I – Não é admissível a reconvenção quando os pedidos deduzidos na ação e na reconvenção se fundam em causas de pedir distintas, tendo em consideração os factos essenciais para cada um deles, não existindo coincidência quanto à materialidade jurídico-substantiva relevante.
II - Também não é admissível a reconvenção quando o Réu, na sua contestação, nega a existência do crédito do qual a Autora se arroga titular, defesa que é claramente inconciliável com a dedução da compensação (a título principal), porquanto não pode pretender compensar um crédito sem reconhecer esse crédito que quer ver compensado, sendo certo que o Réu não deduz uma reconvenção condicional ou subsidiária.
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto – Juiz 1
Relatora: Des. Teresa Pinto da Silva
1ª Adjunta: Des. Ana Paula Amorim
2º Adjunto: Des. Carlos Gil
I - RELATÓRIO
Em 24 de outubro de 2011, Banco 1..., S.A., intentou ação declarativa, sob a forma do processo experimental regulado pelo Decreto-lei nº 108/2006, de 8 de junho, contra AA, BB, CC, DD, EE e FF, sendo os 5º e 6º Réus apenas demandados na qualidade de co-herdeiros de GG, e as 2ª e 4ª Rés por si e também na qualidade de co-herdeiras daquele, pedindo:
A) Que sejam declaradas nulas, porque totalmente simuladas, as compras e vendas celebradas, respetivamente, entre AA, mulher BB e CC e entre esta e GG e mulher DD, por escrituras celebradas em 13/3/92 e em 15/3/94, referentes ao prédio inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o artigo ... e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº .../..., ordenando-se o cancelamento das inscrições que foram g-3 e g-4, da propriedade em nome, respetivamente, das 3ª e 4ª Rés e GG;
b) A condenação dos Réus nos encargos e custas, e condigna procuradoria;
c) Que seja determinada a agregação definitiva desta ação ao processo nº 3150/07.9TVPRT, da 2ª Secção, da 3ª Vara Cível do Porto.
Alegou, para tanto e em síntese, que no exercício do seu objeto social de comércio bancário incorporou a A... (...), passando a denominar-se B..., S.A. e, em maio de 2000, por nova incorporação por fusão, passou a denominar-se Banco 1..., S.A.
A A..., constituída por escritura pública de 12.11.90, tinha como objeto social a compra e venda de valores mobiliários por conta própria ou por conta de terceiros e a subscrição de valores mobiliários de rendimento fixo ou variável emitidos por entidades de direito privado ou de direito público, a intervenção na colocação desses valores e também o processamento de carteiras de clientes, a guarda de valores mobiliários e a cobrança dos respetivos rendimentos, bem como, se devidamente autorizado pelos clientes, o exercício de outros direitos sociais.
A partir de Março de 1992, a A... arrogou-se um direito de crédito, no valor inicial de 1.930.096.943$00, sobre a 2ª R., a qual, então, era casada com o 1º R., em regime de comunhão de adquiridos.
A A... tinha efetuado numerosas operações de bolsa em nome e benefício das 2ª, 3ª e 4ª RR. e GG, por ordem e solicitação do 1º R., enquanto diretor da então C..., S.A. (C..., doravante), e seu legal representante até ao dia 21 de Fevereiro de 1992 e depois desta data, arrogando-se o 1º R. a qualidade de procurador daquelas pessoas, a A... continuou a efetuar tais operações, a pedido do 1º R., as quais, contudo, resultaram no saldo credor da A..., supra referido, de 1.930.096.943$00.
A A... começou a compreender, a partir da atuação dos 1º e 4º RR. e GG, posterior à data de 25 de Fevereiro de 1992, que agiam todos perante ela em comunhão de interesses, independentemente da qualidade formal de clientes ou de procurador, como se fossem uma só entidade personificada no 1º R.
Com efeito, em 25 de Fevereiro de 1992, a 2ª R. não pagou à A... o valor de 1.105.410.685$00, ao contrário do que informara por fax do dia anterior, o que levou a A... a não poder pagar o seu débito na compensação financeira, efetuada pelo Banco de Portugal, entre todas as instituições corretoras do país, nesse mesmo dia 25 de Fevereiro 1992, incumprimento este da A... que constituiu um escândalo financeiro, que foi manchete e notícia nos mais diversos meios de comunicação social (que ficou conhecido como o caso C.../A..., e/ou, AA/Dra. HH) tendo as operações financeiras que antecederam e deram causa àqueles incumprimentos sido alvo de investigação criminal e administrativa, esta através das entidades de supervisão bancária e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, e envolveram os aqui 1º e 2º RR.
Em 27 de fevereiro de 1992, o 1º R., arrogando-se a qualidade de procurador da 2ª e 4ª RR., ordenou que títulos mobiliários que estavam depositados na então C... em nome destas Rés fossem «com a máxima urgência» entregues «a mim, ou a alguém mandatado pela A..., S.A.».
Em 11 de Março de 1992, a 4ª R. ordenou que títulos mobiliários em seu nome, de que a A... era depositária, fossem usados «livremente» pela A... para se ressarcir daquele valor de 1.930.096.943$00, informando que tais títulos, ainda que em nome dela, «eram propriedade de AA», aqui 1º Réu, sendo certo que este, em 5 de Março de 1992, havia comunicado à A... que «autorizo que a A..., SA caucione a carteira de títulos existente em nome de DD».
Assim, a A... alienou os títulos que estavam à sua guarda e os que recebeu da C..., conforme o facto anterior, e com o valor obtido amortizou a dívida acima referida.
E, em 24 de setembro de 1994 instaurou ação judicial, peticionando o remanescente do saldo daquela dívida, no valor de capital de 1.203.529.628$00, sobre os 1ª, 2ª, 3ª RR. e GG, entre outros, que à data da instauração da presente ação se encontrava pendente na 10ª Vara Cível, 2ª Secção do Tribunal Cível de Lisboa com o nº 12.906/94.
Em 18 de Fevereiro de 2002 GG faleceu e sucederam-lhe como herdeiros a 4ª R., viúva (com quem era casado no regime de comunhão geral de bens), e os filhos, aqui 2ª, 5º e 6ª RR., e que foram habilitados na referida ação da 10ª Vara.
Naquelas circunstâncias de 1992 acima referidas, os 1º e 2º RR., temendo eventuais providências que congelassem os seus bens ou que impedissem a sua disponibilidade, visto que estavam a ser alvo de investigação, pediram à 3ª R. para declarar que adquiria por compra a eles, 1º e 2º RR., o lote de terreno infra descrito de forma a evitar a sua apreensão, arresto ou penhora, por aqueles que então se arrogavam seus credores, nomeadamente a ora Autora.
Por isso, em 13 de março de 1992, os 1º e 2º RR. e a 3ª Ré celebraram escritura pública, através da qual os 1º e 2º RR. declararam vender, e a 3ª Ré comprar, pelo preço de 2.000.000$00, o prédio correspondente ao lote nº ..., destinado a construção, terreno com a área de 160 m2, sito no Arruamento sem designação, à Av. ..., da freguesia ..., da cidade do Porto, inscrito na respetiva matriz sob o art. ... e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº .../.... No entanto, nem os 1º e 2º RR. tiveram intenção ou quiseram vender à 3ª Ré o identificado prédio, nem esta quis ou teve intenção ou desejo de o comprar.
De igual modo, em 15 de Março de 1994, os 1º e 2º RR. pediram à 3ª R. o favor de outorgar escritura de compra e venda do mesmo imóvel, a favor da 4ª R. e marido, GG, pais da 3ª R. e sogros do 1º R., pedido que a 3ª Ré satisfez e, por isso, em 15 de março de 1994 a 3ª R. declarou vender à 4ª R. e a GG, e estes comprar, pelo preço de 2.000.000$00, o sobredito imóvel. No entanto, nem a 3ª R. teve intenção ou quis vendê-lo à 4ª R. e a GG, nem estes quiseram, tiveram intenção ou desejaram comprá-lo.
Nenhum preço foi pago ou recebido pelos aqui 1º, 2ª, 3ª, 4ª RR. e o então marido da 4ª R., GG, nas duas compras e vendas, ao contrário do declarado nas escrituras, tendo-se todos conluiado no sentido de celebrarem as compras e vendas supra alegadas, ficcionando declarações de vontade nesse sentido, com o único propósito de enganar os credores, nomeadamente a ora Autora, fazendo crer que o imóvel já não pertencia aos 1º e 2º RR., a fim de salvaguardar esse património, impedindo os credores de o apreenderem judicialmente e de se fazerem pagar pelo produto da sua venda coativa.
Após a celebração das escrituras foram os 1º e 2º RR. que inscreveram as aquisições no registos predial, pagaram as despesas na Conservatória e edificaram no identificado lote de terreno uma moradia cujos custos relativos ao projeto e construção foram pelos 1º e 2º RR. suportados, tendo acompanhado e supervisionado a sua edificação, e foram eles que, após a sua conclusão, foram habitar a referida moradia, aí fixando a sua residência juntamente com as suas duas filhas.
Os 1º e 2º RR. eram então íntimos amigos da 3ª R. e seu ex-marido, II, gozando da total e ilimitada confiança desta, pedindo a estes numerosos favores e auxílios financeiros. Por isso, a 3ª R. acedeu no favor que lhe pediram, e assim emprestou o seu nome para efeitos da celebração da compra e venda supra alegada.
De igual modo, a 4ª R. e marido, GG, também acederam a emprestar os seus nomes assim figurando como compradores do identificado prédio visto que, para além dos laços familiares, eram muito unidos e amigos dos 1º e 2º RR., seus genro e filha.
Tendo assinado todos os documentos, uns em branco outros preenchidos, que o 1º R. lhes pediu durante os anos de 1991 e seguintes, para numerosas operações de bolsa, em nome e por conta deles, que o 1º R. ordenava quer na C... quer através desta na A... pela confiança que neles faziam.
Após a data de 21 de Fevereiro de 1992, a 3ª R. e o marido GG outorgaram procurações ao 1º R. com amplos poderes de efetuar operações de bolsa e receber os respetivos proveitos, o que este fazia para contas bancárias em nome do casal, mas também em contas dos sogros das quais era procurador.
Em processos instaurados pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, em processo-crime e em ação cível instaurada pela ora A. a 3ª R. e o marido afirmaram, repetidas vezes, que assinavam e faziam o que os 1º e 2º RR. lhe solicitavam no período acima indicado.
Os atos notariais em que intervieram os RR. acima referidos foram efetuados apenas com o intuito de proteger o património do casal, isto é, dos 1º e 2º RR., dos credores, maxime da ora A..
Do exposto resulta que as compras e vendas supra articuladas são nulas, porque absolutamente simuladas.
Mais alega a Autora que II, arrogando-se credor, veio a instaurar contra os ora aqui RR. (exceto os 5º e 6º, mas GG), ação judicial pedindo a nulidade das compras e vendas supra alegadas, nela se tendo habilitado, por morte daquele, JJ, e que corria termos, à data da instauração da presente ação, sob o nº3150/07.9TVPRT, da 2ª Secção, da 3ª Vara Cível do Porto. Esta ação, exceto na factualidade respeitante à legitimidade da aqui A., tem a mesma fundamentação factual e a mesma identidade de pedidos que a presente ação, pelo que requer que a audiência de julgamento seja conjunta ou comum, requerendo ainda, caso não seja admissível a pretendida agregação, a apensação da presente ação àquela outra.
Procedeu-se à citação dos Réus, vindo a apurar-se, na sequência das diligências de citação da co-Ré CC, o falecimento desta, pelo que foi entretanto julgado habilitado o seu filho e único herdeiro, JJ, para com ele prosseguir a presente ação, ocupando a sua posição de co/Réu.
Em 3 de fevereiro de 2012, os Réus AA, BB, EE, DD e FF, contestaram, pugnando pelo indeferimento liminar da petição inicial, atenta a sua ininteligibilidade, e invocando a exceção dilatória da ilegitimidade da Autora, porquanto não obstante alegar que é credora dos Réus não existe nem foi aceite, onde quer que seja, algum crédito pelos aqui Réus, nem foi declarada a existência de qualquer crédito da Autora sobre os Réus em ação judicial contra os mesmos interposta e transitada em julgado. No mais, opuseram-se à agregação e apensação da presente ação à ação nº3150/07.9TVPRT, da 2ª Secção, da 3ª Vara Cível do Porto e impugnaram parte dos factos alegados pela Autora na petição inicial.
O 1º Réu, AA, deduziu ainda reconvenção, invocando para tanto que a Autora, no seu artigo 21º da petição inicial, alegou que em 24 de Setembro de 1994 instaurou ação judicial que corre termos na 2ª Secção da 10ª Vara Cível de Lisboa sob o processo n.º 12906/1994, tendo naquela ação peticionado o montante de 1.203.529.628$00, ação aquela que não é apenas proposta contra os aqui RR, mas também contra o Banco 2..., S.A. e KK, administrador, ao tempo, daquele banco e então C... S.A.. Os aqui RR ali não reconheceram e não reconhecem em momento algum como devendo aquele referido montante.
Porém, o Réu/Reconvinte AA é proprietário de 40.020 FIP/89 (quarenta mil e vinte FIP/oitenta e nove), crédito aquele e propriedade esta que lhe pertence e que se encontra documentado e provado na referida ação que corre termos sob o n.º ....
A Autora/Reconvinda detém de forma ilegal e ilegítima em seu poder aqueles mencionados títulos propriedade do aqui Réu/Reconvinte, AA os quais desde já reivindica.
Caso se torne impossível a devolução daqueles títulos por parte da Autora/Reconvinda, desde já requer que lhe seja entregue o correspondente valor, acrescido dos respetivos juros.
Conclui pela procedência do pedido reconvencional, pedindo:
- Que se declare que 1º Réu, AA, é dono e exclusivo possuidor e proprietário de 40.020 FIP/89 que se encontram à guarda da Autora, desde 20 de Fevereiro de 1992 até à presente data.
- Que se condene a Autora/reconvinda a reconhecer o direito de propriedade do 1º Réu/Reconvinte sobre os 40.020 FIP/89.
- Que se condene a Autora/Reconvinda a entregar imediatamente ao 1º Réu/Reconvinte os 40.020 FIP/89, acrescido dos juros devidos.
- Caso se torne impossível a devolução por parte da Autora/Reconvinda a entregar ao 1º Réu/Reconvinte os 40.020 FIP/89, deve aquela entregar o correspondente valor.
Em 13 de setembro de 2013, o habilitado JJ contestou a presente ação, impugnando parte dos factos alegados na petição inicial, alegando que os seus pais, pessoas de posses, travaram conhecimento com o 1º Réu no ano de 1988 pelo facto de este ser funcionário da Banco 3..., na Agência ..., no Porto, tendo, nessa qualidade, tratado vários assuntos dos pais do contestante, designadamente no que concerne a aplicações financeiras, em depósitos a prazo e outras.
Entretanto, no ano de 1990, o 1º Réu deixou a Banco 3... e ingressou nos quadros da C..., no Porto, na sequência do que, a pedido daquele 1º Réu, os pais do Contestante transferiram da Banco 3... para a C..., do Porto, as suas carteiras de títulos.
Sucede que, abusivamente, o 1º Réu procedeu à abertura de contas de títulos em nome da mãe do Contestante (e também do pai), sem o conhecimento e autorização deles, quer na C..., de Lisboa, quer na A..., S.A., no seu (dele 1º Réu) exclusivo interesse, que através delas efetuou movimentos de compra e venda de títulos, conforme o próprio 1º Réu confessou no âmbito do processo de contraordenação nº ... que correu termos na CMVM, pelo que a mãe do Contestante em nada foi responsável pelos movimentos a créditos e a débito que o 1º Réu efetuou, utilizando uma ou mais contas que abriu, sem autorização, em nome dela. Todas as operações bolsistas efetuadas pelo 1º Réu, em nome da mãe do contestante CC, são estranhas a esta e foram abusivamente efetuadas por aquele no seu próprio interesse e da A..., e por isso, por elas não pode a mãe do contestante ter qualquer responsabilidade.
Aceitou a matéria alegada pela Autora nos artigos 26º a 46º, 48º e 49º da petição inicial, alegando que a ajuda que os pais do contestante se aprestaram a dar aos 1º e 2º réus, foi-o acreditando na versão que eles 1º e 2º réus lhes narraram, em fevereiro de 1992, de estarem a ser vítimas de uma atuação perversa e ilegal por parte da A..., e só por acreditar que os 1º e 2º Réus estavam a ser injustamente perseguidos é que a mãe do contestante acedeu a outorgar as escrituras.
Em 5 de novembro de 2013, o 1º Réu AA veio, ao abrigo do disposto no artigo 588º, do Código de Processo Civil, apresentar articulado superveniente. Alegou, para tanto, ter tomado conhecimento, em 1 de novembro de 2013, da sentença judicial proferida no âmbito da ação que correu termos na 10.ª Vara Cível de Lisboa, sob o processo n.º 12927/94.2TVLSB, sentença essa que se reporta à ação judicial melhor descrita nos artigos 21.º e 22.º da petição inicial, que está na origem dos créditos reclamados na presente ação pela Autora, e no âmbito da qual os aqui Réus (incluindo o aqui 1º Réu e ali 3º Réu) foram absolvidos de todos os pedidos formulados pela Autora naquela ação, e condenada a Autora como litigante de má-fé, a pagar aos aqui Réus a quantia de €2.000,00.
Foi através dessa sentença que o aqui 1.º Réu e ali 3.º Réu, ficou a saber, comprovadamente, que em 26 de Fevereiro de 1992 o saldo consolidado naquelas contas ascendia ao valor de Esc. 163.181.667$00 e/ou €813.946,72, a título de capital.
Tais contas são propriedade do aqui 1.º Réu, como melhor ficou comprovado através da identificada sentença, sendo, por conseguinte, o aqui 1.º Réu credor relativamente à Autora da quantia de Esc.163.181.667$00 e/ou €813.946,72, a título de capital, desde 26 de Fevereiro de 1992, valor esse que se encontra depositado em tais contas da Autora, mantendo-se atualmente seu legítimo proprietário, detendo a Autora, de forma ilegal e ilegítima, em seu poder, aquele mencionado valor de Esc. 163.181.667$00 e/ou €813.946,72, a título de capital, desde 26 de Fevereiro de 1992, propriedade do aqui Réu/Reconvinte, AA, valor aquele que, desde já, reivindica, sendo este pedido uma ampliação do pedido formulado na reconvenção anteriormente deduzida.
Conclui pela aceitação do novo articulado superveniente, com todas as consequências legais que daí advêm, devendo julgar-se procedente, por provada, a ampliação do pedido reconvencional deduzido pelo 1.º Réu, AA e, em consequência:
a) Declarar-se que o 1.º Réu, AA, é dono e exclusivo possuidor e proprietário da quantia de Esc. 163.181.667$00 e/ou €813.946,72, a título de capital, e que se encontra à guarda da Autora, através de conta de depósitos de numerário, desde 26 de Fevereiro de 1992, até à presente data;
b) Condenar-se, em consequência, a Autora/Reconvinda a reconhecer o direito de propriedade do 1.º Réu/Reconvinte, sobre a quantia de 163.181.667$00 e/ou €813.946,72, a título de capital;
c) Condenar-se, ainda, a Autora/Reconvinda a entregar imediatamente ao 1.º Réu/Reconvinte aquela quantia de 163.181.667$00 e/ou €813.946,72, a título de capital, acrescida dos juros devidos;
d) Condenar-se, também, a Autora/Reconvinda a entregar imediatamente ao 1.º Réu os juros devidos à taxa legal de 4%, contados desde 26 de fevereiro de 1992 até à presente data, sobre aquele capital, detido ilegitimamente pela Autora, e que no presente ascende ao valor de €673.724,89.
e) Condenar-se, ainda, e também a Autora /Reconvinda a entregar ao 1.º Réu juros vincendos, devidos à taxa legal de 4%, contados a partir da presente data até efetivo e integral pagamento, do capital em divida, no montante de €813.946,72.
Em 9 de dezembro de 2013, a Autora replicou, pugnando, entre o mais, pela improcedência da reconvenção, condenando-se o 1º Réu como litigante de má-fé, em multa e indemnização equitativa.
Em 26 de março de 2015, o Tribunal recorrido proferiu despacho (ref.ª 341195680) a determinar a suspensão da “instância (incluindo a lide reconvencional) até ocorrer decisão definitiva (com trânsito em julgado) no âmbito do Processo nº 12927/94.2TVLSB que corria termos (até à “Reforma da Organização Judiciária”) na 10ª Vara Cível de Lisboa, com fundamento na circunstância de essa ação constituir causa prejudicial da presente, ali se tendo consignado que “o exercício do direito potestativo de declaração de nulidade, por simulação, de dois contratos de compra e venda – levado a cabo pela Autora da presente ação – exige a qualidade de interessado na declaração de nulidade (art. 286º do Código Civil).
A qualidade de interessado, no caso dos autos, radica na titularidade de um crédito da Autora sobre o(s) simulador(es) alienante(s) (art. 605º, nº 1, do Código Civil).
Ora, como já foi acima referido, o crédito invocado pela Autora na presente ação está a ser objeto de discussão judicial numa outra ação, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
De facto, a forma como a existência de tal crédito é alegada na petição inicial da presente ação é claramente remissiva para os termos da outra ação (só assim se pode entender a singeleza da alegação dos factos relativos a tal crédito na petição inicial).
Por outro lado, o valor de capital pedido nesta ação (1.203.529.628$00) corresponde exatamente ao valor de capital pedido na ação da Comarca de Lisboa.
Assim, caso a decisão da ação da Comarca de Lisboa (primeira a ser intentada) seja improcedente (concluindo-se pela existência do crédito), a aqui Autora não poderá mais obter a declaração de nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda, ficando sem fundamento ou razão de ser a presente ação.
Contudo, caso aquela primeira ação seja julgada procedente (concluindo-se que a aqui Autora é credora dos Réus da presente ação acima identificados), poderá a aqui Autora pugnar pela nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda (conquanto estejam preenchidos os respetivos requisitos de procedência, a analisar em concreto).
E é esta a razão pela qual existe, em nosso entender, uma situação de prejudicialidade.
Em consequência, impõe-se determinar a suspensão da presente instância, até decisão com trânsito em julgado da mencionada primeira ação, suspensão que é extensiva à lide reconvencional, dado não ser possível, em nosso entender, cindir (neste momento processual) a apreciação das duas instâncias.”
Notificadas as partes desta decisão, vieram os Réus, em 6 de abril de 2015, requerer o que consideram ser um lapso de escrita / erro material constante do despacho em causa, pretendendo a substituição da expressão “concluindo-se pela existência do crédito” por “concluindo-se pela inexistência do crédito” no parágrafo daquele despacho onde o Tribunal recorrido havia escrito “Assim, caso a decisão da ação da Comarca de Lisboa (primeira a ser intentada) seja improcedente (concluindo-se pela existência do crédito), a aqui Autora não poderá mais obter a declaração de nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda, ficando sem fundamento ou razão de ser a presente ação, retificação que foi deferida por despacho de 27 de abril de 2015.
Desde a prolação deste despacho foi sendo solicitada informação quanto ao estado do processo nº12927/94.2TVLSB até que, em 9 de fevereiro de 2024, a Autora veio requerer a extinção da instância por “impossibilidade e superveniente inutilidade”, alegando para tanto que:
* O crédito que, como parte essencial da causa de pedir, baseia a presente ação judicial de declaração de nulidade por simulação relativamente a um imóvel urbano, discutiu-se na ação cível, Proc. 12906/94 – como se alegou em artigos 21º e 22º da petição inicial.
* Por douto despacho de 19 de Novembro de 2014[1], (ref.ª 341195680), o Tribunal considerou total a relação de prejudicialidade entre aquela e esta ação – e, consequentemente suspendeu a instância até à definição daquele alegado direito de crédito.
* Designadamente, julgou-se naquele despacho que “caso a ação da Comarca de Lisboa (…) seja improcedente concluindo-se pela inexistência [“existência”, sic, mas é óbvio o lapso de escrita] a aqui Autora não poderá mais obter a declaração de nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda, ficando sem fundamento a razão de ser da presente acção”.
* Sucede que, por acórdão de 17 de Dezembro de 2023, já transitado em julgado, a mencionada ação cível foi julgada totalmente improcedente.
* Assim sendo, na mesma ordem lógica de raciocínio, a presente ação, de facto e de direito, perdeu um dos seus fundamentos centrais.
* Pelo que, nos termos do disposto no artigo 277º n.º e), a instância tornou-se inviável, por manifesta impossibilidade material superveniente (extinção da causa de pedir: cf. v.g., Ac. R. L. de 20.5.2010, Proc. 2541/03).
Em 20 de fevereiro de 2024, no exercício do direito do contraditório, vieram os 1º, 2º, 4º, 5º e 6º Réus opor-se à extinção da instância requerida pela Autora, mais declarando que pretendem o prosseguimento dos autos relativamente aos pedidos reconvencionais, peticionando ainda a condenação da Autora como litigante de má-fé em multa adequada, pedido esse relativamente ao qual a Autora se veio a opor por requerimento de 22 de fevereiro de 2024.
Em 15 de março de 2024, vieram os Réus informar do falecimento da co-Ré DD em 12 de janeiro de 2023, tendo entretanto, por decisão de 5 de junho de 2024, vindo a julgar-se habilitados BB, FF e EE como sucessores da Ré falecida para ocupar a sua posição na presente ação.
Em 16 de setembro de 2024, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (referência 463307502) “Analisadas as posições assumidas pelas partes quanto ao desfecho da presente ação, após a decisão proferida no processo nº 12906/94, notifique-se a autora para informar se pondera a possibilidade desistir do pedido, pondo fim à ação com efeitos nos pedidos reconvencionais deduzidos”, o qual não foi notificado aos Réus.
Em 23 de setembro de 2024, vieram os 1º e 2º RR. AA e BB, invocando o disposto no artigo 588º, do Código de Processo Civil, apresentar “ampliação do pedido constante do articulado superveniente de 5-11-2013”, no qual concluem que deve:
a) Declarar-se que os aqui 1.º e 2.º RR., AA e BB, são donos e exclusivos proprietários da quantia de Esc. 1.108.092.012$00 e/ou €5.527.139,65, a título de capital, a qual se encontra à guarda da autora, através de conta de depósitos de numerário n.º ..., desde 15-03-1992, até à presente data, conforme o alegado nos precedentes artigos 1 a 21, deste articulado.
b) Condenar-se, em consequência, a autora/reconvinda, a reconhecer o direito de propriedade dos 1.º e 2.ª RR./reconvintes, Esc. 1.108.092.012$00 e/ou €5.527.139,65, a título de capital;
c) Condenar-se, ainda, a autora/reconvinda a pagar imediatamente aos 1.º e 2.ª RR. aquela quantia de Esc. 1.108.092.012$00 e/ou €5.527.139,65, a título de capital, acrescido de juros devidos, contados desde 15/03/1992 e que na presente data ascendem a €10.211.428,35;
d) Condenar-se, ainda e também, a autora/reconvinda a pagar aos 1.º e 2.ª RR. juros vincendos, devidos à taxa legal de 4%, contados a partir da presente data até efetivo e integral pagamento do capital em dívida no montante de €5.527.139,65.
Em 30 de setembro de 2024, a Autora, na sequência do despacho com a referência 463307502, veio sustentar que considera que adequado à extinção dos autos seria a declaração de inutilidade superveniente, mas, admitindo que possa oferecer-se outra interpretação (nomeadamente a que decorre da última parte da última parte do n.º 2 do artigo 286.º combinado com o disposto, a contrario sensu, no n.º 6 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, por não existir conexão material ou dependência substantiva entre a reconvenção e o pedido da Autora) requer a desistência do pedido, no termos e para os efeitos do disposto nos artigos 283.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Em 1 de outubro de 2024, veio a Autora opor-se à ampliação do pedido deduzida pelos 1º e 2º RR. em 23 de setembro de 2024, sem prejuízo de considerar que a desistência do pedido por ela apresentada determina a extinção da reconvenção e do pedido superveniente a ela relativo, incluindo o ora em causa.
Em 10 de outubro de 2024, o Tribunal a quo proferiu sentença de homologação da desistência do pedido apresentada pela Autora, julgando extinto o direito que a Autora pretendia fazer valer nesta ação contra os Réus.
Em seguida, proferiu decisão quanto à admissibilidade da reconvenção, na qual concluiu nos seguintes termos:
“ a A. pede a declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre os RR. alegando que o negócio foi simulado.
Por conseguinte, a causa de pedir que serve de fundamento à ação é o acordo simulatório entre os RR., é este o facto principal que serve de fundamento à ação. Por sua vez, o pedido reconvencional estriba-se na alegada detenção pela autora de 40.020 FIP/89, propriedade do 1º Réu e reconvinte.
Estamos perante pedidos com causas de pedir distintas, tendo em conta os factos essenciais para cada um deles, sem pontos de coincidência. Assim, na linha da referida posição defendida por LL, inexistindo um facto principal comum a ambas as contra pretensões, não se verifica a identidade de causa de pedir que nos termos da al.a) do nº2 do art. 266º justifica a admissibilidade da reconvenção.
Pelo exposto, não se admite a reconvenção.
Custas a cargo do reconvinte.
Valor da reconvenção: 49.999,00 € (quarenta e nove mil, novecentos e noventa e nove euros).
Notifique”.
(…)
Os Réus vieram responder às alegações de recurso, concluindo nos seguintes termos:
(…)
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo Tribunal recorrido.
Mercê do exposto, da análise das conclusões apresentadas pelo Recorrente nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
1 - Se a decisão recorrida está inquinada de nulidade, por violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil
2 – Da admissibilidade da reconvenção
3 – Caso se conclua pela admissibilidade da reconvenção, da ampliação do pedido reconvencional e articulado superveniente.
1) Se a decisão proferida está inquinada de nulidade, por violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil
Sustentam os Recorrentes, sob as conclusões 1ª a 10 ª, que a decisão sob recurso se encontra ferida de nulidade por ter violado o princípio do contraditório constante do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil e, por isso é uma decisão surpresa. Para tanto, alegaram que nunca foram notificados do “despacho sugestão” proferido pelo Tribunal recorrido em 16 de setembro de 2024, nos termos do qual se determinou a notificação da Autora para informar se ponderava a possibilidade de desistir do pedido, pondo fim à ação com efeito nos pedidos reconvencionais deduzidos, só tendo tomado conhecimento da sua existência através do requerimento da Autora datado de 30 de setembro de 2024.
Mais alegaram que ainda corria o prazo para os Réus, ao abrigo do princípio do contraditório, se pronunciarem sobre os requerimentos apresentados pela Autora sob as referências 49923339, de 30-09-2024 e 50011484, de 01-10-2024, quando é prolatada a decisão de 10/10/2024, sem que os Réus, ainda em prazo, se tivessem pronunciado sobre a matéria relevante daqueles dois requerimentos da Autora.
Convém relembrar que no requerimento apresentado pela Autora sobre a referência 49923339, de 30-09-2024, esta veio desistir do pedido, e no requerimento sob a referência 50011484, de 01-10-2024, a Autora veio opor-se à ampliação do pedido reconvencional deduzida pelos 1º e 2º RR. em 23 de setembro de 2024, sem prejuízo de considerar que a desistência do pedido por ela apresentada determina a extinção da reconvenção e do pedido superveniente a ela relativo, incluindo a última ampliação.
O conhecimento da questão em apreço convoca o disposto no artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil, nos termos do qual “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Este artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, consagra expressamente o princípio do contraditório na vertente da proibição da decisão surpresa, isto é, nas palavras de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[2], “a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes”. Segundo estes autores, “antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)” (ob. cit., pág. 32).
O princípio do contraditório materializa-se em todos os elementos do processo - factos, provas e questões de direito que se encontrem relacionadas com o objeto da causa - tendo as partes direito, em todos estes níveis, a participarem ativamente tendo em vista influenciar a decisão, tentando convencer o julgador, em cada momento e ao longo de todo o processo, do acerto da sua posição.
No plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes do despacho ou da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie, mesmo que de conhecimento oficioso, só estando o Tribunal dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.
Essa manifesta desnecessidade de audição pode revelar-se quando:
“- as partes, embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação;
- quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou
- quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar a irregularidade ou uma insuficiência expositiva”[3].
Na linha do entendimento perfilhado por LOPES DO REGO[4], com o qual concordamos, “[…]a audição excecional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela”.
O exercício do contraditório dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, decisiva para a sorte do pleito, porque relativa a factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base da decisão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.
Com este princípio pretendeu o legislador, como já acima salientamos, impedir que as partes fossem surpreendidas com soluções de direito inesperadas, seja através do conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual.
Este entendimento amplo do princípio do contraditório, afirmado pelo nº3, do artigo 3º, do Código de Processo Civil, não afasta os poderes de subsunção ou de qualificação jurídica que o artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil confere ao juiz - tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Trata-se, apenas, de impor ao julgador o dever de, previamente ao exercício de tais poderes, proceder à audição das partes, sempre que pretenda decidir uma determinada questão, seja relativa ao mérito da causa seja meramente adjetiva, com recurso a um fundamento jurídico diverso, até então omitido nos autos e não ponderado pelas partes, mesmo usando da diligência devida.
Revertendo ao caso concreto, e tendo presente as considerações que antecedem, importa decidir se assiste razão ao Apelante quando sustenta que a decisão proferida está inquinada de nulidade, não tendo concretizado se estamos perante uma nulidade processual (artigo 195º do Código de Processo Civil) ou uma nulidade do próprio despacho (artigo 615º, ex vi artigo 613º, do Código de Processo Civil), por excesso de pronúncia, em conformidade com o disposto no artigo 615º, nº 1, d), do Código de Processo Civil.
É sabido que a nulidade processual consiste num desvio ao formalismo processual prescrito na lei.
Além das nulidades típicas previstas nos artigos 186º, 187º, 191º, 193º e 194º do Código de Processo Civil, outras irregularidades que se constatem na tramitação processual só constituirão nulidade se a lei assim o determinar ou quando o vício possa influir no exame ou decisão da causa, ou seja, quando se repercutem na sua instrução, discussão ou julgamento ou, em processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento[5] .
Trata-se das nulidades secundárias, inominadas ou atípicas, que podem emergir da prática de um ato que a lei não admita, da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva ou da prática de um ato admitido ou a sua omissão em violação da sequência processual fixada pelo juiz ao abrigo do disposto no artigo 547º do Código de Processo Civil – cf. artigo 195º, n.º 1 do citado diploma fundamental.
A nulidade do ato processual repercute-se nos atos subsequentes da sequência que dele dependam absolutamente. “Assim, sempre que a prática de um ato da sequência pressuponha a prática de um ato anterior, a invalidade deste tem como efeito, indirecto mas necessário, a invalidade do primeiro, se entretanto tiver sido praticado, pelo que a invalidade do ato processual é mais uma invalidade do ato enquanto elemento da sequência do que do ato em si mesmo considerado”[6].
Por sua vez, as decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões:
- por erro de julgamento dos factos e do direito; ou
- por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respetivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Na lição cristalina de Miguel Teixeira de Sousa, tendo em vista distinguir uma nulidade processual das nulidades da sentença, dir-se-á que “Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas:
- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual;
- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.
No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação.
Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.
Do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um ato não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.
Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual.
Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.
É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar:
- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); mas não é certamente por acaso que esta nulidade é também a única que constitui uma excepção dilatória (cf. art. 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), e 577.º, al, b), CPC);
- As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art.ºs 186.º a 202.º CPC.” - O que é uma nulidade processual? In Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual.
No caso concreto, o Apelante dirige a sua impugnação ao despacho que não admitiu a reconvenção e, em consequência, julgou prejudicado a ampliação do pedido reconvencional e do articulado superveniente entretanto apresentado pelos 1ª e 2ª RR., decisão que, no seu entendimento, constitui uma decisão surpresa porquanto:
- não foram notificados do “despacho sugestão” proferido pelo Tribunal recorrido em 16 de setembro de 2024, nos termos do qual se determinou a notificação da Autora para informar se ponderava a possibilidade de desistir do pedido, pondo fim à ação com efeito nos pedidos reconvencionais deduzidos, só tendo os Réus tomado conhecimento da sua existência através do requerimento da Autora datado de 30 de setembro de 2024.
- a decisão recorrida é prolatada em 10 de outubro de 2024, sem que os Réus, ainda em prazo, se tivessem pronunciado sobre a matéria relevante dos dois requerimentos apresentados pela Autora sob as referências 49923339, de 30-09-2024 e 50011484, de 01-10-2024.
Quanto ao primeiro argumento, dir-se-á que ainda que seja discutível a qualificação da não notificação aos Réus do despacho proferido pelo Tribunal recorrido em 16 de setembro de 2024 como nulidade ou mera irregularidade, a verdade é que, conforme os Réus confessam, tomaram conhecimento da existência daquele despacho através do requerimento da Autora datado de 30 de setembro de 2024. Como tal, atento o disposto no artigo 199º, nº1, conjugado com o artigo 149º, nº1, do Código de Processo Civil, é manifestamente extemporânea a arguição da nulidade em causa em sede de recurso interposto em 4 de novembro de 2024, porquanto os Réus dispunham de 10 dias para a respetiva invocação, contados da data em que assumidamente tiveram conhecimento da existência daquele despacho, pelo que o direito de arguir a referida nulidade encontra-se extinto (artigo 139º, nº3, do Código de Processo Civil), estando forçosamente sanada qualquer eventual nulidade ocorrida.
Quanto ao segundo argumento, ou seja, a circunstância de a decisão recorrida ter sido prolatada em 10 de outubro de 2024, sem que os Réus, ainda em prazo, se tivessem pronunciado sobre a matéria relevante dos dois requerimentos apresentados pela Autora sob as referências 49923339, de 30-09-2024 e 50011484, de 01-10-2024, importa ter presente que no primeiro desses requerimentos a Autora veio desistir do pedido e no requerimento de 1 de outubro de 2024 a Autora veio opor-se à ampliação do pedido reconvencional deduzida pelos 1º e 2º RR em 23 de setembro de 2024.
A desistência do pedido, atento o disposto no artigo 286º, nº2, do Código de Processo Civil, é livre, e, nessa medida, era dispensável o contraditório, por manifesta desnecessidade, porquanto a falta de audição dos Réus relativamente àquela desistência não tinha qualquer influência na decisão final. Acresce que os Réus, no requerimento de 20 de fevereiro de 2024, já haviam deixado clara a sua posição que, independentemente da extinção da instância requerida pela Autora, pretendiam o prosseguimento dos autos relativamente aos pedidos reconvencionais.
No que respeita ao requerimento 50011484, de 01-10-2024, também não se mostra violado o direito do contraditório, porquanto não assiste aos Réus o direito ao contraditório do contraditório. Com efeito, nesse requerimento de 1 de outubro de 2024 a Autora veio exercer o contraditório quanto ao requerimento dos Réus de 23 de setembro de 2024 de ampliação do pedido reconvencional e, nessa medida, o direito de a Autora se pronunciar sobre aquela “ampliação” não confere aos Réus, à luz do princípio do contraditório, direito a um debate ad aeternum.
Por conseguinte, e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que a decisão recorrida não padece da causa de nulidade invocada e, por via disso, o recurso improcede quanto a esta questão.
A decisão sob recurso apreciou a existência dos elementos de conexão previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 266º do Código de Processo Civil, enquanto pressupostos substantivos da admissibilidade da reconvenção, concluindo que nenhum deles se verificava.
O Recorrente vem pugnar pela admissibilidade da reconvenção, por entender que existe conexão entre o pedido da ação e o pedido reconvencional, sustentando que o pedido reconvencional é admissível atento o disposto nas alíneas a) e c), do nº2, do artigo 266º, do Código de Processo Civil.
Nos termos deste preceito, que tem como epígrafe “Admissibilidade da reconvenção”:
1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.
4 - Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respetiva intervenção.
5 - No caso previsto no número anterior e não se tratando de litisconsórcio necessário, se o tribunal entender que, não obstante a verificação dos requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos, determina em despacho fundamentado a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional de quem não seja parte primitiva na causa, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 37.º.
6 - A improcedência da ação e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.”
Decorre deste preceito que a dedução da reconvenção, enquanto ação cruzada contra o autor, através da qual o réu formula um ou mais pedidos, não é livre, tendo o legislador, no sentido de compatibilizar razões de economia processual com o princípio da celeridade, estabelecido pressupostos de admissibilidade da reconvenção, quer de natureza processual, quer de natureza substancial.
São requisitos de natureza adjetiva ou processual a competência do tribunal em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia (artº 93º do Código de Processo Civil) e a compatibilidade processual nos termos estabelecidos pelo nº 3 do artº 266º, do citado diploma fundamental.
Já os requisitos de ordem material, que pressupõem uma determinada conexão com a relação jurídica invocada pelo autor, figuram no nº2, do artigo 266º, do Código de Processo Civil.
É precisamente o preenchimento destes requisitos de natureza substancial que está em causa no caso em análise e, em particular, os previstos nas alíneas a) e c), porquanto, face ao conteúdo das suas alegações e correspondentes conclusões, constata-se que o Recorrente não coloca em crise a afirmada não verificação do elemento de conexão previsto na alínea b), da norma em análise.
Começando pela alínea a), diremos que o facto jurídico a que ali se alude deve ser entendido como coincidente com a noção de causa de pedir, exigindo o legislador, para efeito da aferição da admissibilidade da reconvenção, mais do que uma simples conexão entre as duas causas de pedir (da ação e da reconvenção), uma identidade (total ou parcial) entre essas causas de pedir.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª edição, Almedina, págs. 531/532, escrevem a este propósito:
“Em primeiro lugar, pela alínea a), o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir – ou em parte na mesma causa de pedir – que o pedido do autor; pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento do preço da venda, o réu pede a condenação na entrega da coisa: o mesmo contrato é a causa do pedido do autor e do réu.
Em segundo lugar, pela mesma alínea o pedido reconvencional pode fundar-se nos mesmos factos - ou parcialmente nos mesmos factos - em que o próprio réu funda uma exceção perentória ou com os quais indiretamente impugna os alegados na petição inicial. Pedida, por exemplo, a sua condenação no pagamento do remanescente do preço da empreitada, o réu exceciona a anulabilidade do contrato por dolo e pede a condenação do autor na restituição da parte do preço que pagou e em indemnização, ou exceciona o incumprimento do contrato, resolve-o e pede a condenação do autor na restituição do que pagou e em indemnização: os factos que fundam, respetivamente, a anulabilidade do contrato e o seu incumprimento pelo autor constituem a causa de pedir da reconvenção.”
No que concerne à interpretação da segunda parte da norma em análise, diremos que deve entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa quando o Réu-reconvinte invoca como meio de defesa factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor, os factos por ele invocados têm de ser suscetíveis de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo Autor e é com base nesses mesmos factos – ou parte deles – que o Reconvinte deduz o pedido reconvencional, aproveitando-os para deduzir uma pretensão autónoma contra o Autor.
Como acentua Miguel Mesquita “ao admitir os pedidos reconvencionais alicerçados numa relação de prejudicialidade-dependência, o legislador visa promover, para além da óbvia economia processual, a harmonia entre decisões” (Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, pág. pág. 162).
Dissertando sobre a noção de causa de pedir para efeitos de reconvenção, Mariana Gouveia in “A Causa de Pedir na Ação Declarativa”, p. 270, afirma que “a causa de pedir para efeitos de admissibilidade da reconvenção, deve ser definida através do facto principal comum a ambas as pretensões”, ou seja, “os factos alegados devem ser selecionados através das normas jurídicas alegadas, assim se determinando quais são os principais. Estabelecidos estes, se um deles for principal para a ação e para a reconvenção, haverá identidade de causa de pedir e, logo, estará preenchido o requisito do art. 274º, nº2, al.a)”. Assim, se Autor e réu alegam o mesmo contrato como facto constitutivo das suas pretensões, verificada esta coincidência, entende-se que a causa de pedir da ação e da reconvenção é a mesma (p. 269).
No caso concreto, a Autora pede que sejam declaradas nulas as compras e vendas celebradas, respetivamente, entre AA, mulher BB e CC e entre esta e GG e mulher DD, por escrituras celebradas em 13/3/92 e em 15/3/94, referentes ao prédio inscrito na respetiva matriz da freguesia ... sob o art. ... e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº .../..., alegando que os negócios foram simulados, pois nem o 1ºR e 2º RR quiseram vender, nem a 3ª Ré quis comprar o prédio em questão (simulação absoluta), visando os RR. com a outorga daquelas escrituras prejudicar e enganar os credores dos 1º e 2º RR, nomeadamente a ora Autora, fazendo crer que o imóvel já não pertencia aos 1º e 2º RR., a fim de salvaguardar esse património, impedindo os credores de o apreenderem judicialmente e de se fazerem pagar pelo produto da sua venda coativa.
Por conseguinte, a causa de pedir que serve de fundamento à ação são os acordos simulatórios entre os Réus, são os factos relacionados com a existência desses acordos os factos principais que servem de fundamento à ação.
É certo que, para sustentar a sua legitimidade na presente ação, a Autora alegou ser credora do 1º, 2º e 4º Réus, crédito esse relacionado com a compra e venda de valores mobiliários, mais tendo alegado que a existência desse crédito estava a ser discutida no âmbito da ação que corre termos na 2ª Secção da 10ª Vara Cível de Lisboa sob o processo n.º 12906/1994, mas não são os factos relativos a essa qualidade de credora os principais que servem de fundamento à presente ação. Aliás, só assim se pode entender a ligeira e singela alegação dos factos relacionados com a existência de tal crédito na petição inicial, claramente remissiva para os termos da outra ação.
Por sua vez, o 1º Réu, para fundamentar o pedido reconvencional, alega que é proprietário de 40.020 FIP/89 (quarenta mil e vinte FIP/oitenta e nove), crédito aquele e propriedade esta que lhe pertence e que se encontra documentado e provado na referida ação que corria termos sob o n.º ..., detendo a Autora/Reconvinda, de forma ilegal e ilegítima, em seu poder aqueles mencionados títulos propriedade do aqui Réu/Reconvinte, AA, os quais desde já reivindica e, caso se torne impossível a devolução daqueles títulos por parte da Autora/Reconvinda, requer que lhe seja entregue o correspondente valor, acrescido dos respetivos juros.
A causa de pedir da reconvenção traduz-se, por conseguinte, num hipotético crédito do 1º Réu sobre a Autora emergente de uma relação de intermediação de determinadas operações de bolsa realizadas por aquela.
Estamos, por conseguinte, perante pedidos com causas de pedir distintas, tendo em conta os factos essenciais para cada um deles, não existindo coincidência quanto à materialidade jurídico-substantiva relevante.
Assim, na linha da referida posição defendida por LL, inexistindo um facto principal comum a ambas as contra pretensões, não se verifica a identidade de causa de pedir que nos termos da al.a) do nº2 do art. 266º, 1ª parte, justifica a admissibilidade da reconvenção – o pedido do Réu/reconvinte não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação.
Mas será que a reconvenção é admissível nos termos da 2ª parte daquela alínea, ou seja, será que o pedido do Réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa? A esta questão respondemos de forma negativa. Lida a sua contestação, conclui-se que os Réus se limitam a alegar que a Autora não é sua credora – e daí invocarem a ilegitimidade desta para intentar a presente ação –, bem como a impugnar a factualidade relacionada com os acordos simulatórios; é esta a sua defesa. Nada mais alegam, ou seja, na contestação os Réus não invocaram factos que tenham a virtualidade de impedir, modificar ou extinguir o pedido formulado pela Autora, que suscitem uma questão prejudicial relativamente à causa principal, mas apenas impugnaram a existência de qualquer crédito de que a Autora seja titular sobre eles.
Em suma, o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação (matéria relativa à simulação) nem à defesa (inexistência do crédito e dos acordos simulatórios). O seu fundamento não radica na pretensão da Autora, nem dita o desfecho da mesma, pelo que, sem prejuízo de o Reconvinte poder vir a intentar ação autónoma contra a Reconvinda com base nos factos alegados, não se verifica a conexão legal necessária para formular tal pedido pela via reconvencional.
Por outro lado, a reconvenção também não é admissível ao abrigo da alínea c), do nº2, do artigo 266º, do Código de Processo Civil.
Desde logo, os Réus, na sua contestação, negam a existência do crédito do qual a Autora se arroga titular, defesa que é claramente inconciliável como a dedução da compensação, porquanto não pode o Reconvinte pretender compensar um crédito sem reconhecer esse crédito que quer ver compensado, sendo certo que não deduz uma reconvenção condicional ou subsidiária para a hipótese de procedência da ação.
Ou seja, o Reconvinte não expressou uma vontade para compensação eventual, relativa a um crédito eventual da Autora, antes deduziu um pedido reconvencional a título principal.
Nessa medida, é claramente contraditório, e por isso inadmissível, o Reconvinte pretender validamente deduzir pedido reconvencional a título principal com recurso à compensação quando nega a existência do crédito da Reconvinda.
Impõe-se, pois, negar provimento ao presente recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida, mostrando-se, por conseguinte, prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo Apelante relativas à ampliação do pedido reconvencional e articulado superveniente, as quais pressupunham a admissão da reconvenção.
Como a apelação foi julgada improcedente, mercê do princípio da causalidade, as custas serão da responsabilidade do Recorrente.