FALTA DA NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE
NULIDADE SANÁVEL
NOTIFICAÇÃO SOBRE O RESULTADO DO EXAME DE ÁLCOOL NO SANGUE E SOBRE O DIREITO DE REQUERER DE IMEDIATO A CONTRAPROVA QUANDO O CONDUTOR FOR ESTRANGEIRO R NÃO DOMINAR A LINGUA PORTUGUESA
Sumário

I - A falta da nomeação de intérprete, nos casos em que é obrigatória, é sancionada pela lei como nulidade dependente de arguição, constituindo, portanto, uma nulidade sanável.
II - Não sendo razoável que a invocação da supra referida nulidade tenha que ser efectuada até ao termo do acto a que o visado assistiu sem intérprete, nos casos em que não está presente o defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se a aplicação da regra geral de arguição das nulidades sanáveis, ou seja, a arguição no prazo de 10 dias, a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em acto nele praticado.
III - A perfeição da notificação oral ou por escrito sobre o resultado do exame de álcool no sangue e sobre o direito de requerer de imediato a contraprova quando o condutor for estrangeiro e não dominar a língua portuguesa, ocorre se tal lhe for comunicado na sua língua ou numa que entenda e domine perfeitamente, independentemente dessa comunicação lhe ser feita através de nomeação formal de intérprete.

Texto Integral

Processo 387/23.7GBOAZ.P1
Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
I.1. Por sentença proferida em 04.02.2025 foi a arguida AA condenada pela autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal (doravante CP), na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) e nos termos do artigo 69º, n.º 1, al. a) do CP na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses.

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I.2. Recurso da decisão
A arguida AA interpôs recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição total):
“A. Vem o presente Recurso interposto da Sentença condenatória proferida em 1J Instância nos presentes autos de Processo Abreviado supra identificados.
B. Salvo o devido respeito, a douta sentença é deveras injusta, no entender da arguida, e manifestamente infundada, conforme se demonstrará, daí a necessidade de interposição do presente recurso.
C. Ora, a Arguida possui nacionalidade francesa e fala fluentemente a língua francesa, não conhecendo, nem dominando a língua portuguesa.
D. Pela análise da exposição dos factos ocorridos na douta Acusação Pública, a Arguida informou a sua patrona que, no momento do primeiro interrogatório da arguida e da sua constituição como arguida, não foi assistida no acto por qualquer intérprete habilitado, sendo esse o principal motivo pelo qual a Arguida se recusou a assinar os documentos que lhe foram apresentados pelo agente de autoridade.
E. À luz das disposições contidas no artigo 6.° n.° 3, alíneas a) e) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a nomeação e a intervenção de um intérprete nos actos processuais integram um reduto essencial de "direitos mínimos" dos arguidos em procedimento criminal.
F. Na participação elaborada pelo agente de autoridade, vem mencionado que "auxiliou este participante na tradução à ora detida BB (melhor identificado em item próprio)", contudo, duvida-se seriamente da presença daquela pessoa no referido acto, uma vez que nem sequer o local de assinatura do referido senhor se encontra preenchido, o que levante aqui sérias dúvidas da sua presença, bem como da qualidade em que o mesmo interveio no auxílio de interpretação por parte da Arguida.
G. A garantia de uma compreensão efectiva por parte da arguida, relativamente a actos processuais de tão sérias consequências, como a constituição de arguido, a prestação de T.I.R. e a notificação da data e local do julgamento, não se basta com uma aparência de possibilidade de compreensão.
H. A falta de nomeação de intérprete, o incumprimento das funções de intérprete, ou o cumprimento inadequado ou deficiente, inviabilizante da adequada compreensão dos actos cuja comunicação é legalmente obrigatória, constituem omissão de tradução e integram a nulidade do artigo 120.°, n.° 2 - al. c) do Código de Processo Penal, nulidade esta que desde já se requer que seja verificada, com todas as consequências legais que lhe sejam inerentes.
I. Foram considerados provados na Sentença ora recorrida todos os factos pelos quais a Arguida vinha acusada.
J. Ora, no nosso entender, os factos que o Tribunal a quo deu como provados devem ser — considerados como não fundamentados, por não terem tido qualquer apoio na prova produzida.
K. O que importa é que o exame crítico das provas, explicitado na sentença, permita avaliar racionalmente o fundamento da decisão e o processo lógico seguido.
L. A análise crítica da prova é, pois, o verdadeiro pilar da motivação de facto duma sentença.
M. E deve expor com clareza todo o raciocínio efectuado para que, quem lê, consiga alcançar a mesma conclusão do julgador.
N. Contudo, basta uma leitura atenta da motivação de facto, para perceber que a mesma se mostra insuficiente para que percebamos com clareza como o tribunal formou a sua convicção positiva relativamente a vários dos factos ou grupos de factos provados.
O. Analisada a matéria dada como provada, ressalta à evidência que nada se sabe sobre a Recorrente (dados sobre a sua vida familiar, social e económica, assente que está que a mesma faltou ao julgamento), a não ser que alegadamente vem acusada de praticar um crime e que não tem antecedentes criminais.
P. Significa isto que a decisão se mostra "amputada" de aspectos relevantes para a ponderação da questão da determinação da sanção (artigo 369.° do CPP), o que encontra eco na exiguidade dos factores considerados em sede de determinação da pena, os quais - para além daqueles que já fazem parte do tipo e por isso insusceptíveis de ser de novo valorados -, no essencial, se quedaram pelos antecedentes criminais do arguido.
Q. Neste caso, nada se sabe sobre a Recorrente, podendo o tribunal ter encetado diligências para efeitos de realização de um relatório social - ou uma sumária informação social, conforme previsto no artigo 370.° do CPP.
R. Tem a Recorrente como certo - mediante abundante jurisprudência nesse sentido - que a não realização de relatório social não acarreta o cometimento de qualquer nulidade (muito menos a contemplada na alínea c), do n.° 1, do artigo 379.°, do CPP), ou mesmo de qualquer irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123.°, do mesmo diploma adjectivo.
S. Porém, a falta de elementos probatórios bastantes, que pudessem ser veiculados através desse relatório social aos autos, por forma a poderem vir ancorar a espécie e medida da pena a aplicar, poderá constituir, e constitui, a nosso ver, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º, n.º 2, al. a) do CPP.
T. Deste modo, enferma o douto Acórdão recorrido do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, isto é, para uma decisão jurídica criteriosa, ao abrigo do artigo 410.°, n.° 2, alínea a) do CPP., o que deverá determinar o reenvio do processo para uma reabertura da audiência, a incidir exclusivamente sobre as questões supra identificadas.
U. Na verdade, os preceitos legais penais para a determinação concreta da pena mandam o Tribunal atender a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o agente.
V. Pelo que, mais uma vez, se realça a necessidade de ponderar devida e conjuntamente os factos pelos quais a Arguida vem acusada e condenada e as suas condições profissionais, socioeconómicas e familiares.
W. A pena tem, sempre, o fim de servir para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.
X. Entende a aqui Recorrente que as finalidades da pena seriam perfeitamente atingidas por uma condenação de pena de multa por um valor manifestamente inferior, bem como pela condenação de uma pena acessória de inibição de condução de veículos pelo mínimo legal aplicável, isto é, três meses.
Y. O que significa que a pena que lhe foi determinada é exagerada e não é adequada à prevenção geral e especial que a lei jurídico-penal prevê.
Z. Não podemos olvidar que a condução sob o efeito do álcool dentro do ordenamento jurídico-repressivo, representa um caso de criminalidade bagatelar.”
Pugna pela revogação da sentença recorrida.
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I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela sua improcedência, concluindo (transcrição integral):
“a. Em processo especial, a nulidade, sanável, de falta de nomeação de intérprete, quando a lei impõe a nomeação, deve ser arguida até ao início da audiência de discussão e julgamento.
a. Essa nulidade foi extemporaneamente suscitada pela recorrente, pois apenas a arguiu na audiência de discussão e julgamento, em sede de alegações finais.
b. Não se verifica qualquer insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto.
c. A pena de multa concretamente aplicada, no número de dias, é adequada à culpa da recorrente, às finalidades de prevenção que com ela se visam alcançar, bem como aos demais critérios de determinação da medida da pena, consagrados no art. 71.º do Código Penal.
d. O período de 4 meses da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor mostra-se correctamente determinado, atendendo aos critérios fixados pelo art. 71.º do Código Penal.
e. Não foram violadas quaisquer normas jurídico-constitucionais, jurídico-processuais penais, nem jurídico-penais.”
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I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer desfavorável ao provimento do recurso interposto pela arguida.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt).
Assim, da análise das conclusões da recorrente extraímos as seguintes questões que importam apreciar e decidir:
1ª Nulidade por falta de nomeação de intérprete – artigo 120º, n.º 2, al. c) do CPP;
2ª Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artigo 410º, n.º 2, al. a) do CPP;
3ª Medida concreta da pena de multa por ser exagerada;
4ª Medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por ser exagerada.
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II.2. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes após transcrição efectuada pelo Tribunal de 1ª Instância)
O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
“No dia 14/05/2023, pelas seis e trinta e quatro (06h34), a arguida AA (impercetível) conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Fiat, modelo ..., de cor branca, com a matrícula AQ-..-.., na rua..., em Oliveira de Azeméis.
Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas (impercetível) a arguida conduziu o referido veículo com uma taxa registada de 1,54 gramas por litro correspondente a uma taxa de 1,417 gramas por litro após a dedução do erro máximo admissível.
Antes de iniciar a condução a arguida tinha ingerido bebidas alcoólicas.
Sabia a arguida que havia ingerido bebidas alcoólicas e mesmo assim quis conduzir o veículo a motor na via pública, bem sabendo que tinha uma taxa de álcool no sangue superior ao máximo permitido pela lei penal.
A arguida atuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
A arguida não apresenta antecedentes criminais.”
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A motivação da decisão sobre os factos provados e sobre a veracidade do auto de notícia colocada em causa pela arguida em audiência de julgamento é a seguinte:
“A arguida não… não prestou declarações, uma vez que não esteve presente em audiência de julgamento, tendo justificado a sua falta.
E por isso o Tribunal considerou relevante para a formação da sua convicção por um lado o depoimento da testemunha CC, militar da GNR que procedeu à fiscalização da arguida e que foi bastante claro e objetivo nas explicações que deu, sendo certo que os fatos já ocorreram há quase dois anos, referindo que, efetivamente, se encontrava a fazer uma fiscalização (impercetível), aleatória, que deu ordem de paragem a este veículo que era conduzido pela… pela arguida, que não teve dúvidas na identificação da arguida, tendo em conta o documento com fotografia, documento de identificação com fotografia que lhe foi apresentado.
Ficou também o Tribunal esclarecido quanto ao modo como procedeu… como foi efetuada a fiscalização. Ou seja, o teste de despistagem de álcool no sangue. Seja também, e em virtude da nacionalidade da arguida, a circunstância de a mesma ter sido auxiliada, bem como os militares da GNR que procederam à fiscalização, por um amigo que se encontrava no local, tendo a testemunha sido aqui bastante clara ao referir que foi indicado à arguida que podia ser auxiliada por intérprete, que podia inclusive contactar a embaixada e que foi a própria que recusou uma vez que com o auxílio da pessoa que conhecia e que era da sua confiança estava a perceber… a compreender tudo aquilo que se passava e, portanto, o Tribunal não tem dúvidas quando refere… quando… em formar uma convicção no sentido de que a mesma acompanhou todo o processo de fiscalização e que compreendeu todo o processo de fiscalização.
E a ser assim, o Tribunal valora o auto de notícia na medida em que ele é… foi integralmente confirmado pela testemunha CC, inclusive na precisão quanto… quanto à rua onde ocorreu a fiscalização, esclarecendo que a rua… a identificação da rua que consta da primeira página do auto de notícia é aquela que prevalece, uma vez que é aquela que é recuperada no sistema que possuem, sendo que na parte de trás é o próprio militar a escrever e que admite que poderá ter incorrido em lapso ao referir o nome da rua como DD e não DD.
E, portanto, sendo assim, o Tribunal não tem dúvidas em formar a convicção quanto ao modo como procedeu a fiscalização e quanto ao conhecimento e compreensão que a arguida teve nesse momento.
Sem prejuízo disso, sempre se diga que, e não obstante a nacionalidade da arguida e o disposto nos artigos 91 e 92 do Código de Processo Penal, 92 do Código de Processo Penal, quanto à língua em que devem ser praticados os autos, sempre se diga que a arguida foi notificada por carta rogatória do teor da acusação, da… do prazo para contestar a mesma, e nada disse a esse propósito e desse… desse modo, e nesta altura, nesta fase do… do… processual, já não é invocável uma suposta nulidade que pudesse ter acontecido e que, como se disse, não se considera que tenha ocorrido em virtude de a arguida ter efetivamente compreendido todo o processo que foi realizado.
Depois, e quanto à concreta taxa de álcool no sangue, o Tribunal considerou o talão de folhas 5 que se encontra junto aos autos.
Quanto aos antecedentes criminais da arguida, o Tribunal deu… considerou o Certificado de Registro Criminal que se encontra junto aos autos.”
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A apreciação efectuada pelo Tribunal recorrido quanto à escolha e determinação da medida concreta da pena de multa foi a seguinte:
“Na escolha da pena principal diz-nos o artigo 40 nº 1 do Código Penal que a aplicação de penas tem por finalidade a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade. Ou seja, pretende-se por um lado restabelecer junto da comunidade a confiança das normas violadas e por outro assegurar que ao agente é aplicada uma pena que tenha em vista a sua ressocialização e não uma pena meramente punitiva.
Para além disso, diz-nos o artigo 40 nº2 que, não obstante estas finalidades, (impercetível) alguma pena pode ultrapassar a medida da culpa que desempenha assim a função de estabelecer o máximo da pena concreta, ainda compatível com as exigências de prevenção geral e especial.
Nos casos em que o tipo legal prevê, em alternativa, a aplicação de uma pena de prisão e de uma pena de multa, como se verifica no caso, o artigo 70 diz-nos que o critério orientado a esta escolha deve ser de… deve ser dada prevalência na pena não privativa da liberdade.
Quanto às exigências então de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentido, entendemos que as exigências de prevenção geral são relativamente elevadas. Os números da sinistralidade rodoviária realmente impõem que o Tribunal adote aqui uma posição forte quanto à demonstração da reprovação de comportamentos que colocam em causa a segurança da circulação rodoviária e indiretamente bens jurídicos fundamentais como a vida, a integridade física ou ainda o património de terceiros e por outro lado ainda a frequência com que estes crimes surgem na vida prática (impercetível) revela que (impercetível) aqueles que, não obstante, reconhecerem a ilicitude das suas condutas não pautam o seu comportamento pelo respeito das normas em causa. E, portanto, é aqui necessária uma opção que assuma realmente a reafirmação da norma violada e reforce a sua vigência.
Já quanto às exigências de prevenção especial, elas não se apresentam elevadas. Pelo contrário. Apresentam-se aqui num patamar baixo uma vez que a arguida não tem antecedentes criminais.
E por isso o Tribunal entende que uma pena não privativa da liberdade se mostra ainda capaz de satisfazer as necessidades de prevenção que o caso reclama e por isso opta pela aplicação de uma pena de multa.
Quanto à medida da pena principal, diz-nos o artigo 71 do Código Penal que há que ter em consideração na realização desta medida concreta a culpa do agente, as exigências de prevenção que o caso reclama e ainda todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime (impercetível) a favor ou contra o agente.
Neste aspeto, temos que, a favor da arguida, temos aqui um grau de ilicitude médio, uma vez que a taxa de álcool no sangue não é particularmente elevada, embora também não seja demasiado próxima do mínimo, portanto, não é aqui particularmente elevada.
Que não há notícia que a arguida tenha estado envolvida em acidente de viação, não tem antecedentes criminais e, portanto, são estes os… as circunstâncias que militam aqui a favor da arguida.
Já contra a arguida, consideramos que conduzia aqui um veículo cujo potencial de dano para terceiros é relativamente elevado, um ligeiro de passageiros, e que atuou na modalidade mais grave do dolo, que é o dolo direto.
A ser assim, o Tribunal entende que é adequado e suficiente aplicar, pela prática deste crime, uma pena de quarenta dias de multa.
Relativamente ao quantitativo diário, dispõe o artigo 47 nº 2 do Código Penal por cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5 e 500 euros, que o Tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Neste caso, uma vez que a arguida não compareceu em audiência de julgamento e não juntou prova quanto a essa circunstância, não foi possível apurar aqui uma… a sua situação económica e familiar e por isso o Tribunal entende dever fixar aqui o valor próximo do mínimo legal e por isso fixa aqui o quantitativo diário no valor de 5,50€.”
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A apreciação do Tribunal recorrido quanto à determinação da medida concreta da pena acessória foi a seguinte:
“Quanto à pena acessória, portanto, os critérios que presidem à fixação e à determinação desta pena são os mesmos já referidos relativamente à pena de multa e, por isso, em face disso, o Tribunal entende aqui adequado fixar uma pena acessória de proibição de veículos… de conduzir veículos com motor pelo período de quatro meses.”
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II.3. Apreciação do recurso
II.3.1. Da nulidade – artigo 120/2/c) do CPP
§1. Invoca a recorrente a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2. al. c) do CPP, alegando que possui nacionalidade francesa, não dominando a língua portuguesa, sendo que nos actos iniciais do processo - constituição como arguida, prestação de T.I.R. e notificação da data e local do julgamento – não lhe foi nomeado intérprete habilitado.
Acrescenta que duvida que a pessoa que auxiliou o participante na tradução, mencionada no auto de notícia, estivesse realmente presente no acto, bem como duvida em que qualidade o mesmo interveio no auxílio dessa tradução.
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§2. Com relevo para a apreciação da questão aqui em causa importa ter em conta os seguintes factos e ocorrências processuais:
i) No auto de notícia lavrado pelo militar da GNR/autuante, datado de 14.05.2023, a arguida/recorrente identificou-se como sendo de nacionalidade francesa, nascida a ../../1974, natural de ..., solteira, residente na Rua ..., Ovar, Portugal e portadora de carta de condução emitida em 24.10.2022 pelo IMT.
ii) Do auto de notícia consta que “Auxiliou este participante na tradução à ora detida, BB (melhor identificado em item próprio)“
iii) BB foi identificado no auto de notícia como testemunha.
iv) Consta do auto de notícia que a arguida/recorrente “declarou não desejar contraprova” e que informada do direito de contactar a embaixada ou consulado do seu país de origem, “prescindiu desse direito”.
v) Consta ainda do auto de notícia que a arguida/recorrente foi notificada nos termos do artigo 385º, n.º 2 do CPP, para comparecer no dia 15.05.2023 perante o Ministério Público, no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, DIAP – Ministério Público de Oliveira de Azeméis, sito na Av. ..., Oliveira de Azeméis, Portugal.
vi) Foi elaborado auto de constituição de arguido em 14.05.2023 que, para além de estar escrito em língua portuguesa, também foi traduzido em francês, que a arguida se recusou a assinar ambos.
vii) Foi lavrado Termo de Identidade e Residência em 14.05.2023 que, para além de estar escrito em língua portuguesa, também foi traduzido em francês, que a arguida se recusou a assinar ambos.
viii) No dia 15.05.2023 a arguida não compareceu perante o Ministério Público, tendo este proferido o seguinte despacho:
“Da análise do auto de notícia e demais expediente ora apresentado resulta que os factos nele relatados e que aqui cumpre analisar são susceptíveis, em abstracto de consubstanciarem a prática, pela arguida, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº1 e 69º, nº1, alínea a) do Código Penal.
Acontece que a arguida não domina a língua portuguesa sendo necessário proceder à tradução da acusação a proferir.
Pelo que, nos termos e com os fundamentos supra expostos:
a) Determino que se registe e autue o presente expediente como inquérito – SO – condução em estado de embriaguez;
b) Valido a constituição como arguida de Valido a constituição de arguida de AA, nos termos do artigo 58º, nº1, alínea a) e nº4 do Código de Processo Penal.”
ix) Em 22.05.2023 o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:
“Por a arguida não dominar a língua portuguesa:
- Solicite a nomeação de defensor, através do sistema habilus e por pedido electrónico junto do SINOA – art. 64.º nº 1 al. d) do Código de Processo Penal e art. 2.º da Portaria nº 10/2008 de 3/01;
- Proceda-se à nomeação de intérprete, para acompanhá-la na diligência de interrogatório não judicial, o qual deverá prestar compromisso, salvo se for funcionário público e intervir no exercício das suas funções – cfr. art 91.º nº 2, 3 e 6 al. b) e 92.º nº 2, ambos do Código de Processo Penal.
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Em 60 dias, interrogatório da arguida quanto aos factos noticiados, susceptíveis de, em abstracto, consubstanciarem a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art. 292.º nº 1 e 69.º nº 1 al. a), ambos do Código Penal.
Deverá ela ser confrontada com a possibilidade de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo (devendo ser-lhe explicado o seu funcionamento e as consequências do seu incumprimento), pelo prazo de 5 meses, mediante a subordinação às injunções de:
- Entregar a quantia de 400 € a uma instituição particular de solidariedade social (devendo, caso tenha alguma preferência, indicar qual), no prazo de 3 meses, a contar do termo inicial do prazo da suspensão provisória, juntando comprovativo de haver efectuado esse pagamento;
- Entregar os títulos de condução de que seja titular, nesta Secção do DIAP, no prazo de 10 dias, contado do início do prazo da suspensão provisória;
- Não conduzir veículos com motor durante 4 meses.
Notifique por contacto pessoal, na morada em território nacional indicada pela arguida, fazendo expressa advertência das cominações legais em caso de falta injustificada.”
x) Designado o dia 04.07.2023 para se proceder a interrogatório da arguida, não foi possível a sua notificação.
xi) Nessa sequência, em 03.07.2023, o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:
“(…) Atendendo a que a arguida não se encontra a residir na morada por si indicada, situada em território nacional e a que se desconhece se ela reside, efectivamente, na morada por si indicada, situada em território francês, prosseguem os autos.”
xii) Nesse mesmo despacho foi deduzida acusação, tendo se diligenciado pela sua tradução para a língua francesa.
xiii) Em 18.09.2023 foi recebida a acusação e marcada a audiência de julgamento para os dias 15 e 22 de Novembro de 2023.
Na parte final desse despacho foi determinado o seguinte:
“Relativamente à notificação da arguida, compulsados os autos, constata-se que a mesma quando prestou T.I.R. indicou uma morada francesa.
Face ao exposto, e não sendo possível fazer operar a presunção prevista no artigo 113.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3 do Código de Processo Penal, determino que se proceda à notificação pessoal da arguida do despacho de acusação e do presente despacho judicial, mediante carta rogatória expedida para o efeito para as Autoridades Francesas competentes, devendo diligenciar-se previamente pela tradução do presente despacho judicial para língua francesa, a realizar pelo tradutor já nomeado nos autos, remetendo-se cópia do despacho de acusação devidamente traduzido, notificando-se a arguida, para, querendo, contestar, nos termos do artigo 311.º-A, n.º 1 e 311.º-B ex vi artigo 391.º-E do Código de Processo Penal.
Notifique-se igualmente a defensora oficiosa da arguida para os mesmos efeitos.”
xiv) No dia 15.11.2023 foi designada nova data – 05.06.2024 – para a audiência de julgamento por se desconhecer se a arguida se encontrava regularmente notificada.
xv) No dia 05.06.2024 foi designada nova data – 04.02.2025 – para a audiência de julgamento por se desconhecer se a arguida se encontrava regularmente notificada.
xvi) Em 25.09.2024 o Ministério Público promoveu o seguinte:
“As cartas rogatórias ora devolvidas são aquelas que haviam sido transmitidas à autoridade judiciária francesa, no dia 20/09/2023, para efeitos de notificação à arguida do despacho de recebimento da acusação e para apresentação de contestação e do despacho que designava o dia 15/11/2023 para realização da audiência de discussão e julgamento, e no dia 20/11/2023, para efeitos de notificação à arguida do despacho de recebimento da acusação e para apresentação de contestação e do despacho que designava o dia 5/06/2024 para realização da audiência de discussão e julgamento.
Essas cartas rogatórias foram cumpridas, estando, assim, a arguida, regularmente notificada desse despacho de recebimento da acusação e para apresentação de contestação.
Promovo que:
- Em complemento da carta rogatória transmitida no dia 20/06/2024, nomeadamente, para notificação do despacho que designou o dia 4/02/2025 para realização da audiência de discussão e julgamento, se informe a autoridade judiciária francesa da morada da arguida, por ela indicada aquando do cumprimento daquelas cartas rogatórias (constante de fls. 114 – ..., ...);
- Se aguarde a devolução dessa carta rogatória e a data designada para realização dessa audiência.”
xvii) Na sequência dessa promoção, em 26.09.2024, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Como se promove”.
xviii) No dia aprazado para a realização da audiência de julgamento – 04.02.2025 – consignou-se que “uma vez que a arguida não está presente, fica dispensada a intérprete aqui presente neste tribunal, tendo sido de imediato comunicado” e foi proferido o seguinte despacho:
“Uma vez que a arguida justificou atempadamente a sua ausência – reside e trabalha no estrangeiro, não se conseguindo deslocar a Portugal –, considera-se justificada a sua ausência, nos termos do art. 116º do C.P.P.
Atenta a natureza do crime em análise e a posição assumida pela Ilustre Defensora, pese embora a apontada falta, porque não se vislumbra que a presença da arguida desde o início da audiência seja absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, proceder-se-á desde já ao julgamento na sua ausência nos termos e com observância das formalidades consignadas no art. 333º do C.P.P., ficando para todos os efeitos legais devidamente representada na pessoa da sua ilustre defensora.
Notifique.”
xix) Na audiência de julgamento realizada no dia 04.02.2025, em sede de alegações, a Il. Defensora da arguida colocou em causa a veracidade do auto de notícia e a sua valoração como meio de prova por não ter sido nomeado intérprete à arguida por esta não dominar a língua portuguesa.
Tal questão foi apreciada na sentença ora sob recurso nos termos supra transcritos em II.2.
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§3. Estabelece o artigo 92º do CPC com a epígrafe «Língua dos actos e nomeação de intérprete», na parte em que agora releva:
“1 – Nos actos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade.
2 – Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquele utilizada. (…).”
O que está em causa no direito à nomeação de intérprete e no direito à tradução é o direito a compreender o processo e o direito a neste ser compreendido, visando observar a exigência constitucional do processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4 da Lei Fundamental e, deste modo, assegurar o efectivo direito de defesa.
Contudo, a lei não impõe, para a efectivação destes direitos, que todo o processo seja traduzido, mas apenas os actos em que tenha que intervir cidadão que não domine a língua portuguesa, tais como, interrogatórios, depoimentos, audiência, sendo certo que, quando se trata do arguido, o direito a intérprete terá lugar em todas as diligências em que tenha que estar presente, e o direito a tradução, quanto a documentos escritos, terá lugar quanto aos documentos essenciais ao exercício do direito de defesa (cfr. Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, 2021, Almedina, págs. 1000 e seguintes).
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§4. Dispõe o artigo 120º, nº 2, al. c) do CPP na parte que aqui interessa:
“2- Constituem nulidades dependentes de arguição (…):
(…) c) A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória; (…)”
A falta da nomeação de intérprete, nos casos em que é obrigatória, é sancionada pela lei como nulidade dependente de arguição, constituindo, portanto, uma nulidade sanável (veja-se, entre outros, o acórdão do TRL de 14.11.2023, relatado por João António Filipe Ferreira e o acórdão do TRE de 05.04.2022, relatado por João Amaro, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Não sendo razoável que a invocação da supra referida nulidade tenha que ser efectuada até ao termo do acto a que o visado assistiu sem intérprete, nos casos em que não está presente o defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se a aplicação da regra geral de arguição das nulidades sanáveis, ou seja, a arguição no prazo de 10 dias – cfr. o artigo 105°, n.° 1 do CPP –, a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em acto nele praticado.
Nas formas de processo especiais a referida nulidade ainda poderá ser arguida logo no início da audiência (artigo 120º, n.º 3, al. d) do CPP).
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§5. Reportando-nos ao caso em apreço, a recorrente no dia em que foi constituída arguida – 14.05.2023 – foi igualmente notificada para comparecer nos serviços do M.P. no dia seguinte e, não tendo comparecido, em 22.05.2023 foi lhe nomeado um defensor oficioso e um intérprete para a acompanhar na diligência de interrogatório não judicial designado para o dia 04.07.2023, não tendo sido possível a notificação da arguida.
Nessa sequência, em 03.07.2023, o Ministério Público deduziu acusação, que foi notificada à Il. defensora da arguida.
Em 18.09.2023 foi recebida a acusação e marcada a audiência de julgamento para os dias 15 e 22 de Novembro de 2023, tendo sido determinada a notificação pessoal da arguida do despacho de acusação e do despacho de recebimento da acusação e da marcação do julgamento, mediante carta rogatória expedida para o efeito para as Autoridades Francesas competentes e para, querendo, contestar, nos termos dos artigos 311.º-A, n.º 1 e 311.º-B ex vi artigo 391.º-E do Código de Processo Penal, tendo a arguida sido regularmente notificada desses despachos devidamente traduzidos.
A defensora oficiosa da arguida foi igualmente notificada para os mesmos efeitos.
No dia 15.11.2023 foi designada nova data – 05.06.2024 –, que a Il. defensora oficiosa foi notificada, bem como a arguida através de despacho devidamente traduzido.
No dia 05.06.2024 foi designada nova data – 04.02.2025 – que a Il. defensora oficiosa foi notificada, bem como a arguida através de despacho devidamente traduzido.
Contudo, só no dia em que se realizou a audiência de julgamento – 04.02.2025 –, mais precisamente em sede de alegações, a Il. Defensora da arguida colocou em causa a veracidade do auto de notícia e a sua valoração como meio de prova por não ter sido nomeado intérprete à arguida por esta não dominar a língua portuguesa (o que implicitamente poderá significar a invocação da nulidade aqui em apreço), quando já havia decorrido o prazo legal para a arguição da nulidade prevista no artigo 120º, n.º 2, al. c) do CPP.
Em face do exposto, julga-se a invocada nulidade intempestiva e, a ter ocorrido, sanada.
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§5. Mas sempre se dirá que:
Considerando os elementos dos autos acima elencados não existem razões para duvidar (ao contrário do propugnado no parecer do Ministério Público desta Relação) de que a arguida não domina a língua portuguesa.
E, sendo assim, consideramos que a perfeição da notificação oral ou por escrito sobre o resultado do exame de álcool no sangue e sobre o direito de requerer de imediato a contraprova quando o condutor for estrangeiro e não dominar a língua portuguesa (como é o caso dos autos), ocorre se tal lhe for comunicado na sua língua ou numa que entenda e domine perfeitamente, independentemente dessa comunicação lhe ser feita através de nomeação formal de intérprete, nos termos dos artigos 92º, 91º e 153º do CPP, podendo essa tarefa ser desempenhada como aqui aconteceu pelo militar da GNR que tomou conta da ocorrência, auxiliado pela pessoa que na altura acompanhava a arguida, posto que não fique qualquer dúvida que a notificanda percebeu e entendeu perfeitamente o conteúdo da mensagem transmitida, como aqui sucedeu, pelo que nas referidas circunstâncias esse procedimento, não invalida nem inquina o acto, sendo apto a produzir plenamente os seus efeitos.
Acresce que, a tramitação posterior à constituição de arguida, desde logo, o auto de constituição nessa qualidade, com os direitos e deveres inerentes e a prestação de TIR também foram, e bem, objecto de tradução para língua por aquela dominada e foram explicados os seus termos.
É, assim, evidente, que a arguida, não obstante se ter recusado a assinar quer o auto de constituição de arguido, quer o TIR, ambos traduzidos para a língua francesa, terá entendido perfeitamente o sentido e alcance de tais actos.
Assim, a não nomeação de intérprete nesse momento à arguida, não determina a nulidade prevista no nº 2, al. c) do artigo 120º do CPP.
Além disso, conforme também ressalta da resenha das ocorrências processuais acima elencadas, a arguida foi regularmente notificada do despacho de acusação e dos vários despachos que designaram as várias datas para a realização da audiência de julgamento com as devidas traduções, sendo pois inequívoco que a arguida compreendeu perfeitamente o teor dessas notificações feitas pelo Tribunal a quo.
Donde, não se verifica a invocada nulidade.
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II.3.2. Dos vícios decisórios – artigo 410º/2 do CPP
§1. A recorrente invoca expressamente no seu requerimento de recurso que a sentença recorrida padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada categorizado no artigo 410º, n.º 2, al. a) do CPP.
Para tal alega que não foi apurada qualquer circunstância relativa à sua vida familiar, social e económica, devendo o Tribunal ter realizado um relatório social ou uma sumária informação social, sendo tais elementos essenciais para as opções sobre a espécie e medida da pena.
Como tal, pugna pelo reenvio do processo para uma reabertura da audiência para apuramento das suas condições pessoais e socioeconómicas.
Adiantamos, desde já, que não lhe assiste razão.
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§2. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada tem necessariamente que decorrer do texto da decisão recorrida e ocorrerá quando a matéria de facto provado seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal podia e devia ter indagado outros factos de modo a tornar o elenco dos factos provados e não provados aptos a uma sustentada solução de direito.
Diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova: “com efeito, aqui, e num momento logicamente anterior, é a prova produzida que é insuficiente para suportar a decisão de facto; ali, no vício, é a decisão de facto que é insuficiente para suportar a decisão de direito” (cfr. acórdão do TRC de 10.12.2014, relatado por Vasques Osório, acessível em www.dgsi.pt). Ou, como se consigna no acórdão do STJ de 06.10.2011, relatado por Souto de Moura “A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados”.
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§3. No caso em apreço, importa desde logo referir que a recorrente não concretiza que circunstâncias seriam essenciais para a escolha e determinação da pena, limitando-se genericamente a reportar-se às suas condições pessoais e socioeconómicas.
Além disso, deve lembrar-se que a elaboração do relatório social não é obrigatória, sendo apenas aconselhável quando estamos perante arguidos menores de idade (art. 370.º, n.ºs 1 e 2, do CPP), que não é o caso da arguida.
A necessidade da sua elaboração depende da avaliação que o Tribunal a quo leve a cabo, sendo que, no caso concreto, sendo a arguida de nacionalidade francesa, sem qualquer ligação a Portugal e residindo e trabalhando no estrangeiro, não se vislumbra que diligências poderia e deveria ter o Tribunal a quo encetado para obter informação sobre as suas actuais condições pessoais e a sua situação económica.
Note-se que a recorrente, pese embora não tenha comparecido na audiência de julgamento, não estava impedida de fornecer, através da sua Il. defensora, informação sobre as concretas circunstâncias do seu percurso de vida que entendia serem relevantes para a escolha e determinação da pena, opção que não seguiu, sendo que no decurso do presente processo também nada disse ou informou o Tribunal sobre a sua concreta situação profissional e familiar.
Acresce que, se mostram incluídos na factualidade provada os factos necessários e/ou suficientes a uma correcta decisão quanto à escolha e determinação da pena.
Na verdade, atenta a comprovada ausência de antecedentes criminais, o tribunal optou (e bem) pela aplicação de pena de multa em vez de pena de prisão.
Quanto à determinação da medida da pena, conforme realçado pelo Ministério Publico na sua resposta ao recurso, “as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir no crime de condução de veículo em estado de embriaguez, as quais definem o limite mínimo da punição, e a factualidade dada como provada, desde logo, a taxa de álcool no sangue com que a recorrente conduzia, nunca permitiriam a aplicação de pena de multa e de pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor em medidas inferiores a, respectivamente, 40 dias e 4 meses.
Já quanto ao quantitativo diário da pena de multa, que deve ser fixado entre 5 € e 500 € – cfr. art. 47.º nº 2 do Código Penal –, há que ter em conta que, como vem sendo entendimento jurisprudencial, a aplicação de montantes entre 5-6 € deve restringir-se a situações de ou quase de indigência, em que não são conhecidos ao arguido quaisquer rendimentos. Como tal, considerando que a recorrente tem nacionalidade francesa e que cometeu o crime pelo qual foi condenada quando se encontrava em Portugal, certamente se pode concluir que não estamos perante uma pessoa em situação de ou quase de indigência, pois, afinal, tem uma situação financeira que lhe possibilita a realização de uma viagem que comporta custos relevantes e, por isso, não se mostra de todo desadequado o montante diário de 5,50 € fixado.”
Assim, resta-nos concluir que não se verifica o invocado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º2, al. a), do CPP.
Improcede, neste segmento, o recurso da arguida.
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II.3.3. Da medida da pena de multa
§1. A recorrente insurge-se contra a pena concreta fixada pelo Tribunal a quo que considera ser excessiva.
Nesta parte, argumenta que a pena aplicada não é adequada à prevenção geral e especial, devendo ponderar-se as suas condições profissionais, socioeconómicas e familiares.
Entende que devia ser-lhe aplicada uma pena de multa manifestamente inferior (que não concretiza).
Adiantamos que não lhe assiste razão.
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§2. De acordo com os quadros normativos relativos à finalidade das penas (a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa -artigo 40º, nºs 1e 2, do Código Penal) e determinação da sua medida (em função da culpa e das exigências de prevenção – artigo 71º, nº1, do Código Penal) deve à pena (destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental) ser imputada uma dinâmica para que cumpra o seu especial dever de prevenção.
Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os factores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do referido artigo 71º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da acção e culpa do agente.
Neste sentido, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão, e positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (positiva, de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam três exigências atendíveis na escolha da pena.
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§3. Importa ainda referir que o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Deste modo, a intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada, só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.
Neste sentido, o acórdão do TRP de 02.10.2013, relatado por Joaquim Gomes (acessível em www.dgsi.pt/jtrp) escreveu que “o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso” e o acórdão do STJ de 18.05.2022, relatado por Helena Fazenda (acessível em www.dgsi.pt/jstj) consignou que “A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, §254, p. 197)”.
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§4. Em abono da sua pretensão recursória a recorrente não concretiza qualquer facto que determine uma alteração da concreta pena de multa fixada pelo Tribunal a quo.
Sempre se dirá que tendo em consideração que a moldura penal aplicável é de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias de multa (artigo 292º, n.º 1 do Código Penal) e que nos termos do artigo 40º, nºs 1 e 2 do Código Penal a aplicação de uma pena visa a “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade” e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” e tendo ainda em consideração que nos termos do artigo 71º do mesmo diploma a pena concreta é encontrada em função da culpa e das exigências de prevenção e atendendo também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra a arguida, cremos que o conjunto dos factores com relevo na determinação da medida concreta da pena elencados na decisão recorrida nos termos acima transcritos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos foram objecto de ponderada valoração pelo tribunal a quo.
Em conclusão, consideramos adequada, proporcional e ajustada a pena de multa de 40 (quarenta) dias fixada pelo Tribunal recorrido.
A recorrente não se insurgiu concretamente contra a quantia diária fixada pelo Tribunal a quo.
Improcede igualmente, nesta sede, o recurso.
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II.3.4. Da medida da pena acessória
§1. A recorrente entende que a pena acessória é excessiva por não ser adequada à prevenção geral e especial, pugnando pela aplicação de uma pena acessória de apenas 3 (três) meses.
Apreciando, antecipa-se que não assiste razão à recorrente.
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§2. O artigo 69º nº 1 do Código Penal estabelece como limites mínimo e máximo, respectivamente 3 meses e 3 anos.
A eficiência desta pena acessória foi devidamente pensada, aquilatada, pelo legislador penal, traduzida na moldura abstracta que estabeleceu, bem como no regime de cassação do título de condução de veículo com motor (artigo 101º do Código Penal).
A graduação da pena acessória justifica-se a partir da especial censurabilidade do acto de conduzir automóveis em estado de embriaguez e tem também uma função preventiva. Visa motivar o agente, pela sanção, a abster-se de actos idênticos no futuro.
A pena acessória deve ser graduada tendo em conta os mesmos critérios de graduação da pena principal, previstos no artigo 71º do Código Penal e já acima referidos aquando da determinação concreta da pena de multa.
Como afirma Figueiredo Dias (em “Direito Penal Português, Parte Geral, As Consequências jurídicas do crime”, págs. 164-168, Ed. de 1993) “uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável… Se, como se acentuou, pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
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§3. O Tribunal recorrido fixou a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 4 (quatro) meses (numa moldura entre 3 meses a 3 anos).
A recorrente também aqui não concretiza qualquer facto que determine uma redução da concreta pena acessória fixada pelo Tribunal a quo.
No caso vertente, a arguida actuou com dolo na sua modalidade mais gravosa (directo), afigurando-se mediana a culpa atentas as circunstâncias em que foram cometidos os factos pelo agente.
Acresce que, não podemos deixar de apreciar e considerar já com alguma relevância a concreta TAS apurada (1,417 g/l) considerando-se relevante o grau de ilicitude. De notar que não obstante não se impor uma correspondência exacta entre a concreta medida da pena acessória e a taxa de álcool apresentada pelo agente dos factos, não é menos certo que, correspondendo a taxa de alcoolemia ao grau de ilicitude da conduta, esta deverá constituir o padrão referencial da medida da pena acessória – isto é, não pode deixar de se ponderar no caso a medida concreta do diferencial existente entre a taxa de alcoolemia no sangue detectada e aquela que corresponde ao patamar mínimo criminalmente relevante.
No caso concreto, os factores de prevenção geral são importantes, tendo em conta a frequência do crime e a sua danosidade social. Na diversidade que atribui às molduras penais, o legislador manifesta a maior ou menor relevância ético-social do bem jurídico protegido pela respectiva norma (ilicitude) e colocou a condução de veículos em estado de embriaguez, ao nível das penas acessórias, num patamar médio (superior àquele que estabeleceu para a pena principal).
Por outro lado, as exigências de prevenção especial são baixas atenta a ausência de antecedentes criminais da recorrente.
Tudo ponderado, tendo em conta todos os referidos factores aplicáveis, consideramos adequada e proporcional a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de 4 (quatro) meses fixada pelo Tribunal a quo.
Desta forma também improcede, nesta parte, o presente recurso.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso da arguida AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS (artigo 513º, nº 1, do CPC e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).

Porto, 11.06.2025
Maria do Rosário Martins
Paula Natércia Rocha
Madalena Caldeira