mesma perdeu o seu principal cliente - empresa B... - que, enquanto trader internacional, conseguia a colocação da maior parte da produção da empresa no mercado internacional, o que levou a uma gritante diminuição de faturação – de 5.000.000,00€ em 2014 para 2.500.000,00€ em 2015 -, vendo-se na contingência de recorrer a financiamento bancário e à posterior tentativa de renegociação falhada da dívida, momento em que confessou a sua situação de insolvência, conforme decorre dos factos dados como provados na sentença de qualificação de insolvência que o Tribunal “a quo”, considerou como elemento de prova. 29. Ora os únicos negócios imputados ao arguido na douta acusação e alegadamente realizados em prejuízo dos credores, são os indicados na acusação e não outros, pelo que a perda de vantagem patrimonial, apenas poderia ser pelo valor do saldo de caixa, acrescido da diferença do valor da venda dos bens móveis, máquina e veículos, para o valor que se encontra atribuído na acusação. 30. Na motivação constante do Tribunal “a quo”, este fundamenta a sua decisão no depoimento da Sra. Administradora da Insolvente, pessoa versada e entendida na matéria e cujo depoimento foi considerado pelo Tribunal “a quo” como isento e credível, que, a existir alguma vantagem patrimonial, a mesma seria, apenas e só, do referido valor de 111.000,00€ em caixa, porquanto a venda das viaturas e das máquinas não trouxeram qualquer prejuízo aos credores, tendo sido tais montantes recuperados. 31. Perante depoimento isento e com credibilidade, prestado por alguém que acompanhou todo o processo de insolvência da sociedade A..., S.A, o Tribunal a quo apesar de o considerar na sua motivação, fez tábua rasa do mesmo, optando por condenar o Recorrente ao pagamento de um valor astronómico, que a aludida empresa, à data da alienação de equipamentos, venda de carros por valor reduzido e apropriação do saldo de caixa, já se encontrava absolutamente impossibilitada de pagar e não o incrementou no seu património. 32. Não se encontrando, devidamente, estabelecido o nexo de causalidade entre o crime e o ganho patrimonial de 3.048.326, 25€, andou muito mal o Tribunal a quo, com o devido respeito, quando entendeu condenar o Recorrente a pagar ao Estado esse valor, porquanto, não estão preenchidos os pressupostos da perda da vantagem patrimonial suprarreferidos. 33. A convicção do Tribunal a quo formou-se com base num aresto jurídico que, de facto, comprova que em momento algum poderia a empresa A..., S.A pagar as dívidas que tinha aos seus credores, tampouco tinha bens móveis ou imóveis suficientes para o efeito. 34. Destarte, nunca poderia o Recorrente ser condenado a pagar os aludidos 3.048,326,25€, quando, na verdade, o valor da vantagem patrimonial, dada por provada na Douta Sentença que, aqui, se recorre, se limita ao valor de 111.000,00€. 35. Tal como na Douta Acusação Pública, o Tribunal a quo, com o devido respeito, no que à perda da vantagem patrimonial diz respeito, dá por provada factualidade genérica, vaga e imprecisa, remetendo para o valor dos créditos reclamados e reconhecidos no processo de insolvência, fazendo uma simples valorização bruta e não uma valorização liquida do património – o que, com o devido respeito, é juridicamente inadmissível, pois extravasa a vantagem patrimonial, efetivamente, apurada e dada por provada na Douta Sentença que, aqui, se recorre. 36. Nesta conformidade, dada os factos provados nos autos, conjugado com o depoimento da Sra. Administradora da Insolvente valorado a fls. 15 e 16 no ponto referente à convicção do Tribunal, a perda da vantagem patrimonial terá de ser sempre reduzida ao valor de € 111.000,00, montante esse que, resultou quantificado, resultado do benefício retirado pelo arguido pela prática do crime, ou seja, a integração desse benefício no seu património, a um incremento no seu património e sempre em prejuízo dos credores, ou seja, único facto que se demonstrou existir um nexo causal entre o enriquecimento do arguido e o empobrecimento dos credores, tendo necessariamente de ser quantificado por esse valor e nunca pelo valor de € 3.048,326,15, considerado pelo Tribunal “a quo” apenas por remissão para o montante dos créditos reclamados e reconhecidos, sem que demonstrasse em momento algum qualquer nexo causal entre esse valor e qualquer benefício para o arguido, não tendo o arguido obtido qualquer vantagem patrimonial com o mesmo e cujo o não ressarcimento não se deveu a comportamentos ilícitos do arguido, requisitos esses essencial para a determinação do valor da perda da vantagem patrimonial. 37. Acresce que, o valor correspondente à transação da máquina ... e dos veículos automóveis, também não podem ser considerados na determinação do valor da vantagem patrimonial, tendo em consideração que a Sra. Administradora da Insolvente GG e Rua afirmou em Tribunal que não existiu prejuízo para os credores com a venda das viaturas e das máquinas, uma vez que, eram valores residuais e tais montantes foram recuperados, até porque as viaturas, nomeadamente, as carrinhas eram já antigas, conforme resulta da convicção do Tribunal (folhas 15 e 16 da sentença) . 38. A determinação da perda da vantagem patrimonial a favor do Estado tem sempre de ser proporcional à vantagem obtida no património do arguido, exigindo o legislador uma valorização líquida do património (medida pela diferença entre o que o condenado tem e aquilo que ele teria se não tivesse cometido o facto ilícito típico) e não uma simples valorização bruta”. 39. O valor declarado na insolvência referente aos créditos reclamados e pelo valor de € 3.082.404,84, não pode ser imputado a título de perda de vantagem patrimonial ao arguido, uma vez que, este valor não foi retirado do património da insolvente em benefício do arguido, este valor não resultou do facto típico ilícito, não tendo o arguido obtido qualquer vantagem patrimonial com o mesmo, requisito essencial para a determinação do valor da perda da vantagem patrimonial. 40. Em face do exposto, deve a Douta Sentença que aqui se recorre ser parcialmente revogada, e, em consequência, ser o Recorrente absolvido do pagamento ao Estado da quantia de 3.048.326,25€, a título de perda da vantagem patrimonial.»
Como disposições legais violadas indica os artigos 110 n.º 1, al. b), e 111 n.º 2, 3 e 4 ambos do Código Penal.
O recurso foi admitido por despacho proferido nos autos em 26/10/2024.
Em primeira instância o MP respondeu ao recurso considerando não assistir razão ao recorrente.
Entende que o critério do valor da perda da vantagem patrimonial de tomar por base os créditos reclamados e aprovados no processo de insolvência não vai contra a letra nem o espírito da Lei.
Conclui sufragando a posição adotada pela decisão recorrida.
Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto requer que seja corrigido o nome do arguido no ponto 4 do dispositivo da sentença, que certamente por lapso de escrita, não é correspondente ao arguido julgado e condenado nestes autos, e que se encontra bem identificado no ponto nº2 do mesmo dispositivo.
No que respeita ao mérito do recurso refere: «Na verdade, e ainda que refira que “os únicos negócios imputados ao arguido na douta acusação e alegadamente realizados em prejuízo dos credores, são os indicados na acusação e não outros, pelo que a perda de vantagem patrimonial, apenas poderia ser pelo valor do saldo de caixa, acrescido da diferença do valor da venda dos bens móveis, máquina e veículos, para o valor que se encontra atribuído na acusação”, o que ascenderia ao total de € 126,727,26 (segundo os valores referidos na acusação e dados como provados na sentença recorrida, nos factos nºs 34, 35, 36 e 41), acaba por considerar que “a existir alguma vantagem patrimonial, a mesma seria, apenas e só, do referido valor de 111.000,00€ em caixa, porquanto a venda das viaturas e das máquinas não trouxeram qualquer prejuízo aos credores, tendo sido tais montantes recuperados”. Isto porque, na tese do recorrente, “dada os factos provados nos autos conjugado com o depoimento da Sra. Administradora da Insolvente valorado a fls. 15 e 16 no ponto referente à convicção do Tribunal, a perda da vantagem patrimonial terá de ser sempre reduzida ao valor de € 111.000,00”. Portanto, e em resumo, considera o recorrente que a sua condenação na perda de vantagem patrimonial nunca poderia ser no valor de € 3.048.326,25, correspondente aos créditos reclamados no apenso de reclamação de créditos do processo de insolvência n.º ..., já que não se demonstra a existência de “qualquer nexo causal entre esse valor e qualquer benefício para o arguido” decorrente dos seus comportamentos ilícitos, mas apenas no valor dos “negócios imputados ao arguido na douta acusação” isto é, “saldo de caixa, acrescido da diferença do valor da venda dos bens móveis, máquina e veículos”. E mesmo aqui, tal valor teria de ser reduzido para os “111.000,00€ em caixa, porquanto a venda das viaturas e das máquinas não trouxeram qualquer prejuízo aos credores, tendo sido tais montantes recuperados”, conforme decorre do “depoimento da Sra. Administradora da Insolvente valorado a fls. 15 e 16” da sentença recorrida. Pois bem. Antes do mais, diga-se que o “valor em caixa”, segundo consta da acusação e foi dado como provado (facto nº 36) era de € 111.227,06 pelo que, nesta tese do recorrente, nunca seria de € 111.000,00 a vantagem patrimonial auferida mas sim de € 111.227,06. Não se percebendo bem porquê, o recorrente “eliminou” € 227,06 ao valor de caixa, valor este que entende ser aquele que deve ser considerado para efeitos de perda de vantagem patrimonial. Dito isto, parece-nos que, na verdade, assiste razão ao recorrente quando contesta a sua condenação no montante de € 3.048.326,25 a título de perda de vantagem patrimonial. A condenação do recorrente a pagar ao Estado aquele montante fundou-se no disposto no art. 111º, nºs 2, 3 e 4 do C. Penal, o qual, conjugado com o que dispõe o art. 110º do C. Penal, prevê a perda a favor do Estado dos instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiros, constituindo estas – as vantagens – aquelas que resultam de “facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem”. Como se refere no Ac. TR de Guimarães de 11/10/2021, processo nº 450/16.0T9BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a declaração da perda de vantagens pressupõe: (1) A prática de um facto ilícito típico; (2) A existência da vantagem, direta, indireta ou sucedânea; e (3) A prova do nexo de causalidade entre o facto perpetrado e a própria vantagem – prova de que o agente adquiriu determinada vantagem em resultado da prática daquele facto ilícito típico”. Ora, no caso está em causa a prática de um crime de insolvência dolosa p. e p. pelo art. 227º, nº 1, al. a), do C. Penal, que pune “o devedor que, com intenção de prejudicar os credores, destruir, danificar, inutilizar ou fizer desaparecer parte do seu património”. A vantagem patrimonial há-de ser, pois, a que resultar da prática deste facto ilícito típico, ou seja, o valor dos bens destruídos, danificados, inutilizados ou desaparecidos com intenção de prejudicar os credores. Assim, para que aquele montante de € 3.048.326,25, referente a créditos reclamados e reconhecidos no processo de insolvência, mormente a trabalhadores, pudesse ser considerado “vantagem patrimonial” e o recorrente condenado ao pagamento desse valor ao Estado, esse montante haveria de ter resultado, directa ou indirectamente, daquele facto ilícito típico. Era preciso demonstrar que a conduta ilícita do recorrente tinha levado ao não pagamento daqueles créditos e que com isso o recorrente, ou terceiros, tinham obtido uma vantagem económica de igual montante. Ora, o que se refere, a este propósito, na factualidade provada é apenas o seguinte: 44) No âmbito do apenso da reclamação de créditos foram reclamados e reconhecidos créditos, mormente a trabalhadores, no montante global de € 3.082.404,84. 46) O arguido EE agiu de forma livre, deliberada e consciente, conhecedor das dívidas da sociedade A..., S.A., com o intuito de a esvaziar do seu património, para obstar à penhora dos ativos, bens, mercadorias, mobiliários, equipamentos, dinheiro e depósitos. 47) Sabia o arguido EE que, com a sua conduta, provocava um estado de real inviabilidade económica e de impossibilidade de recuperação financeira da sociedade, e colocava os credores na impossibilidade de se fazerem pagar das quantias que lhes eram devidas, objetivo que visou e logrou alcançar, mediante a ocultação do património da sociedade que era essencial ao desenvolvimento do seu objeto social e de forma a subtraí-lo à massa falida. 48) O arguido EE agiu, pois, com o propósito conseguido de atentar contra os direitos patrimoniais dos credores da sociedade, frustrando a função de garantia que os bens têm sobre a dívidas daquela”. Desta factualidade dada como provada não se consegue estabelecer qualquer nexo de causalidade entre a conduta ilícita do recorrente e o não pagamento daqueles créditos reclamados nem que o recorrente ou terceiros tenham, dessa forma, conseguido uma vantagem económica nesse montante de € 3.048.326,25. Na realidade, o recorrente “apenas” desviou da empresa dinheiro e bens no valor de € 126,727,26 de que ele ou terceiros se apropriaram e que assim deixaram de servir para pagamento dos créditos reclamados Foi essa a vantagem económica resultante da prática do crime de insolvência dolosa pelo qual o recorrente foi condenado, que corresponde ao valor dos bens e do dinheiro que pertenciam à sociedade A..., S.A, e que foram alienados e dissipados pelo recorrente, impedindo, assim, o ressarcimento dos credores dessa sociedade – mas apenas nessa exacta medida. Nesta medida, o arguido FF deveria ter sido condenado a pagar ao Estado a quantia de € 126,727,26 a título de perda de vantagem patrimonial, correspondente aos bens e valores que subtraiu ao património da sociedade de que era sócio gerente, conforme os factos que foram dados como provados. E não apenas € 111,000,00, como refere o recorrente, correspondente ao “dinheiro de caixa” - que, como já dissemos, nem era € 111.000,00 mas sim € 111.227,06 - uma vez que não consta dos factos dados como provados que (e é esta a sua tese para justificar aquele valor) “a venda das viaturas e das máquinas não trouxeram qualquer prejuízo aos credores, tendo sido tais montantes recuperados”. Ainda que tenha sido isso que a Sra. Administradora da Insolvente tenha dito, certo é que não foi isso que foi dado como provado e o recorrente não deduziu qualquer impugnação da matéria de facto provada. Por isso, e em conclusão, o recurso interposto deverá merecer parcial provimento e ser o arguido FF condenado a pagar ao Estado a quantia de € 126,727,26 a título de perda de vantagem patrimonial e não € 3.048.326,25 como o foi na sentença recorrida.»
Cumprido o disposto no art. 417 nº2 do CPP não foi apresentada resposta ao parecer.
2 – Fundamentação
A - Circunstâncias com interesse para a decisão a proferir:
Pelo seu interesse passamos a transcrever a decisão recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto e respetiva motivação: «1) Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1) A sociedade A..., S.A. (pessoa coletiva n.º ...) foi constituída em 4 de fevereiro de 2002 e, à data da constituição, tinha a designação A..., Unipessoal, Lda. e sede na Rua ..., ..., ... Felgueiras. 2) Tal sociedade tinha como objeto social a fabricação de calçado, e tinha o capital social de € 5.000,00, titulado pelo arguido EE, o qual foi nomeado gerente no ato de constituição. 3) Em 23 de outubro de 2007 a sede da sociedade foi alterada para o Lugar ..., ... ..., Felgueiras. 4) Em 24 de julho de 2014 a sociedade foi convertida em sociedade anónima, assumindo a designação “A..., S.A.”, tendo sido designado administrador o arguido EE. 5) Em 12 de agosto de 2014 a sede da sociedade foi alterada para a Rua ..., ... ..., Felgueiras. 6) Em 31 de janeiro de 2017 a sede da sociedade foi alterada para a Rua ..., ..., ... Felgueiras. 7) Desde a sua constituição, a gerência da sociedade foi assumida pelo arguido EE, e era o mesmo que decidia todas as questões atinentes à vida societária, dando ordens aos seus trabalhadores, decidindo quem contratava e quem despedia, contactando fornecedores e clientes, adquirindo mercadorias, efetuando pagamentos, etc. 8) Em 22 de março de 2017 a sociedade foi declarada insolvente por sentença proferida no processo n.º ..., que correu termos no Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 2. 9) A sociedade C... – SGPS, S.A. (pessoa coletiva n.º ...) foi constituída em 11 de outubro de 2006 e tem sede no Largo ..., ... ..., Felgueiras. 10) Esta sociedade tem como objeto social a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas. 11) A sociedade foi constituída com o capital social de € 175.000,00. 12) No ato de constituição da sociedade, o arguido AA foi designado administrador único. 13) A sociedade C..., Unipessoal Lda. (pessoa coletiva n.º ...) foi constituída em 22 de junho de 2012 e tem sede no Largo ..., ... ..., Felgueiras. 14) A sociedade tem como objeto social a fabricação e comércio de calçado, a prestação de serviços na indústria de calçado e a compra e venda de matérias primas para a indústria de calçado. 15) A sociedade foi constituída com o capital social de € 5.000,00, titulado pela sociedade C... – SGPS, S.A. 16) No ato de constituição da sociedade, o arguido AA foi designado gerente. 17) Em 2 de fevereiro de 2018 a sociedade C... – SGPS, S.A. transmitiu a sua quota para HH, filha do arguido EE. 18) Em 5 de março de 2018, o arguido AA renunciou à gerência da sociedade, tendo HH sido designada gerente. 19) Em 22 de janeiro de 2019 a sede da sociedade foi alterada para a Rua ..., ... ..., Felgueiras. 20) Em 30 de dezembro de 2019, HH transmitiu a sua quota para a sociedade C... – SGPS, S.A. 21) Não obstante o teor da certidão permanente da sociedade C..., Unipessoal Lda., a sua gerência foi assumida pelo arguido EE, desde a respetiva constituição sendo aquele o gerente de facto da mesma. 22) Com efeito, era o arguido EE, que decidia todas as questões atinentes à vida societária, dando ordens aos seus trabalhadores, decidindo quem contratava e quem despedia, contactando fornecedores e clientes, adquirindo mercadorias, efetuando pagamentos, etc. 23) A sociedade “D..., S.A.” (pessoa coletiva n.º ...) foi constituída em 17 de fevereiro de 2005 e tem sede na Rua ..., ..., ..., Braga. 24) Tal sociedade tem como objeto social a compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, bem como o arrendamento de imóveis. 25) A sociedade foi constituída com o capital social de € 50.000,00, e no ato de constituição da sociedade, o arguido EE foi designado administrador único. 26) Em 2 de janeiro de 2006, o contrato societário foi alterado, tendo sido aditado ao objeto social o aluguer de equipamentos. 27) Em 23 de fevereiro de 2007 o arguido EE renunciou ao cargo de administrador único, tendo o arguido AA sido designado em sua substituição. 28) Em 7 de fevereiro de 2012 a sede da sociedade foi alterada para ..., ... ..., Felgueiras. 29) Em 25 de setembro de 2019 a sede da sociedade foi alterada para a Rua ..., ... ..., Felgueiras. 30) Entre meados do ano de 2016 e o início do ano de 2017, a sociedade A.... S.A. deixou de cumprir de forma generalizada as suas obrigações com os seus credores, entrando em situação de falência. 31) Ora, tendo conhecimento disso, o arguido EE determinou-se transmitir toda a atividade da sociedade “A.... S.A.” para a sociedade “C..., Unipessoal, Lda.”, e a retirar da esfera da primeira para a segunda os veículos automóveis que a mesma tinha registados em seu nome e os equipamentos e as máquinas que eram utilizados na sua laboração, bem como a transferir parte dos trabalhadores, clientes e fornecedores, e com o intuito de encerrar a sociedade “A..., S.A.” e de garantir que a atividade até então desenvolvida por esta empresa passasse a ser assegurada pela sociedade C..., Unipessoal, Lda. 32) Visava o arguido EE obstar a que os bens pertença da sociedade “A.... S.A.” fossem entregues aos respetivos credores ou vendidos para pagamento coercivo das dívidas. 33) O arguido AA, que figurava como gerente da sociedade “C..., Unipessoal, Lda.”, na parte que era necessária, colaborou com o arguido EE, que era quem, de facto, geria esta empresa, tendo apenas intervindo nas declarações de compra e venda dos veículos com as matrículas ..-..-TJ, ..-..-SD, ..-..-XO, ..-..-NJ e ..-NN-.., visto que os respectivos contratos obedeciam a a forma escrita com vista ao registo, desconhecendo o preço de venda das mesmas. 34) Com o mencionado propósito, em 5 de junho de 2016 o arguido EE vendeu uma máquina da marca ... à sociedade “C..., Unipessoal, Lda.” pelo preço de € 8.000,00, acrescido de € 1.840,00 a título de imposto de valor acrescentado. 35) A referida máquina valia, pelo menos, € 13.000,00. 36) No ano de 2016, a sociedade “A..., S.A.” tinha um saldo de caixa que ascendia a € 111.227,06. 37) Em data não concretamente apurada, o arguido EE fez seu aquele montante, retirando-o da esfera patrimonial da sociedade e dando-lhe um destino não concretamente apurado. 38) Com o intuito de evitar que os bens, equipamentos e mercadorias da sociedade fossem localizados no âmbito de processos executivos e de insolvência, em 31 de janeiro de 2017 o arguido EE alterou a respetiva sede para a Rua ..., ... ... Felgueiras, onde nunca desenvolveu qualquer atividade e onde não possuía bens de valor. 39) Entre os anos de 2016 e 2017, o arguido EE transferiu a propriedade dos veículos que a seguir se identificam da sociedade “A.... S.A.” para terceiros e para a sociedade C..., Unipessoal, Lda., por preços inferiores ao seu real valor, designadamente, os seguintes veículos: - veículo da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-OJ-... - Veículo de matrícula ..-OJ-... 40) Com tal actuação, o arguido EE visava obstar a que as referidas viaturas fosse apreendidas ou penhoradas, para pagamento coercivo das dívidas da sociedade A.... S.A. 41) Com aquele propósito de obstar a que os demais veículos registados em nome da sociedade A.... S.A. fossem penhorados ou apreendidos, e servissem o pagamento das dívidas da empresa, o arguido EE providenciou pela transmissão da sua propriedade para a sociedade C..., Unipessoal, Lda., como se passa a expor: » em 1 de fevereiro de 2017, o arguido transferiu a propriedade do veículo da marca Ford, com a matrícula ..-..-TJ, pelo valor de € 700,00, acrescido de imposto de valor acrescentado; » em 6 de fevereiro de 2017, o arguido transferiu a propriedade do veículo da marca Ford, com a matrícula ..-..-SD, pelo valor de € 600,00, acrescido de imposto de valor acrescentado; » em 6 de fevereiro de 2017, o arguido transferiu a propriedade do veículo da marca Ford, com a matrícula ..-..-XO, pelo valor de € 900,00, acrescido de imposto de valor acrescentado; » em 6 de fevereiro de 2017, o arguido transferiu a propriedade do veículo da marca Citroen, com a matrícula ..-..-NJ, pelo valor de € 300,00, acrescido de imposto de valor acrescentado; » em 24 de abril de 2017, o arguido transferiu a propriedade do veículo da marca Ford, com a matrícula ..-NN-... 42) Assim, os referidos veículos passaram a ser utilizados no desenvolvimento da atividade da sociedade C..., Unipessoal, Lda., pelos respetivos trabalhadores. 43) Por sentença proferida em 22 de março de 2017, a sociedade A..., S.A. foi declarada insolvente no processo n.º .... 44) No âmbito do apenso da reclamação de créditos foram reclamados e reconhecidos créditos, mormente a trabalhadores, no montante global de € 3.082.404,84. 45) Por decisão datada de 21 de junho de 2018, proferida no apenso de qualificação de insolvência, a insolvência da sociedade A..., S.A. foi declarada culposa. 46) O arguido EE agiu de forma livre, deliberada e consciente, conhecedor das dívidas da sociedade A..., S.A., com o intuito de a esvaziar do seu património, para obstar à penhora dos ativos, bens, mercadorias, mobiliários, equipamentos, dinheiro e depósitos. 47) Sabia o arguido EE que, com a sua conduta, provocava um estado de real inviabilidade económica e de impossibilidade de recuperação financeira da sociedade, e colocava os credores na impossibilidade de se fazerem pagar das quantias que lhes eram devidas, objetivo que visou e logrou alcançar, mediante a ocultação do património da sociedade que era essencial ao desenvolvimento do seu objeto social e de forma a subtraí-lo à massa falida. 48) O arguido EE agiu, pois, com o propósito conseguido de atentar contra os direitos patrimoniais dos credores da sociedade, frustrando a função de garantia que os bens têm sobre a dívidas daquela. 49) O arguido EE agiu bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Mais se provou: 50) O Arguido EE: a) actualmente é gerente da sociedade “C..., Lda.”, declarando como vencimento mensal o correspondente ao SMN; b) encontra-se separado de pessoas e bens e vive em casa de um cunhado, nada pagando por isso; c) tem uma filha já maior; d) tem o 6º ano de escolaridade e) Do seu CRC constam os antecedentes criminais, aí melhor descritos e constantes de fls. 1412 e 1413, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
(aqui chegados dispensamo-nos de transcrever a situação pessoal dos restantes arguidos não recorrentes que foram absolvidos) Factos Não Provados: Não se provou: - que em data não concretamente apurada, mas anterior a 25 de julho de 2016, o arguido BB, a pedido do arguido EE, tivesse proposto ao arguido CC o registo em seu nome do veículo da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-OJ-.., e que aderindo aos desígnios do arguido BB, o arguido CC tivesse aceite que a propriedade do automóvel fosse registada em seu nome, o que sucedeu em 25 de julho de 2017. - que em data não concretamente apurada, anterior a 14 de junho de 2017, o arguido BB, a pedido do arguido EE, tivesse proposto ao arguido DD o registo em seu nome do referido veículo, com a matrícula ..-OJ-.., e que aderindo aos desígnios do arguido BB, o arguido DD aceitou que a propriedade do automóvel fosse registada em seu nome, o que sucedeu em 14 de junho de 2017. - que pese embora as transferências de propriedade, as viaturas nunca foram entregues aos arguidos CC e DD, nunca esteve na posse destes nem na sua disponibilidade, e nunca foi utilizada pelos mesmos. - que os referidos arguidos nunca entregaram qualquer quantia pela compra da referida viatura. - que o arguido EE manteve sempre o referido veículo na sua posse e continuou a usá-lo. - que os arguidos AA, BB, CC e DD tivessem atuado de forma livre, deliberada e consciente, aderindo aos desígnios do arguido EE, sabendo que a sociedade A..., S.A. se encontrava em situação de incumprimento generalizado das suas obrigações, com o intuito de auxiliar este arguido a esvaziar a empresa do seu património, para que o mesmo não fosse apreendido ou penhorado. - que a venda das viaturas referidas em 41) tivesse sido efectuada de acordo com uma avaliação efectuada para o efeito, e que o produto da venda das mesmas tivesse sido integrado na esfera patrimonial da insolvente “A..., S.A.”; - que o saldo da conta caixa da insolvente “A..., S.A.”, no valor de € 111.227,06 tivesse sido usado para pagamento aos trabalhadores da referida sociedade de prémios e de trabalho referente a horas de trabalho suplementar, dado que tinha de ser pago em numerário; - que a saída da insolvente “A..., S.A.” das instalações situadas na Rua ..., em ... tivesse decorrido do incumprimento do dever de pagamento de rendas, o que motivou a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio, a Sociedade “D..., S.A.” e por esta ordenada a saída do imóvel; - quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, contestações ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes; sendo que a restante parte do alegado pelo arguido EE, na sua contestação são conclusões ou conceitos de direito. 3) Convicção do Tribunal: Na sua convicção, o Tribunal teve em conta, o seguinte: - nas declarações dos arguidos AA, BB, CC e DD, apenas e tão só no que concerne às suas condições pessoais e sócio-económicas; uma vez que, quanto aos concretos imputados factos, os mesmos, e num direito que lhes assistia optaram por não prestar quaisquer declarações; - nas declarações do arguido EE, o qual começou por referir e afirmar que, não só era o gerente da sociedade “A...”, como o gerente de facto das restantes sociedades, designadamente das duas “C...”, da “D...”, esclarecendo que as mesmas surgiram em períodos de dificuldades económicas tidas pela “A...”. Mais confirmou que, de facto transferiu e vendeu uma máquina da “A...” para a “D...” para obter financiamento, mas que o valor da transmissão, de € 8.000,00 correspondia ao valor real da máquina…Mais referiu que o montante do saldo da caixa da “A...”, no valor de 111 mil euros, foi usado para pagar as horas extras dos trabalhadores, uma vez que as mesmas e nas palavras que usou “eram pagas por fora”, ou seja, fora do recibo de vencimento. Referiu ainda que, quer as instalações da “A...”, quer as instalações da “C..., Lda.” eram da “D...”; e que a sociedade “C..., Lda.” serviu, no fundo para continuar a actividade que já desenvolvida pela “A...”, que atravessava dificuldades económicas; sendo que os trabalhadores eram os mesmos, mas em menor número. No que concerne ás viaturas transmitidas pela “A...” para a “C..., Lda.”, as mesmas já eram antigas e eram, no essencial carrinhas já desgastadas e que serviam para transportar trabalhadores. Também prestou declarações quanto á sua situação pessoal e sócio-económica. De facto, as declarações do arguido, contudo, não tiveram eco na restante prova efectuada e produzida em sede de julgamento; designadamente, nos depoimentos das várias testemunhas inquiridas em sede de julgamento, nem na prova documental carreada e junta aos autos. Vejamos: - no depoimento das testemunhas II e JJ, ambas operárias fabris, as quais se limitaram a confirmar que foram trabalhadoras, quer na “A...”, quer da “C...”, explicando que lhes foi transmitido pelo patrão, o Sr. EE que iria fechar a “A...” devido a dificuldades económicas e que iriam abrir uma outra sociedade, a “C...”, e que iriam ali continuar, mas com outro nome. Mais referiram que existiram períodos em não tinham trabalho, e outros em que até tinham de dar horas extras, mas que para isso existia o denominado “banco de horas”, em que compensavam as horas sem trabalho com as horas de trabalho extra. Mais referiram que tinham diversas carrinhas já antigas para transporte de trabalhadores. - no depoimento da testemunha KK, operário fabril, e que trabalhou na “A...”, mas não na “C...”, e antes da insolvência daquela; e que, de uma forma que se afigurou credível, que acabou por ser dispensado, aquando do encerramento da “A...”, confirmando que os salários foram pagos, mas a indemnização pela antiguidade foi paga pelo FGS. Confirmou que existiam diversas carrinhas de transporte de trabalhadores, já antigas e confirmou igualmente que faziam horas extras, afirmando não se recordar como as mesmas eram pagas. - no depoimento da testemunha LL, ora desempregado, mas que trabalhou, quer na “A...”, quer na “C...”, e o qual referiu que, a “C...”, laborava nas mesmas instalações da “A...”, com as mesmas máquinas e o Patrão era o mesmo, no caso o Sr. EE. Mais afirmou que tinham carrinhas para transportar os trabalhadores. No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha MM também trabalhador em ambas as sociedades, o qual foi essencialmente coincidente com desta última testemunha. A testemunha GG e Rua, administradora de insolvência e que foi nomeada como tal no âmbito da insolvência da “A..., Lda.”, a qual, de uma forma que se afigurou essencialmente isenta e credível, começou por referir que, no âmbito do processo de insolvência da referida sociedade, a qual começou por referir que, no âmbito do referido processo foram apreendidos diversos bens móveis e máquinas, tudo no valor de cerca de € 38.000,00. Mais referiu que foram instauradas várias acções de resolução de bens vendidos, nomeadamente, viaturas automóveis, as quais acabaram por ser resolvidas por transacções, e com o dinheiro a reverter para a massa insolvente, conforme descriminou, e entre essas transacções, destacou as relativas à máquina “...”, no valor de € 4.000,00 e da viatura BMW, que resultou na quantia de € 4.000,00. Mais referiu que as instalações da “A...” não eram da referida sociedade. Acrescentou que os créditos reclamados pelos credores da “A...” foram no valor de € 3.082.404,84, e que o montante conseguido para a massa insolvente ascendeu à quantia de € 34.078,19. Mais afirmou que não existiu prejuízo para os credores com a venda das viaturas e das máquinas, uma vez que eram situação residuais, e tais montantes foram recuperados, até porque as viaturas, nomeadamente, carrinhas eram já antigas; sendo que, contudo, contabilisticamente deveria existir um saldo de caixa de cerca de € 111.000 mil euros, que nunca apareceu. Explicou a razão de ter dado o parecer no sentido da insolvência culposa. Por seu turno, as testemunhas de defesa apresentadas e inquiridas em sede de julgamento, e ainda trabalhadores da sociedade “C...”, NN, OO e PP limitaram-se a confirmar o já afirmado pelas outras testemunhas, ou seja, que mudaram da “A...” para a “C...”, dado que a “A...” iria encerrar e pedir a insolvência devido a dificuldades financeiras e a perda de um cliente importante italiano. Mais referiram que continuaram a laborar no mesmo local e com as mesmas máquinas, mas que alguns trabalhadores não continuaram, já que existiu uma redução de pessoal. Confirmaram a existência das carrinhas de transporte dos trabalhadores, as quais eram já antigas e com muito uso. Afirmaram que faziam horas extras e que as mesmas eram pagas em dinheiro e à parte do salário. Na sua convicção, o Tribunal também teve em conta, sobretudo a prova documental carreada para os autos, designadamente: »» a certidão constante de fls. 5 e ss. e os documentos constantes dos Apensos I, II e III, e respectivos documentos e decisões, a qual foi extraída dos autos de insolvência com o nº ..., que correu termos no Tribunal de Comércio de Amarante, Juiz 2, e as certidões também desse processo e das decisões aí proferidas, entre outros, e a saber: - Sentença do Incidente de qualificação da Insolvência de fls. 13 a 27; - balancete de fls. 9 e ss. do Apenso II; - Sentença de reclamação de créditos de fls. 84 a 87; - inventário de fls. 88 a 97; - Documentos contabilísticos de fls. 110 a 130, 232 a 262; »» mapa de imobilizado de fls. 144 a 157; »» fichas dos registos automóveis de fls. 159 a 179; »» lista de créditos reconhecidos de fls. 456 a 468; »» Certidão do registo Predial de fls. 550 a 561; »» contratos de locação financeira e cedência de posição contratual de fls. 569 a 594; »» exame pericial efectuado pela PJ e constante de fls.696 a 703 e respectivos documentos anexos constantes de fls. 704 a 727; »» relatório final efectuado pela PJ e constante de fls. 920 a 980; »» certidão do registo Comercial da sociedade “A..., S.A.”; »» certidão do Registo Comercial da Sociedade “C..., Lda.” de fls. 186 a 192; »» certidão do Registo Comercial da Sociedade “C..., SGPS, S.A.” de fls. 193 a 209; Em jeito de conclusão, e do cotejo da prova documental carreada para os autos, e da inquirição das testemunhas inquiridas em sede de julgamento, com relevância para o depoimento da Sra. A.I., porque esclarecedor, e da extensa prova documental carreada para os autos, sendo aqui relevantes os extraídos do processo de insolvência da Sociedade “A..., S.A.”, dúvidas não restaram ao tribunal de que o aqui arguido EE, actuou da forma descrita nos factos dados como provados, ou seja, de uma forma dolosa, fechando uma empresa e abrindo outra, e prejudicando a anterior sociedade, e os credores da Sociedade “A..., S.A.” e pese embora o alegado pelo mesmo, de facto, e através da sua actuação, acabou, de uma foram directa ou indirercta, por prejudicar os credores da “Sociedade “A..., S.A.”, o qual resultou bem patente do depoimento da Sra. A.I., nomeada no âmbito daquele processo de insolvência. Acresce ser ainda de referir que apesar do afirmado pelo arguido EE, o que acabou por ressaltar dos autos e do julgamento, foi que este arguido acabou, e como já se disse, por fechar uma sociedade e abrir uma outra, com a dissipação ou alienação do património da Sociedade “A..., S.A.”, - muito do mesmo para a nova sociedade a “C...”; sendo que, e independentemente do que aconteceu – na óptica do referido arguido -, os valores, designadamente, os valores constante da conta caixa, acabaram por se dissipar e, assim acabaram por os credores da Sociedade “A..., S.A.” ficar prejudicados, tanto mais que a actuação do aqui arguido EE, acabou por conduzir a essa mesma dissipação, no fundo também através da “venda” de tais bens a uma outra sociedade, no caso a “C...”, que constituiu com o intuito de substituir na prática a Sociedade “A..., S.A, e através dessa actuação dolosa, determinar a insolvência inevitável e pretendida de tal sociedade. No que concerne aos restantes arguidos, cumpre referir o seguinte: - relativamente ao arguido, AA, economista, cumpre referir que, dos autos e das próprias declarações do arguido EE, este apenas foi um “Testa de Ferro”, e “emprestou” o seu nome aquele arguido, e o seu intuito foi o de apenas ajudar aquele; não se tendo, também efectuado qualquer prova da prática pelo mesmo de quaisquer actos que conduziram á Insolvência do sociedade “A...”; - no que respeita aos restantes arguidos, BB, CC e DD, nenhuma prova foi efectuada da sua actuação dolosa, concertada com o arguido EE ou da sua intenção de actuarem com o intuito de prejudicarem seja quem fosse; No que concerne aos arguidos, o tribunal teve ainda em consideração as declarações prestadas pelos mesmos em sede de julgamento e quanto á sua situação pessoal e económica, as quais se revelaram credíveis; sendo que o tribunal teve ainda em conta os CRC’s actualizados dos mesmos e juntos a fls. 1409 (arguido DD), 1410 (arguido CC), 1411 (arguido AA, 1414 (arguido BB) e de fls. 1412 e 1413 (arguido EE).»
B – Fundamentação de direito
Atenta a jurisprudência constante dos Tribunais superiores o objeto do recurso delimita-se pelas conclusões que os recorrentes extraem da respetiva motivação, sem prejuízo daquelas que forem do conhecimento oficioso do Tribunal, aqui se incluindo o conhecimento dos vícios previstos no art. 410 nº2 do CPP, por via do Acfj nº 7/95 publicado no DR serie I-A de 28/12.
No caso concreto cumpre proceder à retificação do dispositivo da sentença recorrida conforme requerido pelo MP no seu parecer o que sempre seria do conhecimento oficioso deste Tribunal nos termos do art. 380 nº1 al b) do CPP, o que surge como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa.
O presente recurso é limitado a matéria de direito e a única questão suscitada pelo recorrente prende-se com o valor da perda de vantagens decretada e forma de proceder ao respetivo cálculo.
Cumpre apreciar e decidir! Da correção do dispositivo da sentença:
Está manifestamente evidenciado que o arguido condenado nestes autos tem como nome completo EE, porém, no ponto nº4 do dispositivo consta que foi condenado em perda de vantagens FF, o que só pode dever-se a lapso de escrita talvez por desatenção no uso da técnica de copy paste.
Cumpre, agora, proceder à correção do referido lapso com base no disposto na al.b) do nº1 do art. 380 do CPP, determinando-se que no ponto nº4 do dispositivo da sentença onde consta o nome de FF passe a constar EE. Da condenação em perda de vantagens e forma de proceder ao respetivo cálculo:
Pretende o recorrente que o valor da condenação em perda de vantagem seja reduzida a cento e onze mil euros (€111 000,00).
Vejamos!
Na acusação pública deduzida nos autos foi requerida a declaração de perda de vantagens obtidas com a prática dos factos, considerando o MP que o ora recorrente obteve com a sua atividade criminosa uma vantagem patrimonial de, pelo menos, € 3.082.404,84, correspondente aos montantes de créditos reconhecidos no processo em que foi declarada a insolvência da sociedade A..., S.A.
Alegou que o arguido dissipou a totalidade do património da empresa, obtendo assim um benefício ilegítimo correspondente ao valor dessas dívidas e que poderiam ter sido ressarcidas com o produto da venda daqueles bens.
Entende que não é possível garantir a recuperação ou confisco da dita vantagem patrimonial em espécie, uma vez que esta traduz a não entrega de valores devidos, concretizando-se deste modo a vantagem relevante para efeitos de confisco.
A sentença recorrida fundamenta da seguinte forma a condenação na perda de vantagens: «O M.P., nos termos melhor constantes dos autos, requereu ainda a perda de vantagem patrimonial, referindo que os arguidos obteviram com a sua actividade criminosa uma vantagem patrimonial de pelo menos, € 3.082.404,82, obtendo assim um beneficio ilegítimo, pelo menos de montante igual ao dos créditos reclamados e reconhecidos no processo de insolvência da sociedade “A..., S.A., Lda.”, ou seja, no referido montante. Vejamos. Dispõe o artigo 111º, do Código Penal nos segmentos que importam: “1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado. 2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie. 3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico. 4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor”. Assim sendo, e tendo em conta o vertido no citado Artigo do Código Penal, bem como o teor da matéria de facto dada como provada, por um lado, verifica-se que os arguidos AA, BB, CC e DD, não poderá ser responsabilizados pela peticionada perda; e por outro lado, e no que concerne ao aqui arguido EE, o mesmo, enquanto gerente da “A..., S.A.” praticou actos, dos quais resultou um beneficio ilegítimo, de pelo menos de montante igual ao dos créditos reclamados e reconhecidos no processo de insolvência da sociedade “A..., S.A.” e ainda não liquidados, que no presente caso ascendem à quantia de € 3.082.404,84, a que se terá de descontar o montante de € 34.078,19 e relativa ao produto obtido com a venda dos bens e que foi paga aos credores, o que totaliza a quantia de € 3.048.326,25. Assim, e pelo exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 111º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal, condena-se o arguido FF, a pagar Estado a quantia de € 3.048.326,25. (três milhões, e quarenta e oito mil, trezentos e vinte e seis euros, e vinte e cinco cêntimos).»
Verifica-se pelo exposto que a decisão recorrida aplicou o disposto no art. 111 do CP, quando o MP na acusação deduzida nos autos havia pedido a condenação ao abrigo do art. 110 nºs 2 e 4 do CP.
E efetivamente da epígrafe dos citados artigos resulta que o art. 110 respeita à perda de produtos e vantagens e o art. 111 aplica-se às situações em que os instrumentos, produtos ou vantagens pertencem a terceiro.
No caso concreto, tendo ficado demonstrado que era o recorrente o gerente da sociedade A..., S.A. e que foi ele que praticou os atos ilícitos dos quais emergiram as vantagens em causa, resulta evidente que o preceito normativo aplicável ao caso concreto é o art. 110 do CP o qual dispõe: «1 - São declarados perdidos a favor do Estado: a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem. 3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado. 4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A. 5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. 6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.»
O recorrente foi condenado pelo crime de insolvência dolosa nos termos do disposto no art. 227 nº1 al. a), ou seja, por se ter comprovado que destruiu, danificou, inutilizou ou fez desaparecer parte do seu património, com a agravação prevista no art. 229-A por terem resultado frustrados créditos de natureza laboral.
Para calcular a vantagem obtida ilicitamente tem de se avaliar, - tendo em conta os factos que ficaram provados -, quais os atos praticados pelo arguido, que efetivamente fizeram diminuir o património da sociedade A..., S.A e, nessa medida, a impediram de saldar as suas dívidas para com os credores e ao mesmo tempo aumentaram o património pessoal do arguido/recorrente.
Citando o Acórdão da Relação de Guimarães de 11/10/2021, disponível em www.dgsi.pt: «a perda das vantagens do crime assume a natureza análoga à de uma medida de segurança, tendo, por isso, natureza de instrumento sancionatório de carácter penal, cujo fundamento de politica-criminal se reconduz ao propósito da prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que o crime não compensa. A declaração da perda das vantagens decorrentes da prática de um crime, dada a natureza que lhe é reconhecida e que supra ficou a assinalada, depende apenas da existência de um facto antijurídico e da existência de proveitos.»
Vejamos então quais os factos imputáveis ao ora recorrente de que resultaram proveitos patrimoniais:
Ficou demonstrado nos factos provados sob os pontos 30, 31 e 32 dos autos que: «30) Entre meados do ano de 2016 e o início do ano de 2017, a sociedade A.... S.A. deixou de cumprir de forma generalizada as suas obrigações com os seus credores, entrando em situação de falência. 31) Ora, tendo conhecimento disso, o arguido EE determinou-se transmitir toda a atividade da sociedade “A.... S.A.” para a sociedade “C..., Unipessoal, Lda.”, e a retirar da esfera da primeira para a segunda os veículos automóveis que a mesma tinha registados em seu nome e os equipamentos e as máquinas que eram utilizados na sua laboração, bem como a transferir parte dos trabalhadores, clientes e fornecedores, e com o intuito de encerrar a sociedade “A..., S.A.” e de garantir que a atividade até então desenvolvida por esta empresa passasse a ser assegurada pela sociedade C..., Unipessoal, Lda. 32) Visava o arguido EE obstar a que os bens pertença da sociedade “A.... S.A.” fossem entregues aos respetivos credores ou vendidos para pagamento coercivo das dívidas.»
Em seguida verifica-se nos factos provados sob os pontos 34 e 35 que: «34) Com o mencionado propósito, em 5 de junho de 2016 o arguido EE vendeu uma máquina da marca ... à sociedade “C..., Unipessoal, Lda.” pelo preço de € 8.000,00, acrescido de € 1.840,00 a título de imposto de valor acrescentado. 35) A referida máquina valia, pelo menos, € 13.000,00.»
Nesta venda ruinosa para a sociedade insolvente obteve o arguido uma vantagem patrimonial de, pelo menos, treze mil euros, (€13.000,00) à qual se soma o valor de €111.227,06 que o arguido retira da esfera patrimonial da sociedade A..., S.A, dando-lhe um destino não concretamente apurado. – vejam-se os factos provados sob os pontos 36 e 37.
E mais ficou demonstrado nos autos que: «39) Entre os anos de 2016 e 2017, o arguido EE transferiu a propriedade dos veículos que a seguir se identificam da sociedade “A.... S.A.” para terceiros e para a sociedade C..., Unipessoal, Lda., por preços inferiores ao seu real valor, designadamente, os seguintes veículos: - veículo da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-OJ-... - Veículo de matrícula ..-OJ-... 40) Com tal actuação, o arguido EE visava obstar a que as referidas viaturas fosse apreendidas ou penhoradas, para pagamento coercivo das dívidas da sociedade A.... S.A. 41) Com aquele propósito de obstar a que os demais veículos registados em nome da sociedade A.... S.A. fossem penhorados ou apreendidos, e servissem o pagamento das dívidas da empresa, o arguido EE providenciou pela transmissão da sua propriedade para a sociedade C..., Unipessoal, Lda., como se passa a expor: » em 1 de fevereiro de 2017, o arguido transferiu a propriedade do veículo da marca Ford, com a matrícula ..-..-TJ, pelo valor de € 700,00, acrescido de imposto de valor acrescentado; » em 6 de fevereiro de 2017, o arguido transferiu a propriedade do veículo da marca Ford, com a matrícula ..-..-SD, pelo valor de € 600,00, acrescido de imposto de valor acrescentado; » em 6 de fevereiro de 2017, o arguido transferiu a propriedade do veículo da marca Ford, com a matrícula ..-..-XO, pelo valor de € 900,00, acrescido de imposto de valor acrescentado; » em 6 de fevereiro de 2017, o arguido transferiu a propriedade do veículo da marca Citroen, com a matrícula ..-..-NJ, pelo valor de € 300,00, acrescido de imposto de valor acrescentado; » em 24 de abril de 2017, o arguido transferiu a propriedade do veículo da marca Ford, com a matrícula ..-NN-... 42) Assim, os referidos veículos passaram a ser utilizados no desenvolvimento da atividade da sociedade C..., Unipessoal, Lda., pelos respetivos trabalhadores.»
Relativamente aos factos constantes dos pontos 41 e 42 apura-se uma vantagem patrimonial de dois mil e quinhentos euros, (€2.500,00).
Porém, deparamo-nos com a impossibilidade de apurar a vantagem correspondente ao valor da viatura de marca Ford com a matrícula ..-NN-.. e ainda a viatura da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-OJ-.., no ano de 2017.
Concluímos, pelo exposto, que nos autos é possível imputar ao arguido a prática de atos ilícitos que deram origem a vantagens patrimoniais que ascendem a cento e vinte e seis mil setecentos e vinte e sete euros e seis cêntimos, (€ 126.727,06).
Porém, a este valor acresce o valor da viatura da marca Ford com a matrícula ..-NN-.. e da viatura da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-OJ-.., no ano de 2017, que não ficaram apurados nos autos, mas também foram subtraídos ao património da sociedade declarada insolvente, e integram as vantagens do crime cometido pelo arguido.
Nesta parte, o valor da vantagem terá de ser apurado sede de execução de sentença nos termos previstos no art.110 nº4 do CP, o qual dispõe: «Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.»
Ora, não dispondo os autos elementos para determinar o valor de tais viaturas à data do ato de disposição das mesmas (2017), terá o mesmo de ser apurado em incidente de liquidação, em sede de processo executivo.
Pretende-se que nenhum benefício resulte para o agente com a prática do crime e, como tal, não podemos ignorar que duas viaturas cujo valor não foi apurado, se integram nas vantagens que foram efetivamente obtidas. Assim, e porque o Estado não pode renunciar a tais valores, cumpre apurá-los ainda que em sede de incidente de liquidação na execução.
Aqui chegados, temos de concordar com o recorrente que dos factos provados sob os pontos 43 e 44 não resulta que o arguido tenha tido qualquer vantagem patrimonial correspondente aos créditos reclamados e graduados no processo de insolvência, quando a sociedade de forma generalizada deixou de cumprir as suas obrigações para com os credores como resulta do facto provado sob o ponto nº30, tendo sido essa circunstância que levou aos atos ilícitos que foram praticados pelo arguido com o propósitos de obstar a que os bens pertença da sociedade “A.... S.A.” fossem entregues aos respetivos credores ou vendidos para pagamento coercivo das dívidas. – facto 32 da matéria de facto provada.
Há que distinguir em concreto, entre dano emergente do crime e cuja reparação deve ser feita através do pedido de indemnização cível, e o aumento do património pessoal do autor do crime, por via da incorporação de bens e valores que o mesmo dolosamente subtraí ao património da sociedade insolvente, e que por esse motivo, não pode ser tido em conta para efeito de pagamento aos credores.
Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 12/07/2023, relatado por Ana Carolina Cardoso e também disponível em www.dgsi.pt: «1- Impõe-se distinguir o dano causado pela prática do crime (o produto direto do crime, que se repara em primeira linha através do pedido de indemnização cível) e a vantagem decorrente da sua prática, que tem o sentido de incremento patrimonial efetivo do património do agente, sendo esta a que se pretende eliminar através da declaração de perda de vantagens a favor do Estado.»
Aqui chegados, cumpre também esclarecer que a venda de bens no valor de total de € 34.078,19, que foi apurado no processo de insolvência e foi usado para ressarcir os credores, nada tem a ver com as vendas de bens que constam dos factos provados neste processo e que foram levadas a efeito com o propósito, que ficou demonstrado de subtrair bens ao património da sociedade insolvente, e por isso, revertem em vantagem patrimonial para o arguido/ora recorrente.
3. Decisão
Tudo visto e ponderado, acordam os Juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto, em:
1- Ordenar a correção do ponto nº4 do dispositivo da sentença recorrida por forma a que onde consta o nome de FF passe a constar EE.
2 - Conceder provimento parcial ao recurso interposto por EE, e com base nos fundamentos de facto e de direito aduzidos, revoga-se a sentença recorrida, reduzindo o valor da condenação do arguido a pagar ao Estado, a título de perda de vantagens decorrentes do crime, para o montante de cento e vinte e seis mil setecentos e vinte e sete euros e seis cêntimos, (€ 126.727,06), acrescido do valor, que se apurar em incidente de liquidação de sentença, respeitante às viaturas da marca Ford com a matrícula ..-NN-.., e da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-OJ-.., no ano de 2017.
Sem tributação.
Porto, 11/6/2025
Paula Guerreiro
Castela Rio
Maria do Rosário Martins