I - Nas providências cautelares não especificadas, optando o requerido por deduzir oposição subsequente ao decretamento da providência, recai sobre si o ónus de alegação e prova dos factos principais, fundamento de exceções ou dos factos instrumentais, que ponham em causa a prova produzida a respeito dos factos principais que sustentam o deferimento da providência (art.º 372º/1 b) CPC).
II - Não se mostra necessário produzir prova testemunhal ou por declarações, quando não se alegam factos suscetíveis de afastar os fundamentos da providência.
III - A consumação da lesão sendo atual mas geradora de danos iminentes e previsíveis merece ainda a tutela da providência cautelar comum, dado o fim que se visa acautelar: obstar a que por ação ou omissão se cause lesão grave ou dificilmente reparável ao direito e que tal ameaça apenas possa ser sustada com o decretamento da providência.
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I. Relatório
No presente procedimento cautelar comum, em que figuram como:
- REQUERENTE: AA, solteiro, maior, titular do cartão de cidadão nº ..., válido até 24-01-2029, contribuinte fiscal n.º ..., com domicílio na Rua ...., ... Paços de Ferreira; e
- REQUERIDA: BB, divorciada, titular do cartão de cidadão n.º ..., válido até 31 de outubro de 2028, contribuinte fiscal n.º ..., com domicílio na Rua ..., ..., ... ....
veio o requerente pedir que se determine a proibição da requerida endossar as letras subscritas pelo requerente, devendo restituí-las, acompanhadas dos respetivos recibos de quitação.
Alegou para o efeito, que a 12 de janeiro de 2024 Requerente e Requerida acordaram, por documento particular, um termo de transação extrajudicial nos precisos termos exarados, conforme melhor se alcança do doc. 1.
Mediante o referido termo Requerente e Requerida acordaram alterar o plano de pagamento decorrente de uma confissão de dívida outorgada a 16/04/2023 e acordo de prorrogação de prazo outorgado a 25/09/2023.
3. Na cláusula terceira do documento, ficou estipulado que:
“Terceira
Deste modo, o valor remanescente em dívida, ou seja, a quantia de 577.500,00€ (quinhentos e setenta e sete mil e quinhentos euros) do primeiro ao segundo, deverá a titulo de continuação de pagamento, ser pago em 28 prestações mensais sucessivas no valor de 20.000,00€ (vinte mil euros) cada, com início em 15 de janeiro de 2024, e 1 prestação única final no valor de 17.500,00€ (dezassete mil e quinhentos euros) a título de remanescente e acerto de pagamento de preço global.
§ Paragrafo único:
Fica ainda consignado que, em caso de não ser possível a entrega de todos os equipamentos livres de ónus e encargos pelo Sr. Administrador Judicial da massa insolvente A..., Unipessoal, Lda, número de pessoa coletiva ... (Proc. n.º ... – Juízo de comércio de Oliveira de Azeméis – Juiz 2) à B... UNIPESSOAL LDA., número de pessoa coletiva ..., constantes do contrato de dação em pagamento outorgada em 14.04.2023 pela sociedade A..., Unipessoal, Lda., número de pessoa coletiva ..., ao valor a pagar será deduzido imediatamente o valor de 177.500,00€ (cento e setenta e sete mil e quinhentos euros)”.
Mais alegou que no decurso da execução do plasmado em tal transação/contrato, cumpriu integral e atempadamente, o pagamento dos montantes mensais nas datas aí referidas, designadamente 20.000,00€ (vinte mil euros) por mês até março, inclusive, de 2024. Encontram-se em falta/mora o pagamento correspondente aos meses de abril e maio de 2024, estando, no entanto, tais montantes garantidos pelas letras entregues para o efeito à Requerida.
Mais referiu que se verificou não ser possível a entrega de todos os equipamentos, livres de ónus e encargos, pelo Sr. Administrador Judicial da massa insolvente A..., Unipessoal, Lda, número de pessoa coletiva ... (Proc. n.º ... – Juízo de comércio de oliveira de Azeméis – Juiz 2) à B... UNIPESSOAL, LDA, porque, pelo menos parte desses equipamentos foram restituídos às empresas C..., S.A., Banco 1..., S.A. e D..., S.A. .
Face ao manifesto incumprimento definitivo pela Requerida, do consignado no Termo de Transação Judicial celebrado a 12 de janeiro de 2024, assiste-lhe o direito de ver restituído/entregue as correspondentes letras emitidas para garantia do pagamento das referidas prestações de acordo com o clausulado na transação em apreço, acompanhadas dos respetivos recibos de quitação.
Procedeu a uma notificação judicial avulsa, no âmbito do proc. n.º ..., que correu termos do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, de modo a interpelar a Requerida para que procedesse à devolução das letras, o que não veio a acontecer.
Conclui ter fundado receio que a Requerida demandada cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, designadamente ao apresentar as letras a pagamento, ainda que tenha incumprido com o acordado, ou as endosse a outrem.
A demanda em processo de execução vai exigir da parte do requerente a prestação de caução para sustar a execução, o que aumentará o prejuízo causado e a sua respetiva lesão, ao que acresce o facto de lesar o bom nome do Requerente junto do Banco de Portugal.
Pretende requerer a providência conservatória ou antecipatória adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado, fundando-se tal pretensão num direito emergente de decisão a proferir na ação a intentar.
Por fim, requereu a dispensa do prévio contraditório.
“O presente procedimento cautelar é deduzido, tendo por base o disposto nos art.º 362.º e seg. do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC). Nestes termos, foi, o referido procedimento, requerido antes de proposta a ação principal, que será intentada, após Douta decisão de mérito proferida por V. Exa., nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364.º do CPC.
Relativamente ao mês de julho de 2024, e conforme previsto no art.º 4.º do requerimento inicial: “no decurso da execução do plasmado em tal transação/contrato, o ora Requerente cumpriu integral e atempadamente, o pagamento dos montantes mensais nas datas aí referidas, designadamente 20.000,00€ (vinte mil euros) por mês até março, inclusive, de 2024”. Pelo que, encontram-se em falta/mora o pagamento correspondente aos meses de abril, maio e junho de 2024, estando, no entanto, tais montantes garantidos pelas letras entregues para o efeito à ora requerida, cf. consta da cláusula quarta do termo. Cumpre reiterar que tal decisão foi comunicada à Requerida, após não ter sido possível a entrega de todos os equipamentos, livre de ónus e encargos, porquanto estes foram entregues aos seus locadores, invocando-se, deste modo, a exceção do não cumprimento do contrato.
Ademais, por mero lapso pela qual se penitencia, o Requerente não juntou cópia da notificação judicial avulsa intentada, no âmbito do proc. n.º ..., que correu termos do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, de modo a interpelar a Requerida. Pelo que, de acordo com o referido no art.º 9.º do requerimento inicial, se junta doc. 1, e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais”.
“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente procedimento cautelar comum e, em consequência:
- Determina-se a proibição da Requerida endossar as letras subscritas pelo Requerente no montante global de € 237.500,00 (€ 60.000,00 – correspondente às prestações pagas pelo Requerente entre janeiro e março + € 177.500,00 – correspondente ao montante da redução da dívida em virtude da impossibilidade de entrega de todo o equipamento pelo Sr. Administrador Judicial da massa insolvente A... à B...), as quais deverá restituir ao Requerente, acompanhadas dos respetivos recibos de quitação;
- Indefere-se o procedimento quanto ao mais.
Custas pelo Requerente, a atender na ação principal (art.º 539.º do CPC)”.
Impugna todos os artigos vertidos e documentos juntos com o requerimento inicial, quer pelos factos constantes do mesmo estarem em oposição com a oposição ora apresentada e considerada no seu conjunto, por os mesmos não corresponderem à verdade, por a Requerida não ter obrigação de os conhecer ou por os mesmos se tratarem de meras questões de direito.
Alegou, ainda, que à data dos factos que infra se descrevem, era casada com o Sr. CC, tendo os mesmos se divorciado em 14 de março de 2023.
CC à data dos factos que infra se descrevem era sócio único e gerente da sociedade A..., Unipessoal Lda. (doravante designada como A...) com o n.º de pessoa coletiva ..., situação que se mantém formalmente até aos dias de hoje, e que tem como objeto social a fabricação e comercialização de calçado.
A Requerida era sócia única e gerente da sociedade B... UNIPESSOAL LDA., (doravante designada como B...) com o n.º de pessoa coletiva ... que tem como objeto social o fabrico de calçado.
No início de fevereiro de 2023 o Sr. CC foi abordado via telefone por um amigo de longa data, de nome DD, que o questionou se conhecia alguém que estaria interessado em vender uma empresa pois sabia de uma pessoa que estava interessada em investir nesse ramo, tendo o Sr. CC respondido que não conhecia ninguém, mas que poderia até ser uma hipótese vender a sua empresa, ou seja, a A..., Unipessoal Lda..
Nesse seguimento, o Sr. DD agendou uma reunião presencial com o Sr. CC com o intuito de lhe apresentar pessoalmente o investidor bem como para apresentar uma proposta de negócio. Como o Sr. DD era amigo de longa data do Sr. CC, este anuiu em ouvir a proposta que lhe estava a ser feita e dias mais tarde, o Sr. CC acompanhado pela Requerida reuniu no Porto, em data que não consegue precisar mas no mês de fevereiro 2023, com o Sr. DD, Dr. EE e o Sr. FF.
No início da reunião o Sr. FF foi apresentado à Requerida e ao Sr. CC pelo Sr. DD como o investidor que estaria interessado em adquirir a empresa A..., Unipessoal Lda. e o Dr. EE como Advogado.
Foi proposto ao Sr. CC um negócio que visava a aquisição em conjunto da sociedade A..., Unipessoal Lda. e da sociedade da Requerida B... UNIPESSOAL LDA.. Justificando tal proposta pelo facto de as duas empresas terem uma relação de grande dependência comercial, pois a sociedade B... UNIPESSOAL LDA. era uma empresa subcontratada pela A... que fazia toda a pré-costura e costura do calçado, enquanto a A... era apenas responsável pelo montagem e acabamento do produto final. Para além desse argumento, o Sr. FF e de forma a pressionar o Sr. CC e a Requerida a aceitarem a sua proposta, por várias vezes, afirmou que a única maneira de a sociedade A..., Unipessoal Lda. conseguir vingar e prosperar no futuro seria com a sua ajuda, tendo para isso, montado uma história que a sociedade A..., Unipessoal Lda. se encontrava em insolvência iminente, e que isso iria acarretar inúmeros problemas legais para a empresa e também pessoais para a Requerida e para o S. CC e que só com a sua ajuda é que iria conseguir evitar essa situação.
Mais alegou desconhecer que a sociedade A..., Unipessoal Lda. se encontrava nessa situação, pois o seu ex-cônjuge CC nunca tinha comentado nada consigo, e o que é certo, é que a sociedade A..., Unipessoal Lda. à data não se encontrava em nenhuma situação de insolvência iminente como quiseram fazer passar para o Sr. CC e para a Requerida, pois apesar de a sociedade enfrentar alguns problemas financeiros, típicos de qualquer empresa, mantinha um fluxo de caixa positivo que lhe permitia operar normalmente, mantendo uma posição competitiva no mercado.
Tal argumento foi criado pelo Sr. FF e pelos seus representantes, apenas e só com o intuito de pressionar a Requerida e o Sr. CC a aceitar a sua proposta, tendo ainda sido afiançado pelo Sr. FF e pelos seus representantes que estes iriam assegurar o pagamento que se encontrava em dívida da A... perante a Segurança Social referente a contribuições dos trabalhadores dos meses de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023, pagamento esse que nunca foi efetuado pelo Sr. FF e pelo Requerente.
Foi proposto à Requerida e ao Sr. CC a compra da sociedade A..., Unipessoal Lda. e a sociedade B... UNIPESSOAL LDA. pelo valor de € 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil euros) a pagar no prazo de 1 ano. Quanto à forma de pagamento foi proposto que fosse realizado uma cessão de créditos da sociedade A..., Unipessoal Lda. para a requerida, de créditos que a A... teria a receber de clientes no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros) e uma cessão de créditos da sociedade A..., Unipessoal Lda. para o Dr. EE referente a créditos que teria a receber provenientes de clientes para pagamento de honorários pelos seus serviços jurídicos prestados na presente “transação” e o restante valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) iria ser pago em tranches mensais, sendo entregue para garantia do pagamento várias letras subscritas pelo Sr. FF.
Mais tendo sido proposto, que o Sr. CC continuasse na empresa durante um ano auferindo para esse efeito o vencimento mensal de € 5.000,00 (cinco mil euros), e que a Requerida iria passar a auferir como vencimento mensal em vez da quantia de € 2.930,00 a quantia de € 5.000,00.
De forma a pressionar a Requerida e o Sr. CC, foi lhes ainda dito pelo Sr. FF que estes teriam de apresentar uma resposta à proposta apresentada o quanto antes, pois este tinha em vista outros negócios/empresas para investir.
Atendendo aos valores envolvidos no negócio, ao curto espaço de tempo que tiveram para refletir sobre a proposta, ao facto de lhes terem afiançado -por diversas vezes- que o contrato iria ser uma mais-valia para estes, e sobretudo, confiando no amigo de longa data do Sr. CC, o Sr. DD, pessoa que sempre lhe pareceu honesta, confiável e profissional, a Requerida e o Sr. CC decidiram aceitar a proposta apresentada.
No dia 20.02.2023 a Requerida celebrou com o Sr. FF um contrato promessa de cessão de quotas, onde lhe prometeu ceder a quota que detinha na sociedade B... Unipessoal Lda. com o valor nominal de € 5.000,00 pelo preço de € 1.300.000,00, a ser pago em 12 prestações mensais e sucessivas, as dez primeiras no valor de € 110.000,00 cada e as duas últimas prestações no valor de € 100.000,00, vencendo-se a primeira 30 dias após a assinatura do contrato definitivo. Como garantia do cumprimento integral do pagamento da quantia de € 1.300.000,00 prevista no contrato de cessão de quotas da sociedade B..., o Sr. FF obrigou-se ainda a constituir em documento autónomo confissão de dívida e penhor mercantil a favor da Requerida.
Nesse mesmo dia, 20.02.2023, a Requerida assinou um contrato de cessão de créditos em que a A..., Unipessoal Lda. lhe cedeu créditos que tinha a receber sobre clientes, cuja cópia assinada não lhe foi fornecida.
Tendo sido ainda assinado nesse dia (20.02.2023) um contrato de cessão de créditos ente a A..., Unipessoal Lda. e o Dr. EE, onde a A... lhe cedeu créditos que detinha sobre algumas sociedades suas clientes como pagamento de honorários pelos serviços jurídicos prestados na “transação”, desconhecendo a Requerida se foi emitido o respetivo recibo pelo pagamento dos honorários, tendo tido a Requerida conhecimento uns meses depois que os créditos cedidos pela A... ao Dr. EE foram cedidos ao Requerente e ao Sr. GG como forma de pagamento de outros negócios realizados entre eles.
No dia 21.02.2023, a Requerida celebrou com FF um contrato de cessão de quotas com renúncia à Gerência onde lhe cedeu a sua quota na sociedade B... Unipessoal Lda. no valor nominal de € 5.000,00. Tendo sido constituído a favor da Requerida reserva de propriedade da quota até ao seu integral pagamento de acordo com a confissão de dívida outorgada num documento autónomo. A Requerida nessa data renunciou à Gerência da Sociedade B... Unipessoal Lda., tendo sido nomeado como Gerente FF. Como forma de garantia do bom cumprimento do pagamento da quota cedida o Sr. FF no dia 21.02.2023 confessou-se devedor da Requerida na quantia de € 1.300.000,00. Quantia essa a ser paga em 12 prestações mensais iguais e sucessivas, as dez primeiras no valor de € 110.00,000 cada, vencendo-se a primeira prestação 30 dias após a assinatura da presente confissão de dívida e as 2 últimas prestações no valor de € 100.000,00 cada.
Para garantia do bom pagamento foram entregues à Requerida 12 letras de iguais montantes, subscritas pela sociedade B... Unipessoal Lda. e avalizadas pelo sócio Sr. FF. Tendo sido assinado a 27.02.2023 um contrato de penhor mercantil onde a sociedade B... Unipessoal Lda. se obrigou a constituir a favor da Requerida um penhor sobre todos os bens móveis seus pertences e acessórios, identificados na relação que foi anexa ao contrato como garantia do bom e pontual pagamento da quantia de € 1.300.000,00 acordada no contrato promessa cessão de quotas celebrado entre as partes a 20.02.2023. Desde o dia 20.02.2023 que a Requerida jamais teve qualquer intervenção na gestão da sociedade B... Unipessoal Lda., bem como o Sr. CC jamais teve qualquer intervenção na gestão de facto da sociedade A..., Unipessoal Lda..
Apesar de não ter sido formalizado por escrito a cedência de quotas da A... para o Sr. FF, pois o que lhes foi transmitido pelo mesmo é que numa primeira fase pretendiam revitalizar a empresa e posteriormente é que iriam proceder à formalização do negócio, a gestão e o destino da sociedade A... e da sociedade B... passaram a ser assumidas de imediato pelo Sr. FF e pelos seus representantes.
Em 03.03.2023 – duas semanas após ter sido celebrado o contrato de cessão de quotas - FF cedeu a quota da sociedade B... Unipessoal Lda. a GG, situação que a Requerida só veio a ter conhecimento em meados de março de 2023 por intermédio dos representantes do Sr. FF que a informaram que este já não estava interessado em continuar com negócio, e que o mesmo iria ser assumido por dois novos investidores, o Requerente e o Sr. GG, mais lhes foi dito que o que tinha sido contratado inicialmente com o Sr. FF se iria manter, à exceção do preço da cessão de quotas que teria de ser reduzido de € 1.300.000,00 para € 1.000.000,00, e que o mesmo iria ser pago pelo Requerente.
Face a essa redução de preço, foi ainda dito à Requerida que esta teria de ceder ao Sr. FF os créditos que lhe tinham sido cedidos pela A... a 20.02.2023 no valor de € 100.000,00, tendo a Requerida para esse efeito assinado a pedido dos representantes do Sr. FF um documento de cessão de créditos em que cedeu a FF, créditos no valor de € 100.000,00 que lhe haviam sido cedidos anteriormente pela A... no contrato de 20.02.2023, contrato esse que não foi facultado à Requerida nenhuma cópia.
De igual modo, foi ainda dito à Requerida e ao Sr. CC para não se preocuparem, pois, esta situação era habitual no mundo dos negócios, tendo a Requerida confiado na boa-fé dos intermediários do negócio, pois sempre lhe foi dito que o mesmo seria uma mais-valia, mesmo, com a redução do preço inicialmente contratado.
Em meados de março de 2023 a Requerida a pedido e a interesse do Sr. GG e do Requerente assinou um contrato de penhor mercantil com a sociedade A... Unipessoal Lda., contrato esse que apesar de ter sido elaborado pelo Sr. GG e pelo Requerente ou por um terceiro a seu pedido em março de 2023 e assinado pelas partes nesse mesmo mês de março, foi-lhe aposta por estes a data de 04.01.2023. Nesse contrato a A... Unipessoal Lda. como garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer responsabilidades emergentes a título de empréstimos e fornecimento até ao limite de € 500.000,00 constituiu a favor da B... Unipessoal Lda. um penhor mercantil sobre todos os bens móveis, seus pertences e acessórios identificados na relação anexa ao contrato.
Mais alegou que uns dias mais tarde, o Sr. GG e o Requerente ou um terceiro a pedido deles foi efetuado um aditamento ao contrato de penhor mercantil que eles elaboraram e dataram de 04.01.2023 onde foi ampliado o penhor mercantil anteriormente contratualizado com o acréscimo de nova relação de bens, que foi assinado a 31.03.2023.
O contrato de penhor mercantil datado de 04.01.2023 e o seu aditamento de 31.03.2023 foram criados pelo Sr. GG e pelo Requerente ou por um terceiro no seu interesse, não retratando os mesmos a realidade comercial entre as duas empresas, pois à data em que foram formulados não havia nenhum negócio entre as sociedades que implicasse o pagamento ou a entrega de bens móveis, seus pertences e acessórios, situação que o Requerente e o Sr. GG sabiam. A Requerida e o Sr. CC assinaram esses contratos (contrato de penhor mercantil de 04.01.2023 e aditamento de 31.03.2023) apenas e só a pedido do Sr. GG e do Requerente, que sempre lhes foram garantindo que era um procedimento normal, desconhecendo a Requerida e o Sr. CC o seu teor bem como o teor dos anexos da relação de bens anexos aos mesmos, uma vez que esses contratos foram assinados de “cruz”.
Nesse contrato e aditamento o Requerente e o Sr. GG colocaram o texto e as cláusulas que quiseram, bem como, foram eles que nomearam todos os bens na relação de bens, sabendo o Requerente e o Sr. GG, que alguns dos bens que aí identificaram se encontravam em locação financeira.
Para além desses contratos, o Requerente e o Sr. GG elaboraram um outro contrato que denominaram de dação em pagamento entre a A... e a B..., onde a A... Unipessoal Lda. se reconheceu devedora da B... na quantia de € 459.798,00, dívida essa proveniente do estipulado no contrato de penhor mercantil de 04.01.2023 e aditamento de 31.03.2023. Para pagamento dessa dívida ficou estabelecido que a A... entregaria à B... os bens constantes do documento anexo 1 e 2 que faz parte integrante do contrato no valor de € 459.780,00. Esse documento foi elaborado pelo Sr. GG e pelo Requerente, tendo o mesmo sido assinado no dia 14.04.2023, desconhecendo a Requerida o teor do mesmo, pois não participou em nenhuma negociação e conversação sobre o mesmo, bem como não o assinou.
A 26.04.2023 foi celebrado um acordo de pagamento e confissão de dívida entre FF a Requerida e o Requerente. Nesse acordo o Requerente sub-rogou-se na dívida de FF que teve por objeto a aquisição das quotas da sociedade B... no valor de € 1.000.000,00. Tendo sido acordado que a quantia de € 1.000.000,00 iria ser paga pelo Requerente em 16 prestações mensais iguais e sucessivas, sendo as quatro primeiras no valor de € 40.000,00 cada vencendo-se a primeira prestação até ao dia 08.05.2023, oito prestações no valor de € 83.330,00 cada sendo que a última se vencerá até 08.08.2024 ou até integral pagamento. Como garantia de pagamento foram entregues à Requerida 16 letras mensais iguais e sucessivas subscritas pelo Requerente AA. Para garantia do bom cumprimento do acordo nessa data, 26.04.2023, o Requerente AA assinou uma confissão de dívida em que se confessou devedor da requerida na quantia de € 1.000.000,00 em virtude da sub-rogação da dívida de FF.
Em abril de 2023 o Sr. CC deixou de ir regularmente às instalações da A... o que fez a pedido do Requerente e do Sr. GG, que lhe transmitiram que como a A... estava a iniciar um processo de reestruturação ele não precisava de estar todos os dias presente na empresa. Nesse mesmo mês, e sem que nada o fizesse prever as fechaduras das instalações da A... foram trocadas pelo Requerente, pelo Sr. GG ou por um terceiro a pedido destes, deixando o Sr. CC de ter acesso às instalações da A..., porquanto não lhe foi facultado nenhuma chave das novas fechaduras. Nesse seguimento, o Sr. CC questionou o que se estava passar, tendo sido informado pelos representantes do Requerente e do Sr. GG que ele teria de arrendar um novo espaço para funcionar como sede da A..., uma vez que a posição da A... como arrendatária do pavilhão onde funcionam as suas instalações tinha sido cedida à sociedade B..., e por esse facto, os escritórios da A... teriam de laborar noutro edifício. O Sr. CC a pedido do Requerente e do GG arrendou em Oliveira de Azeméis, no Edifício ... uma loja para funcionar como sede/escritórios da A.... O Sr. CC deixou de receber em abril de 2023 o vencimento de € 5.000,00 que tinha sido prometido aquando das negociações pela compra da empresa e face a essa situação, o Sr. CC questionou os representantes do Requerente
sobre o porquê do seu vencimento não ter sido pago, ao que apenas lhe foi referido que a empresa A... não tinha recursos suficientes para efetuar esse pagamento, mas que essa situação iria ser regularizada mais à frente. Desde essa data que os trabalhadores da A... deixaram de reconhecer o Sr. CC como o seu patrão, apresentando-se o requerente como novo gerente.
Mais alegou, que à falsa fé, o Requerente em setembro de 2023 intentou contra a Requerida uma ação de processo comum que cursou seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1 sob o n.º de processo ..., onde, pediu a redução do valor de confissão de dívida para a quantia de € 355.891,00, fundamentando tal pretensão com o facto que se soubesse que as máquinas estavam em locação financeira o Requerente, bem como o Sr. FF não teriam, querido o negócio de cessão de quotas da B... pelo preço de € 1.000.000,00. Essa ação foi submetida em Tribunal no dia 26.09.2023, precisamente um dia depois de o Requerente ter assinado a 25.09.2023 um acordo de prorrogação de pagamento com a Requerida referente à confissão de dívida assinada a 26.04.2023.
Nesse acordo (25.09.2023), o Requerente apenas alterou o plano de pagamentos, não tendo efetuado qualquer ajuste ao valor de € 1.000.000,00.
Alegou que a referida ação foi arquitetada pelo Requerente apenas e só com o propósito de criar um esquema que desembocou no presente procedimento cautelar de forma a enriquecer à conta da Requerida, pois se o Requerente se sentia tão melindrado, alegando erro na formação da vontade, não se compreende porque é que a 25.09.2023 assumiu uma posição de continuação do pagamento da dívida de € 1.000.000,00 celebrando um aditamento com a Requerida para esse efeito e no dia seguinte dá entrada de uma ação judicial a pedir a redução dessa quantia, revelando má-fé e a intenção de ludibriar e enganar a Requerida, como de facto conseguiu.
A referida ação (processo ...) terminou através de um requerimento de desistência do pedido e da instância por parte do Requerente em 15.01.2024, conforme acordo extrajudicial celebrado entre a Requerida e o Requerente no dia 12.01.2024. Nesse acordo de 12.01.2024 ficou estipulado que o Requerente iria pagar à Requerida a quantia que à data se encontrava em dívida de € 577.500,00 em 28 prestações mensais iguais e sucessivas no valor de € 20.000,00 cada, com início em 15.01.2024 e 1 prestação única final no valor de € 17.500,00. Tendo ainda sido consignado que em caso de não ser possível a entrega de todos os equipamentos livre de ónus e encargos pelo Sr. Administrador de Insolvência da massa insolvente da sociedade A... Unipessoal, Lda. (proc. n.º ...- Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis) ao valor a pagar iria ser reduzido o valor de € 177.500,00.
Mais referiu que tal acordo foi redigido e elaborado pelo Requerente, tendo a Requerida sido aconselhada pelos Representantes do Requerente a aceitar o mesmo pois tudo se trataria apenas de uma questão formal. O Requerente sabia aquando da redação desse acordo que os equipamentos não iriam ser entregues livres de ónus e encargos por parte do Administrador de Insolvência, tendo inserido essa cláusula com a penalidade de redução da quantia de €177.500,00, de má-fé, apenas e só com o intuito de enganar a Requerida e locupletar-se à sua custa, vindo agora, com o presente procedimento cautelar, pretender que lhe seja devolvido as letras que a Requerida tem em sua posse nessa quantia.
Mais alega que tudo o explanado, tratou-se de um esquema meticulosamente criado e montado pelo Requerente, pelo Sr. FF, pelo Sr. GG, apenas e só com o propósito de enganarem a Requerida, lucrando às suas custas e do seu património, como de facto lograram, tendo o Sr. FF operado como testa de ferro do Requerente.
O Requerente com o seu esquema conseguiu adquirir duas empresas pela módica quantia de € 305.000,00 (trezentos e cinco mil euros), tirando proveitos e lucros da sociedade B... às custas do património da requerida.
Alegou estar com graves dificuldades económicas, por falta de liquidez, encontrando-se completamente descapitalizada, verificando-se um notório e crescente empobrecimento do património da Requerida.
Invocou a reserva mental do requerente, por considerar que nos presentes contratos e aditamentos e no acordo extrajudicial o Requerente demonstrou que as condições eram outras que não as que constavam escritas (designadamente, que o Requerente não tinha intenção de pagar os valores ali acordados e de cumprir com o clausulado), agindo o Requerente na elaboração daquele contrato e acordo extrajudicial, com reserva mental.
In casu, a vontade real da Requerida, de facto, não coincidiu com a vontade real do Requerente que fizeram os contratos e aditamentos e o acordo extrajudicial datado de 12.01.2024. A reserva mental não era conhecedora da declaratária (requerida), a reserva não prejudica a validade da declaração, sendo a mesma válida.
Sobre o erro na formação da vontade, alegou que o clausulado de todos os contratos e aditamentos, bem como do acordo de transação extrajudicial, não passou de um artifício usado pelos Requerente para levar a Requerida a celebrar os mesmos, já que foi, exatamente, a interpretação que a Requerida tinha do mesmo, que a levou a concluir, como concluiu, tal negócio. Conclui que aquando da celebração do contrato/aditamentos e acordo extrajudicial, houve erro na formação da vontade da Requerida porque esta apenas os assinou por ter por verdadeira a vontade do Sr. FF e do Requerente, vertido no contrato promessa de cessão quotas, contrato de cessão de quotas e respetivos aditamentos e do acordo de transação extrajudicial em causa. Considera que se verifica, um vício da vontade negocial da requerida que se traduziu numa deficiência de discernimento da mesma, deficiência esta, que por sua vez, constituiu um erro que corresponde à falsa representação da realidade. Refere, ainda, que se soubesse ou tivesse conhecimento que a intenção do Requerente no contrato promessa de cessão de quotas de 20.02.2023, no contrato de cessão de quotas de 21.02.2023 e no acordo extrajudicial datado de 12.01.2024 não seria para cumprir nunca os teria assinado. Considera, que celebrou com o Sr. FF, Sr. GG e o requerente um contrato de cessão de quotas cujas condições e acordo extrajudicial não vertiam a real vontade destes. O entendimento vertido no Contrato e transação extrajudicial era de tal forma essencial que, a não ser como ali se encontrava vertido, a Requerida nunca teria aceitado assinar o mesmo.
Mais refere que esse erro incidente sobre o motivo do negócio, designadamente, sobre as circunstâncias que constituem a chamada base negocial, confere à Requerida o direito de, como pretende, obter a anulação do contrato, aditamentos e acordo extrajudicial, anulação que requer a requerida ver declarada.
Por fim, considera que a pretensão do Requerente é abusiva, por se encontrar a agir de má-fé, ciente do facto de que não tem o direito de pleitear, usando a justiça como se realmente possuísse tal direito, utilizando os meios judiciários sem causa razoável ou provável, apenas com a intenção de locupletar-se à conta da Requerida, peticionando danos que bem sabem não ter qualquer fundamento e direito, imputando à Requerida condutas que a mesma não praticou, insinuando factos graves a respeito destes, agindo em abuso do direito.
Termina por formular o seguinte pedido:
“ […] seja julgada procedente, por provada, a presente Oposição à providência requerida e decretada, e, em consequência, substituída a douta decisão que determinou a procedência da providência cautelar requerida pelo Requerente contra a Requerida, e por sua vez, que seja declarada a reserva mental do requerente, desconhecedora da Requerida, no contrato promessa de cessão de quotas de 20.02.2023, no contrato de cessão de quotas de 21.02.2023, no contrato de penhor mercantil de 04.01.2023 e aditamento de 31.03.2023 e no acordo extrajudicial datado de 12.01.2024 que foi junto processo judicial n.º ... – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1;
Ou caso assim V/Exa. não entenda,
Que seja declarada a nulidade do contrato promessa de cessão de quotas de 20.02.2023 contrato de cessão de quotas de 21.02.2023, no contrato de penhor mercantil de 04.01.2023 e aditamento de 31.03.2023 e no acordo extrajudicial datado de 12.01.2024 que foi junto ao processo judicial n.º ... – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1 por erro na formação da vontade da Requerida”.
“Por todo o anteriormente explanado, decide-se indeferir a pretensão da requerida, mantendo-se a decisão proferida na data de 09.07.2024.
Custas a cargo da requerida – art.º 527º, nº 1 e 539º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Valor: o atribuído pelo requerente, ou seja, 200.000€ (duzentos mil euros) – art.º 296º, nº 1 e 2, 304º, nº 3, al. d) e 306º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil”.
I. O douto tribunal, ao indeferir a oposição da recorrente, violou o princípio do contraditório, ao decidir a causa sem que houvesse produção de prova requerida pela recorrente, o que constitui uma violação do artigo 591.º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Civil, bem como do direito constitucional a um processo justo, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
II. A decisão recorrida violou ainda o princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ao proferir uma decisão surpresa, sem que fosse dada à recorrente a oportunidade de se pronunciar, para além de consubstanciar uma efetiva contradição entre as decisões anteriormente proferidas, o que determina a sua nulidade.
III. Pois através de despachos anteriores, o Tribunal indicou que a matéria seria objeto de produção de prova e discussão em julgamento, criando na recorrente a legítima convicção de que teria oportunidade de apresentar os seus argumentos e meios probatórios, nomeadamente no despacho datado de 16-08-2024 com a referência 134358937, despacho 20-09-2024 134656771 e no despacho datado 07-10-2024 com a referência 134934423.
IV. O Tribunal a quo decidiu sem permitir a produção de prova requerida pela recorrente, nomeadamente a inquirição de testemunhas e a prestação de declarações de parte, violando o disposto no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, pelo que deve a sentença recorrida ser objeto de sindicância pelo Tribunal ad quem,
Sem prescindir,
V. O Tribunal a quo entendeu que a dedução de oposição, nos termos do artigo 372.º, n.º 1, alínea b), do CPC, se restringe à alegação de factos novos, recusando-se, por isso, a conhecer do mérito dos fundamentos de defesa alegados pela Requerida, designadamente o abuso do direito por parte do Requerente, contudo, o Tribunal a quo estava legalmente compelido a examinar tais fundamentos e a proferir decisão sobre os mesmos, o que não fez, violando assim o dever de pronúncia previsto no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, o que gera a sua nulidade nos termos omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
VI. O Tribunal a quo julgou erradamente ao desconsiderar, injustificadamente, a oposição apresentada pela Requerida, rejeitando a totalidade dos argumentos de facto e de direito por entender, de forma restritiva, que a oposição apenas pode invocar factos novos.
VII. O entendimento subscrito pelo Tribunal a quo assenta numa errada interpretação da lei, violando o artigo 372.º, n.º 1, alínea b), do CPC, que admite a invocação de quaisquer factos ou meios de prova não ponderados no decretamento da providência cautelar, o princípio do contraditório, que impõe uma interpretação ampla da norma, o princípio da prevalência da substância sobre a forma, que obriga o julgador a analisar os fundamentos de defesa invocados em cúmulo e não a rejeitá-los com base em meras questões processuais.
VIII. A interpretação restritiva do artigo 372.º, n.º 1, alínea b), do CPC, adotada pelo Tribunal a quo, é inconstitucional por violar o direito à tutela jurisdicional efetiva e o direito à prova, consagrados no artigo 20.º da CRP pois a Requerida deduziu oposição invocando factos concretos e apresentando prova documental, testemunhal e por declarações de parte, os quais não foram analisados pelo Tribunal a quo, em clara violação do direito à prova.
IX. Para além de que, o indeferimento da oposição apenas se justifica quando for manifesta a impossibilidade de aproveitamento da petição inicial, o que não se verifica no presente caso, dado que a Requerida apresentou fundamentos factuais e jurídicos sólidos, devidamente sustentados em prova documental e testemunhal.
X. A decisão proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto no artigo 381.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que não foi demonstrado um receio fundado e concreto de lesão grave e irreparável ao direito do Requerente. A mera alegação de receios abstratos não é suficiente para justificar a concessão da providência cautelar.
XI. A decisão do Tribunal a quo não foi sustentada em qualquer prova documental ou testemunhal que comprovem a iminência de um dano irreparável, o que viola o princípio da necessidade de prova concreta para o deferimento de providências cautelares.
XII. A providência cautelar decretada é desproporcional e excessiva, pois antecipa o julgamento do mérito do processo, o que é incompatível com a natureza provisória das providências cautelares, que devem ser usadas apenas para prevenir danos futuros, não para resolver questões substanciais do litígio.
XIII. A providência cautelar tem como objetivo a prevenção de dano futuro, no presente caso, não foi demonstrada a iminência de um dano irreparável, o que torna inadequada a concessão da providência solicitada.
XIV. A decisão proferida pelo Tribunal a quo viola o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 20.º da CRP, pois a medida cautelar imposta resulta num prejuízo à Requerida que excede o eventual dano que se pretende evitar, evidenciando a desproporção entre o efeito da medida e o perigo invocado.
XV. A jurisprudência consolidada dos Tribunais, incluindo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1 de outubro de 2013 (Proc. 569/13.4 T2AVR.C1), tem enfatizado a necessidade de prova concreta e objetiva do periculum in mora para a concessão de providências cautelares. Nos presentes autos, não estão preenchidos os requisitos do periculum in mora nem do fumus boni juris, uma vez que o Requerente não conseguiu demonstrar factos que fundamentem adequadamente o receio de dano grave e irreparável.
XVI. Em consequência, a inexistência do periculum in mora inviabiliza a concessão da providência cautelar, pois não se verificam os pressupostos legais necessários para a sua aplicação. decretamento da providência cautelar, devendo a Requerida ser absolvida.
XVII. A decisão recorrida padece de erro de julgamento, impondo-se a sua revogação.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
- Artigo 3.º n.º 3, artigo 372 al. b), artigo 591, artigo 608, artigo 615 todos do CPC, artigo 342 do CC, artigo 20.º da CRP.
Termina por pedir o suprimento do recurso e a revogação do despacho.
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.
As questões a decidir:
- da prolação de decisão surpresa e violação do princípio do contraditório;
- omissão de realização de audiência prévia e se os factos alegados na oposição careciam de produção de prova;
- da inconstitucionalidade na interpretação do art.º 372º/1 b) CPC;
- nulidade do despacho, por omissão de pronúncia;
- se os factos provados configuram o receio de dano grave e irreparável;
- se o requerente atua com abuso do direito (art.º 334ºCC).
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos indiciariamente provados no tribunal da primeira instância:
1. A 12 de janeiro de 2024, o Requerente, na qualidade de 1.º outorgante, e a Requerida, na qualidade de 2.º outorgante, acordaram, por documento particular, um termo de transação extrajudicial nos precisos termos exarados, conforme doc. 1 junto com o requerimento inicial e aqui dado por integralmente reproduzido, nos termos do qual:
“Preâmbulo
Considerando que:
a) O primeiro outorgante intentou contra a segunda outorgante uma Ação de Processo Comum que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1 sob o n.º ...;
b) Na qual peticiona a redução do preço global referente aos contratos aí juntos e melhor identificados, como documentos 1 a 7.
É celebrado entre ambos a presente transação extrajudicial a qual se regerá pelos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:
Primeira
O aqui primeiro outorgante (…) e o segundo outorgante (…) acordam alterar o plano de pagamento decorrente da confissão de dívida outorgada em 16.04.2023 e acordo de prorrogação de prazo outorgado a 25/09/2023.
Segunda
Como consequência de tal alteração acordam as partes que o plano de pagamentos do valor total que anteriormente fora fixado, como decorrência do estipulado em tais contratos, em 1.000.000,00 € (…), por força do infra exposto se realizará nos seguintes termos e condições:
a) A tal valor de 1.000.000,00 € (…), serão desde já deduzidas as seguintes quantias, e das quais dá novamente o segundo outorgante a respetiva e competente quitação:
(…).
Terceira
Deste modo, o valor remanescente em dívida, ou seja, a quantia de 577.500,00 € (quinhentos e setenta e sete mil e quinhentos euros) do primeiro ao segundo, deverá a título de continuação de pagamento, ser pago em 28 prestações mensais sucessivas no valor de 20.000,00€ (vinte mil euros) cada, com início em 15 de janeiro de 2024, e 1 prestação única final no valor de 17.500,00€ (dezassete mil e quinhentos euros) a título de remanescente e acerto de pagamento de preço global.
§ Paragrafo único:
Fica ainda consignado que, em caso de não ser possível a entrega de todos os equipamentos livre de ónus e encargos pelo Sr. Administrador Judicial da massa insolvente A..., Unipessoal, Lda., número de pessoa coletiva ... (Proc. n.º ... – Juízo de comércio de Oliveira de Azeméis – Juiz 2) à B... UNIPESSOAL LDA., número de pessoa coletiva ..., constantes do contrato de dação em pagamento outorgada em 14.04.2023 pela sociedade A..., Unipessoal, Lda., número de pessoa coletiva ..., ao valor a pagar será deduzido imediatamente o valor de 177.500,00€ (cento e setenta e sete mil e quinhentos euros)”.
Quarta
Como garantia do bom pagamento serão entregues ao segundo outorgante 29 letras devidamente preenchidas de acordo com a cláusula terceira, cujas cópias serão rubricadas e farão parte integrante da presente transação.
Quinta
Em caso de falta de pagamento por parte do primeiro outorgante, de 3 prestações mensais e sucessivas, vencem-se todas, constituindo assim incumprimento definitivo.
Sexta
Todas as letras anteriormente entregues ao segundo outorgante (…).
(…)”;
2. Sucede que, no decurso da execução do plasmado em tal transação/contrato, o requerente cumpriu o pagamento dos montantes mensais nas datas aí referidas, designadamente 20.000,00€ (vinte mil euros) por mês até março, inclusive, de 2024;
3. Assim, encontra-se em falta o pagamento correspondente aos meses de abril, maio e junho de 2024, estando, no entanto, tais montantes garantidos pelas letras entregues para o efeito à requerida, cf. consta da cláusula quarta do termo;
4. Todavia, ao contrário do previsto no parágrafo único do termo, o ora Requerente teve conhecimento de não ser possível a entrega de todos os equipamentos, livre de ónus e encargos, pelo Sr. Administrador Judicial da massa insolvente A..., Unipessoal, Lda., número de pessoa coletiva ... (Proc. n.º ... – Juízo de comércio de oliveira de Azeméis – Juiz 2) à B... Unipessoal, Lda.;
5. Isto porque, pelo menos parte desses equipamentos foram restituídos, antes de 15/06/2024, às empresas C..., S.A., Banco 1..., S.A. e D..., S.A. – cf. doc.2, doc. 3 e doc. 4 juntos com o requerimento inicial e dados por integralmente reproduzidos;
6. No âmbito do proc. n.º ..., do Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis, em 13/06/2024, o Requerente realizou a notificação judicial avulsa da
Requerida, nos termos constantes do documento junto em 04/07/2024 e aqui dado por integralmente reproduzido;
7. O Requerente receia que a Requerente apresente as letras a pagamento ou as endosse a outrem;
8. Se a Requerida utilizar as letras, de modo a intentar uma ação executiva contra o Requerente, nos termos do art.º 703.º, n.º 1, al. c) do CPC, a única forma deste suspender a referida execução será, aquando da apresentação dos embargos, prestar caução, de acordo com a al. a) do n.º 1 do art.º 733.º do CPC, o que lhe causará prejuízo.
Nenhuns factos, com relevo, ficaram indiciariamente por demonstrar.
“A factualidade a considerar no âmbito da presente decisão consiste no teor das peças processuais e documentos juntos aos autos, ou seja, no teor do requerimento inicial do requerente, da decisão proferida na data de 09.07.2024, da argumentação apresentada pela requerida na respetiva oposição, assim como da totalidade dos documentos juntos ao processo pelas partes, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido por economia processual”.
- Da prolação de decisão surpresa e violação do princípio do contraditório -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos II e III, considera a apelante que o despacho recorrido, constitui uma decisão surpresa, por ter sido proferida decisão com violação do princípio do contraditório, previsto no art.º 3º/3 CPC e que determina a sua nulidade. Considera que os despachos proferidos no sentido de convidar a apelante a reorganizar os meios de prova criaram na apelante a legítima expetativa de poder produzir prova sobre os factos por si alegados na oposição.
A questão que se coloca consiste em apurar se foi proferida uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório.
Nos termos do art.º 3º/3 CPC “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Dispõe, por sua vez, o artigo 4.º do mesmo diploma legal: “[o] tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.
Como observa LEBRE DE FREITAS[2] a consagração do princípio da proibição das decisões surpresa, resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório,“[…]com origem na garantia constitucional do Rechtiches Gehör germânico, entendido com uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.
O princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie[3].
Conforme resulta do regime legal o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório em relação às questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.
Pretende-se, por esta via, evitar a formação de “decisões-surpresa”, ou seja, decisões sobre questões de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente sem que tenham sido previamente consideradas pelas partes.
Dispensa-se a audição da parte contrária em casos de manifesta desnecessidade, o que pode ocorrer quando:
- “as partes embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação;
- quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou
- quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar a irregularidade ou uma insuficiência expositiva”[4].
Na interpretação do conceito de “decisão-surpresa” o Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que “o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efetuada (Ac. STJ 11 de fevereiro de 2015, Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, www.dgsi.pt ).
Por outro lado, considera-se que o cumprimento do contraditório não significa “ que o tribunal «discuta com as partes o que quer que seja» e que alivie as mesmas « de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão»”(Ac. STJ 09 novembro de 2017, Proc. 26399/09.5T2SNT.L1.S1, Ac. STJ 17 de junho de 2014, Proc. 233/2000.C2.S1 www.dgsi.pt.).
Considera-se, ainda, que: “[h]á decisão surpresa se o Juiz, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever” (Ac. STJ 19 de maio de 2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.P1.S1, www.dgsi.pt ).
LOPES DO REGO defende que “[…]na audição excecional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela”[5].
O exercício do contraditório dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.
No caso concreto, a apelante considera que foi proferida decisão surpresa, porque criou a expetativa de produzir prova sobre os factos que alegou, atendendo ao teor dos despachos que foram proferidos no sentido de reorganizar a prova que indicou.
Não alegou que a decisão recorrida considerou factos ou fundamentos jurídicos distintos dos que foram apresentados na oposição e sobre os quais não lhe foi dada a possibilidade de se defender.
Desta forma, perante os argumentos apresentados é de considerar que não foi proferida uma “decisão surpresa”, porque efetivamente não foi, na medida em que no despacho recorrido o juiz do tribunal “ a quo” se limitou a apreciar da relevância dos factos alegados na oposição considerando que os mesmos não se mostravam idóneos para alterar a decisão que deferiu a providência, sem efetuar uma nova abordagem jurídica das questões suscitadas.
Acresce referir que nos despacho proferidos a que se reporta a apelante, não se tomou posição sobre os fundamentos da oposição, limitando-se o juiz, a convidar a apelante a organizar o rol de testemunhas, face ao limite estabelecido na lei quanto ao número de testemunhas.
Por outro lado, ainda que por hipótese se considerasse que foi proferida uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório, sempre seria de considerar que a nulidade não foi tempestivamente suscitada, nem pelo meio próprio.
A omissão do exercício do contraditório constitui uma nulidade processual.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais”[6].
Atento o disposto nos art.º 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como referia o Professor ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades”, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[7].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez, as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art.º 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art.º 199º CPC.
A omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art.º 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art.º 199º CPC.
Neste sentido se pronunciaram, entre outros, o Ac. STJ 02 de julho de 2015, Proc. 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt ).
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”.
No sentido de interpretar o conceito o Professor ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela”[8].
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art.º 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que as partes foram notificadas da sentença.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto no art.º 196º a 199º CPC.
Também por esta via improcede a nulidade suscitada.
Contudo, no caso concreto, a apelante apesar de nas conclusões de recurso fazer expressa alusão ao regime das nulidades processuais, termina por pedir a declaração de nulidade da sentença (art.º 615ºCPC).
Não ignoramos que de acordo com certa linha de entendimento[9] se tem considerado que a “omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia. Nestas circunstâncias o juiz está a tomar conhecimento de questão não suscitada pelas partes, sem prévio exercício do contraditório.
Esta interpretação revela-se coerente com a atual conceção do principio do contraditório, entendido como “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”[10]. O direito de influir no êxito da ação, mais não será do que mais uma emanação do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no art.º 20º CRP.
Porém, no caso concreto, não se verifica a omissão do prévio exercício do contraditório, perante uma questão de direito ou de facto, motivo pelo qual não se pode considerar que no despacho se tomou conhecimento de questão não suscitada pelas partes nos autos.
Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos II e III.
Nos pontos I e IV das conclusões de recurso, considera a apelante que pelo facto de se indeferir a oposição, sem se conceder a oportunidade de produzir prova se violou o princípio do contraditório e o disposto no art.º 591º/1 b) CPC.
Quanto às consequências da violação do princípio do contraditório, remetemos para o já apreciado na anterior questão, uma vez que também nesta vertente não se verifica e a ocorrer, sempre deveria suscitar-se a nulidade junto do tribunal de 1ª instância.
Passando à apreciação da questão suscitada a respeito da omissão de audiência prévia nos termos do art.º 591º/1 b) CPC.
Analisados os autos, verifica-se que não foi realizada uma audiência prévia, nos termos do art.º 591º/1/ b) CPC.
Como se referiu, na apreciação da anterior questão, atento o disposto nos art.º 195º e seg. CPC, a prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido constitui uma nulidade processual.
Porém, como refere o Professor ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades”, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[11].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art.º 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art.º 199º CPC.
A omissão de audiência prévia não consta como uma das nulidades previstas nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art.º 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição nos termos previsto no art.º 199º CPC.
Dispõe o art.º 590º/2 CPC que, findos os articulados, o juiz profere despacho pré-saneador para algum dos fins previstos nas a) a c) do referido normativo legal.
Não havendo lugar a tal despacho ou concluídas as diligências do mesmo resultantes, é convocada audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins previstos nas várias alíneas art.º591º/1 CPC, nomeadamente, facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa (al. b)).
Não se realiza audiência prévia nas ações não contestadas que tenham de prosseguir em obediência ao disposto nas als. b) a d) do art.º 568º, ou quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados (art.º 592º, nº 1 CPC ).
Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a audiência prévia, quando esta se destine apenas aos fins indicados nas al. d), e) e f) do nº 1 do art.º591º - ou seja, quando se destine, apenas, a proferir despacho saneador (no sentido restrito), a determinar adequação formal, simplificação ou agilização processual, ou a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova (art.º 593º/1 CPC) -, caso em que, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, profere despacho sobre aquelas matérias, bem como programa os atos a realizar na audiência final (art.º 593º/2 CPC), podendo as partes requerer a realização da audiência prévia se pretenderem reclamar do despacho na parte em que determinou adequação formal, simplificação ou agilização processual, ou identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova (593º/3 CPC).
O art.º 595º CPC versa sobre o despacho saneador, dispondo o seu nº 1 que o mesmo se destina a:
a) conhecer das exceções dilatórias ou nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou, que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;
b) conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
O art.º 597º CPC regula os termos posteriores aos articulados nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, conferindo ao juiz um amplo poder de gestão e adequação processual, norteado pela necessidade e a adequação do ato ao fim do processo.
Da análise deste regime decorre que nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação, a realização de audiência prévia não é obrigatória, mas é a regra.
A audiência prévia apenas não se realiza, nos casos previstos no art.º 592º, ou, quando seja dispensada pelo juiz, nas ações que hajam de prosseguir.
Não se verificando nenhuma das situações previstas no art.º 592º, e se a ação não houver de prosseguir, nomeadamente por se tomar conhecimento no despacho saneador do mérito da ação, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito (art.º 591º, nº 1, al. b) CPC).
Na situação concreta, estamos na presença de um procedimento cautelar, que tem uma tramitação processual própria, prevista nos art.º 362 a 377º CPC, na qual não se prevê a realização de audiência prévia, mesmo quando o juiz se propõe decidir do mérito sem produzir provas, o que bem se explica pela natureza urgente do processo e o caráter provisório da decisão. A realização de audiência prévia, nos art.º 591º/1 b) CPC, está prevista apenas para as ações de natureza declarativa e procedimentos que sigam essa forma processual.
Em sede de procedimentos cautelares, nas situações de contraditório subsequente ao decretamento da providência (como ocorre no caso concreto), deduzida oposição, quando “necessário procede-se à produção das provas requeridas” - art.º 372º/1 b) e art.º 367º/1 CPC. Recai sobre o juiz esse juízo de apreciação.
O “juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada” - art.º 372º/3 CPC.
Na situação presente, o juiz iniciou o despacho por considerar não ser necessário produzir prova, com os seguintes fundamentos:
“Bem analisados o requerimento inicial do requerente, a decisão proferida na data de 09.07.2024, a argumentação apresentada pela requerida na respetiva oposição, assim como a totalidade dos documentos juntos ao processo pelas partes, entende-se que os autos reúnem os elementos necessários à prolação de decisão, mostrando-se dispensável a inquirição de testemunhas”.
Conclui-se, que não se verifica a apontada nulidade, por omissão de realização de audiência prévia, uma vez que a lei não prevê a sua realização.
Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos I e IV.
Nas conclusões de recurso, sob os pontos VI a IX, a apelante insurge-se contra o segmento do despacho que dispensou a produção de prova, defendendo que na decisão não se apreciaram os fundamentos de facto e jurídicos que apresentou na oposição, invocando a inconstitucionalidade na interpretação que se fez do art.º 372º/1 b) CPC, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e o direito à prova.
Relembrado os fundamentos da decisão, na parte que relevam para a apreciação da concreta questão.
“5. Volvendo ao caso sub judice, verifica-se que a argumentação apresentada pela requerida, assim como a prova documental por ela junta aos autos, não se mostram susceptíveis de preencher as condições do meio de reacção por ela escolhido.
Tendo optado pela oposição, conforme previsto no art. 372º, nº 1 do Código de Processo Civil, cabia à requerida alegar factos e apresentar provas que pudessem conduzir a colocar em crise os fundamentos da decisão a que se opôs, ou seja, os factos indiciariamente apurados pelo autor da decisão e que este considerou como suficientes ao preenchimento dos pressupostos do decretamento da medida concreta definida no dispositivo da decisão, a qual configura apenas uma tutela antecipatória provisória.
Dando-se aqui por reproduzidos os factos descritos na peça processual da requerida, verifica-se que a mesma tem em vista a destruição dos sucessivos negócios por ela outorgados.
Tanto assim que o seu primeiro pedido se reporta à «declaração da reserva mental do requerente, desconhecedora da Requerida, no contrato promessa de cessão de quotas de 20.02.2023, no contrato de cessão de quotas de 21.02.2023, no contrato de penhor mercantil de 04.01.2023 e aditamento de 31.03.2023 e no acordo extrajudicial datado de 12.01.2024 que foi junto processo judicial n.º ... – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1», e, que o seu segundo pedido consiste em que «seja declarada a nulidade do contrato promessa de cessão de quotas de 20.02.2023 contrato de cessão de quotas de 21.02.2023, no contrato de penhor mercantil de 04.01.2023 e aditamento de 31.03.2023 e no acordo extrajudicial datado de 12.01.2024 que foi junto ao processo judicial n.º ... – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1 por erro na formação da vontade da Requerida».
Por um lado, estes pedidos supõem uma apreciação definitiva do litígio existente entre requerente e requerida, relativamente ao montante do crédito desta sobre aquele, e, por outro lado, a argumentação da requerida confirma a existência dos negócios invocados pelo requerente, assim como a disputa quanto ao montante devido por este à requerida, sendo a diferença significativa, e, bem assim, os riscos e prejuízos para o requerente, inerentes à natureza dos documentos em causa na decisão, consistindo em letras de câmbio, facilmente endossáveis e exequíveis, mormente em caso de litígio com a dimensão daquele que divide as partes.
Ademais, a demonstração dos pressupostos legais da reserva mental ou do erro não se se mostra adaptada à natureza da prova meramente indiciária nesta sede cautelar, sendo exigente e implicando uma decisão definitiva quanto à definição do direito de uma e outra parte.
Ou seja, não se colocando em causa a factualidade trazida aos autos pela requerida, nem a pertinência da sua argumentação em sede de acção destinada à apreciação do montante do crédito em discussão entre as partes, certo é que a mesma não tem as características necessárias à infirmação dos factos indiciariamente tidos por demonstrados na decisão atacada e que o seu autor considerou suficientes ao preenchimento dos pressupostos legais da medida tutelar, antecipatória e provisória, definida na mesma decisão.
A factualidade trazida aos autos pela requerida e a respectiva argumentação não preenchem as condições necessárias à infirmação dos pressupostos em que assentou a decisão à qual se opôs.
A factualidade trazida aos autos pela requerida e a respectiva argumentação dispensam a produção de prova testemunhal, porquanto se tem de concluir que, por tudo quanto se deixou explanado até ao momento, é de indeferir a presente oposição, mantendo-se a decisão proferida na data de 09.07.2024”.
Está em causa apurar se na apreciação dos fundamentos da oposição se omitiu a apreciação de factos principais ou instrumentais que careciam de prova e se mostravam adequados a alterar a decisão inicial que decretou a providência.
Adiantamos, desde já, que não se verifica tal omissão, porque, por um lado, a apelante não indica os concretos factos alegados na oposição que careciam de prova e se mostravam determinantes para reverter a decisão inicial e por outro lado, na decisão consideraram-se os factos principais alegados na oposição, os quais não careciam de produção de prova testemunhal.
Dispõe o art.º 362º CPC:
“[s]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
Os pressupostos para decretar a providência são fundamentalmente dois:
- que o requerente seja titular de um direito;
- que esse direito esteja ameaçado de lesão grave e de difícil reparação.
Para que se mostrem preenchidos os pressupostos, quanto ao primeiro basta um juízo de verosimilhança ou probabilidade e no que respeita ao segundo, um juízo de certeza, de verdade, de realidade[12].
Decretada a providência, sem prévio exercício do contraditório, determina o art.º 372º/1/b) CPC que é lícito ao requerido:
“1.(… )
b) deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos art.º 367º e 368º.
2. No caso a que se refere a alínea b) do número anterior, o juiz decidirá da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida. “
Recai, assim, sobre o requerido o ónus de alegação de novos factos ou produzir novos meios de prova, com a finalidade de afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
Referem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE a este respeito, “que os “factos novos” (“factos […] não tidos em conta pelo tribunal”) são, em primeira linha, factos principais, isto é, fundamentos de exceções […] mas se o requerido quiser alegar factos instrumentais que visem abalar a convicção do julgador quanto à verificação de factos que hajam constituído fundamento da providência terá, também de os provar, fazendo contraprova (art.º 346º CC) e com isso, embora não extravase o campo da impugnação, terá igualmente de usar o meio de oposição”[13].
Optando o requerido por deduzir oposição recai sobre si o ónus de alegação e prova dos factos principais, fundamento de exceções ou dos factos instrumentais, que ponham em causa a prova produzida a respeito dos factos principais que sustentam o deferimento da providência.
No caso concreto, como se constata pela transcrição dos fundamentos do despacho recorrido, consideraram-se os factos alegados na oposição e que estão provados por documentos, ainda que a referência aos mesmos se faça apenas por remissão.
Quanto aos restantes, não poderiam ser considerados porque as considerações de direito não estão sustentadas em factos e os factos alegados não se revelarem idóneos para afastar os fundamentos da providência.
Face aos documentos que constam dos autos e em síntese verifica-se que a apelante/requerida celebrou com terceiro um contrato de cessão de quota que detinha na sociedade B... Unipessoal, Lda., fixando-se como preço da cessão a quantia de € 1.300.000,00, posteriormente reduzido para o valor de € 1.000.000,00. O requerente, por sub-rogação e confissão de divida, assumiu junto da requerida/apelante o pagamento do preço. Ficou convencionado o pagamento em prestações e posteriormente, em 12 de janeiro de 2024 foi reformulado o acordo de pagamento, sendo este o contrato que serve de fundamento ou causa de pedir à providência requerida.
A apelante sob os art.º 3º a 132º da oposição descreveu os sucessivos negócios celebrados entre a requerida e terceiros, entre terceiros entre si, e entre o requerente e a requerida, para concluir que o requerente assumiu o pagamento do preço devido no contrato de cessão de quotas que a requerida celebrou com um terceiro.
A transação referenciada no requerimento inicial constitui uma declaração de dívida e um acordo de pagamento do referido preço.
Nos art.133º a 152º a requerida/apelante vem invocar duas exceções: reserva mental e erro na formação da vontade/ erro sobre os motivos, para o que alegou:
“133.º
Nos presentes contratos e aditamentos e no acordo extra judicial o Requerente demonstrou que as condições eram outras que não as que constavam escritas (designadamente, que o Requerente não tinha intenção de pagar os valores ali acordados e de cumprir com o clausulado), não podemos deixar de concluir que o Requerente na elaboração daquele contrato e acordo extrajudicial, agiu com reserva mental.
134.º
In casu, a vontade real da Requerida, de facto, não coincidiu com a vontade real do Requerente que fizeram os contratos e aditamentos e o acordo extrajudicial datado de 12.01.2024.
135.º
O artigo 244.º n.º 1 do CC determina que a reserva mental ocorre quando é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário.
136.º
Como no caso, tal reserva mental não era conhecedora da declaratária (requerida), a reserva não prejudica a validade da declaração, sendo a mesma válida.
ERRO NA FORMAÇÃO DA VONTADE
137.º
Para além de que,
Na verdade, o clausulado de todos os contratos e aditamentos, bem como do acordo de transação extrajudicial, não passou de um artifício usado pelo Requerente para levar a Requerida a celebrar os mesmos,
138.º
Já que foi, exatamente, a interpretação que a Requerida tinha do mesmo, que a levou a concluir, como concluiu, tal negócio.
139.º
concluímos, pois, que, aquando da celebração do contrato/aditamentos e acordo extrajudicial, houve erro na formação da vontade da Requerida
140.º
porque esta apenas os assinou por ter por verdadeira a vontade do Sr. FF e do Requerente, vertido no contrato promessa de cessão quotas, contrato de cessão de quotas e respetivos aditamentos e do acordo de transação extrajudicial em causa.
141.º
verifica-se assim, um vício da vontade negocial da requerida que se traduziu numa deficiência de discernimento da mesma.
142.º
deficiência esta, que por sua vez, constituiu um erro que corresponde à falsa representação da realidade.
143.º
Manuel A. Domingues de Andrade caracteriza-o, nos moldes seguintes: “o erro vício consiste na ignorância (falta de representação exata) ou numa falsa ideia (representação inexata), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu”.
144.º
Dispõe o nº 1 do Artigo 252.º do CC (Erro sobre os motivos) que quando o erro recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, a essencialidade do motivo.
145.º
com efeito, se a Requerida soubesse ou tivesse conhecimento que a intenção do Requerente no contrato promessa de cessão de quotas de 20.02.2023, no contrato de cessão de quotas de 21.02.2023 e no acordo extrajudicial datado de 12.01.2024 não seria para cumprir nunca os teria assinado.
146.º
A Requerida celebrou, assim, com o Sr. FF, Sr. GG e o Requerente um contrato de cessão de quotas cujas condições e acordo extrajudicial não vertiam a real vontade destes,
147.º
Na verdade, o entendimento vertido no Contrato e transação extrajudicial era de tal forma essencial que, a não ser como ali se encontrava vertido, a Requerida nunca teria aceitado assinar o mesmo.
148.º
Esse erro incidente sobre o motivo do negócio, designadamente, sobre as circunstâncias que constituem a chamada base negocial, confere à Requerida o direito de, como pretende, obter a anulação do contrato, aditamentos e acordo extrajudicial.
149.º
anulação que requer a requerida ver declarada.
150.º
De acordo com o regime geral do artigo 287.º do Código Civil, a anulação do negócio, por quem de direito, destrói os efeitos do negócio retroativamente, ou seja, de modo equivalente a se o negócio nunca tivesse sido celebrado, como se requer.
151.º
A requerida é parte legítima e encontra-se em prazo (um ano contado após o CONHECIMENTO do vício que funda a anulabilidade que é o conhecimento inequívoco pela requerida da interpretação dada pelo requerente na negociação aqui exposta”.
A apelante exceciona a reserva mental em relação ao acordo/transação celebrado em 12 de janeiro de 2024, que corresponde ao negócio que está subjacente à pretensão formulada pelo requerente da providência cautelar.
Porém, é a própria requerida/apelante que afirma que a declaração é válida (art.º 136º), pelo que os factos não se revelam idóneos para afastar os fundamentos da providência e por esse motivo não poderiam ser considerados na decisão, como não foram.
Em relação ao erro sobre os motivos, para além de pretender que tal vício atinja contratos e negócios nos quais o requerente não teve intervenção, acaba também por referir em relação ao acordo e transação extrajudicial que serve de fundamento e causa de pedir à providência cautelar, que: “ o entendimento vertido no Contrato e transação extrajudicial era de tal forma essencial que, a não ser como ali se encontrava vertido, a Requerida nunca teria aceitado assinar o mesmo”.
A alegação do erro-vício não tem sustentação em factos, pois a apelante tece um conjunto de considerações de direito e conclusões, sem apontar o concreto erro-vício.
Desta forma, também a exceção do “erro sobre os motivos” carece de factos que a sustentem, sendo certo que os factos alegados não permitem afastar os fundamentos que determinaram a providência.
É certo que a requerida/apelante alegou, a respeito do parágrafo único da cláusula terceira, contida no acordo extrajudicial celebrado em 12 de janeiro de 2024, o seguinte:
“119.º
Tendo ainda sido consignado que em caso de não ser possível a entrega de todos os equipamentos livre de ónus e encargos pelo Sr. Administrador de Insolvência da massa insolvente da sociedade A... Unipessoal, Lda. (proc. n.º ...- Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis) ao valor a pagar iria ser reduzido o valor de € 177.500,00.
120.º
Ora, tal acordo foi redigido e elaborado pelo Requerente,
121.º
tendo a Requerida sido aconselhada pelos Representantes do Requerente a aceitar o mesmo, pois, tudo se trataria apenas de uma questão formal,
122.º
Contudo, o Requerente sabia aquando da redação desse acordo que os equipamentos não iriam ser entregues livres de ónus e encargos por parte do Administrador de Insolvência,
123.º
Tendo inserido essa cláusula com a penalidade de redução da quantia de €177.500,00, de má-fé, apenas e só com o intuito de enganar a Requerida e locupletar-se à sua custa.
124.º
Vindo agora, com o presente procedimento cautelar, pretender que lhe seja devolvido as letras que a Requerida tem em sua posse nessa quantia”.
Também, aqui, a requerida tece considerações de direito e juízos conclusivos sem suporte em factos concretos que revelem o alegado engano ou má-fé.
Contudo, não resulta de tal alegação que o preço devido pela cessão de quotas, seria, em qualquer circunstância de € 1.000.000,00, com ou sem entrega dos equipamentos.
Desta forma, mostra-se irrelevante para o fim que se pretende alcançar com a oposição na providência cautelar a consideração da existência de um conluio entre o requerente e terceiro com vista a prejudicar a requerida, sem prejuízo da consideração de tais factos na sede própria, mas que não é a concreta providência que tem um objeto bem definido.
Com efeito, o requerente da providência visa obter a restituição das letras que se encontram em poder da requerida, tal como ficou convencionado no acordo extrajudicial celebrado em 12 de janeiro de 2024, pelo facto de ter procedido ao pagamento de parte do preço e porque o Administrador da Insolvência não procedeu à entrega de parte do equipamento, factos e circunstâncias que a requerida não impugna na oposição.
Acresce que ao suscitar a nulidade ou anulação, pelo menos, da concreta transação-extrajudicial, que constitui o fundamento ou causa de pedir da providência cautelar, sempre teria de restituir as letras ao requerente, nos termos do art.º 287º CC, sendo esse o objeto da providência.
Conclui-se que no despacho recorrido se considerou os factos principais alegados e provados por documento, únicos a ponderar, já que não foram alegados factos instrumentais que sustentem a alteração dos factos que constituem fundamento da providência e as exceções suscitadas não têm sustentam em factos. Desta forma, não se mostrava necessário proceder à produção de prova por declarações e com inquirição de testemunhas.
O princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.º 2º e art.º 9º /1 b) da Constituição, representa usando as palavras de J. J. GOMES CANOTILHO: “uma forma de racionalização de uma estrutura estadual-constitucional. No princípio de estado de direito conjugam-se elementos formais e materiais, exprimindo, deste modo, a profunda imbricação entre forma e conteúdo no exercício de atividades do poder público ou de entidades dotadas de poderes públicos”[14].
Na dimensão formal do princípio do estado de direito democrático, inclui-se a garantia da proteção jurídica e abertura da via judiciária para assegurar ao cidadão o acesso ao direito e aos tribunais.
Esta dimensão do princípio está consagrada no art.º 20º e 268º/4 da Constituição da República Portuguesa.
A garantia dos direitos fundamentais só pode ser efetiva quando, no caso de violação destes, houver uma instância independente que restabeleça a sua integridade. Nisso se traduz o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Com efeito, prevê o art.º 20º/5 CRP:
“Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
A exequibilidade do princípio passa por “imposições jurídico-constitucionais ao legislador”.
Como refere J.J. GOMES CANOTILHO “a abertura da via judiciária é uma imposição diretamente dirigida ao legislador no sentido de dar operatividade prática à defesa de direitos”[15].
Daqui resulta a proibição de inexequibilidade ou eficácia por falta de meios judiciais. Mas sobretudo a “garantia da proteção jurídica” que implica “um controlo das questões de facto e das questões de direito suscitadas no processo, de forma a possibilitar uma decisão material do litígio feita por um juiz em termos juridicamente vinculantes[16].
Outra manifestação do princípio da tutela efetiva do direito consiste em assegurar ao cidadão uma posição jurídica subjetiva cuja violação lhe permite exigir a proteção jurídica.
A este respeito refere J.J. GOMES CANOTILHO: “[o] princípio da proteção jurídica fundamenta, assim, um alargamento da dimensão subjetiva, e alicerça, ao mesmo tempo, um verdadeiro direito ou pretensão de defesa das posições jurídicas ilegalmente lesadas”[17].
Ponderando este quadro conceitual e retomando o caso dos autos, conclui-se que a decisão proferida não violou os preceitos constitucionais citados.
Desde logo, perante a ofensa do direito, não foi coartada a possibilidade da apelante através de um processo judicial exercer e defender o seu direito.
O meio utilizado para o fazer – oposição à providência cautelar não especificada – pressupõe o cumprimento de determinados pressupostos ou requisitos, que a apelante não alegou na sua totalidade.
Na apreciação da pretensão pelo juiz do tribunal “a quo” foram considerados os factos alegados pela apelante à luz das várias soluções plausíveis de direito, mas sem perder de vista o regime processual específico dos procedimentos cautelares.
A apelante usou do meio processual adequado para obter a tutela do seu direito, prevendo a lei os requisitos a que deve obedecer a oposição, devendo alegar factos ou indicar meios de prova que se destinem a afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, motivo pelo qual está e foi assegurada a proteção jurídica e a efetividade do direito. A decisão recorrida não violou os princípios constitucionais consagrados no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretou o art.º 372/1 b) CPC no sentido de considerar que os factos principais relevam para o efeito de afastar os fundamentos da providência.
Improcedem, as conclusões de recurso, sob os pontos VI a IX.
No ponto V das conclusões de recurso considera a apelante que o despacho é nulo, nos termos do art.º 615º/1 d) CPC, porque omitiu a apreciação dos fundamentos da defesa, entre os quais o abuso do direito.
A omissão de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar ou o conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento constitui um dos fundamentos de nulidade da sentença, previsto art.º 615º/1 d) CPC.
A omissão de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar, constitui um vício relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” - art.º 608º/2 CPC.
Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença: deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Este regime é extensivo aos despachos, como se prevê no art.º 613º/3 CPC.
No caso concreto, o despacho analisou as questões suscitadas na defesa, como resulta do excerto do despacho transcrito na apreciação da anterior questão, omitindo, com efeito, a apreciação da exceção “abuso do direito”, cuja apreciação não ficou prejudicada pela decisão.
Verifica-se, assim, que em parte o despacho é nulo, cumprindo ao tribunal de recurso, ao abrigo do art.º 665º/1 CPC, apreciar a exceção.
Procedem, nesta parte, as conclusões.
Nas conclusões de recurso, sob os pontos X a XVII, considera a apelante que os factos provados não configuram o receio fundado e concreto de lesão grave e irreparável do direito do requerente, pelo que não se justifica manter a providência.
A questão que se coloca consiste em determinar se estão reunidos os pressupostos para manter a providência requerida, ao abrigo do art.º 362º CPC, perante os factos provados.
Dispõe o art.º 362º CPC:
“[s]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
Prevê o art.º 368º/1 CPC:
“a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Os pressupostos para decretar a providência são fundamentalmente dois:
- que o requerente seja titular de um direito;
- que esse direito esteja ameaçado de lesão grave e de difícil reparação.
Para que se mostrem preenchidos os pressupostos, quanto ao primeiro basta um juízo de verosimilhança ou probabilidade e no que respeita ao segundo, um juízo de certeza, de verdade, de realidade[18].
O fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito, representa a manifestação do “periculum in mora”.
O receio tanto pode manifestar-se antes da propositura da ação como na sua pendência e a medida requerida será a mais adequada para acautelar o efeito útil que através do processo principal se pretende ver reconhecido ou satisfeito.
Como observa ABRANTES GERALDES: “a gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado”[19].
Por outro lado, apenas merecem a tutela provisória as lesões graves e que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação.
Acresce que o receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, o que significa que deve ser “apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”[20].
Como observa ABRANTES GERALDES “[n]ão bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões”[21].
LEBRE DE FREITAS considera “[q]uanto ao receio do requerente, ele há de ser objetivo, apoiando-se em factos de que decorra a seriedade da ameaça duma lesão ainda não verificada ou já iniciada, mas de continuação ou repetição iminente”[22].
Cumpre ainda salientar que a situação de perigo contra a qual se pretende defender o lesado deve ser atual, o que leva a excluir da proteção cautelar comum as lesões de direitos inteiramente consumadas, mas que não exclui a tutela cautelar face a situações de lesões ainda não inteiramente consumadas, continuadas ou repetidas[23].
Defendemos que a consumação da lesão sendo atual mas geradora de danos iminentes e previsíveis merece ainda a tutela da providência cautelar comum, dado o fim que se visa acautelar: obstar a que por ação ou omissão se cause lesão grave ou dificilmente reparável ao direito e que tal ameaça apenas possa ser sustada com o decretamento da providência.
Constitui matéria cujo ónus de alegação e prova recai sobre o requerente da providência, nos termos do art.º 365º/1 e 368º/1 CPC.
No caso presente a lesão do direito é atual e mostra-se suficientemente fundado o receio de lesão.
Provou-se:
1. A 12 de janeiro de 2024, o Requerente, na qualidade de 1.º outorgante, e a Requerida, na qualidade de 2.º outorgante, acordaram, por documento particular, um termo de transação extrajudicial nos precisos termos exarados, conforme doc. 1 junto com o requerimento inicial e aqui dado por integralmente reproduzido, nos termos do qual:
“Preâmbulo
Considerando que:
a) O primeiro outorgante intentou contra a segunda outorgante uma Ação de Processo Comum que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1 sob o n.º ...;
b) Na qual peticiona a redução do preço global referente aos contratos aí juntos e melhor identificados, como documentos 1 a 7.
É celebrado entre ambos a presente transação extrajudicial a qual se regerá pelos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:
Primeira
O aqui primeiro outorgante (…) e o segundo outorgante (…) acordam alterar o plano de pagamento decorrente da confissão de dívida outorgada em 16.04.2023 e acordo de prorrogação de prazo outorgado a 25/09/2023.
Segunda
Como consequência de tal alteração acordam as partes que o plano de pagamentos do valor total que anteriormente fora fixado, como decorrência do estipulado em tais contratos, em 1.000.000,00 € (…), por força do infra exposto se realizará nos seguintes termos e condições:
a) A tal valor de 1.000.000,00 € (…), serão desde já deduzidas as seguintes quantias, e das quais dá novamente o segundo outorgante a respetiva e competente quitação:
(…).
Terceira
Deste modo, o valor remanescente em dívida, ou seja, a quantia de 577.500,00 € (quinhentos e setenta e sete mil e quinhentos euros) do primeiro ao segundo, deverá a título de continuação de pagamento, ser pago em 28 prestações mensais sucessivas no valor de 20.000,00€ (vinte mil euros) cada, com início em 15 de janeiro de 2024, e 1 prestação única final no valor de 17.500,00€ (dezassete mil e quinhentos euros) a título de remanescente e acerto de pagamento de preço global.
§ Paragrafo único:
Fica ainda consignado que, em caso de não ser possível a entrega de todos os equipamentos livre de ónus e encargos pelo Sr. Administrador Judicial da massa insolvente A..., Unipessoal, Lda., número de pessoa coletiva ... (Proc. n.º ... – Juízo de comércio de Oliveira de Azeméis – Juiz 2) à B... UNIPESSOAL LDA., número de pessoa coletiva ..., constantes do contrato de dação em pagamento outorgada em 14.04.2023 pela sociedade A..., Unipessoal, Lda., número de pessoa coletiva ..., ao valor a pagar será deduzido imediatamente o valor de 177.500,00€ (cento e setenta e sete mil e quinhentos euros)”.
Quarta
Como garantia do bom pagamento serão entregues ao segundo outorgante 29 letras devidamente preenchidas de acordo com a cláusula terceira, cujas cópias serão rubricadas e farão parte integrante da presente transação.
Quinta
Em caso de falta de pagamento por parte do primeiro outorgante, de 3 prestações mensais e sucessivas, vencem-se todas, constituindo assim incumprimento definitivo.
Sexta
Todas as letras anteriormente entregues ao segundo outorgante (…).
(…)”;
2. Sucede que, no decurso da execução do plasmado em tal transação/contrato, o requerente cumpriu o pagamento dos montantes mensais nas datas aí referidas, designadamente 20.000,00€ (vinte mil euros) por mês até março, inclusive, de 2024;
3. Assim, encontra-se em falta o pagamento correspondente aos meses de abril, maio e junho de 2024, estando, no entanto, tais montantes garantidos pelas letras entregues para o efeito à requerida, cf. consta da cláusula quarta do termo;
4. Todavia, ao contrário do previsto no parágrafo único do termo, o ora Requerente teve conhecimento de não ser possível a entrega de todos os equipamentos, livre de ónus e encargos, pelo Sr. Administrador Judicial da massa insolvente A..., Unipessoal, Lda., número de pessoa coletiva ... (Proc. n.º ... – Juízo de comércio de oliveira de Azeméis – Juiz 2) à B... Unipessoal, Lda.;
5. Isto porque, pelo menos parte desses equipamentos foram restituídos, antes de 15/06/2024, às empresas C..., S.A., Banco 1..., S.A. e D..., S.A. – cf. doc.2, doc. 3 e doc. 4 juntos com o requerimento inicial e dados por integralmente reproduzidos;
6. No âmbito do proc. n.º ..., do Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis, em 13/06/2024, o Requerente realizou a notificação judicial avulsa da
Requerida, nos termos constantes do documento junto em 04/07/2024 e aqui dado por integralmente reproduzido;
7. O Requerente receia que a Requerente apresente as letras a pagamento ou as endosse a outrem;
8. Se a Requerida utilizar as letras, de modo a intentar uma ação executiva contra o Requerente, nos termos do art.º 703.º, n.º 1, al. c) do CPC, a única forma deste suspender a referida execução será, aquando da apresentação dos embargos, prestar caução, de acordo com a al. a) do n.º 1 do art.º 733.º do CPC, o que lhe causará prejuízo.
A apelante não impugnou os factos julgados provados, de onde decorre que a requerida/apelante recebeu parte do preço e o Administrador da Insolvência não entregou parte dos equipamentos, o que determina a verificação da condição para proceder à redução do preço.
Apesar da convenção estabelecida entre o requerente e requerida e perante o pagamento e verificação da condição para redução do preço, a requerida mantém em seu poder as letras de câmbio, quando estava obrigada a proceder à sua restituição. Verificando-se o risco da requerida colocar em circulação os títulos de crédito, apenas com o decretamento da providência pode obstar-se a que tal ocorra e ao dano no património do requerente.
A consumação da lesão sendo atual mas geradora de danos iminentes e previsíveis merece ainda a tutela da providência cautelar comum, dado o fim que se visa acautelar: obstar a que por ação ou omissão se cause lesão grave ou dificilmente reparável ao direito e que tal ameaça apenas possa ser sustada com o decretamento da providência.
Conclui-se estar demonstrado o justo receio de lesão do direito.
Neste contexto não merece censura a decisão recorrida que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida, quando manteve a decisão inicial que deferiu a providência cautelar.
Na oposição a requerida/apelante considera que o requerente agiu com má-fé, ciente do facto de que não tem o direito de pleitear, usando a justiça como se realmente possuísse tal direito, utilizando os meios judiciários sem causa razoável ou provável.
Mais refere que agiu com a intenção de locupletar-se à conta da Requerida, peticionando danos que bem sabem não ter qualquer fundamento e direito, imputando à requerida, condutas que a mesma não praticou, insinuando factos graves a respeito destes, agindo com abuso do direito, conforme o previsto no disposto no art.334.º Código Civil.
O abuso do direito, nos termos do art.º 334º CC, consiste no exercício ilegítimo de um direito.
Considera-se ilegítimo o exercício de um direito “quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA referem que: “[a] nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido”[24].
ALMEIDA COSTA refere a este respeito que: “exige-se, um abuso nítido: o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício”[25].
Para apurar se as partes envolvidas no negócio agiram segundo os ditames da boa-fé cumpre ao juiz considerar: “as exigências fundamentais da ética jurídica, que se exprimem na virtude de manter a palavra e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos”. De igual modo, “não se pode esquecer o conteúdo do princípio da boa fé objetivado pela vivência social, a finalidade intentada com a sua consagração e utilização, assim como a estrutura da hipótese em apreço”[26].
Com base no abuso de direito, o lesado pode “requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere a outrem; o que não pode é, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele”[27].
Os factos indiciariamente apurados não permitem concluir que o requerente atua sem observar os limites imposto pelo princípio da boa-fé. Limita-se a exigir o cumprimento de uma cláusula de um contrato celebrado entre as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual e como tal, deve ser pontualmente cumprido (art.º 405º/1 e 406º/1 CC).
Conclui-se, perante os factos apurados, que não resulta demonstrado que o requerente ao pretender que seja decretada a providência está a ultrapassar os limites que lhe são concedidos pelo direito, improcedendo a exceção suscitada na oposição.
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.