CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRAZO
MORA DO DEVEDOR
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
Sumário

Um contrato através do qual a ré se vinculou à elaboração de um relatório técnico-científico visando a reconstituição, com base em modelos computacionais, de um acidente de viação, é de qualificar como contrato inominado de prestação de serviços.

Texto Integral

Proc. nº 305/24.5T8GDM.P1

Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Gondomar – Juiz 2

Apelação

Recorrente: AA

Recorrida: “A..., Lda.”

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadoras Raquel Lima e Maria Eiró

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO[1]

O autor AA, residente na Rua ..., Gondomar, intentou a presente ação declarativa comum contra a ré “A..., Lda.”, sociedade comercial com sede na Avenida ..., Lisboa peticionando que a ação seja julgada procedente e, consequentemente, a ré condenada a:

a) DEVOLVER AO AUTOR O MONTANTE DE €3.690,00 (TRÊS MIL SEISCENTOS E NOVENTA EUROS) LIQUIDADO PELO AUTOR À RÉ;

b) SUPORTAR AS DESPESAS SUPORTADAS COM A NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA DECORRENTES DA DECISÃO DA RÉ EM NÃO LEVANTAR A CORRESPONDÊNCIA QUE LHE FOI DIRIGIDA, NO MONTANTE DE €351,00 (TREZENTOS E CINQUENTA E UM EUROS) SUPORTADOS EM TAXA DE JUSTIÇA E HONORÁRIOS A ADVOGADO;

c) SUPORTAR A DESPESA DE €500,00 (QUINHENTOS EUROS) EM HONORÁRIOS A ADVOGADO NOS PRESENTES AUTOS;

d) PAGAR AO AUTOR O MONTANTE DE €3.000,00, A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS;

e) TODOS OS VALORES ACRESCIDOS DE JUROS DE MORA, À TAXA LEGAL DE 4%, DESDE 4 DE DEZEMBRO DE 2023, DATA EM QUE A RÉ FOI NOTIFICADA DA NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA E QUE, NA PRESENTE DATA, ASCENDEM A €18,22 (DEZOITO EUROS E VINTE E DOIS CÊNTIMOS) E ATÉ À DATA EM QUE SE VERIFICAR O INTEGRAL PAGAMENTO DAS QUANTIAS PETICIONADAS.

f) E, AINDA, NO PAGAMENTO DE CUSTAS E PROCURADORIA NOS TERMOS DA LEI.

Alega para tanto, e em suma, que acordou com a ré a realização de um relatório técnico-científico, mediante o pagamento imediato de €1.291,50, acrescido de um pagamento, contra a entrega do relatório, de €2.152,50, e um pagamento final de €861,00, a ocorrer 30 dias após a entrega deste.

A 8.7.2022, os montantes dos pagamentos foram ajustados para €1.107,00, €1.845,00 e €738,00, respetivamente, tendo o autor AA liquidado a primeira tranche de €1.107,00, no dia 10.7.2022.

Assim sendo, a ré “A...” obrigou-se à entrega do relatório até ao dia 10.11.2022, data em que o autor AA liquidaria a segunda tranche.

O autor AA antecipou esses pagamentos e pagou €1.845,00, a 8.9.2022 e €738,00, a 10.10.2022, ou seja, com sessenta dias de antecedência em relação aos prazos combinados.

Tal visava que a ré “A...” tivesse idêntica postura e também antecipasse a entrega do relatório, uma vez que, como era do conhecimento desta, estava a decorrer um processo judicial, em que o autor AA era arguido, concretamente, o processo n.º 3137/20.6T9GDM, que corria os seus termos no Juízo Local Criminal de Gondomar, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

A ré “A...” procedeu à entrega do relatório, contratualmente designada para 10.11.2022, apenas a 20.1.2023, ou seja, com 71 dias de atraso, isto é o relatório foi entregue às 14,16 horas de uma sexta feira (20 de Janeiro), quando às 14 horas da segunda feira seguinte (23 de Janeiro) se iniciava o julgamento do autor AA.

A seu ver, esse atraso impediu qualquer análise daquele relatório, e, consequentemente, qualquer hipótese de integração do mesmo na sua estratégia de defesa, pois o mesmo nunca chegou a ser junto aos autos devido à sua chegada (muito) tardia, o que obrigou a que, inclusive, fosse prescindida a inquirição do técnico responsável pela elaboração do relatório.

Crê o autor que a ré faltou culposamente ao cumprimento das obrigações a que estava adstrita, tornando-se responsável pelos danos causados.

Tais danos consistem, inicialmente, no custo pago pelo relatório e que ascende a €3.690,00 e, ainda em danos morais, no mínimo, computados em €3.000,00.

Refere ainda que a ré não levantou a correspondência que lhe foi dirigida, pelo que outro recurso não restou àquele que não fosse a apresentação de notificação judicial avulsa, que correu os seus termos pelo processo n.º 27826/23.4T8LSB, no Juízo Local Cível de Lisboa.

Com isso, incorreu o autor AA em mais custos, nomeadamente honorários a advogado, que foram graduados em €300,00 e taxa de justiça de €51,00.

Por outro lado, a propositura da presente ação implica o pagamento de taxa de justiça e honorários a advogado, estes no montante de €400,00.

Regularmente citada para contestar, veio a ré fazê-lo, por impugnação, deduzindo ainda pedido reconvencional.

Sustenta, em súmula, que não houve qualquer incumprimento contratual da sua parte.

Confirma que foi efetivamente solicitado pelo autor, através das suas mandatárias, um orçamento para reconstituição 3D de acidente de viação, a fim de contribuir para a descoberta da verdade material em juízo.

Tal relatório não tinha como finalidade isentar de responsabilidades o autor ou demonstrar que este não teve qualquer responsabilidade no acidente, possuindo carácter científico e procurando apenas analisar a dinâmica do acidente de viação, tendo em conta as leis fundamentais da dinâmica e mediante o uso de fórmulas matemáticas e simulações computacionais.

Adjudicado o trabalho à ré, foram estabelecidos contactos telefónicos entre as mandatárias do autor e aquela, vindo as primeiras a remeter-lhe, em 12.5.2022, documentos para sua apreciação.

Foi elaborada pela ré uma avaliação técnica prévia.

Foi ainda informado o autor que as despesas relacionadas com qualquer deslocação e horas despendidas em Tribunal ou em inspeções do local ou dos veículos, não se encontravam incluídas naquele valor, e que, em caso de ser requerida a presença em Tribunal, esta seria realizada pelo Eng. BB (Doutor em Engenharia Civil), sendo devida a quantia de €75,00, por hora, acrescida de IVA, e, no mínimo, três horas.

E, ainda, que “As simulações computacionais e o relatório técnico serão executados no prazo de 90 dias após toda a informação necessária à elaboração do trabalho ter sido disponibilizada e realizadas eventuais visitas ao local da colisão.”

Foi acordado o preço a pagar pelo relatório técnico.

Defende a ré que não foi acertado, nem a tanto se obrigou, a entregar o relatório técnico científico de Reconstituição Científica de Sinistro até ao dia 10.11.2022.

Não houve qualquer anuência por parte da ré quanto a uma antecipação da entrega do relatório por força da antecipação dos pagamentos do autor.

Afirma ainda que no dia 16.1.2023, a ré solicitou ao autor, através das suas mandatárias, o envio dos documentos dos veículos, para que melhor pudessem verificar as suas características.

As mandatárias do autor responderam, sem aludir ao suposto incumprimento do prazo de entrega, remetendo uma cópia do DUA do veículo automóvel do autor, envolvido no acidente.

No dia 18.1.2023, em conversa telefónica estabelecida entre o sócio da ré, o Eng. CC, e uma das mandatárias do autor, a Dra. DD, foi a ré informada de que existiria um terceiro croquis do acidente elaborado pela GNR, nos termos do qual a orientação assinalada do veículo do autor era congruente com a orientação evidenciada pelas fotografias registadas na cena de acidente, ao contrário do que sucedia com os croquis anteriormente enviados pelo autor, através das suas mandatárias.

Tendo a ré, através do seu sócio, o Eng. CC, solicitado, de imediato, que tal croquis lhe fosse remetido, atenta a sua importância para a conclusão do trabalho em curso.

Assim, o autor, através das suas mandatárias, remeteu à ré, nesse dia 18.1.2023, o referido croquis, sob o ficheiro designado por “Doc..pdf”, o relatório da Autópsia, que ainda não havia remetido, bem como outros documentos que já havia remetido anteriormente, sem que, quanto a estes últimos, tal lhe tivesse sido solicitado.

Ainda no seguimento de conversa telefónica estabelecida entre a ré, através do seu sócio, o Eng. CC, e uma das mandatárias do autor, a Dra. DD, no dia 19.1.2023, foi a ré informada de que existiria um relatório final elaborado pela GNR, que também ainda não lhe havia sido remetido.

O qual veio a ser enviado à ré nesse mesmo dia, sem, mais uma vez, o autor, através das suas mandatárias, lhe imputar um qualquer incumprimento do prazo de entrega ou advertir para uma eventual impossibilidade de utilização do relatório que a ré se encontrava a ultimar.

Portanto, só em 19.1.2023 é que a ré ficou habilitada com a informação completa e necessária à elaboração do relatório técnico científico de Reconstituição Científica de Sinistro, serviço que lhe foi adjudicado pelo autor.

O que lhe permitiu concluir as simulações computacionais e, desse modo, o dito relatório técnico científico, remetendo-o ao autor, através das suas mandatárias, no dia 20.01.2023.

No dia 23.1.2023, e conforme havia sido notificado, por indicação do autor, o autor do relatório técnico científico, Eng. BB, compareceu no Campus da Justiça, na Unidade das videoconferências de Lisboa, a fim de ser ouvido com recurso a videoconferência, pelas 14:00h, nos autos do processo identificado na petição inicial.

Ali aguardou pela prestação do seu depoimento, desde as 13:50h até às 16:45h.

Sucede que, pelas 16:45h, o referido Eng. BB foi informado pelo funcionário judicial de que a prestação do seu depoimento havia sido adiada para o dia 30.1.2023, pelas 14:00h.

Chegados ao dia 30.1.2023, pelas 12:08h, o autor, através das suas mandatárias, comunicou à ré que prescindia do depoimento do Eng. BB, que teria lugar nesse mesmo dia, pelas 14:00h.

A ré não obteve pagamento da fatura emitida por causa da presença do Eng. BB em tribunal.

No plano jurídico, sustenta a ré que o comportamento do autor e das suas mandatárias é demonstrativo da falta de fixação de qualquer prazo de entrega do relatório; e, ainda que se se verificasse a mora da ré no cumprimento da sua prestação, impunha-se que o autor convertesse tal suposta mora em incumprimento definitivo, o que não se verificou.

Também não se deu a perda de interesse na prestação por parte do autor.

Subsidiariamente, invoca a figura do abuso de direito, afirmando que o autor “usou, de fato, o relatório elaborado pela R., ainda se entenda que a R. não cumpriu um prazo certo de entrega do relatório em lide, e, ainda, que tal fato impossibilitou o A. de o utilizar, conferindo-lhe o direito a resolver o contrato e peticionar a devolução do preço pago (o que só por mera hipótese académica se concede), mal se compreende, à luz do princípio da boa-fé que deve nortear as partes durante toda a vida do negócio, que o A., através das suas mandatárias, profissionais do foro, tenham permitido o suposto arrastamento da situação moratória por 71 dias, respondendo, prontamente, às questões colocadas pela R., e remetendo os documentos, o último dos quais, na véspera da entrega do relatório pela R., e que, entregue o relatório pela R., nada tenha reclamado ou se insurgido contra o teor do mesmo, para vir, só depois de se ver servido e realizada a prestação da R., dizer, decorridos quase 12 meses, que, afinal, não juntou aos autos o relatório devido à sua chegada (muito) tardia, peticionando a devolução do valor pago, entre outros supostos danos.”

Refere ainda, quanto à notificação judicial avulsa, que a mesma apenas se deveu a opção do autor e das suas mandatárias, não havendo qualquer nexo de causalidade com o alegado incumprimento da ré.

No que diz respeito aos honorários de advogado, afirma que estes integram as custas de parte – cfr. arts. 25º, n.ºs 1 e 2, al. d) do RCP e 533º, n.º 2 al. d) do CPC -, pelo que o autor, ao cumular tal pedido com o pedido de condenação da ré no pagamento de custas e procuradoria, incorre em duplicação de pedidos.

Refuta também a existência de quaisquer danos não patrimoniais e pede que o autor seja condenado como litigante de má fé.

Em sede reconvencional, pretende, para o caso de ser condenada a devolver ao autor o montante de €3.690,00, o pagamento do valor devido pela elaboração da Avaliação Técnica solicitada pelo autor e a este entregue em 26.5.2022, no valor de €307,50.

E, bem assim, o valor de €225,00 (€75,00 € x 3 horas), acrescida de estacionamento no valor de €5,10, acrescido de IVA, pela deslocação do Eng. BB ao tribunal.

À matéria da contestação/reconvenção respondeu o autor na réplica.

Pede, em primeiro lugar, a retificação de erro de escrita.

Reafirma o teor da sua petição, rejeitando a condenação a título de litigância de má fé.

No atinente à reconvenção, defende que a não inquirição do Eng. BB não decorre de qualquer ação do autor, mas por motivos decorrentes do funcionamento do Tribunal. Por conseguinte, o Eng. BB poderia ter recorrido à compensação a que se refere o art. 317.º do Cód. Proc. Penal, não podendo ser imputado ao autor o não recurso aos mecanismos legais por parte da testemunha.

Este depoimento estaria incluído no valor do relatório e a fatura solicitada pela ré não corresponde a qualquer obrigação contratual imputável ao autor e, por isso, não é devida.

Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual, para além do mais, foi admitida a retificação de lapsos de escrita pelo autor e admitiu-se o pedido reconvencional deduzido pela ré.

Realizou-se depois audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.

Por fim, foi proferida sentença cuja parte decisória é a seguinte:

“a) Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e em consequência, absolver a Ré A..., LDA, de tudo o peticionado contra si pelo Autor AA;

b) Julgar prejudicado, atenta a improcedência da acção, o conhecimento da parte da reconvenção deduzida com carácter subsidiário e para a eventualidade de condenação da R./Reconvinte (pagamento da quantia de €307,50, que lhe é devida pela elaboração da Avaliação Técnica solicitada pelo A. e a este entregue em 26/05/2022);

c) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a reconvenção e, em consequência, condenar-se o A./Reconvindo AA a pagar à R./Reconvinte A... o valor de €276,75 (duzentos e setenta e seis euros e setenta e cinco cêntimos), acrescido de juros, à taxa legal em vigor para as operações civis, contabilizados desde 16/2/2023, até efectivo e integral pagamento;

d) Absolver o A./Reconvindo do remanescente do pedido reconvencional;

e) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação do A./Reconvindo, a título de litigante de má fé.”

Inconformado com o decidido, interpôs recurso o autor/reconvindo que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. A TESTEMUNHA CC, QUE É A PEÇA CENTRAL DOS PRESENTES AUTOS, PORQUANTO É SÓCIO DA RÉ, AUTOR MATERIAL DO RELATÓRIO CONTRATADO PELO AUTOR À RÉ E ÚNICO MEIO DE CONTACTO ENTRE AS PARTES, ASSUMIU, POR DUAS VEZES, EM AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO QUE A RÉ TERIA DE TER ENTREGUE O RELATÓRIO AO AUTOR EM NOVEMBRO DE 2022, CONFORME CONSTA DA PETIÇÃO INICIAL (MINUTOS 16,57 E 24,29 DO SEU DEPOIMENTO).

II. TAL FACTO É ABSOLUTAMENTE IGNORADO PELA DOUTA SENTENÇA.

III. A MESMA TESTEMUNHA ASSUME, EM JANEIRO DE 2023, QUE O RELATÓRIO CONTRATADO PELO AUTOR À RÉ ESTÁ MUITO ATRASADO, CONFORME RESULTA DO FACTO DADO COMO PROVADO N.º 24.

IV. A TESTEMUNHA CC, AOS 15,08 MINUTOS (E SEGUINTES) DO SEU DEPOIMENTO, RELACIONA O PRAZO DE ENTREGA DO RELATÓRIO, A CARGO DA RÉ, COM OS PAGAMENTOS, A CARGO DO AUTOR, CALCULANDO O PRAZO DE ENTREGADO RELATÓRIO POR REFERÊNCIA AOS PAGAMENTOS REALIZADOS PELO AUTOR.

V. O PRAZO DE NOVENTA DIAS REFERIDO PELA RÉ REFERE-SE À CONTAGEM DO PRAZO DE ENTREGA DO RELATÓRIO E NÃO AO PRAZO DE PAGAMENTO DA SEGUNDA PRESTAÇÃO POR PARTE DE AUTOR, POIS DESCONSIDERA O MÊS DE AGOSTO, O QUE SÓ FAZ SENTIDO SE TAL SE REFERIR AO PRAZO DE ENTREGA.

VI. AO RETIRAR O MÊS DE AGOSTO DA CONTAGEM DO PRAZO, A RÉ QUIS TRANSMITIR AO AUTOR QUE O SEU PRAZO DE ENTREGA DO RELATÓRIO SERIA DE TRÊS MESES, SEM CONSIDERAR O MÊS DE FÉRIAS, O QUE DEMONSTRA, SEM DÚVIDA, QUE É UM PRAZO PARA A REALIZAÇÃO DO SEU TRABALHO E, POR ISSO, NÃO CONSIDERA UM MÊS EM QUE NÃO TRABALHA.

VII. O E-MAIL DE 17 DE JUNHO DE 2022, ENVIADO PELA RÉ SÓ PODE SER LIDO COMO IMPUTANDO TRÊS PAGAMENTOS AO AUTOR, UM IMEDIATO, UM OUTRO CONTRA ENTREGA DO RELATÓRIO E UM FINAL TRINTA DIAS APÓS ESTA DATA E DETERMINADO UM PRAZO DE TRÊS MESES PARA A RÉ FAZER O RELATÓRIO, CUJA CONTAGEM SE INICIA COM O PRIMEIRO PAGAMENTO, NÃO CONTANDO O MÊS DE AGOSTO, POIS NESSE MÊS, A RÉ NÃO TRABALHA.

VIII. COMO O PRIMEIRO PAGAMENTO OCORRE A 10 DE JULHO DE 2022 (FACTO DADO COMO PROVADO N.º 19), O RELATÓRIO TERIA DE SER ENTREGUE PELA RÉ A 10 DE NOVEMBRO DE 2022.

IX. A NEGOCIAÇÃO HAVIDA ENTRE AS PARTES APENAS ALTEROU O VALOR TOTAL DO RELATÓRIO, NÃO ALTERANDO OS PRAZOS ACORDADOS, QUER DE PAGAMENTO POR PARTE DO AUTOR, QUER DE ENTREGA DO RELATÓRIO POR PARTE DA RÉ, NEM A ESTRUTURA DOS PAGAMENTOS QUE MANTEVE UM PAGAMENTO INICIAL DE 20%, SEGUIDO DE UM DE 50% E UM FINAL DE 30%.

X. TOMANDO EM CONSIDERAÇÃO O ALEGADO DE I A IX DEVE-SER DAR COMO PROVADO QUE A RÉ TERIA QUE ENTREGAR O RELATÓRIO AO AUTOR ATÉ AO DIA 10 DE NOVEMBRO DE 2022, CAINDO EM SITUAÇÃO DE INCUMPRIMENTO PORQUE APENAS REALIZOU TAL ENTREGA A 20 DE JANEIRO DE 2023, CONFORME RESULTA DO FACTO DADO COMO PROVADO N.º 32.

XI. ASSIM, O PEDIDO A) FORMULADO PELO AUTOR, E CONSEQUENTEMENTE OS PEDIDOS B) E C), DEVEM SER DADOS COMO TOTALMENTE PROCEDENTES, POR PROVADOS, E DEVE A DECISÃO RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA NESTES TERMOS.

XII. ESTANDO A RÉ OBRIGADA A ENTREGAR O RELATÓRIO EM NOVEMBRO DE 2022, A MESMA DEVERIA TER COMUNICADO AO AUTOR OS ERROS QUE ESTAVA A TER, O QUER CERTAMENTE ANTECIPARIA AS COMUNICAÇÕES DE JANEIRO DE 2023 PARA ESTA ALTURA, E PREVENDO-SE O MESMO DESFECHO, PERMITIRIA UM CUMPRIMENTO, AINDA QUE TARDIO DAS RESPONSABILIDADES CONTRATUAIS DA RÉ.

XIII. A RESPONSABILIDADE POR TAL AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO É TOTALMENTE DA RESPONSABILIDADE DA RÉ, QUE NÃO REALIZOU NENHUM ACTO DE COMUNICAÇÃO COM O AUTOR DESDE JULHO ATÉ DEZEMBRO DE 2022.

XIV. SEMPRE QUE A RÉ REALIZOU PEDIDOS AO AUTOR (POR INTERMÉDIO DO ESCRITÓRIO DE ADVOGADOS QUE O REPRESENTA) OS MESMOS FORAM RESPONDIDOS DE FORMA PRONTA, SENÃO NO MESMO DIA DO PEDIDO, NO DIA SEGUINTE A ESTE.

XV. A RÉ NÃO SÓ SE ATRASOU NA ENTREGA DO RELATÓRIO AO AUTOR, COMO IGUALMENTE INCUMPRIU COM AS SUAS OBRIGAÇÕES FISCAIS POIS REALIZOU A EMISSÃO DA FACTURA FORA DO PRAZO DE CINCO DIAS ÚTEIS DETERMINADO PELO CÓDIGO DO IVA, CONFORME RESULTA DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS N.ºS 19, 20, 21, 22 E 23.

XVI. O SILENCIO DA RÉ ENTRE JULHO E DEZEMBRO DE 2022, A EMISSÃO (TARDIA) DA FACTURA A 27 DE DEZEMBRO DE 2022 E A REALIZAÇÃO DE TRÊS COMUNICAÇÕES EM NOVE DIAS DE JANEIRO (ENTRE OS DIAS 9 E 18), PERMITEM CONCLUIR QUE A RÉ APENAS INICIOU O RELATÓRIO EM DEZEMBRO DE 2022, EMITINDO A FACTURA E COMEÇANDO A RESPECTIVA ELABORAÇÃO E POR ESSE MOTIVO É QUE NECESSITOU DE REALIZAR AS COMUNICAÇÕES DE JANEIRO DE 2023.

XVII. SE A RÉ TIVESSE INICIADO O RELATÓRIO MAIS CEDO, OS PEDIDOS DE INFORMAÇÃO TERIAM OCORRIDO MAIS CEDO, EM JULHO, SETEMBRO OU OUTUBRO DE 2022 E O RELATÓRIO SERIA ENTREGUE DENTRO DO PRAZO CONTRATUALMENTE ESTABELECIDO, OU SEJA, NOVEMBRO DE 2022.

XVIII. POR ISSO É QUE A RÉ, A 9 DE JANEIRO DE 2023, CONFORME RESULTA DO FACTO DADO COMO PROVADO N.º 24, RECONHECE QUE O RELATÓRIO ESTÁ MUITO ATRASADO, PEDE DESCULPA PELO FACTO E ATÉ SUGERE QUE OS ADVOGADOS DO AUTOR SOLICITEM UM ADIAMENTO PROCESSUAL PARA TEREM MAIS TEMPO PARA CONCLUIR O RELATÓRIO TARDIAMENTE INICIADO.

XIX. O INCUMPRIMENTO CONTRATUAL DA RÉ EVIDENCIADO PELOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS N.ºS 25 E 26, ONDE A RÉ SOLICITA AS CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DOS VEÍCULOS, POIS É IMPOSSÍVEL QUE A RÉ TENHA REALIZADO QUAISQUER CÁLCULOS E SIMULAÇÕES FÍSICAS E MATEMÁTICAS SEM TER O CONHECIMENTO DAS CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DOS VEÍCULOS.

XX. RESULTA DO DOCUMENTO N.º 6 JUNTO PELA PRÓPRIA RÉ COM A SUA CONTESTAÇÃO, E POR ISSO NÃO IMPUGNADO PELA MESMA, QUE O E-MAIL ENVIADO PELO ESCRITÓRIO DE ADVOGADOS QUE REPRESENTA O AUTOR E NA SEQUÊNCIA DE UM PRÉVIO PEDIDO DA RÉ, NA PESSOA DA TESTEMUNHA CC.

XXI. POR ISSO, O FACTO DADO COMO PROVADO N.º 29 DEVE SER ALTERADO PARA OS SEGUINTES TERMOS: “TENDO O A., ATRAVÉS DAS SUAS MANDATÁRIAS, REMETIDO À R., NESSE DIA 18/01/2023, O REFERIDO CROQUI, SOB O FICHEIRO DESIGNADO POR “DOC..PDF”, O RELATÓRIO DA AUTÓPSIA, A IMPUGNAÇÃO DO CROQUI E A PARTICIPAÇÃO DO ACIDENTE, POR SOLICITAÇÃO TELEFÓNICA DESTA ÚLTIMA.”.

XXII. A TESTEMUNHA CC AFIRMOU (14,19 MINUTOS DO SEU DEPOIMENTO) QUE QUEM DEFINIA OS DOCUMENTOS QUE O AUTOR TERIA DE ENVIAR À RÉ ERA ESTA.

XXIII. RAZÃO PELA QUAL, TRATANDO-SE DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL RELEVANTE, TAL FACTO DEVE SER DADO COMO PROVADO E ADITADO À MATÉRIA APURADA.

XXIV. SENDO OBRIGAÇÃO DA RÉ DEFINIR QUAIS ERAM OS DOCUMENTOS QUE O AUTOR DEVERIA ENTREGAR, A RÉ DEVERIA, OU TER REALIZADO UMA CONSULTA DOS AUTOS, QUER ERAM PÚBLICOS, POIS A ACUSAÇÃO JÁ SE ENCONTRAVA DEDUZIDA, OU PEDIR CÓPIA INTEGRAL DO MESMO AO AUTOR.

XXV. O AUTOR NÃO TEM QUALQUER INTERESSE EM SONEGAR INFORMAÇÃO À RÉ, ALIÁS PELO CONTRÁRIO, O MESMO ATÉ ANTECIPOU AS SUAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS, PAGANDO ANTES DO PRAZO, CONFORME RESULTA DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS N.ºS 19, 20 E 21.

XXVI. A RÉ TEVE CONHECIMENTO DO TERCEIRO CROQUIS E DO RELATÓRIO DA GNR NO DIA SEGUINTE A PEDIR TAIS ELEMENTOS AO AUTOR.

XXVII. COMO É A RÉ QUEM O PODER DE DEFINIR QUAIS SÃO OS DOCUMENTOS QUE NECESSITA PARA A ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO, ENTÃO É DA SUA EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE O MOMENTO EM QUE OS SOLICITA, NENHUMA RESPONSABILIDADE PODENDO SER ASSACADA AO AUTOR. [sic]

XXVIII. ESTE CONHECIMENTO, QUE A RÉ DIZ SER TARDIO, É DA EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DESTA, RAZÃO PELA QUAL NÃO SE MOSTRAM AFECTADAS AS CONCLUSÕES REALIZADAS EM X E XI.

XXIX. IGUALMENTE NÃO SE MOSTRA RELEVANTE, PARA ANÁLISE DO INCUMPRIMENTO DA RÉ, QUE TENHA SIDO ORDENADA A REPETIÇÃO DO JULGAMENTO, POIS O QUE RELEVA É O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES LEGAIS DA RÉ EM NOVEMBRO DE 2022, PARA UM JULGAMENTO QUE SE IA INICIAR EM JANEIRO DE 2023, SENDO IRRELEVANTE QUE O JULGAMENTO SEJA REPETIDO EM FEVEREIRO DE 2024.

XXX. A RÉ ATRASOU-SE SETENTA DIAS NA ENTREGA DO RELATÓRIO, PELO QUE NÃO [TEM] SENTIDO ALGUM QUE PARA DESCULPAR ESTE INCUMPRIMENTO SE IMPONHA AOS ADVOGADOS DO AUTOR QUE DECIDAM EM SETENTA E DUAS HORAS E CATORZE MINUTOS, ALGO QUE DEVERIAM TER TIDO CERCA DE DOIS MESES PARA PONDERAR.

XXXI. OS ADVOGADOS DO AUTOR TERIAM DE PONDERAR TODAS AS IMPLICAÇÕES, POSITIVAS E NEGATIVAS, QUE RESULTAM PARA A POSIÇÃO PROCESSUAL DESTE, NÃO SE COMPAGINANDO COM ESTA OBRIGAÇÃO DO MANDATÁRIO FORENSE UMA OBRIGAÇÃO DE DECISÃO EM POUCO MAIS DE VINTE E QUATRO HORAS ÚTEIS.

XXXII. ATÉ A LEI DETERMINA UM PRAZO DE PONDERAÇÃO SUPLETIVO DE DEZ DIAS NÃO SE PODENDO DESCULPAR O INCUMPRIMENTO CONTRATUAL DA RÉ IMPONDO AOS MANDATÁRIOS FORENSES DO AUTOR QUE TOMASSEM UMA DECISÃO IMPONDERADA SOBRE O CONTEÚDO DO RELATÓRIO, AINDA PARA MAIS NUM PROCESSO DE HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA, ONDE ESTÃO EM CAUSA VALORES ESSENCIAIS DE UMA QUALQUER SOCIEDADE, COMO A VIDA HUMANA (DA VÍTIMA) E A LIBERDADE (DO ACUSADO).

XXXIII. TAMBÉM NÃO SE PODE DESCULPAR O INCUMPRIMENTO CONTRATUAL DA RÉ COM O FACTO DE OS MANDATÁRIOS FORENSES DO AUTOR NÃO TEREM JUNTO O RELATÓRIO EM MOMENTO POSTERIOR, POIS UMA ALTERAÇÃO DE ESTRATÉGIA PROCESSUAL, NO DECURSO DO JULGAMENTO, POR REGRA, CONDUZ À PERDA DE CREDIBILIDADE DA PROVA PRESTADA.

XXXIV. OS MANDATÁRIOS FORENSES DO AUTOR NÃO TIVERAM TEMPO PARA ANALISAR O RELATÓRIO TARDIAMENTE ENTREGUE PELA RÉ, NEM PODERIA ARRISCAR A SUA JUNÇÃO SEM UMA ANÁLISE CUIDADA E PONDERADA E QUE NÃO SE FAZ EM TRÊS DIAS, DOIS DELES DE FIM DE SEMANA.

XXXV. OS FACTOS E) E F) DA MATÉRIA DADA COMO NÃO PROVADA, DEVEM, AO INVÉS, SEREM CONSIDERADOS COMO PROVADOS.

XXXVI. NOVAMENTE, NÃO SE MOSTRAM AFECTADAS AS CONCLUSÕES REALIZADAS EM X E XI.

XXXVII. A RECONVENÇÃO TERÁ DE SER JULGADA IMPROCEDENTE POIS A NÃO INQUIRIÇÃO DO TÉCNICO DA RÉ DECORRE DE INCUMPRIMENTO CONTRATUAL DESTA E NÃO PODE, POR ISSO, SER ASSACADA QUALQUER RESPONSABILIDADE AO AUTOR.

Pretende assim que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que declare e incumprimento contratual da ré e a condene na devolução do montante pago pelo autor, acrescido de juros e despesas e que julgue improcedente a reconvenção deduzida pela ré.

A ré/reconvinte apresentou contra-alegações, pronunciando-se pela confirmação do decidido.

Formulou as seguintes conclusões:

A) O A./Recorrente deduz o presente recurso alegando, na sua ótica, que o Tribunal a quo julgou incorretamente os pontos da matéria de facto que indica, defendendo o A./Recorrente que a alteração pugnada de tal matéria de fato impõe, sem mais argumentos, desde logo, de Direito, que se considere que a “ré incumpriu o contratualmente acordado com o autor” e, em consequência, pede que a douta sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que “condene na devolução do montante pago pelo autor, acrescido de juros e despesas”, pugnando pela procedência dos pedidos formulados sob as alíneas a) a c) da petição inicial, conformando-se, assim, com o seu decaimento quanto ao pedido formulado na alínea d), e, ainda, pede que seja julgada improcedente, a reconvenção deduzida pela R./Recorrida.

B) A R./Recorrida que reputa a douta sentença recorrida de justa, fundamentada, constando da mesma a mais completa apreciação da prova produzida, a ponderação dos depoimentos produzidos, a aferição dos mesmos e a subsunção da factualidade às normas aplicáveis em presença.

C) Entende, pois, a R./Recorrida que a decisão recorrida é inatacável por correta, devendo, portanto, manter-se no seu todo e não merecer acolhimento o recurso de apelação ora interposto pelo A./Recorrente.

SENÃO, VEJAMOS

D) Defende o A./Recorrente que deveria ter sido dado como provado o fato elencado sob a al. c) dos fatos dados como não provados pela douta sentença recorrida, isto é, que “A R. obrigou-se à entrega do relatório até ao dia 10 de Novembro de 2022.”.

E) Em primeiro lugar, desconsidera o A./ Recorrente, em absoluto, a matéria de facto dada como provada pela douta sentença recorrida, que se revela manifestamente incompatível com a alteração que pretende do juízo que recaiu sobre o fato dado como não provado elencado sob a al. c), nomeadamente, os pontos 11 a 14 dos fatos dados como provados.

F) Resulta, assim, da matéria de fato dada como provada acima referida, deixada incólume pelo A./Recorrente na sua impugnação, que a R./Recorrida propôs ao A./Recorrente, tal como plasmado na avaliação preliminar, que “As simulações computacionais e o relatório técnico serão executados no prazo de 90 dias após toda a informação necessária à elaboração do trabalho ter sido disponibilizada e realizadas eventuais visitas ao local da colisão.”, o que, este, através das suas mandatárias, aceitou.

G) Por outro lado, os factos constantes dos pontos 27, 28, 30 a 32 da matéria factual dada como demonstrada pela douta sentença recorrida, não impugnados pelo A./Recorrente, concatenados com os pontos suprarreferidos 11 a 14, não permitem dar como provado que “A R. obrigou-se à entrega do relatório até ao dia 10 de Novembro de 2022.”, com arrimo na existência de uma correlação entre os pagamentos realizados pelo A./Recorrente e o prazo de entrega, como vem defendido nas alegações de recurso, porquanto dos mesmos resulta, precisamente, o oposto, ou seja, que a R./Recorrida obrigou-se perante o A./Recorrente a executar simulações computacionais e o relatório técnico no prazo de 90 dias após toda a informação necessária à elaboração do trabalho ter sido disponibilizada e realizadas eventuais visitas ao local da colisão, e, ainda, que a informação necessária à elaboração do trabalho foi disponibilizada em 19/01/2023.

H) Por outro lado, omite o A./Recorrente nas suas alegações que ora se responde, que a versão avançada por este na sua contestação, da suposta existência de uma correlação entre os pagamentos por si realizados e o prazo de entrega, foi desmentida pelo próprio A./Recorrente, no depoimento que prestou em sede de audiência de discussão e julgamento, constante da gravação efetuada, realizada entre as 10:24 e as 11:01, de minutos 02:24 a 02:45 e 11:45 a 12:18.

I) Ora, tendo em conta estas declarações prestadas pelo próprio A./Recorrente em sede de audiência de julgamento, a alteração que pretende da decisão proferida pelo douto Tribunal a quo quanto à matéria de facto elencada na al. c) dos fatos não provados, com arrimo na suposta existência de uma correlação entre os pagamentos por si realizados e o prazo de entrega, revela-se, com a devida vénia, no mínimo, temerária.

J) Por outro lado, e quanto ao depoimento prestado pela testemunha CC, transcrito pelo A./Recorrente nas suas alegações, para além de não permitir concluir, como este pretende, que a referida testemunha reconheceu que o prazo de entrega seria o mês de Novembro de 2022 (atente-se, Novembro de 2022 e não 10 de Novembro de 2022, como pretende o A./Recorrente), por referência aos pagamentos que o A./Recorrente realizou à R./Recorrida, impõem uma conclusão consentânea com o decidido, ao mesmo trecho, pela douta sentença recorrida.

K) De facto, e como resulta evidente da transcrição efetuada do depoimento desta testemunha nas alegações de recurso expendidas pelo A./Recorrente, a referida testemunha, ao declarar que o prazo de entrega seria o mês de Novembro de 2022, expressou um juízo hipotético assente na premissa avançada pelo Ilustre Mandatário do Autor “Atendendo a que o senhor engenheiro estava convencido que tinha os documentos todos, vamos admitir essa versão, quando é que o senhor engenheiro acha que deveria ter entregado o relatório?” e “O que eu quero dizer é, vamos admitir o cenário que, estamos em falar em Julho, o senhor engenheiro acha que tem todos os documentos, em Julho é paga a primeira tranche, quando é que o senhor engenheiro devia entregar o relatório.”

L) No mesmo sentido depôs a referida testemunha quando inquirida pela Mandatária da R./Recorrida, na audiência de discussão e julgamento, constante da gravação efetuada, realizada entre as 10:24 e as 11:01, de minutos 49:20 a 51:14 e 53:33 a 53:54.

M) O que, mais uma vez, revela a atitude, no mínimo, temerária com que o A./Recorrente apresenta o seu pedido de alteração da decisão proferida pelo douto Tribunal a quo quanto à matéria de facto elencada na al. c) dos factos não provados, quando a transcrição do depoimento prestado por testemunha, em que assenta a sua pretensão, encontra-se, ostensivamente, em concordância com o decidido pela douta sentença recorrida.

N) E à luz deste depoimento, nos exatos termos em que foi prestado, que tem de ser interpretado o email de 09/01/2023, remetido por esta mesma testemunha às mandatárias do A./Recorrente, com o teor constante no ponto 24 dos fatos dados como provados, designadamente, o concreto contexto temporal em que foi produzido, que, como refere, e bem, a douta sentença recorrida, foi, também, explicado pela testemunha CC e pelo legal representante da R. EE, “esclarecendo que as simulações levadas a cabo estavam a conduzir a resultados incorrectos (…)” – Cfr. pág. 21 da douta sentença recorrida.

O) Quanto ao teor do email remetido em 17/06/2022, cujo teor conta do ponto 15 dos fatos dados como provados, para além do já expendido a este propósito pela douta sentença recorrida, que a R./Recorrente coibir-se-á de repetir, por desnecessário, pouco mais haverá a acrescentar.

P) Pelo que, em face de tal prova testemunhal produzida, dos depoimentos prestados pelo próprio A./Recorrente e pelos legais representantes da R./Recorrida, bem como da prova documental junta aos autos, o concreto uso que o Tribunal a quo fez do material probatório posto à sua disposição, de forma a atingir a convicção de que ficou por provar que a R./Recorrida se tenha comprometido à entrega do relatório até ao dia 10/11/2022, não é suscetível de qualquer censura.

Q) Ainda a este trecho, as alegações a que se responde escamoteiam que, mesmo que o A./Recorrente tivesse logrado provar que “A R. obrigou-se à entrega do relatório até ao dia 10 de Novembro de 2022.”, nunca tal fato conduziria, per si, à conclusão de que a R./Recorrida incumpriu o acordado com o autor e que, em face desse incumprimento, deve devolver ao autor o valor por este pago de €3690,00, acrescido de juros legais de mora, devendo, por isso, a sentença ser revogada e substituída por outra que declare o pedido a) deduzido pelo autor em sede de petição inicial ser havido como totalmente procedente, por provado, bem como, por consequência, os pedidos b) e c), como pugna o A./Recorrente nas suas alegações, conforme expendido pela douta sentença recorrida – Cfr. Pág. 27 e 28 da douta sentença recorrida.

R) Ademais, e ainda que a R./Recorrida tivesse incorrido num qualquer incumprimento definitivo, nunca o A./Recorrente teria direito a receber qualquer valor a título dos putativos danos patrimoniais que peticionou sob as alíneas b) e c), cujo deferimento pugna nas alegações a que se responde, pois não logrou provar os fatos que subjazem a tais pedidos – alíneas i) e j) do elenco dos fatos não provados constante da douta sentença recorrida.

S) Prossegue o A./Recorrente, sob o título “II – DA RESPONSABILIDADE PELA ENTREGA DOS DOCUMENTOS” insurgindo-se contra a douta sentença recorrida, desta feita, por não ter concluído que “A ré, em 16 de Janeiro de 2023 evidencia incumprimento contratual.”

T) Mais, uma vez, escamoteia o A./Recorrente o que, a esse trecho, foi declarado pela testemunha o Eng. CC, não contraditado por qualquer outro meio de prova produzido nos autos, designadamente, no sentido de que, naquela data, já sabiam quais eram os veículos intervenientes no acidente e as suas características técnicas, e em decorrência, como consta do ponto 25 dos factos provados, a solicitação dos documentos dos veículos em 16/01/2023, apenas se destinou a que “melhor pudessem verificar as suas características”, pois, como anotou a douta sentença recorrida a este propósito, do que resultou dos depoimentos desta testemunha e do legal representante da R., EE, “as simulações levadas a cabo estavam a conduzir a resultados incorrectos, o que se afigura inteiramente plausível, se tivermos em conta, cotejando nomeadamente os croquis juntos aos autos, que apenas o terceiro (junto com o doc. 6 da contestação), coloca o veículo que era conduzido pelo A. na posição correcta e congruente com as fotos retiradas após o acidente, como aliás se dá conta no relatório apresentado.”. – Cfr. gravação efetuada, realizada entre as 10:24 e as 11:01, de minutos 56:08 a 56:56.

U) Em ato contínuo, pede o A./Recorrente a correção do ponto 29 dos factos, não alcançando a R./Recorrida, com a devida vénia, qual a conexão com as demais alegações esgrimidas, nem qual a relevância jurídica à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito a solucionar.

V) Ainda que assim não se entenda, mais uma vez, o A./Recorrente faz tabua rasa da posição assumida nos autos pela R./Recorrida a esse propósito, nomeadamente, o constante do artigo 56.º da contestação, bem como da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente, do depoimento prestado pela testemunha o Eng. CC, quando inquirida pela Mandatária da R./Recorrida, na audiência de discussão e julgamento, constante da gravação efetuada, realizada entre as 10:24 e as 11:01, de minutos 58:30 a 59:24.

W) Pelo que deve ser indeferida a correção do ponto 29 dos factos dados como provados, nos termos pretendidos pelo A./Recorrente.

X) O mesmo se diga quanto ao pretendido aditamento à matéria dos factos dados como provados que “Incumbia à ré definir quais os documentos que o autor lhe teria de fornecer para a elaboração do relatório”, desde logo, pela sua inocuidade à luz da solução plausível da questão de direito, como também resulta dos pontos 5 e 7 dos fatos dados como provados.

Y) Resulta, assim, dos fatos dados como provados e não contraditados pelo A./Recorrente que, perante o pedido de concretos documentos pela R./Recorrida atinentes e relevantes para a realização do trabalho contratado, as mandatárias do A./Recorrente entenderam omitir a existência de uma terceira versão do croqui do acidente elaborado pela GNR, e, remeter, apenas, a primeira e a segunda versões do mesmo croqui, esta última efetuado, como ali referem, conforme exposição enviada pela Sra. Dra. FF à GNR (mandatária do condutor de veículo automóvel acusado no âmbito de processo penal por homicídio por negligência de motociclista).

Z) Portanto, ao contrário do defendido pelo A./Recorrente, foi este, que, devidamente representando por profissionais do foro que o assessoravam no processo-crime em referência, que, mediante o concreto pedido de envio da Participação do acidente, da GNR ou PSP e outro material considerado relevante que a R./Recorrida lhes dirigiu em 22/04/2022, decidiram enviar, em 12/05/2022, versões dos referidos documentos que não correspondiam às respetivas versões finais e omitir, até 18/01/2023 e 19/01/2023, a existência de documentos constantes do referido processo que os corrigiam.

AA) Sendo certo que, ao contrário do defendido pelo A./Recorrente, o conhecimento por banda da R./Recorrida da existência do terceiro croqui e do relatório final da GNR, não podia estar dependente de um concreto pedido da R./Recorrida nesse sentido, porquanto a R./Recorrida não podia pedir o que não sabia que existia, nem era exigível que o soubesse – Cfr. inquirição da testemunha CC, constante da gravação efetuada, realizada entre as 10:24 e as 11:01, de minutos 49:20 a 51:14.

BB) Parecendo, ainda, resultar, evidente, dos factos dados como provados, e não contraditados pelo A./Recorrente, que a R./Recorrida nunca se obrigou a consultar o processo (fatos 5, 10 a 13 dos factos dados como provados), sendo, também ostensiva a desnecessidade do solicitar uma cópia integral do mesmo ao A./Recorrente, pois os concretos documentos solicitados pela R./Recorrida às mandatárias do A./Recorrente em 22/04/2022, com todos os respetivos aditamentos e correções (por estas revelados, apenas, em 18 e 19 de janeiro de 2023), revelaram-se bastantes para a conclusão do trabalho adjudicado pela R./Recorrida (ponto 32 dos fatos dados como provados).

CC) Pelo que, também a este trecho, deve ser indeferida a requerida alteração da matéria de fato dada como provada.

DD) Prosseguindo, e sob o título “III – IMPOSSIBILIDADE DE USO DO RELATÓRIO”, defende o A./Recorrente que a fundamentação da sentença ao dar como não provados os fatos elencados, no respetivo rol, sob as alíneas e) e f), não faz nenhum sentido, pelo que requer que sejam dados como provados.

EE) Acontece que, a prova produzida nos presentes autos, como bem aferiu o Tribunal a quo, permitiu convencer pela não demonstração dos referidos pontos da matéria de fato dada como não provada – Cfr. pág. 22, 23 e 27 e 28 da douta sentença recorrida.

FF) De facto, é, desde logo, o que denuncia o comportamento adotado pelo A./Recorrente, através das suas mandatárias:

a) ao responderem, prontamente, às questões colocadas pela R./Recorrida e remetendo-lhe documentos revelados, o último dos quais, cerca de doze horas antes da entrega do relatório técnico pela R./Recorrida, e a três dias do início do julgamento do suprarreferido processo – Cfr. pontos 25 a 35 dos factos dados como provados;

b) ao manterem o propósito de inquirir o autor do relatório técnico, o Eng. BB, na audiência de julgamento agendada para o dia 23/01/2023, pelas 14:00, comunicando-lhe, sem qualquer justificação, que prescindiam do seu depoimento, apenas, em 30/01/2023, pelas 12:08, e, portanto, a menos de duas horas do início da segunda sessão de julgamento – Cfr. pontos 36 a 40 dos factos dados como provados;

c) bem como de, após a entrega do dito relatório técnico pela R./Recorrida, nada terem reclamado, ao longo de quase doze meses, apesar de interpeladas pela R./Recorrida, em 16/02/2023 e 21/04/2023, para regularizar o pagamento da fatura no valor de €283,02, relativa à presença em Tribunal do Eng. BB no dia 23/01/2023 – Cfr. pontos 41 a 50 dos factos dados como provados.

GG) Por outro lado, ainda, não é de aceitar o invocado pelo A./Recorrente de que a data em que foi entregue o relatório técnico, impediu qualquer análise e integração na sua estratégia de defesa, porquanto o teor do referido relatório tinha de ser o esperado pela defesa do A./Recorrente, em face do que já constava da avaliação técnica enviada ao A./Recorrente em 26/05/2022 – Cfr. pontos 10 e 33 dos factos dados como provados.

HH) Ademais, constata-se do confronto do teor do relatório técnico entregue pela R./Recorrida ao A./Recorrente (documento n.º 8 junto com a contestação) com o teor do requerimento junto aos autos no aludido processo-crime, a 20/01/2023, pelas 20h44, e, portanto, cerca de seis horas e trinta minutos após a entrega do suprarreferido relatório (ponto 34 dos factos dados como provados), que o A./Recorrente, apesar de ter optado por não juntar aos ditos autos o relatório técnico, faculdade que lhe assistia para o efeito ao abrigo do disposto nos artigos 165.º, n.º 1 e 3 e 340.º do Código do Processo Penal, fez uso do exarado em tal relatório elaborado pela R./Recorrida, para fundamentar o pedido de exame presencial do local do acidente no início da audiência de discussão e julgamento ou em momento que o Tribunal entendesse adequado durante a produção de prova.

II) E mal se compreende como pode o A./Recorrente vir invocar a métrica da Lei, para alegar, em sede de recurso, que tinha de dispor de, pelo menos, duas semanas para uma análise cuidada do mesmo e para a ponderação de todas as circunstâncias processuais que esse relatório pode afectar, quando a prova produzida nos autos revela que as mandatárias do A./Recorrente responderam, prontamente, às questões colocadas pela R./Recorrida e lhe remeteram os documentos revelados, o último dos quais, cerca de doze horas antes da entrega do relatório técnico pela R./Recorrida, e a três dias do início do julgamento do suprarreferido processo (pontos 25 a 32 dos factos provados), sem que, como bem refere a doura sentença recorrida, viessem exprimir a perda de interesse na remessa do relatório, pedindo a devolução do valor pago.

JJ) Por fim, e de suma importância, a este título, não se poderá de deixar de atender ao depoimento prestado pelo A./Recorrente, na audiência de discussão e julgamento, constante da gravação efetuada, realizada entre as 10:24 e as 11:01, de minutos 06:42 a 06:54, a instâncias do Meritíssimo Juiz a quo, e de minutos 29:15 a 29:41 e 30:32 a 30:42, a instâncias do Mandatária da R./Recorrida.

KK) Com efeito, resulta destas declarações produzidas pelo A./Recorrente, em sede de audiência de julgamento, que a sua equipa de advogados, efetivamente, analisou e apreendeu o conteúdo do relatório técnico em lide nos presente autos, tanto que transmitiu ao A./Recorrente, no dia em que se iniciou o julgamento do processo-crime em referência, que não o iam juntar, porquanto, no seu entender, embora se desconheça qual o fundamento, o seu conteúdo não o beneficiava em nada e só o prejudicava.

LL) Por tudo o exposto, bem andou o douto Tribunal a quo ao considerar como não demonstrado o facto constante da alínea e) do rol dos factos não provados, e bem assim, pela correlação estabelecida com o anterior, o facto constante da alínea f) do mesmo rol.

MM) Por fim, sob o título “IV - Reconvenção”, vem o A./Recorrente defender, de modo inédito, que o pedido reconvencional terá de cair, pois a dispensa do testemunho do técnico indicado pela ré decorre de violação contratual unicamente imputável a esta, razão pela qual, nenhum valor é devido pelo autor.

NN) Acontece que, a condenação do A./Recorrente no pedido reconvencional, com exclusão do valor devido a título de estacionamento, não teve como fundamento a dispensa do testemunho do técnico indicado pela ré, que só viria a ocorrer no dia 30/01/2023, pelas 12:08, para a inquirição que teria lugar nesse mesmo dia, pelas 14:00 (ponto 40 dos factos dados como provados), mas, ao invés, a deslocação do Eng. BB a Tribunal, onde compareceu no dia 23/01/2023, permanecendo nas instalações entre as 13:50 até às 16:45.

OO) Pelo que, também a este trecho, terá de improceder a alegação do A./Recorrente, por manifesta falta de fundamento.

PP) Devem, assim, douta vénia, improceder todas as conclusões do recurso o que implica o total inêxito do mesmo e a manutenção da decisão recorrida.

SUBSIDIARIAMENTE E SEM PRESCINDIR,

QQ) E prevenindo a hipótese – que não se concede – de procedência das questões suscitadas pelo A./Recorrente, e que, a qualquer título, venha a ser entendido que ao A./Recorrente assiste o direito a resolver o contrato e peticionar a devolução do preço pago (o que só por mera hipótese académica se concede), mal se compreende, conforme defendido em sede de contestação, que, à luz do princípio da boa-fé que deve nortear as partes durante toda a vida do negócio, que o A./Recorrente, através das suas mandatárias, profissionais do foro, tenham permitido o suposto arrastamento da situação moratória por 71 dias, respondendo, prontamente, às questões colocadas pela R./Recorrida, e remetendo os documentos, o último dos quais, na véspera da entrega do relatório pela R./Recorrida, e que, entregue o relatório pela R./Recorrida, nada tenha reclamado ou se insurgido contra o teor do mesmo, para vir, só depois de se ver servido e realizada a prestação da R./Recorrida, dizer, decorridos quase 12 meses, que, afinal, não juntou aos autos o relatório devido à sua chegada (muito) tardia, peticionando a devolução do valor pago, entre outros supostos danos – Cfr. pontos 25 a 50 dos factos dados como provados.

RR) Ostensivamente, o A./Recorrente pretender fazê-lo pela presente demanda, e ainda que se admita que lhe assiste o direito que peticiona, o que só por mera hipótese se concede, está a incorrer em abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

SS) Não olvidando que, conforme invocado em sede de contestação, e não apreciado pela douta sentença recorrida, porquanto prejudicado pelo decaimento dos fundamentos da ação, atento o tempo decorrido desde a receção do relatório pelo A./Recorrente, sem que nada tenha reclamado (Cfr. pontos 32 a 50 dos factos dados como provados), sempre se imporia considerar que ocorreu a aprovação tácita da conduta da R./Recorrida, nos termos do disposto no art.º 1163.º, ex vi art.º 1156.º do CC., cuja apreciação e conhecimento se requer, a título subsidiário, prevenindo a hipótese – que não se concede – de procedência das questões suscitadas pelo A./Recorrente e de improcedência da exceção do abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium.

O recurso foi admitido como apelação com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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As questões a decidir são as seguintes:

I – A reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto:

a) O prazo de entrega do relatório [facto não provado c)];

b) A responsabilidade pela entrega dos documentos (facto provado 29);

c) A impossibilidade de uso do relatório [factos não provados e) e f)];

II – O eventual incumprimento contratual da ré.


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É a seguinte a factualidade dada como provada na sentença recorrida:

1. A R. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à prestação de serviços de consultoria e formação, a realização de ensaios, e o desenvolvimento de tecnologias para análise científica de acidentes rodoviários, ferroviários e de trabalho, bem como a comercialização de produtos relacionados com a segurança rodoviária.

2. No âmbito da sua atividade comercial, a R., desde a sua constituição no ano de 2009, presta serviços nas áreas da engenharia, realizando consultoria, formação, ensaios, estudos científicos, desenvolvimento de tecnologias e comercialização de produtos, aplicados nomeadamente nas áreas de acidentes e segurança rodoviária, ferroviária e do trabalho.

3. O A. AA é arguido no processo n.º 3137/20.6T9GDM, que corre os seus termos no Juízo Local Criminal de Gondomar, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, encontrando-se acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de: a) uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 35º, n.º 1 e 2, e 145º, al. f) do Código da Estrada-Decreto-Lei n.º 114/94, de 03 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2013, de 03 de Setembro, b) uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 146º, al. n) Código da Estrada- Decreto-Lei n.º 114/94, de 03 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2013, de 03 de Setembro, e 21º, do Regulamento de sinalização de Transito; c) um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, n.º 1, 13º e 15º, e 69, n.º 1, al a) todos do Código Penal.; acusação cujos factos se relacionam com um acidente de viação em que esteve envolvido.

4. No dia 19/04/2022, o A., através das suas mandatárias, Dra. DD e Dra. FF, remeteu uma comunicação eletrónica à R., na qual lhe solicitou o envio de orçamento para reconstituição 3D de acidente de viação a fim de contribuir para a descoberta da verdade material em juízo.

5. Em resposta à referida solicitação, a R., através do seu sócio Eng. CC, remeteu comunicação eletrónica em 22/04/2022, na qual comunicou a metodologia de trabalho, informando, designadamente, que: “(…) no início de cada processo realizamos uma Avaliação Técnica dos documentos, consistindo no estudo da informação existente, assim como o desenvolvimento e validação de cenários gerais para a dinâmica do acidente, preparando uma possível Reconstituição Científica, e apresentação de elementos que permitam avaliar o interesse e vantagem na realização desta. A A... elabora reconstituições científicas de sinistros que possam envolver qualquer tipo de veículo e peões, apurando em que condições ocorreu o sinistro. Este é um serviço válido em tribunal e que assenta em princípios da física e da engenharia que aliado a simulações computacionais avançadas permite fornecer uma descrição pormenorizada da dinâmica de um sinistro, nomeadamente: Velocidades, Forças e acelerações, Trajetórias de circulação pré e pós impacto, Localização do ponto de impacto, Compatibilidade entre deformações de veículos, Compatibilidade entre deformações de veículos e lesões de ocupantes, Energia de deformação, Análise de visibilidade.

Nestes casos, existe informação de base sobre os veículos, a estrada e os intervenientes, resultante de averiguação realizada previamente pelo cliente ou pelas autoridades, pelo que não inclui deslocações ao local nem quaisquer medições. O relatório elaborado é unicamente suscetível de utilização interna pelo cliente, sendo que decidirá sobre a realização de uma subsequente Reconstituição Científica de Sinistro. O orçamento para eventual Reconstituição Científica de Sinistro faz parte da Avaliação Técnica. A Avaliação Técnica tem um custo de 250 euros (acresce IVA à taxa legal). Contudo, este valor é deduzido do valor orçamentado, caso decida pela realização da possível Reconstituição. Se concordar, peço que nos seja enviada a Participação do acidente, da GNR ou PSP; alguma documentação, fotografias dos veículos e seus danos e do local da colisão, ou outro material considerado relevante.”

6. Na decorrência das informações prestadas pela R., as mandatárias do A., em 05/05/2022, comunicaram-lhe a adjudicação do serviço, nos termos da proposta apresentada pela R.

7. Estabelecidos contactos telefónicos entre as mandatárias do A. e a R., através do seu sócio, o Eng. CC, vieram as primeiras a remeter-lhe, em 12/05/2022, para apreciação, os documentos que identificaram do seguinte modo: “- Participação do acidente de viação elaborada pelas autoridades, com o respetivo croqui; - Auto de notícia da GNR corrigido conforme exposição enviada pela Sra. Dra. FF à GNR (mandatária do condutor de veículo automóvel acusado no âmbito de processo penal por homicídio por negligência de motociclista); - Fotografias do(s) veículo(s) acidentado(s); - Fotografias do local do acidente”

8. No dia 26/05/2022, a R. remeteu às mandatárias do A. a avaliação técnica dos documentos, consistindo no estudo da informação existente, assim como o desenvolvimento e validação de cenários gerais para a dinâmica do acidente, preparando uma possível Reconstituição Científica, e apresentação de elementos que permitiam avaliar o interesse e vantagem na realização desta,

9. Mais peticionado o pagamento da quantia de €307,50 (com IVA incluído), valor este que, conforme referido em 5., seria deduzido ao valor orçamentado para a realização do relatório técnico-científico de Reconstituição Científica de acidente, caso o A. Se decidisse pela sua realização.

10. Em tal avaliação técnica elaborada pela R. e entregue ao A., consta, a título de conclusão, que: “A breve análise realizada ao sinistro aqui descrito permite estimar que o acidente terá ocorrido com a seguinte cronologia. Ao chegar ao entroncamento entre a Travessa ... e a Rua ..., AA terá decidido avançar, passando a circular na Rua ..., sentido norte – sul. O motociclo conduzido por GG, circulava na Rua ..., sentido norte – sul, com prioridade sob o Renault Clio. Os condutores não se aperceberam da presença de ambos. A colisão ocorre entre a lateral esquerda do motociclo e a frente direita do ligeiro de passageiros, de forma bastante tangencial, a colisão terá obrigado o motociclo a rodar para a sua direita, que o direcionou para o passeio e para a habitação n.º .... Nesta colisão existiram elevados níveis de energia dissipada entre o motociclo e a parede de alvenaria. Posteriormente à colisão com a habitação n.º ..., o motociclo e o motociclista foram projetados para o pavimento da Rua ..., tendo-se imobilizado nas posições indicadas pela GNR. A visibilidade no local, certamente afetada pelo edificado e pela própria configuração da Rua ... também poderão ter influência na produção do acidente, relacionada com eventual (e espectável) velocidade excessiva por parte do motociclo. Só a Reconstituição Científica do Acidente poderá responder de forma cabal à determinação da dinâmica do acidente e, principalmente, das velocidades de embate entre os veículos. A reconstituição proposta será realizada com recurso a modelos computacionais dos veículos e da via, visando a determinação das trajetórias de circulação dos veículos, pontos de impacto e da velocidade de circulação dos veículos.

Para isso, utilizará o software ... (representado exclusivamente pela A..., versão ..., a mais atual) onde será criado o cenário tridimensional do local da colisão, introduzidos os modelos dos veículos motorizados e o modelo de corpos múltiplos do motociclista e se realizará a determinação da dinâmica pós-impacto que conduz às posições de imobilização registadas pelas autoridades.”

11. Na parte final dessa avaliação técnica, apresentou a R. ao A. o orçamento relativo à execução do trabalho de Reconstituição Científica de Sinistro no valor de €3.500,00, acrescido de IVA à taxa legal de 23 %, perfazendo o montante total de €4.305,00, e as respetivas condições de pagamento: - Custos de adjudicação de 30% do valor orçamentado; - O valor remanescente deve ser pago contraentrega do relatório assinado; - O pagamento das faturas deve ser realizado no prazo de um dia após a sua entrega.

12. Mais se referindo aí que “As simulações computacionais e o relatório técnico serão executados no prazo de 90 dias após toda a informação necessária à elaboração do trabalho ter sido disponibilizada e realizadas eventuais visitas ao local da colisão.”

13. E, sob a epígrafe “condições gerais”, que os valores supra referidos não incluíam: “Despesas relacionadas com qualquer deslocação e horas despendidas em Tribunal ou em inspeções do local ou dos veículos. Em caso de ser requerida a presença em Tribunal esta será realizada pelo Eng. BB (Doutor em Engenharia Civil). Deslocações, presenças e depoimentos em Tribunal (incluindo deslocações) .................................................................... 75 €/hora; Será cobrado o valor de 0,36 euros por quilómetro percorrido em deslocações e eventuais portagens também serão contabilizadas. ▪ Serão cobradas no mínimo três horas por cada presença em Tribunal.”

14. O A., através das suas mandatárias, comunicou à R. que pretendia que esta elaborasse o relatório técnico científico de Reconstituição Científica de Sinistro, nos termos propostos, exceto quanto às condições de pagamento do preço, uma vez que, segundo o que transmitiram, o A. teria dificuldades financeiras, pelo que solicitaram um pagamento mais faseado.

15. Ao que a R. acedeu, propondo ao A., através de comunicação eletrónica remetida em 17/06/2022, o pagamento da quantia inicial de €1.291,50 (30 %), o pagamento da quantia de €2.152,50 (50 %), contra a entrega do relatório final, ao final do período de 90 dias, devendo ser desconsiderado neste cômputo o mês de Agosto, por motivo de férias, e o pagamento da quantia final de €861,00 (20 %), 30 dias após o pagamento anterior.

16. Aconteceu, porém, que, no dia 06/07/2022, as mandatárias do A. comunicaram à R. que, devido às dificuldades financeiras do A., este não conseguiria honrar o valor total orçamento, pelo que solicitaram uma diminuição do preço.

17. Diminuição essa que veio a ser anuída pela R., propondo ao A., a 8/7/2022, a quantia total de €3.690,00 (com IVA incluído), com o pagamento inicial de €1.107,00 (30 %), o pagamento da quantia de €1.845,00 (50 %), decorridos 90 dias, devendo ser desconsiderado neste cômputo o mês de agosto, por motivo de férias, e o pagamento da quantia final de €738,00 (20 %), 30 dias após o pagamento anterior.

18. O que o A. aceitou.

19. O Autor AA liquidou a primeira tranche de €1107,00, no dia 10 de Julho de 2022.

20. A 8 de Setembro de 2022, pagou à R. €1845,00.

21. E €738,00, a 10 de Outubro de 2022.

22. A 27/12/2022, a R. solicitou às mandatárias do A. os dados deste para emitir a fatura respeitante ao montante pago.

23. E no mesmo dia, após as mandatárias do A. terem remetido a solicitada informação, a R. enviou a factura correspondente ao pagamento da quantia de €3.690,00.

24. Em e-mail de 9/1/2023, a R., por intermédio do Eng. CC, escreve às mandatárias do A. o seguinte: “Boa noite, após a nossa conversa telefónica de ontem de manhã, estamos a fazer todos os esforços para conseguir ter o estudo realizado. Contudo, como reportado, o mesmo encontra-se muito atrasado, pelo que se fosse possível conseguir um adiamento da audiência seria muito importante. Mais uma vez, peço desculpa por todo o transtorno que este atraso está certamente a provocar.”

25. Em 16/01/2023, a R. solicitou ao A., através das suas mandatárias, o envio dos documentos dos veículos, para que melhor pudessem verificar as suas características.

26. Solicitação à qual o A., através das suas mandatárias, veio a responder no dia seguinte, remetendo, uma cópia do DUA do veículo automóvel do A., envolvido no acidente, mais informando, quanto ao motociclo, que “no processo penal não consta o respetivo DUA e não temos forma de obter com brevidade.”

27. No dia 18/01/2023, em conversa telefónica estabelecida entre o sócio da R., o Eng. CC, e uma das mandatárias do A., a Dra. DD, foi a R. informada de que existiria um terceiro croqui do acidente elaborado pela GNR, nos termos do qual a orientação assinalada do veículo do A. era congruente com a orientação evidenciada pelas fotografias registadas na cena de acidente, ao contrário do que sucedia com os croquis anteriormente enviados pelo A., através das suas mandatárias.

28. Tendo a R., através do seu sócio, o Eng. CC, solicitado, de imediato, que tal croqui fosse remetido à R., atenta a sua importância para a conclusão do trabalho em curso.

29. Tendo o A., através das suas mandatárias, remetido à R., nesse dia 18/01/2023, o referido croqui, sob o ficheiro designado por “Doc..pdf”, o relatório da Autópsia, que, ainda não havia remetido, bem como outros documentos que já havia remetido anteriormente, sem que, quanto a estes últimos, tal lhe tivesse sido solicitado.

30. Ainda no seguimento de conversa telefónica estabelecida entre a R., através do seu sócio, o Eng. CC, e uma das mandatárias do A., a Dra. DD, no dia 19/01/2023, foi a R. informada de que existiria um relatório final elaborado pela GNR, que também ainda não lhe havia sido remetido.

31. O qual veio a ser enviado à R., prontamente, nesse mesmo dia.

32. A Ré procedeu à entrega do relatório técnico a 20 de Janeiro de 2023 às 14h16.

33. Conclui esse relatório que o outro veículo envolvido no acidente excedia o limite de velocidade máxima imposto no local do sinistro em 48 km/h, o que dificultou a perceção da presença deste veículo e da sua velocidade pelo A., para o que também contribuiu as características do local, e, ainda, que as consequências do acidente foram fortemente condicionadas pela velocidade do motociclo no momento do impacto no veiculo ligeiro, conduzido pelo A.

34. Em requerimento apresentado pelo A., no aludido processo crime, a 20/1/2023, pelas 20h44, este pede “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 354º do CPP, o exame presencial do local do acidente no início da audiência de discussão e julgamento ou em momento que o Tribunal entenda adequado durante a produção de prova”, invocando para o efeito os seguintes fundamentos: “Encontrando-se controvertidas as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o acidente ocorreu, revela-se imperativo e de cabal importância a deslocação do Tribunal ao local, para in loco constatar as dinâmicas espácio-temporais com vista à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa; Na verdade, o mandatário signatário do presente requerimento, deslocou-se hoje ao dito local e, in situ, é facilmente percetível que a dinâmica e o modo como o acidente ocorreu, não corresponde às imagens e/ou às representações exaradas nos vários croquis (mesmo o croqui corrigido), que se encontram a instruir os presentes autos; In situ, é facilmente percetível que existe uma desconformidade ostensiva – a nível da sua representação documental VS perceção no local - entre o alegado local de embate dos veículos, que se mostra consignado nos croquis e representações constantes dos autos. Os croquis, não foram elaborados à escala e são suscetíveis de induzir em erro no tocante a perceção dos factos e à realidade das coisas, desde logo pelas várias distâncias e pontos de referência como sejam distância da passadeira de peões ao entroncamento, distância da habitação onde o motociclo embateu e o entroncamento, visibilidade, circulação do trânsito in loco, entre outras perceções só possíveis em cenário real; Na verdade, e tal como documentam as fotografias constantes do processo, nomeadamente a fls. 168 frente e verso, 169 frente e verso e 170, e contrariamente ao consignado nos vários croquis, a primeira moradia que aparece de frente, sentido Rua ... - Rua ..., não é o número de polícia ..., onde foi embater o sinistrado, mas sim os números de polícia ... e ...; A habitação com o número de polícia ..., dista, ainda, uns bons 15 metros do entroncamento onde a Rua ... desemboca na Rua ... --- esta factualidade é facilmente percetível no local e contraria, frontalmente, os desenhos esquemáticos consignados nos croquis, que instruem os autos e ajudará o Tribunal a melhor avaliar a dinâmica do acidente; A posição da paragem de autocarros não é a correta. Para que se entenda a verdade dos factos que o arguido pretende explicar ao tribunal e para que este possa exercer plenamente a sua defesa, importa, a deslocação do Tribunal ao local, para que, in situ, este possa atestar as desconformidades e as inconsistências dos croquis e tenha (como terá) uma perceção diferente daquela que se retira das fotografias juntas aos autos para suporte visual da dinâmica e das circunstâncias nas quais ocorreu o acidente; Existe uma desconformidade no desenho esquemático e nas fotografias ou mesmo de consulta da vista de rua, comparativamente com a perceção, que o tribunal pode ter se for ao local e se colocar na posição do condutor médio inserido em tal enquadramento; É notória a desconformidade existente entre os croquis de fls. 8, 45, 120 e 180 verso e as fotografias constantes de fls. 29,30,44 e fls. 164 a 172, e revela-se, de importância extrema para que o arguido possa exercer plenamente a sua defesa que o Tribunal se desloque ao local do acidente; (…)”

35. O julgamento do supra referido processo, no qual o A. era arguido, iniciava-se às 14h da segunda-feira seguinte, da 23 de Janeiro de 2024.

36. No dia 23/01/2023, e conforme havia sido notificado, por indicação do A., o autor do relatório técnico científico, o Eng. BB, compareceu no Campus da Justiça, na Unidade das videoconferências de Lisboa, a fim de ser ouvido com recurso a videoconferência, pelas 14:00.

37. Ali aguardando pela prestação do seu depoimento, desde as 13:50 até às 16:45.

38. Nesse dia, o referido Eng. BB despendeu com estacionamento, o valor de €5,10 (IVA incluído).

39. Pelas 16:45, o referido Eng. BB foi informado pelo funcionário judicial de que a prestação do seu depoimento havia sido adiada para o dia 30/01/2023, pelas 14:00.

40. Chegados ao dia 30/01/2023, pelas 12:08, o A., através das suas mandatárias, comunicou à R. que prescindia do depoimento do Eng. BB, que teria lugar nesse mesmo dia, pelas 14:00.

41. Tendo, em resposta, o A., através das suas mandatárias, sido informado de que a R. iria proceder à emissão da fatura, relativa à presença em Tribunal do Eng. BB no dia 23/01/2023.

42. O que veio a fazer no dia 16/02/2023, remetendo ao A., através das suas mandatárias, fatura no valor de €283,02, emitida e com data de vencimento no mesmo dia.

43. Não tendo o A. efetuado o pagamento de tal fatura, em 21/04/2023, a R. acusou o não recebimento, e solicitou a sua regularização, através de comunicação eletrónica remetida às mandatárias do A.

44. Contudo, a R. não obteve qualquer resposta, nem o A. efetuou o pagamento de tal fatura.

45. A 26/10/2023, o A. enviou carta registada com aviso de recepção à R., cujo teor se desconhece, para a sede da R.

46. A carta referida no ponto anterior foi devolvida, com menção “objecto não reclamado”.

47. O A. requereu a notificação judicial avulsa da R., que correu os seus termos como processo n.º 27826/23.4T8LSB, no Juízo Local Cível de Lisboa, para lhe dar conhecimento da “exigência do ressarcimento dos danos provocados pela requerida ao requerente, por incumprimento contratual, num total de, pelo menos, € 4.990,00 (quatro mil, novecentos e noventa euros), com a consequente interrupção da prescrição do correspectivo direito à indemnização”.

48. Invocando, nessa notificação, para além do atraso na entrega do mesmo, que “o relatório solicitado visava isentar de responsabilidades no acidente de viação em análise nesse processo o requerente AA, facto que era do conhecimento da requerida A... e aceite por esta”; porém, “O conteúdo do relatório, em vez de proporcionar um nível de defesa ao requerido AA concordava, em grande medida, com a versão sustentada pelo Ministério Público, na sua acusação, o que o tornou totalmente inútil para o fim pretendido.”

49. A notificação judicial avulsa efectivou-se a 4/12/2023.

50. À notificação judicial avulsa respondeu a R., por carta datada de 18/12/2023, onde diz, para além do mais, que “Após leitura dos termos em que V. Exas requerem o ressarcimento, com direito a indemnização, por parte da A..., por hipotético incumprimento contratual por parte da A..., vem Esta, por este meio, contradizer e refutar o requerido pelo Requerente (de ser indemnizado pela A...), na medida em que, ao contrário do Requerente, e do que o Mesmo alega e requer na referida notificação judicial avulsa, a A... cumpriu escrupulosamente o contrato firmado com o Requerente. Com efeito, o trabalho da A... destinava-se a produzir uma descrição cientificamente fundamentada dos acontecimentos do acidente e a extrair conclusões acerca da dinâmica do mesmo. O relatório da reconstituição do acidente, incluindo as conclusões acerca do mesmo, foi produzido com rigor técnico-científico e isenção, e disponibilizado no prazo contratual. Também foi assegurada a presença do respetivo autor em Tribunal. Constata-se não ter havido recurso aos meios de comunicação habitualmente usados entre a A... e a Sociedade B... (email ou telefone) para dar conhecimento do conteúdo da Notificação Judicial Avulsa. Acresce ao exposto que se encontra ainda por liquidar o pagamento da fatura ..., de 16/02/2023, enviada ao Requerente a 16/02/2023, por serviços prestados por esta empresa, respeitantes ao processo n.º 3137/20.6T9GDM. Adiante-se, desde já, que a A... se arroga no exercício do seu direito de imputar ao Requerente, nos termos legais e contratuais, os juros de mora pelo não pagamento pontual dos serviços prestados por esta empresa, constantes da fatura acima referida, agindo em conformidade e nas instâncias competentes, caso o Requerente não liquide junto da A..., e no prazo estipulado, o valor por Esta devido. Mais se informa que a A... agirá em conformidade, e nas instâncias competentes, caso entenda que o seu bom nome, a sua boa imagem, o rigor do seu trabalho e o seu profissionalismo sejam, ou eventualmente possam vir a ser, colocados em questão.”

Mais se apurou que:

51. O julgamento do supra referido processo 3137/20.6T9GDM desdobrou-se em quatro sessões (23/1/2023; 30/1/2023; 19/5/2023; 21/6/2023)

52. A final, veio a ser proferida sentença que absolveu o aí arguido AA das contraordenações estradais de que vinha acusado, mas condenou-o pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário previsto e punido no artigo 291º, n.º1, al. b) agravado pelo resultado nos termos dos artigos 294º e 285º, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) de prisão, suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova, conforme o disposto no artigo 50.º, n.º 5, 53.º e 54.ºº, todos do Código Penal e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 9 (nove) meses, nos termos do disposto no artigo 69, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal.

53. Dessa sentença, veio o aqui A. interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

54. Tendo sido proferido por aquele Tribunal da Relação acórdão, a 17/4/2024, que decidiu “anular a sentença recorrida e determinar o reenvio do processo para novo julgamento quanto à totalidade do seu objecto, - art.ºs 426.º e 426.º-A do CPP e sem prejuízo do disposto no art.º 40º do mesmo diploma”.


*

Os factos não provados são os seguintes:

a) A Ré se tenha comprometido a apesentar um relatório que isentasse o A. de responsabilidades no processo em que estava a ser julgado, demonstrando que este não tinha qualquer responsabilidade no acidente.

b) A aceitação referida em 14. tenha ocorrido, concretamente, através de conversa telefónica, em 31/5/2022.

c) A R. obrigou-se à entrega do relatório até ao dia 10 de Novembro de 2022.

d) A R. foi informada dos pagamentos efectuados pelo A., concretamente, a 13/07/2022 e 25/10/2022.

e) O facto da R. ter entregue o relatório no momento referido em 32., impediu qualquer análise daquele relatório, e, consequentemente, qualquer hipótese de integração do mesmo na estratégia de defesa do Autor AA.

f) Foi por força do referido no ponto anterior que foi prescindida a inquirição do técnico responsável pela elaboração do relatório.

g) Os documentos referidos em 25. a 31. (excluindo os mencionados na parte final do ponto 29.) já tinham sido enviados pelo A. à R. anteriormente.

h) O A. sentiu que o sacrifício financeiro de antecipar os pagamentos tinha sido inútil e ficou mais emocionalmente perturbado e ansioso com o eventual desfecho do processo judicial.

i) Com a notificação judicial avulsa, o A. incorreu em mais custos, nomeadamente honorários a advogado, computados em €300,00 (trezentos euros) e taxa de justiça de €51,00 (cinquenta e um euros).

j) Com a propositura da presente acção, o A. despendeu €400 com honorários a advogado.


*

Passemos à apreciação do mérito do recurso.

I – Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto:

a) O prazo de entrega do relatório [facto não provado c)];

1. Nas suas alegações de recurso o autor/recorrente, com relevo para a decisão final do litígio, impugna o facto não provado c) - A R. obrigou-se à entrega do relatório até ao dia 10 de Novembro de 2022 -, pretendendo que este transite para o elenco dos factos provados, uma vez que o primeiro pagamento ocorreu a 10.7.2022 (facto provado nº 19) e o prazo de entrega seria de 90 dias após esta data.

Nesse sentido indicou excertos do depoimento prestado pela testemunha CC, bem como o email dirigido pela ré ao autor em 17.6.2022, junto aos autos como documento nº 1 da petição inicial.

Quanto a esta questão factual, a ré/recorrida, nas suas contra-alegações, referiu também excertos do depoimento prestado por esta testemunha e ainda do que foi produzido pelo autor AA, para além de fazer alusão aos factos provados sob os nºs 11 a 14, 27, 28 e 30 a 32.

Procedemos assim à audição do depoimento da testemunha CC.

Este é professor universitário e sócio fundador da ré, não sendo presentemente seu gerente. Disse que o prazo para entrega do relatório começa a contar a partir do momento em que se recebeu toda a documentação. Porém, a dado momento do seu depoimento, a instâncias do ilustre mandatário do autor, quando confrontado com o plano de pagamentos acordado, admitiu que o relatório devia ter sido entregue em novembro de 2022, referindo depois que não o entregou nessa altura, porque os resultados com os elementos de que dispunham não eram satisfatórios. Não tinham confiança neles. Só em janeiro de 2023, dia 15 ou 16, é que soube da existência de outros elementos que alteravam os que lhe haviam sido enviados no anterior mês de maio, designadamente um terceiro croquis.

O autor AA, no seu depoimento de parte, disse que quanto a prazos se combinou que o relatório devia ser apresentado dois meses antes do julgamento, sendo que só o foi dois dias antes deste. O relatório não foi junto ao processo, porque não o beneficiava em nada e, na sua perspetiva, não retratava a realidade. Mais referiu que quanto à questão do prazo para a apresentação do relatório as conversas foram todas feitas entre a sua equipa de advogados e a ré.

Por seu turno, do mail enviado pela ré, através da aqui testemunha CC, para as mandatárias do autor, no dia 17.6.2022, consta o seguinte:

“Segue proposta de pagamento, de acordo com o que falámos anteriormente.

Pagamento inicial (30%): 1291.50€ (iva incluído)

Pagamento contra entrega do relatório final, ao final do período de 90 dias (tendo em consideração que no mês de agosto estamos de férias) (50%) 2152.50€

Pagamento final (20%): 861.00€, 30 dias após o pagamento anterior”

2. Na sentença recorrida, em sede de motivação, no tocante ao facto não provado c), aqui impugnado, o Mmº Juiz “a quo” escreveu o seguinte:

“Em particular, no que diz respeito ao alegado prazo para entrega do relatório, parece-nos que o único local onde é mencionado qualquer prazo para entrega é na parte final da avaliação técnica que antecedeu o relatório, onde se escreve que “As simulações computacionais e o relatório técnico serão executados no prazo de 90 dias após toda a informação necessária à elaboração do trabalho ter sido disponibilizada e realizadas eventuais visitas ao local da colisão.”.[2]

Portanto, o prazo de entrega de 90 dias contava-se a partir da recepção de toda a informação necessária à elaboração do trabalho e eventuais visitas ao local da colisão.

Posteriormente, são feitas novas referências a um prazo de 90 dias, mas sempre a propósito da data de vencimento da segunda tranche que seria devida à R.: no e-mail de 17/7/2022[3], a R. sugere que 50% do valor global seja pago “contra entrega do relatório final, ao final do período de 90 dias (tendo em consideração que no mês de agosto estamos de férias” e, no orçamento de 8/7/2022, que veio a ser aceite pelo A., propõe-se que sejam pagos imediatamente €1.107 e que a segunda prestação seja paga “decorridos 90 dias”, novamente sem se considerar o mês de Agosto.

S.m.o., em lado algum desses dois e-mails se estipula que o relatório será entregue no prazo de 90 dias a contar do pagamento da 1ª tranche, entendimento que aqui vem defendido pelo A., que chega à data de 10/11/2022, contando 4 meses (90 dias e o mês de Agosto) desde a data em que efectuou o pagamento dos primeiros €1.107.

Portanto, o que foi acordado entre as partes, tal como plasmado na avaliação preliminar e aceite pelo A., foi unicamente que o relatório seria entregue dentro de 90 dias “após toda a informação necessária à elaboração do trabalho ter sido disponibilizada e realizadas eventuais visitas ao local da colisão”.

Por conseguinte, ficará por provar que a R. se tenha comprometido à entrega do relatório até 10/11/2022.”

3. Ora, os elementos factuais invocados pelo autor/recorrente no sentido de se dar como provado que a ré se obrigou a entregar o relatório até 10.11.2022, que consistem essencialmente em excertos dos depoimentos da testemunha CC e do autor AA e no teor do email de 17.6.2022 remetido às mandatárias do autor, não são suficientes para nos levarem a dissentir da convicção probatória formada pela 1ª Instância, a qual se acha devidamente fundamentada, conforme resulta do segmento da sentença acima transcrito.

Tanto mais que na avaliação técnica efetuada pela ré e datada de 26.5.2022, no tocante a prazo de execução, se consignou, de forma clara, que o relatório técnico será executado no prazo de 90 dias após toda a informação necessária à elaboração do trabalho ter sido disponibilizada e da realização de eventuais visitas ao local da colisão.

Ou seja, neste contexto, os autos não nos fornecem elementos probatórios que nos permitam concluir que a ré se obrigou a entregar o relatório até a um marco temporal definido, isto é até ao dia 10.11.2022.

Assim sendo, o facto constante da alínea c) manter-se-á como não provado.


*

b) A responsabilidade pela entrega dos documentos (facto provado 29)

1. O autor/recorrente, sob este título, impugna também o facto dado como provado sob o nº 29 [Tendo o A., através das suas mandatárias, remetido à R., nesse dia 18/01/2023, o referido croqui, sob o ficheiro designado por “Doc..pdf”, o relatório da Autópsia, que, ainda não havia remetido, bem como outros documentos que já havia remetido anteriormente, sem que, quanto a estes últimos, tal lhe tivesse sido solicitado] pretendendo que a sua redação seja alterada para:

- Tendo o A., através das suas mandatárias, remetido à R., nesse dia 18/01/2023, o referido croqui, sob o ficheiro designado por “Doc..pdf”, o relatório da Autópsia, a impugnação do croqui e a participação do acidente, por solicitação telefónica desta última.

Sucede que este facto com o nº 29 se relaciona com os antecedentes factos nºs 27 e 28 cujo teor é o seguinte:

27. No dia 18/01/2023, em conversa telefónica estabelecida entre o sócio da R., o Eng. CC, e uma das mandatárias do A., a Dra. DD, foi a R. informada de que existiria um terceiro croqui do acidente elaborado pela GNR, nos termos do qual a orientação assinalada do veículo do A. era congruente com a orientação evidenciada pelas fotografias registadas na cena de acidente, ao contrário do que sucedia com os croquis anteriormente enviados pelo A., através das suas mandatárias.

28. Tendo a R., através do seu sócio, o Eng. CC, solicitado, de imediato, que tal croqui fosse remetido à R., atenta a sua importância para a conclusão do trabalho em curso.

Da conjugação destes dois factos com o subsequente que tem o nº 29 decorre que o sócio da ré CC, em conversa telefónica tida com a mandatária do autor no dia 18.1.2023, foi informado de que existiria um terceiro croquis elaborado pela GNR, que seria congruente com as fotografias registadas na cena do acidente ao contrário dos outros, razão pela qual, nessa mesma conversa telefónica, de imediato solicitou o seu envio, face à importância que teria para a conclusão do seu trabalho.

O que as mandatárias do autor, nesse mesmo dia, logo enviaram, tal como enviaram também o relatório de autópsia e outros documentos já anteriormente remetidos.

Ora, perante este contexto fáctico, em que o facto com o nº 29 tem que ser conjugado com os dois que o antecedem, não se vislumbra que a alteração pretendida tenha qualquer relevância para a solução jurídica do pleito e, por esse motivo, manter-se-á a sua redação sem qualquer alteração.

2. Neste segmento da sua impugnação fáctica o autor/recorrente pretende ainda que se adite aos factos provados o seguinte facto: “Incumbia à ré definir quais os documentos que o autor lhe teria de fornecer para a elaboração do relatório”.

Também o aditamento deste facto se revela inócuo e desnecessário, desde logo porque, face à natureza da relação contratual estabelecida entre o autor e a ré – cfr., por ex, factos com os nºs 5 a 7 e 25 a 31 – não podem caber dúvidas de que era à ré que incumbia definir quais os documentos que o autor lhe teria de fornecer para elaborar o seu relatório.

Não se procede, pois, ao aditamento pretendido pelo autor/recorrente.


*

c) A impossibilidade de uso do relatório [factos não provados e) e f)]

O autor/recorrente, por último, insurge-se também contra os factos não provados e) e f) - e) O facto da R. ter entregue o relatório no momento referido em 32., impediu qualquer análise daquele relatório, e, consequentemente, qualquer hipótese de integração do mesmo na estratégia de defesa do Autor AA; f) Foi por força do referido no ponto anterior que foi prescindida a inquirição do técnico responsável pela elaboração do relatório -, pretendendo que os mesmos transitem para os factos provados.

Dispõe-se o seguinte no nº 1 do art. 640º do Cód. Proc. Civil:

«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»

Sucede que o autor/recorrente, na sua alegação recursiva, tece diversas considerações que, na sua perspetiva, justificariam que aqueles dois factos, relativos à impossibilidade de uso do relatório, fossem dados como assentes.

Porém, em parte alguma dessa alegação especifica quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou da gravação nele realizada, designadamente documentais ou testemunhais, que impusessem a sua alteração para provado.

Deste modo, face ao que preceitua o art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, decide-se rejeitar a impugnação da matéria de facto no que concerne aos factos não provados e) e f).


*

II – O eventual incumprimento contratual da ré.

1. No plano jurídico o autor/recorrente sustenta que ocorreu da parte da ré/recorrida incumprimento do contrato que celebraram, de tal modo que esta deverá ser condenada a devolver o montante que lhe foi pago, pretensão que, porém, e a nosso ver acertadamente, não foi acolhida pela 1ª Instância na sentença recorrida.

Vejamos então.

Nesta, face à factualidade dada como assente e que não sofreu qualquer alteração em sede recursiva, caracterizou-se o contrato celebrado entre as partes como sendo um contrato inominado de prestação de serviços (arts. 1154º a 1156º do Cód. Civil), através do qual a ré se vinculou à elaboração de um relatório técnico-científico que procurasse reconstituir, com base em modelos computacionais, o acidente de viação ocorrido, no qual se fundamentou a acusação deduzida contra o autor pela prática de um crime de homicídio por negligência.

A propósito desta integração jurídica, na sentença recorrida procurou-se apoio, primeiramente, em PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., págs. 787/788) que escreveram o seguinte:

“Essencial para que haja empreitada é que o contrato tenha por objecto a realização duma obra (a construção de um edifício, de um barco ou de um simples andar; a terraplanagem de uma zona, a abertura de um poço, a dragagem de um porto, etc), e não um serviço pessoal.

(…)

Por realização de uma obra deve entender-se não só a construção ou criação, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa. Do que não pode prescindir-se é de um resultado material, por ser esse o sentido usual, normal, do vocábulo obra e tudo indicar que é esse o sentido visado no art. 1207º.

(…)

Resumindo, pode dizer-se assim que a noção legal de empreitada atende simultaneamente ao requisito do resultado (realizar certa obra) e ao critério da autonomia (falta de subordinação própria do contrato de trabalho)”

E depois em PEDRO ROMANO MARTINEZ (in “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, 2ª ed., págs. 327/328) que, no tocante à distinção entre o contrato de empreitada e o contrato de prestação de serviços “tout court”, escreveu o seguinte:

“O contrato de empreitada é uma modalidade da prestação de serviços e as diferenças entre aquele e as formas atípicas deste não são muito claras. Mas sempre se poderá dizer que no contrato de prestação de serviços se promete uma actividade através da utilização do trabalho, quando na empreitada se promete o resultado desse trabalho; e que na prestação de serviço é o beneficiário dessa actividade que corre o risco, enquanto na empreitada o risco corre por conta do empreiteiro. Assim, o médico, que é consultado por um paciente, promete uma actividade e tem direito à remuneração, mesmo que o doente não fique curado; a situação é diversa no caso do empreiteiro, que se obriga a construir uma casa, pois a prestação deste é de resultado, e, caso não o obtenha, o dono da obra fica dispensado de pagar o preço.

(…)

A linha divisória é muito ténue e são várias as situações que suscitam polémica quanto à sua qualificação. Um dos casos duvidosos reporta-se ao contrato celebrado com o arquitecto, para este elaborar o plano da casa a construir. Também é discutível a qualificação de certos contratos celebrados com médicos; por exemplo, o contrato mediante o qual o dentista se obriga a fazer e colocar uma dentadura no paciente aproxima-se mais da empreitada do que da prestação de serviços.”

Em sentido algo divergente destes ilustres Professores, MENEZES CORDEIRO (in “Tratado de Direito Civil”, XII, Contratos em Especial (2ª parte), reimpressão, 2020, pág. 838) escreve que “[a] delimitação entre a empreitada e a prestação de serviço passa, em primeiro lugar, por um recorte negativo: não são empreitada: (a) o mandato, por se reportar a uma atuação jurídica; (b) o depósito, por respeitar à guarda de uma coisa; (c) as prestações liberales, como a relativa ao mandato forense ou aos cuidados médicos. Pesam razões dogmáticas e histórico-culturais. Isto dito, a empreitada envolve um resultado consubstanciado numa obra, a entregar ao dono. No núcleo, a obra é corpórea ou relativa a uma coisa corpórea. A zona fluida reside nas obras imateriais. Sobre estas, deve hoje entender-se poder recair uma empreitada, sempre que a prestação implique a conclusão da atividade devida.”

Assinala depois este Professor (ob. cit., págs. 839 e 852) que, na jurisprudência, a distinção entre a empreitada e a prestação de serviço atípica foi dominada pela questão de saber se a “obra” pode ser uma coisa incorpórea, embora considere a questão sedimentada, no plano jurisprudencial, no sentido de que, para efeitos de empreitada, não se admitem obras imateriais[4], realçando logo a seguir que “os nossos julgadores, mau grado as qualificações a que procedem, acabam por aplicar, aos contratos relativos a “obras intelectuais”, as regras pertinentes da empreitada.” [5]

De qualquer modo, a orientação seguida na sentença recorrida foi a de integrar o contrato dos autos no âmbito da prestação de serviços atípica como escreveu o Mmº Juiz “a quo”:

“Na situação em apreço, apesar do trabalho da R. implicar a materialização do seu esforço intelectual, em papel ou em formato digital, traduzindo-se assim numa “obra”, cremos que a tónica do acordo entre as partes está no labor intelectual envolvido, pelo que – reconhecendo-se que as duas figuras estão, no caso vertente, separadas de forma ténue – se entenderá que estamos perante a figura do contrato de prestação de serviço, prevista nos artigos 1154.º a 1156.º do Cód. Civil.”

Como esta integração jurídica não foi questionada em via recursiva, não se mostra necessário esmiuçar mais a questão do enquadramento do contrato dos autos na empreitada ou na prestação de serviços atípica, havendo agora que apurar, tão-só, se ocorreu – ou não – incumprimento do contrato por parte da ré.

2. Esse incumprimento, na perspetiva do autor, fundar-se-ia na ultrapassagem do prazo contratualmente fixado para a apresentação do relatório, o que o terá impedido de ter feito uso do mesmo em tempo útil.

Neste âmbito, importa desde logo referir não se ter provado que haja sido convencionado entre as partes que o relatório teria que ser entregue pela ré até ao dia 10.11.2022, conforme se alcança do facto não provado c), que permaneceu inalterado apesar de impugnado em sede recursiva.

Porém, mesmo que o tivesse sido, tal como se defende na sentença recorrida, a consequência do seu incumprimento não seria a restituição ao autor do valor pago.

É sabido que no art. 406º, nº 1 do Cód. Civil se estabelece que o contrato deve ser pontualmente cumprido e que no art. 798º do mesmo diploma se diz que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

Se a obrigação está sujeita a prazo certo, o devedor que não a realize a prestação a que se encontra obrigado nesse prazo, fica a partir daí constituído em mora – cfr. art. 805º, nº 2, al. a) do Cód. Civil.

Por seu turno, conforme se estatui no art. 808º, nº 1 do Cód. Civil, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação, sendo que no nº 2 deste preceito se diz que a perda de interesse na prestação é apreciada objetivamente.

Assim, ocorrerá perda de interesse quando a demora no cumprimento fizer desaparecer o interesse do credor na prestação, designadamente, nas situações em que, expressa ou tacitamente, neste caso, através da finalidade atribuída à prestação, as partes fixaram um termo essencial para o cumprimento, findo o qual o credor não se considera vinculado a aceitar a prestação, com o fundamento em que esta já lhe não interessa.

Tal como se assinala na sentença recorrida, mesmo que as partes tivessem fixado um prazo para o cumprimento – o que não se provou – a conduta que foi assumida pelo autor, através das suas mandatárias, permite concluir que o contrato celebrado com a ré não se trataria de um negócio com um prazo apertadamente fixo, em que a obrigação teria de ser necessariamente cumprida no prazo fixado e não mais tarde, e em que a impossibilidade temporária do cumprimento, na data estabelecida, valeria como impossibilidade definitiva, determinante da extinção da obrigação.

Tratar-se-ia antes de um negócio em que a fixação do prazo apenas teria o alcance de convencionar a sua perfeita observância, de tal modo que a prestação posterior ainda seria possível e assim a falta da prestação debitória nesse prazo não equivaleria ao não cumprimento definitivo, nem a impossibilidade transitória, no tempo fixado, extinguiria a obrigação, se esta não fosse cumprida em tal prazo.

Aliás, da matéria fáctica assente [nºs 25 a 35] decorre que nos dias que antecederam o início da audiência de julgamento as mandatárias do autor responderam aos emails que lhes foram enviados e juntaram os documentos pretendidos.

Ora, se ocorresse da parte do autor perda de interesse na elaboração e envio do relatório solicitado, como agora invoca, era isso que deveria ter expressado perante a ré, pedindo logo nessa altura a devolução do valor que entretanto tinha pago.

Sublinha ainda o Mmº Juiz “a quo”, na sentença recorrida, que da produção de prova, mais concretamente do depoimento de parte do autor, fica-se com a sensação de que a razão de ser da presente ação não reside em qualquer atraso na prestação, mas sim na insatisfação do autor face às conclusões do relatório, que não coincidiram com as suas expetativas.

O que pudemos corroborar ao ouvir o depoimento do autor, em sede de impugnação de facto, conforme já atrás referimos ao escrevermos na síntese que dele fizemos que “o relatório não foi junto ao processo, porque não o beneficiava em nada e, na sua perspetiva, não retratava a realidade.”

Insatisfação que também resulta claramente do teor da notificação judicial avulsa feita à ré [nºs 47 e 48].

Além disso, não será demais salientar que o relatório foi entregue ao autor no dia 20.1.2023 [nº 32] e que a audiência de julgamento se desdobrou por quatro sessões - 23/1/2023; 30/1/2023; 19/5/2023; 21/6/2023 – [nº 51], a que acresce ter sido depois anulada a sentença e determinado o reenvio do processo para novo julgamento [nº 54].

Significa isto que o incumprimento de qualquer hipotético prazo anterior não teria impossibilitado o autor de fazer uso do relatório que lhe foi entregue no dia 20.1.2023.

Continuando a seguir nesta parte a argumentação da sentença recorrida, com a qual concordamos, escreveu-se nesta o seguinte:

“(…) mesmo assumindo a fixação de um prazo de 90 dias contado a partir do pagamento da primeira tranche – o que não se provou – e mesmo concebendo que o prazo não teria sido ultrapassado por causa de uma situação de mora creditícia, prevista no artigo 813.º do Cód. Civil, o que sucederia se entendêssemos que cabia ao A. diligenciar, mesmo sem lhe ser pedida, pela remessa de toda a documentação necessária à elaboração do relatório, incluindo a solicitada pela R. já em Janeiro, ainda assim estaríamos apenas perante uma situação de simples mora da R. (artigo 804.º, n.º 2, do Cód. Civil).

Mora essa que conferiria ao credor o direito à “reparação dos danos causados”, danos esses que não coincidem obviamente com o valor que o A. despendeu pela realização do relatório pericial.

Mesmo neste caso, para resolver o contrato, nos termos previstos no nº 2 do artigo 801º daquele Código, atenta a equiparação que no nº 1 deste artigo é feita entre a impossibilidade da prestação imputável ao devedor e a falta de cumprimento culposa da obrigação, deveria o A. ter-se socorrido de interpelação que preenchesse os requisitos da interpelação admonitória, prevista no artigo 808.º do Cód. Civil (concessão de prazo para cumprir, sob pena de perda do interesse contratual).

Só assim, através dos efeitos da resolução, que a lei equipara à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artigo 433.º, que remete para o artigo 289.º do Cód. Civil) é que o A., destruindo retroactivamente os efeitos do contrato celebrado, poderia reaver o valor prestado.

Como é óbvio, não havendo qualquer incumprimento definitivo da parte da R., também não tem o A. direito a receber qualquer valor a título de danos não patrimoniais (que não logrou provar) nem danos patrimoniais, pelo pagamento de honorários de advogado ou despesas com uma carta cujo teor se desconhece ou com uma notificação judicial avulsa na qual reclamava da R. algo a que não tem direito (despesas que também não provou).”

Ora, a consequência desta argumentação, que se considera inteiramente válida, é naturalmente a da improcedência da ação proposta pelo autor.

3. Em sede reconvencional, o autor/reconvindo foi condenado a pagar à ré/reconvinte a importância de 276,75€, acrescida de juros, em virtude do Eng. BB se ter deslocado a tribunal no dia 23.1.2023 a fim de ser ouvido em julgamento, aí tendo permanecido entre as 13,50h e as 16,45h, isto porque estava contratualizado entre as partes que o valor orçamentado não incluía “Despesas relacionadas com qualquer deslocação e horas despendidas em Tribunal ou em inspeções do local ou dos veículos.”

Mais se acordara ainda que sendo requerida a presença em Tribunal esta seria realizada pelo Eng. BB, à razão de 75,00€ por hora, acrescida de IVA à taxa legal.

Contudo, em via recursiva, o autor/recorrente sustenta que o pedido reconvencional terá de cair também nesta parte, uma vez que, na sua perspetiva, a dispensa do testemunho do técnico indicado pela ré/recorrida decorre de violação contratual unicamente imputável a esta.

Acontece que igualmente neste segmento o recurso interposto pelo autor está de antemão condenado ao insucesso.

Com efeito, tal condenação não teve como fundamento a dispensa do testemunho do técnico indicado pela ré, que, aliás, só ocorreu em 30.1.2023 [nºs 39 e 40], como esta sustenta, mas sim a sua deslocação ao tribunal no dia 23.1.2023, sendo que estas sempre teriam que ser pagas, fora do que havia sido orçamentado, à razão de 75,00€ por hora acrescido de IVA, conforme fora contratado.

Há assim que confirmar integralmente o decidido pela 1ª Instância.


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Quanto à questão do abuso de direito do autor, invocado pela ré na sua contestação e que não foi objeto de pronúncia na sentença recorrida por se mostrar prejudicada, à qual agora se refere a ré nas conclusões QQ) a SS) das suas contra-alegações, improcedendo a apelação nos termos que acabaram de se expor, mantém-se a desnecessidade da sua apreciação por este tribunal de recurso.[6]

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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):[7]

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor/reconvindo AA e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas, pelo seu decaimento, a cargo do apelante.


Porto. 17.6.2025
Rodrigues Pires
Raquel Correia de Lima
Maria Eiró
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[1] Seguiu-se o relatório constante da sentença recorrida.
[2] Facto provado nº 12.
[3] Ocorre aqui um manifesto lapso, uma vez que a data do envio deste email é 17.6.2022.
[4] Cfr., por ex., Acs. RP de 9.2.2009, p. 0857245 (MARIA ADELAIDE DOMINGOS), STJ de 24.4.2012, p. 683/1997 (MOREIRA ALVES), RL de 5.3.2015, p. 190247/11 (ONDINA CARMO ALVES), RG de 29.10.2015, p. 492/10 (MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO) e STJ de 14.12.2016, p. 492/10 (TOMÉ GOMES), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] Também com alguma ironia realça o Prof. Menezes Cordeiro (ob. cit., pág. 852) reportando-se à nossa jurisprudência “que a inércia e o peso do respeitável Código Anotado alimentam a dificuldade em, pura e simplesmente, alargar a empreitada aos bens imateriais.”
[6] ABRANTES GERALDES, “Recursos em Processo Civil”, 7ª ed., pág. 153.
[7] Restrito ao segmento que se considerou de maior interesse jurisprudencial.