A sentença de verificação e graduação de créditos proferida em ação executiva constitui caso julgado quanto à existência e exigibilidade do crédito no âmbito daquela execução, pelo que, tendo prosseguido a execução que havia sido extinta pelo pagamento, a requerimento de credor, com crédito reconhecido e graduado para ser pago pelo produto dos bens penhorados que não chegaram a ser vendidos, nos termos do art. 850º do CPC., não pode o tribunal oficiosamente vir a conhecer da exceção dilatória da falta de observância das regras do PERSI.
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo de Execução de Lousada - Juiz 1
Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos
Rui Moreira
Márcia Portela
SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto:
I-RELATÓRIO:
Tendo por título executivo, uma injunção a sociedade A... S.A. instaurou execução contra o executado AA.
No decurso dessa execução, em 10.09.2021 a sociedade B..., S.A. apresentou-se a reclamar os seus créditos aos presentes autos.
No apenso A, aquela credora apresentou-se a reclamar o seu crédito, tendo em 11.10.2021 sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, a qual transitou em julgado sem que fosse objeto de recurso ou qualquer pronuncia por parte do executado.
Em 18.07.2022 veio o exequente requerer a extinção por pagamento, dando origem à decisão do Sr. Agente de Execução de extinguir a execução por pagamento da quantia exequenda.
Por requerimento junto aos autos, em 22-07-2022, veio aquele credor reclamante, B... - S.A., nos termos do disposto no nº 2 do artigo 850º do CPC, requer a renovação da instância.
O Sr. Agente de execução, declarou a renovação da instância com observância do disposto no nº 4 do artigo 850º do CPC, a 27.7.2022, prosseguindo a execução com as diligências de venda do imóvel, sobre o qual aquele credor tem garantia.
Em 3.3.2025, veio o executado AA apresentar o seguinte requerimento:
Foi proferido despacho datado de 3.3.2025, que apreciou aquela pretensão do executado, nos seguintes termos:
“Indefere-se o pedido do executado de 03.03.2024 uma vez que o invocado constitui fundamento de embargos de executado, os quais não foram deduzidos tempestivamente dado o executado ter sido citado a 27.02.2015.
Acresce que inexiste qualquer razão para conhecer oficiosamente do PERSI uma vez que o título executivo é uma injunção.”
Inconformado, o executado AA, veio interpor o presente recurso, tendo apresentado as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
A exequente B..., S.A. veio responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência, apresentando contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
(…)
O recurso foi admitido com APELAÇÃO, com subida em separado e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II-OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
A questão decidenda consiste em saber se o tribunal a quo deverá conhecer da exceção dilatória inominada ou atípica da falta de integração do devedor no PERSI e de extinção deste procedimento nesta fase da execução.
III-FUNDAMENTAÇÃO:
Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais supra mencionados no relatório.
IV-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
A situação em apreço, respeita a questão da integração do devedor, no âmbito de contrato de mútuo bancário no denominado PERSI, previsto no Decreto Lei n.º 227/2012, de 25.10, que estabelece os princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações. Tal diploma, conforme esclarece o seu preâmbulo, pretendeu “(…) estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas. Em concreto, prevê-se que cada instituição de crédito crie um Plano de Acão para o Risco de Incumprimento (PARI), fixando, com base no presente diploma, procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a deteção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e que, por outro lado, promovam a adoção célere de medidas suscetíveis de prevenir o referido incumprimento. Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.”
O PERSI caracteriza-se por comportar três fases essenciais: uma inicial, outra de avaliação e proposta e de negociação (artigos 14.º, 15.º e 16.º, do Decreto-Lei n.º 227/22012, de 25.10), extinguindo-se, nos termos previstos no artigo 17.º, do referido diploma.
Quer a comunicação de integração no PERSI, quer a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância, como vem sendo entendido unanimemente pela s jurisprudência e doutrina.
Pretende o executado, que o tribunal conheça oficiosamente de tal exceção dilatória.
O tribunal rejeitou a sua pretensão, desde logo por entender que não podia oficiosamente dela tomar conhecimento, uma vez que o título executivo nestes autos é constituído por uma injunção.
Pensamos que o apelante labora num erro, ao não atentar no facto de a presente execução ser uma execução que foi instaurada pela sociedade A... S.A. contra si, com base numa injunção e não se tratar da execução que foi contra si instaurada pela ora apelada.
A execução em apreço – instaurada pela sociedade A... S.A. - foi julgada extinta e veio a ser renovada a requerimento da credora reclamante, ora apelada.
Não estamos pois, no âmbito da execução movida por aquele credor contra si, mas no âmbito da execução que foi instaurada contra si pela sociedade A... S.A., a qual, uma vez extinta, “renasceu a requerimento da ora apelada.
Feito este esclarecimento, a ora apelada assumiu a posição de exequente, nos termos do disposto nos artigos 809º e 850º do C.P.C., tendo-se renovado a execução que havia sido declarada extinta pelo pagamento, (iniciada com título executivo fundado em injunção), a requerimento da Apelada, credora reclamante.
A execução encontra-se a correr termos, figurando como exequente a ora Apelada e executado, o ora Apelante, uma vez que foi determinada pelo Sr. Agente de Execução a renovação da execução extinta, a requerimento do credor reclamante nos termos do disposto no art. 850 nº 2 do CPC., para ser pago pelo produto da venda do bem penhorado sobre o qual tem garantia.
Com efeito esta norma prevê a possibilidade do credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e o tenha reclamado no apenso respetivo (de reclamação de créditos), possa requerer a renovação da execução para verificação, graduação e pagamento do seu crédito pelo produto dos bens penhorados, caso não tenham sido vendidos nem adjudicados.
O nº 4 desta norma manda aproveitar os atos anteriormente praticados no processo executivo.
Na situação em apreço, constata-se, por consulta do processo eletrónico que, tal como alega o apelado, foi proferida sentença no apenso A - Processo: 602/14.8TBPFR-A onde “B..., S.A.” apresentou reclamação de créditos, alegando ter um crédito sobre o executado no montante de € 166.051,28, acrescida de juros e imposto de selo vincendos, e gozar a reclamante, de título executivo – contrato de mútuo – tendo obtido em execução a penhora do mesmo imóvel, a qual está inscrita no registo predial sob a ap. ..., de 07.04.2021, sendo que a reclamante goza ainda de garantia hipotecária quanto ao crédito reclamado, estando tal hipoteca registada sob a ap. ..., de 03.12.2009, garantindo o máximo de € 189.949,35.
Alegou que o crédito mostra-se titulado por contrato de mútuo e encontra-se garantido por penhora sobre o imóvel penhorado nesta execução, com sustação da respetiva execução, bem como por hipoteca.
Notificado o executado, a reclamação de créditos não foi impugnada, tendo sido proferida sentença datada de 11.10.2021, que transitou em julgado, a qual, “nos termos do art. 791.º, n.ºs 2 e 4 do NCPC, o tribunal reconhece o crédito ora reclamado, bem como as respetivas garantias reais – hipoteca e penhoras incidente sobre o imóvel penhorado.”
A renovação da execução extinta (movida pelo primitivo exequente), ocorreu a requerimento da ora apelada, na qualidade de credora reclamante, com crédito verificado e reconhecido por sentença transitada em julgado, proferida no incidente de reclamação e créditos, a qual pediu o prosseguimento ou a renovação daquela execução extinta nos termos do art. 850 nº 2 do CPC., para ser paga pelo produto da venda do bem penhorado sobre o qual tem garantia.
Não se desconhecendo que não se apresenta com resposta consensual, sendo discutida quer na doutrina, quer na jurisprudência, a questão da eficácia extra-processual da decisão proferida na reclamação de créditos apensa à ação executiva – e, assim, em que termos a mesma produziria caso julgado material, de que são exemplos, na doutrina, Lebre de Freitas, [1] o qual salienta que apesar de expressamente reconhecer a força de caso julgado, nos termos gerais, às sentenças de mérito proferidas nos embargos de executado (art. 732º nº 6 do CPC) e nos embargos de terceiro (art. 349º do CPC), o Código nada diz sobre a sentença de verificação e graduação de créditos. Sustenta que o caso julgado se produz apenas quanto ao reconhecimento do direito real de garantia (mas não quanto ao seu não reconhecimento – nota 54-A), ficando por ele reconhecido o crédito reclamado só na estrita medida em que funda a existência atual desse direito real. «Verificado o pressuposto da intervenção do executado na ação, o caso julgado forma-se quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos».
Já Rui Pinto [2] depois de dar conhecimento que para Castro Mendes a sentença de verificação e graduação de créditos faz caso julgado material quando reconheça os créditos, considera que não estamos perante uma graduação de garantias, mas perante uma graduação de créditos, formando-se caso julgado material quanto aos créditos, salvo no caso de citação edital.
É nosso entendimento que no caso em apreço, formou-se caso julgado, quanto à existência e verificação do crédito reclamado e aos necessários pressupostos processuais para o mesmo vir a ser pago pelo produto da venda dos bens na execução renovada, passando a decisão a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele dentro dos limites fixados pelos artigos 480 e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.”, nos termos do disposto no art. 619º nº 1 do C.P.C., esgotando-se para além do mais o poder jurisdicional do tribunal por força do artigo 613º nº 1 do CPC.
Desta forma entendemos não ser de acolher a pretensão do apelante de ver apreciada a eventual falta de um pressuposto processual, impeditivo do prosseguimento da execução, nos termos previstos no art. 18º do Decreto Lei n.º 227/2012, de 25.10., falta que aliás nunca invocou no decurso destes mais de 10 anos em que estes autos executivos prosseguiram contra si e que deveria ter suscitado, em impugnação ao crédito reclamado.
Não o tendo feito e não tendo a questão sido oficiosamente suscitada pelo tribunal, a sentença proferida no incidente de reclamação de créditos tornou-se obrigatória.
Como se tem entendido, trata-se de uma decisão proferida em incidente que consubstancia uma ação declarativa “completa”, com a observância do princípio do contraditório – a impugnação dos créditos – e do princípio do julgamento.[3]
Não ocorre no caso em apreço a invocada falta de procedibilidade da ação executiva, uma vez que o prosseguimento da execução extinta foi determinada nos termos do art. 850º do CPC, sem oposição do executado, por credor, cujo crédito foi reconhecido por sentença transitada em julgado, nos moldes que apreciamos.
Acresce que não ocorre qualquer violação de direitos constitucionalmente garantidos, nomeadamente o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, já que foram proporcionados ao executado, ao longo desta execução iniciada em 14.5.2014, os necessários mecanismos de tutela jurisdicional, com garantias de independência e de imparcialidade, no âmbito do processo executivo contra ele instaurado.
Resta assim confirmar o despacho recorrido, desatendendo-se a apelação.
V-DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão acordam os juízes que compõem este tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Porto, 17 de Junho de 2025.
Alexandra Pelayo
Rui Moreira
Márcia Portela
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[1] In Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013», 7ª edição, pág. 375.
[2] In Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, 2013, págs. 886-887.
[3] Ver neste sentido o Acórdão do STJ de 12.12.2013, in www.dgsi.