RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO
DANO DE PERDA DE CHANCE
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Apenas há direito a indemnização pelo dano decorrente de perda de chance quando possa concluir-se dos factos provados que era muito provável que tal dano não ocorreria na situação, hipotética, em que o lesado estaria se não fosse a lesão.
II - No caso da perda de chance de propor ação por negligência de advogado, o lesado deve provar que essa ação, a ser intentada, teria probabilidade de sucesso.
III - Para que possa concluir-se que em consequência de ação a propor contra a devedora ou os seus sócios, as credoras teriam conseguido obter o pagamento do seu crédito, é necessário alegar e provar que património os devedores tinham e em que medida era previsível que a sua apreensão e liquidação bastariam ao pagamento da dívida.

(Sumário da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Processo número 636/23.1T8PVZ.P1, Juízo Central Cível da ...

São recorrentes e também recorridas:

As autoras AA; BB; CC; DD; EE; FF; e

As rés A... Company Se, Sucursal En España; e GG.

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeira adjunta: Maria de Fátima Almeida Andrade

Segundo adjunto: José Eusébio Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

1. Por via da presente ação a seguir a forma de processo comum as autoras (acima identificadas) peticionaram a condenação da primeira ré (também supra identificada) e da B..., SA no pagamento da quantia total de 99 745, 27 €, formulando os seguintes pedidos:

I - Serem as RR. condenadas a pagarem às AA. a quantia de 57.857,63€ (cinquenta e sete mil, oitocentos e cinquenta e sete euros e sessenta e três cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescidos dos respectivos juros desde a citação até efectivo e integral pagamento;

II - Serem as RR. condenados a pagar às AA. a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais acrescidos dos respectivos juros desde a citação até efectivo e integral pagamento;

III - Serem ainda as RR. condenadas a pagarem às AA. a quantia de 31.887,64€ (trinta e um mil, oitocentos e oitenta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de juros vencidos desde a ocorrência da efectiva perda de chance”.

Para o que alegaram, em suma, terem mandatado a primeira ré, enquanto advogada, para que as representasse na cobrança de créditos laborais decorrentes do contrato de trabalho que mantiveram com entidade patronal que, em 19-06-2008, lhes comunicou a intenção de encerramento da empresa e lhes disponibilizou a retribuição desse mês bem como os documentos necessários à obtenção do subsídio de desemprego, comunicando-lhes, ainda, a intenção de pedir a sua declaração de insolvência. As autoras chegaram a acordo para cessação do contrato de trabalho com tal entidade patronal em 15-12-2008, já representadas pela primeira ré, não tendo, contudo, sido pagas às trabalhadoras as quantias acordadas que ficaram a constar desses acordos escritos. Pelo que solicitaram à primeira ré a tutela jurisdicional dos seus direitos para cobrança dessas quantias, judicial ou extrajudicialmente, tendo a ré entendido de solicitar o pagamento em causa ao Fundo de Garantia Salarial. Fê-lo, contudo, sem ter intentado o processo especial de insolvência da entidade patronal devedora e sem a junção ao requerimento dos documentos exigidos por lei, o que inviabilizou tal pedido e determinou o seu indeferimento. Sempre que questionada sobre o andamento da sua pretensão a primeira ré transmitiu às autoras que o processo especial de insolvência da entidade patronal estava em curso, não obstante estar registada na Conservatória de Registo Comercial a sua dissolução e liquidação desde 28-12-2009. Depois de nove anos de espera e mediante a resposta que a primeira ré lhe ia dando às suas várias solicitações, as autoras requereram informação ao Fundo de Garantia Salarial sobre o estado do pedido de pagamento dos seus créditos, tendo sido informadas do seu indeferimento, por não ter sido instaurado processo especial de insolvência da devedora e porque o requerimento não fora instruído com os documentos previstos no artigo 324º da Lei 35/2004 de 29 de junho.

Alegando erro grosseiro da primeira ré no exercício do mandato, pediram o pagamento das quantias que a sua atuação adequada lhes teria permitindo receber e que entendem serem as correspondentes à totalidade dos seus créditos, alegando quanto à segunda ré que celebrou com a primeira contrato de seguro de responsabilidade civil profissional pelo qual assumiu a responsabilidade pela indemnização dos danos decorrentes da atividade da ré advogada. Alegaram, ainda, os padecimentos morais que sofreram com a conduta da primeira ré.

2. Ambas as rés contestaram tendo a segunda excecionado a sua ilegitimidade por ser mera mediadora, não tendo celebrado qualquer contrato de seguro com a primeira ré e impugnando por desconhecimento os factos alegados na petição inicial.

3. A primeira ré contestou impugnando parte da causa de pedir e alegando que após a celebração e do incumprimento dos acordos de cessação dos contratos de trabalho entre as autoras e a sua entidade patronal, que foi ela quem negociou e redigiu, foi informada pelo mandatário da devedora de que a mesma estava prestes a requerer judicialmente a sua declaração de insolvência, tendo sido nessa sequência que sugeriu às autoras a reclamação dos seus créditos junto do Fundo de Garantia Salarial. Reclamação que fez estando convicta que o processo especial de insolvência estaria já pendente e pretendendo remeter o comprovativo da reclamação dos créditos emitido pelo administrador de insolvência quando as mesmas fossem notificadas para tal pelo Fundo. Com essa forma de agir pretendia, segundo alegou, abreviar o tempo de recebimento dos créditos e evitar a ultrapassagem do prazo de recurso ao Fundo de Garantia Salarial. Apenas em 26-10-2016 soube da dissolução e encerramento de liquidação da entidade patronal das autoras, o que lhes comunicou, sugerindo-lhes a cobrança dos créditos juntos dos sócios e liquidatários da devedora. As autoras sempre lhe disseram nunca terem recebido qualquer comunicação do Instituto de Segurança Social, Instituto Público que só as notificou para audiência prévia depois de contactado pelas autoras em 27-07-2017. Alegou ainda ter atravessado graves problemas de saúde, tendo sido submetida a três cirurgias em 2011. Defendeu que as autoras podem ainda receber os seus créditos dos sócios liquidatários da sua entidade patronal por ser falsa a declaração dos mesmos, no ato de liquidação da sociedade, de que não existia ativo a liquidar. Excecionou a prescrição dos juros com mais de cinco anos à data da citação.

4. Foi requerida pelas autoras e admitida a intervenção principal provocada da seguradora

A... Company Se, Sucursal em Espanha, que contestou confirmando ter celebrado com a Ordem dos Advogados contrato de seguro de responsabilidade civil profissional tendo como segurados nomeadamente os advogados nela inscritos, mas defendendo que o mesmo não é de aplicar ao sinistro dos autos por o mesmo ter ocorrido e ter sido do conhecimento da advogada segurada antes da celebração do contrato de seguro e esta não lho ter comunicado. Alegou ter sido acordada uma franquia de 5 000 € a descontar ao valor em que eventualmente seja condenada. Impugnou por desconhecimento os factos alegados na petição inicial. Defendeu, ainda, que a possibilidade de cobrança dos créditos das autoras não está ainda precludida, podendo elas apresentar à execução o acordo de cessão do contrato de trabalho contra os sócios liquidatários da sua entidade patronal. Sustentou que do alegado na petição inicial não decorre que fosse provável que as autoras viessem a receber as quantias peticionadas caso tivesse sido intentado o processo especial de insolvência da sua entidade patronal.

5. As autoras responderam sustentando ser-lhes inoponível a exclusão de cobertura invocada pela segunda ré, bem como a cláusula que estabeleceu a franquia e pedindo a condenação da mesma como litigante de má-fé.

6. Em 10-03-2024 foi proferido despacho saneador em que se conheceu, pela sua procedência, da exceção e ilegitimidade da ré B... - que foi absolvida da instância -, se identificou o objeto do litígio e se enunciaram os temas da prova.

7. A audiência de julgamento realizou-se em 21 de outubro de 2024 e 2 de dezembro de 2024.

8. A sentença foi proferida em 16-01-2025, nela se decidindo: “Julga-se a acção parcialmente procedente e condenam-se as rés A... COMPANY SE, Sucursal en España e GG a pagarem 1.278,00€ (mil duzentos e setenta e oito euros) a cada uma das autoras AA; BB; CC; DD; EE; FF, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação.

Do mais pedido, absolvem-se as rés.

Improcede o pedido de condenação da ré XL como litigante de má-fé.

Custas por autoras e rés na proporção do decaimento”.

II - O recurso:

É desta sentença que recorrem as autoras e as rés, pretendendo:

1- A ré GG, a alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação com a consequente absolvição do pedido.

2- A ré seguradora A... COMPANY SE, Sucursal en España, sustentando a sua absolvição do pedido

3- As autoras a alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação parcial com a consequente condenação das rés no pagamento ta totalidade dos créditos reconhecidos pela entidade patronal nos acordos de cessação do contrato de trabalho.

Para tanto, alegam o que sumariam da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:

A ré GG:

(…)


*

A ré seguradora:

(…)


*

As autoras:

(…)


*

Não foram apresentadas contra-alegações.


*


III – Questões a resolver:

Em face das conclusões das Recorrentes nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:

1- A impugnação da matéria de facto;

2- A inexistência de dano decorrente da perda de chance porque as autoras ainda podem vir a cobrar e a obter o pagamento das quantias que a sua entidade patronal reconheceu estarem em dívida nos acordos de cessação dos contratos de trabalho;
3- A exclusão da responsabilidade da ré seguradora por força da anterioridade dos factos constitutivos da responsabilidade da segurada, do seu prévio conhecimento pela mesma e da sua não comunicação à seguradora.

4- A exclusão da responsabilidade da ré seguradora até ao limite de 5000 € de franquia acordada.

5- A data a partir da qual são devidos juros de mora pela ré seguradora.

6- A probabilidade de satisfação dos créditos das autoras por via do processo especial de insolvência da sua entidade patronal e/ou de ação a intentar contra os sócios da mesma.

7- O erro de cálculo da quantia indemnizatória.


*


IV – Fundamentação:

1- A impugnação da matéria de facto.

As recorrentes indicaram os concretos pontos de que discordam, a decisão que se impunha, a seu ver, quanto a cada um deles e os meios de prova em que sustentam a sua alteração, tendo, no caso da prova gravada, indicado as passagens das gravações tidas por relevantes e até transcrito ou sumariado parte delas. Pelo que estão cumpridos os ónus previstos no artigo 640.º números 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Serão, assim, reapreciados os meios de prova indicados no pressuposto de que o Tribunal da Relação tem competência própria em matéria de facto, do que decorre autonomia decisória na sua reapreciação, cabendo-lhe efetuar uma avaliação crítica das provas de que pode resultar uma convicção diversa da gerada no tribunal recorrido [1].

Em sede de reapreciação dos meios de prova vigora também, o princípio da livre apreciação da prova testemunhal previsto no artigo 396º do Código Civil. Deve, contudo, ter-se também presente a fundamentação, do Tribunal a quo para a decisão sobre a matéria de facto de que se recorre para aferir se, de acordo com o que resulta das gravações dos depoimentos e demais elementos de prova, a apreciação crítica que está espelhada na motivação da sua convicção se ancora ou não em regras de experiência e de lógica, bem como para apurar se ocorreu erro na referida apreciação.

a) Impugnação da alínea M) dos factos não provados.

Tem o seguinte teor: “(a ré) Não fez acompanhar tais requerimentos dos comprovativos dos créditos emitidos pelo Administrador da Insolvência porque sempre poderia remeter tais comprovativos em sede de audiência prévia quando para tal as autoras fossem notificadas pelo Fundo”.

A recorrente/ré GG pretende que tal alínea passe a provada invocando que no âmbito do procedimento administrativo as interessadas podiam ter-se pronunciado sobre todas as questões com interesse para a decisão e requerer diligências complementares e/ou juntar documentos.

Convoca, ainda, o depoimento de HH, advogada, indicando as passagens da respetiva gravação e sumariando-o nos pontos que teve por relevantes.

A motivação para a não prova deste facto foi assim expressa na sentença:

“Logicamente, não havendo processo se insolvência, o requerimento ao FGS não poderia ser acompanhado pelos comprovativos dos créditos emitidos pelo Administrador da Insolvência. Portanto, não foi porque poderia mais tardar apresentá-lo que, como alegado pela ré, que a declaração do administrador da insolvência não seguiu com os requerimentos ao FGS”.

A alegação da ré GG de que poderia comprovar a pendência do processo especial de insolvência mais tarde, nomeada e concretamente juntando os documentos a que alude o artigo 324º do Código do Trabalho (cfr. alínea 17 dos factos provados[2]) e cuja falta foi a causa do indeferimento pelo Instituto de Segurança Social, Instituto Público, não pode julgar-se por provada desde logo em face do alegado quanto à pendência do processo especial de insolvência, que a autora admitiu nunca ter sido instaurado.

Deve ter-se presente o teor do referido artigo 324.º do Código do Trabalho, bem como o que o antecede:

Artigo 323.º Requerimento:

1 - O Fundo de Garantia Salarial efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual consta, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador, bem como a discriminação dos créditos objecto do pedido.

2 - O requerimento é apresentado em modelo próprio, fixado por portaria do ministro responsável pela área laboral.

3 - O requerimento, devidamente instruído, é apresentado em qualquer serviço ou delegação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

Artigo 324.º

Instrução

O requerimento previsto no número anterior é instruído, consoante as situações, com os seguintes meios de prova:

a) Certidão ou cópia autenticada comprovativa dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo tribunal competente onde corre o processo de insolvência ou pelo IAPMEI, no caso de ter sido requerido o procedimento de conciliação;

b) Declaração, emitida pelo empregador, comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída;

c) Declaração de igual teor, emitida pela Inspecção-Geral do Trabalho.”.

Também do regime legal do Fundo de Garantia Salarial, previsto no DL59/205 de 21 de abril, nomeadamente do que resulta do seu artigo 5.º[3], resulta a obrigatoriedade de apresentação dos documentos em causa juntamente com o envio do requerimento dirigido ao Fundo.

É certo que do facto de estar expressamente prevista a necessidade de instruir o pedido de pagamento pelo Fundo no momento da sua apresentação não invalidava que a requerente pudesse ter esperado, ainda que indevidamente, que lhe fossem solicitados os documentos em falta. Tal não equivale, contudo, a que se julgue provado que a quo mesma pretendia apresentá-los posteriormente. A falta de junção dos documentos exigidos desacompanhada da pendência, sequer, do processo especial de insolvência, não permite concluir que a ré pretendesse juntar tais documentos mais tarde, pois sequer curou de averiguar se estes existiriam.

Caso fosse pretensão da primeira ré comprovar posteriormente a pendência do processo especial de insolvência e da reclamação dos créditos das trabalhadoras, deveria, pelo menos, ter protestado a sua junção, o que a ré sequer alegou ter feito, assim tornando inverosímil a sua alegação.

A junção de comprovativo da reclamação de créditos no processo especial de insolvência dependia, obviamente, da pendência efetiva desse processo especial e de que tais créditos ali tivessem sido reclamados. Não tendo a ré intentado tal ação ou reclamado esses créditos, nem sabendo que estivesse pendente tal ação (não tendo verificado se estava ou não), bem como nunca tendo reclamado os créditos das mandantes naquele processo, não podia juntar ao requerimento que fez qualquer dos documentos exigidos e tampouco poderia esperar vir a fazê-lo mais tarde, sem que antes tivesse intentado ou verificado a pendência do processo especial de insolvência.

O depoimento que convoca, de HH, advogada e sua amiga, não contribui de modo algum para a prova da alegada pretensão da recorrente de juntar documentos em fase ulterior.

Tal testemunha disse saber que as autoras eram já clientes da ré “de outros processos”, descreveu com pormenor as doenças de que a ré padeceu, a ajuda que teve que ter após tais doenças, nomeadamente enquanto recuperava de uma depressão grave, tendo estado vários anos sem se inteirar do processo em causa, pois, segundo disse, apenas quando foi à Conservatória de Registo Comercial averiguar do estado da sociedade (em 2016/2017), soube da liquidação da sociedade que era entidade patronal das autora, que sabemos ter ocorrido em dezembro de 2009, porque assim está documentado por certidão de registo comercial.

Disse que teve conhecimento, através da autora, que em 2016/2017 as autoras lhe mostraram o seu desagrado quanto ao exercício do mandato e quiseram que lhes entregasse os dossiers dos processos, não pretendendo mais os seus serviços. Mais disse ter assistido a um telefonema de um advogado, chamado II, a dar conta de que as autoras o tinham procurado e tinham intenção de propor ação de responsabilidade civil contra a ré. Esta terá explicado então ao seu colega que já tinha transmitido às autoras que as mesmas podiam ainda reclamar o pagamento dos seus créditos aos sócios liquidatários da entidade patronal. Depois disso a ré disse-lhe que nunca mais foi contactada pelo colega, apenas tendo sido notificada da pendência de um processo disciplinar em 2017.

Quanto à pendência do processo especial de insolvência, confirmou que apenas a entidade patronal das autoras anunciou à ré que o instauraria. Disse ser costume nos processos de pedido de pagamento ao Fundo de Garantia Salarial, durante a pendência do processo especial de insolvência, e quando ela ou a colega e amiga tinham receio de que passasse o prazo de um ano para reclamar os créditos, ligarem para os respetivos funcionários que lhes diziam para instruírem os pedidos com os documentos que já tinham e para juntarem a decisão do processo especial de insolvência quando a tivessem.

Não disse, todavia, que tal pedido pudesse ser feito quando o processo especial de insolvência não estava sequer pendente – caso em que nem essa pendência e a eventual reclamação de créditos podia ser certificada -, admitindo expressamente que a ré desconhecia se o mesmo tinha ou não sido instaurado e que só em 2016/2017 é que se inteirou de que assim não tinha ocorrido. Expressamente perguntada sobre se os funcionários do Fundo lhes transmitiam a possibilidade de juntar a certidão comprovativa da pendência do processo especial de insolvência posteriormente à apresentação do pedido de pagamento, admitiu que tal pedido pressupunha sempre a pendência do referido processo especial e que o requerimento fosse feito depois dela. O que afirmou de forma muito segura.

Nem de outra forma podia ser, como acima afirmamos, já que apenas nos casos de insolvência da entidade patronal (ou quando tenha sido iniciado o processo de conciliação previsto no DL 316/98 de 20 de outubro) podem os trabalhadores recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, como estipula o artigo 318º do Código do Trabalho. O mesmo decorre do artigo 1º, número 1 do DL59/2015, já acima referido, que prevê o seguinte: “1 - O Fundo de Garantia Salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja: a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador; b) Proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização; c) Proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.

Por tudo o exposto, é de manter como não provado o teor da alínea M) em apreço.


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b) Impugnação da alínea N) dos factos não provados

Pretende a mesma recorrente que passe a julgar-se provado que só em 26/10/2016, data em que obteve o documento junto pelas autoras com a sua petição inicial sob o nº 6, teve conhecimento de que a C... havia sido dissolvida e a sua liquidação encerrada em 28/12/2009.

Sustenta a apelante a sua pretensão no mesmo depoimento testemunhal. O que a testemunha HH afirmou quanto a tal questão já acima foi sumariado e desse depoimento não resulta confirmada a concreta data em que a primeira ré teve conhecimento da dissolução da entidade patronal das autoras, apenas se sabendo que terá sido em 2016 ou em 2017.

A alínea N) dos factos não provados tem a seguinte redação: “Na sequência do conhecimento por parte da 2ª ré da dissolução e liquidação da C..., conhecimento esse que ocorreu em 26/10/2016 e que comunicou às autoras, que a 2ª ré lhes sugeriu que fossem accionados os sócios e liquidatários da C... com vista à cobrança dos seus créditos”.

Também quanto à alegada sugestão dada às mandantes pela ré GG, o depoimento da testemunha HH não contribuiu para a sua prova. A mesma apenas assistiu a uma conversa telefónica entre a sua amiga e colega e um outro advogado que disse que iria passar a representar as autoras e que estas pretendiam responsabilizá-la civilmente. Nessa conversa - e nesse contexto, portanto -, a ré terá defendido outra forma de cobrança das quantias devidas às autoras, por via de ação a intentar contra os sócios liquidatários. Tal não significa que a ré tenha tido idêntica conversa com as autoras, tanto mais que se sabe, porque a testemunha HH o confirmou, que as autoras procuraram a sua colega já muito descontentes, pretendendo que ela lhes entregasse o dossier. É inverosímil que no âmbito dessa conversa a autora lhes tenha ainda transmitido vias legais de cobrança do crédito.

A referida testemunha tampouco sabia, senão pelo que lhe disse a ré, de que forma a mesma soube da dissolução e liquidação da entidade patronal das autoras, alegando estas que o souberam na sequência de diligências próprias e a ré que foi ela quem lhes transmitiu tal informação.

Consta da motivação da convicção do Tribunal a quo sobre esta matéria o seguinte:

“A ré esclareceu que em Outubro de 2016 foi à conservatória e soube então que a C... estava dissolvida. Estudou então o que fazer. Designadamente, entrar na mesma com um processo de insolvência. Responsabilizar os sócios que tinham património. No entanto, as autoras contactaram-na. Queriam que deixasse de tratar do assunto.

JJ, contou que foi informar-se ao tribunal. Descobriu que não havia processo. Foi à “Caixa de Pensões” onde disseram que não havia processo de insolvência. Depois andou à procura da ré. Teve que ir até ao restaurante do pai desta para a encontrar. Só então que conseguiu que ela entregasse a documentação.

Confrontando o depoimento desta testemunha com as declarações da ré não é possível dizer que esta omitiu deliberadamente que a sociedade estava dissolvida. Mas pode concluir-se que ela não informou as autoras desse facto”.

Em face desta motivação que concatena dois outros meios de prova e do depoimento da testemunha HH, único meio de prova cuja reapreciação é pedida pela a recorrente, não se vê motivo para alterar para provado o teor da alínea N).


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c) Impugnação da alínea D) dos factos não provados.

Tem o seguinte teor:

D - Caso tivesse havido, por parte da 2ª-Ré, atempado requerimento de insolvência da sociedade C... e apresentação de petição ao FGS, bem como tempestiva demanda aos sócios liquidatários daquela empresa, as AA. teriam recebido, cada uma, a totalidade dos valores acordados como compensação global pela cessação do contrato de trabalho.

Pretendem as autoras que tal facto seja julgado provado.

Para tanto alegam que dada a distância temporal decorrida entre os factos e a propositura da ação a prova exata de tal facto lhes foi impossibilitada e que tal se deveu ao comportamento da ré, o que não a pode beneficiar. Apelam ao depoimento de JJ, marido da autora AA, que dizem ter sido isento e que foi valorado pelo Tribunal a quo. Transcrevem parte deste depoimento, salientando nomeadamente as suas declarações no sentido de que a entidade patronal da mulher tinha várias máquinas e que a primeira ré até tinha solicitado à sua mulher que fossem fotografadas e identificadas pelos números, porque o patrão estaria a vendê-las. À sua esposa a ré terá dito que não se preocupasse com tal venda pois tinha as “máquinas todas registadas” e que “eles podiam vendê-las”, conversa essa que terá tido lugar dois ou três meses depois da “Drª GG entrar no processo”.

Segundo tal depoimento o valor dessas máquinas dava para pagar os créditos das trabalhadoras.

Apelam ainda as autoras/recorrentes às regras da experiência e da lógica para afirmar que é habitual que os gerentes das sociedades insolventes vendam bens da empresa antes de a encerrarem, locupletando-se à custa dos credores. Alegam ainda que se tal venda de máquinas ocorreu, como descreveu a testemunha, é porque teria interesse económico para os gerentes da entidade patronal, daí retirando que o valor, que afirma fizeram seu, daria para solver os débitos às trabalhadoras. Desde logo porque, dizem ainda, “os leilões de máquina de confeção normalmente ascendem a 10 000€” o que entendem ser “facto público e notório”.

Ora nada disto foi alegado pelas autoras: nem que a sua entidade patronal tivesse bens que garantiriam o pagamento dos seus créditos, nem que bens eram esse e que valor teriam, nem que tenham sido vendidos e que o produto da venda tenha beneficiado os sócios/gerentes.

Quanto à conduta que imputam à ré como causadora dos seus alegados danos e ao nexo causal entre uma e outros, as autoras, para além do erro na dedução do pedido dirigido ao Fundo de Garantia Salarial por falta de junção dos documentos necessários e da omissão de propositura do processo especial de insolvência, apenas alegaram, conclusivamente:

- que lhes “assistiria a possibilidade forense de demandar os sócios liquidatários daquela C... com vista à satisfação dos créditos laborais das AA., nos termos do disposto no artigo 335º do Código do Trabalho, o que a 2ª- Ré optou por não prosseguir, deixando precludir tal possibilidade” (artigo 15º da petição inicial); e

- que “caso tivesse havido, por parte da 2ª-Ré, atempado requerimento de insolvência da sociedade C... e, aí sim, apresentação de petição ao FGS, bem como tempestiva demanda aos sócios liquidatários daquela empresa, as AA. teriam recebido, cada uma, os indicados valores” (cfr. artigo 41ºda petição inicial).

Esta última alegação, da qual decorre a alínea D) dos factos não provados, respeita ao nexo de causalidade entre as diligências omitidas pela ré e a impossibilidade de recebimento da quantia total dos créditos reconhecidos pela entidade patronal. Mais precisamente visa a afirmação de uma probabilidade séria de que o cumprimento de determinados deveres profissionais pela ré levaria a tal resultado.

Só que a afirmação desse nexo entre as omissões da ré e o dano das autoras por via da alegação de que não tendo as primeiras ocorrido iriam receber certa quantia, ou que, pelo menos, era muito provável que assim fosse, não podia ser feita pela forma conclusiva adotada na petição inicial.

Se as autoras pretendiam levar o Tribunal a quo a concluir nesse sentido, deveriam ter alegado quais os factos de que podia decorrer essa probabilidade, ou seja, quais as razões em que assentavam a expetativa de que por via do processo especial de insolvência ou de ação contra os sócios da entidade patronal seria possível obter o pagamento de todos os créditos laborais titulados pelos acordos de cessão do contrato de trabalho. Podiam e deviam, nomeadamente, alegar os factos que a testemunha cujo depoimento agora convocam confirmou: que a entidade patronal tinha bens de valor elevado, que foram vendidos pelos seus gerentes em proveito próprio e até que num eventual concurso de credores as autoras teriam privilégio que lhes garantiria um pagamento preferencial pelo produto da venda de todo ou parte do ativo da sua entidade patronal no confronto com outros credores igualmente garantidos por privilégio mobiliário ou imobiliário.

Nada disto foi alegado, pelo que não pode ser julgado provado e não há porque julgar provado o teor, conclusivo, do que consta da alínea D) dos factos não provados.


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Em face da improcedência da impugnação da matéria de facto, mantêm-se os factos julgados provados na sentença recorrida, que, corrigidos os evidentes lapsos de numeração por omissão das alíneas 25, 34 e 41, são os seguintes:

1 - As autoras eram trabalhadoras da sociedade comercial C..., Lda, auferindo uma retribuição base mensal de 426,00€.

2- Por carta de 19/06/2008, enviada por Advogado em representação da C..., as autoras foram informadas da intenção de encerramento da empresa a partir do dia 30/06/2008, disponibilizando-lhes o vencimento referente ao mês de encerramento, assim como todos os documentos necessários para o pedido de subsídio de desemprego, mais informando que era intenção daquela sociedade comercial a apresentação a insolvência.

3 - A segunda ré, Dra. GG, é advogada.

4- As autoras mandataram a 2ª ré para que esta as representasse na cobrança dos créditos salariais sobre a C... e passaram-lhe procuração forense.

5 - Na mesma ocasião, a solicitação da 2ª-Ré, cada uma das autoras entregou-lhe €180,00.

6- Seguindo o aconselhamento da ré, a 15/12/2008 cada uma das autoras assinou um acordo escrito com a C... para a cessação dos contratos de trabalho, reportada à data de 30/6/2008.

7- Nos respectivos acordos, a C... confessou-se devedora a cada uma das autoras, a título de compensação global pela cessação do contrato de trabalho, das quantias seguintes:

a) à A. AA, 13.034,74€;

b) à A. BB, 9.495,54€;

c) à A. CC, 8.610,84€;

d) à A. DD, 11.264,94€;

e) à A. EE, 7.726,14€;

f) à A. FF, 7.726,14€.

8 - A C... nada pagou às autoras.

9 - A 26/2/2009, a 2ª ré remeteu ao Fundo de Garantia Salarial, do Instituto da Segurança Social do Centro Distrital do Porto, requerimento para pagamento dos créditos das autoras emergentes dos contratos de trabalho, acompanhado designadamente do recibo de vencimento e do acordo de cessação do contrato de trabalho.

10 - Quando instada pelas ora AA. relativamente ao estado em que se encontrava a cobrança dos créditos, a 2ª-Ré foi-lhes transmitindo que o assunto estaria confiado ao Fundo de Garantia Salarial e que tardaria algum tempo até receberem.

11 - Com data de 28/12/2009 foi inscrita no registo comercial a dissolução, encerramento a liquidação e cancelamento da matrícula da C....

12 - A ré não informou as autoras desse facto.

13 - A C... não foi sujeita a processo de insolvência.

14 - A 2ª ré não propôs acção de insolvência da C..., nem acção contra os sócios liquidatários para satisfação dos créditos laborais das AA.

15 - Em 19 de Julho de 2017, as autoras AA, CC e DD, e em 25 de Julho de 2017, as autoras EE, BB e FF, deslocaram-se ao escritório da 2ª-Ré e exigiram, e foram-lhes entregues, os seus dossiers.

16 - Entre 27/7/2017 e 8/8/2017, as autoras requereram por punho próprio, nos serviços da Segurança Social, informação sobre o estado em que se encontrava o pedido formulado pela 2ª-Ré ao Fundo de Garantia Salarial.

17 - A Segurança Social, em 15/09/2017, notificou as autoras da intenção de indeferimento com fundamento na ausência de instauração de processo de insolvência da C... e na falta de instrução do requerimento com os documentos previstos no art. 324º da Lei 35/2004, de 29/7.

18 - Uma vez que a C... anunciara que se ia apresentar à insolvência, a 2ª ré sugeriu às autoras que, para obterem o pagamento dos seus créditos, se recorresse ao Fundo de Garantia Salarial (FGS), o que estas aceitaram.

19 - Por isso preparou os requerimentos dirigidos ao Fundo de Garantia Salarial que as autoras assinaram e os documentos que os acompanhavam.

20 - A 2ª ré solicitou às autoras que a informassem logo que recebessem a citação para o processo de insolvência para efeitos de reclamação dos créditos,

21 - E que a informassem logo que notificadas pelo FGS para audiência prévia a fim de dar a necessária resposta.

22 - Procedeu desse modo convicta de que, a essa data, já estaria prestes a apresentação à insolvência por parte da C....

23 - Pretendeu com isso prevenir a ultrapassagem dos prazos de recurso ao Fundo.

24 - A 2ª ré, teve problemas de saúde, nomeadamente no ano de 2011, foi sujeita a três intervenções cirúrgicas.

25 - Entre a ré XL e a Ordem dos Advogados foi celebrado um contrato de seguro de grupo não contributivo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º ...3...,

26 - O risco coberto é da responsabilidade civil profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00 € por sinistro (…)».

27 – O contrato de seguro foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2023 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2024.

28 - Entre a Ordem dos Advogados e a ré XL, para as anuidades de 2018 a 2022 foram celebrados outros contratos de seguro do mesmo risco, o primeiro deles com início no dia 01/01/2018.

29 - No ponto 7 das respetivas Condições Particulares, sob a epígrafe “Âmbito Temporal”, o contrato prevê o seguinte: “O Segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.”

30 - Mais resulta do contrato de seguro que: “Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes comunicações:

a) Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer ação perante os tribunais;

b) Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, que haja produzido um dano indemnizável à luz da apólice;

c) Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta, conhecida prima facie pelo tomador do seguro ou segurado, da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.” - ponto 7 das “Condições Particulares.

31 - Nos termos ponto 12 do Artigo 1.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” “Reclamação”:

“Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice;Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa:

i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice;

ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou

iii) Fazer funcionar as coberturas da apólice.”

32 - O artigo 4.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” prevê:

“É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice:

a) Contra o Segurado e notificadas ao segurador; ou

b) Contra o segurador em exercício de ação direta;

c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, resultantes de dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado após a data retroativa.».

33 - Nos termos do artigo 8.º, n.º 1 da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”:

“O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:

a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;

b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;

c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.”.

34 - De acordo com o artigo 3.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”:

“Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:

a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)”,

35 - Segundo o artigo 10.º, n.º 1 da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”:

“O segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8.º desta Condição Especial, deverá comunicar ao corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação.”

36 - Comunicação essa que, artigo 10.º, n.º 2 da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” “(…) dirigida ao corretor ou ao segurador ou seus representantes (…)”, deverá chegar ao conhecimento do segurador no prazo máximo e improrrogável de 8 dias”.

37 - À data da celebração e vigência dos contratos de seguro celebrados pela Ordem dos advogados com a ré XL, a Dra. GG tinha conhecimento dos factos e circunstâncias que lhes são imputados na p.i. e que os mesmos poderiam vir a dar origem a uma “Reclamação”.

38 - A Dra. GG, não comunicou à ora ré XL, diretamente ou através de qualquer outra entidade, os factos e/ou circunstâncias dos Autos e a possibilidade de tais factos poderem dar origem a uma “Reclamação”.

39 - A citação da ré XL para a presente ação judicial foi no dia 30 de Outubro de 2023.

40 - No ponto 10 das “Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil” está “estabelecida a franquia de € 5.000,00 por sinistro, não oponível a terceiros lesados”.


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2 - A inexistência de dano decorrente da perda de chance porque as autoras ainda podem vir a cobrar as quantias devidas que a sua entidade patronal reconheceu estarem em dívida no acordo de cessação do contrato de trabalho.

Ambas as rés/recorrentes sustentam que as autoras podem ainda vir a receber as quantias que peticionam nos autos.

A ré GG afirma que as autoras dispõem de título executivo que lhes permite cobrar as quantias confessadas pela entidade patronal nos acordos que com elas celebrou, que podem ainda impugnar a dissolução da sociedade e a sua liquidação, bem como requerer a sua insolvência, alegando a falsidade das declarações de liquidação, nomeadamente quanto à inexistência de ativo da sociedade dissolvida.

A Ré seguradora defende que não está prescrito o crédito das autoras que foi reconhecido nos documentos que titulam a cessação do contrato de trabalho, e que estes são títulos executivos que lhes permitem demandar judicialmente os sócios da sua entidade patronal.

A afirmação de ambas as rés recorrentes - de que os acordos de cessação do contrato de trabalho em que a entidade patronal reconhece e se obriga a pagar as quantias dadas por provadas na alínea 7 dos factos constituem títulos executivos -, é correta.

Os referidos acordos escritos, assinados pelas trabalhadoras e pelo legal representante da entidade patronal não estão autenticados e não cabem no elenco dos títulos executivos que resultam dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 88.º do Código de Processo do Trabalho. Mas, à data em que foram emitidos em dezembro de 2008 -, eram considerados como tal à luz do disposto no artigo 46º, número 1 c) do Código de Processo Civil de 95 (DL 329-A/95 de 12 de dezembro) que atribuía exequibilidade aos “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.

Após declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade do artigo 703.º do Código de Processo Civil quando aplicado a “documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).” [4], ficou definitivamente resolvida a discussão sobre a exequibilidade de acordos como os que as autoras celebraram com a sua entidade patronal.

Do facto de as mesmas estarem munidas de título executivo, todavia, não resulta que possam, com sucesso, mover execução com vista à cobrança das quantias ali confessadas pela devedora. Desde logo porque a mesma está dissolvida e foi encerrada a sua liquidação, o que foi levado ao registo comercial em 28-12-2009, data em que a sociedade se julga extinta, à luz do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais.

Certo é que tal extinção da sociedade não impede que sejam ainda demandados os antigos sócios pelo passivo social não satisfeito, nos termos do artigo 163.º do mesmo diploma, até ao montante que receberam na partilha. Não havendo, contudo, bens a partilhar por não haver ativo (nem superveniente nos termos do artigo 164.º do Código das Sociedades Comerciais), não há como demandar os referidos sócios.

Para que tal demanda fosse possível sugere a ré/recorrente GG, que poderia ser proposta ação com vista à declaração de falsidade/anulação da escritura de dissolução/registo do encerramento da liquidação, com base na alegação de que seria falsa a declaração dos sócios de que a devedora não tinha qualquer ativo a liquidar.

Ora, para que pudesse considerar-se, ainda que remotamente, possível e viável tal solução, necessário seria que estivesse alegado e provado que, ao contrário do declarado no ato de liquidação, existia efetivamente, ativo a liquidar. O que ninguém alegou nem, portanto, provou, resultando da certidão do registo comercial da entidade patronal devedora a presunção do contrário, nos termos do artigo 11º do Código do Registo Comercial em que se estipula: “O registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida.”.

Cabia, assim, às rés, provar o oposto para o que não basta alegar, em tese, a possibilidade dessa via de ação. Deviam as rés ter alegado os factos concretos em que a viabilidade da mesma se sustentaria. O que não fizeram.

Quanto à possibilidade, também aventada no recurso da ré GG, de vir ainda a ser proposto processo especial de insolvência da entidade patronal das autoras, claudica na mesma dificuldade: a de que tal sociedade já está dissolvida e está registado o encerramento da sua liquidação pelo que a mesma sequer já não tem personalidade jurídica.

Pelo que esta via argumentativa, em parte partilhada por ambas as rés, deve improceder.

Quanto ao argumento da recorrente GG de que as autoras poderiam demandar os sócios e gerentes da sua entidade patronal à luz dos artigos 334.º e 335.º do Código do Trabalho, também não tem sucesso.

É que o que nesses preceitos se prevê é a responsabilidade solidária da a entidade patronal e das sociedades que com ela estiver em relação de participação, domínio ou grupo (artigo 334.º aqui claramente inaplicável) e dos sócios (artigo 335.º) que estejam nas situações previstas no artigo 83.º do Código das Sociedades Comerciais que tem a seguinte redação:

1. O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, tenha, por força de disposições do contrato de sociedade, o direito de designar gerente sem que todos os sócios deliberem sobre essa designação responde solidariamente com a pessoa por ele designada, sempre que esta for responsável, nos termos desta lei, para com a sociedade ou os sócios e se verifique culpa na escolha da pessoa designada.

2. O disposto no número anterior é aplicável também às pessoas colectivas eleitas para cargos sociais, relativamente às pessoas por elas designadas ou que as representem

3. O sócio que, pelo número de votos de que dispõe, só por si ou por outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, tenha a possibilidade de fazer eleger gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização responde solidariamente com a pessoa eleita, havendo culpa na escolha desta, sempre que ela for responsável, nos termos desta lei, para com a sociedade ou os sócios, contanto que a deliberação tenha sido tomada pelos votos desse sócio e dos acima referidos e de menos de metade dos votos dos outros sócios presentes ou representados na assembleia.

4. O sócio que tenha possibilidade, ou por força de disposições contratuais ou pelo número de votos de que dispõe, só por si ou juntamente com pessoas a quem esteja ligado por acordos parassociais de destituir ou fazer destituir gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização e pelo uso da sua influência determine essa pessoa a praticar ou omitir um acto responde solidariamente com ela, caso esta, por tal acto ou omissão, incorra em responsabilidade para com a sociedade ou sócios, nos termos desta lei.”

O artigo 335.º do Código do Trabalho prevê ainda, no seu número 2 a responsabilidade solidária dos gerentes, administradores ou diretores da sociedade entidade patronal devedora caso se verifiquem os pressupostos dos artigos 78º e 79º do Código das Sociedades Comerciais.

Têm eles a seguinte redação:

Artigo 78º:

“1. Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos.

2. Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos termos dos artigos 606.º a 609.º do Código Civil, o direito de indemnização de que a sociedade seja titular.

3. A obrigação de indemnização referida no n.º 1 não é, relativamente aos credores, excluída pela renúncia ou pela transação da sociedade nem pelo facto de o ato ou omissão assentar em deliberação da assembleia geral.

4. No caso de falência da sociedade, os direitos dos credores podem ser exercidos, durante o processo de falência, pela administração da massa falida.

5. Ao direito de indemnização previsto neste artigo é aplicável o disposto nos n.os 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º”;

Artigo 79º:

“1 - Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções.
2 - Aos direitos de indemnização previstos neste artigo é aplicável o disposto nos n.os 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º”.

Não foi sequer alegado qualquer dos factos que preenchem a estatuição destas três normas do Código das Sociedades Comerciais que foram transcritas, pelo que é claramente infundada a alegação de que as autoras podiam demandar os sócios da sua entidade patronal (sociedade cujo encerramento da liquidação já está registado) para pagamento das dívidas desta sociedade que estão confessadas nos acordos de cessação dos contratos de trabalho.

Pelo que também esta via de argumentação não procede, não colhendo assim qualquer dos fundamentos defendidos pelas recorrentes/rés para a sustentação de que as autoras têm outras vias para cobrar da sua entidade patronal ou dos seus sócios as quantias que dela não receberam, apesar de acordadas.

Ainda que assim não se entendesse, cumpre relembrar que a sentença apenas condenou ambas as rés no pagamento das quantias que as autoras poderiam ter recebido do Fundo de Garantia Salarial exatamente por ter considerado que se desconhecia “se uma eventual liquidação da C... em processo de insolvência geraria proventos suficientes para pagar às autoras o que quer que fosse”, o mesmo se passando “quanto a uma eventual acção contra os sócios e/ou gerentes”.

A condenação das rés foi, assim, calculada apenas com base naquilo que as autoras poderiam ter recebido se a primeira ré tivesse acompanhado o pedido de pagamento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial da necessária propositura de processo especial de insolvência[5].

Os valores que as autoras receberiam do referido Fundo não dependem de qualquer viabilidade ou hipótese de sucesso quanto a ações de cobrança dos créditos à devedora ou aos seus sócios, visando tal fundo assegurar o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura do processo especial de insolvência. Pelo que esses montantes sempre teriam sido pagos às autoras caso o processo especial de insolvência tivesse sido oportunamente instaurado ficando depois o Fundo sub-rogado no direito das trabalhadoras contra a devedora – cfr artigo 4.º do DL 59/2015 de 31 de dezembro. Recebidos esses valores, às autoras apenas caberia o direito de pedir os demais créditos, não assegurados pelo Fundo, à sua entidade patronal.

Pelo que, para efeitos da pretendida revogação da condenação no sentido pretendido pelas rés, em nada relevaria o conjunto de argumentos vindos de apreciar que a procederem, apenas impediriam a condenação das rés nos montantes de cujo pagamento as mesmas já foram absolvidas.


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3. A exclusão da responsabilidade da ré seguradora por força da anterioridade dos factos constitutivos da responsabilidade da segurada e do seu prévio conhecimento pela mesma e não comunicação à seguradora.

A sentença recorrida, seguindo a orientação jurisprudencial dominante (se não unânime), entendeu que não era oponível às autoras a exclusão da responsabilidade prevista no contrato de seguro quanto aos danos emergentes de factos conhecidos do segurado à data do início do período de vigência do seguro, que não tenham sido comunicados à seguradora.

Esta insiste, em alegações, na tese já por si defendida em sede de contestação: a pré-existência do sinistro face ao contrato de seguro impede o pagamento pretendido sob pena de violação dos artigos 44.º, número 2, 48.º, números 2 a 5, 139.º e 147.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL 72/2008 de 16 de abril).

Destes preceitos decorre que: o segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato de seguro quando o tomador ou o segurado tivesse conhecimento deles nessa data; que são oponíveis ao segurado os meios de defesa derivados do contrato de seguro; que, salvo disposição em contrário a garantia cobre a responsabilidade civil do segurado por factos ocorridos no período de vigência do contrato de seguro; e que o segurador pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador de seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro.

Além destas normas que a apelante convocou há, contudo, que convocar outras do mesmo Diploma, também aqui aplicáveis:

O artigo 100.º, número 1 prevê:

A verificação do sinistro deve ser comunicada ao segurador pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo beneficiário, no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento”

O artigo 101º prevê:

“1. O contrato pode prever a redução da prestação do segurador atendendo ao dano que o incumprimento dos deveres fixados no artigo anterior lhe cause.

2. O contrato pode igualmente prever a perda da cobertura se a falta de cumprimento ou o cumprimento incorrecto dos deveres enunciados no artigo anterior for doloso e tiver determinado dano significativo para o segurador.

3. O disposto nos números anteriores não é aplicável quando o segurador tenha tido conhecimento do sinistro por outro meio durante o prazo previsto no n.º 1 do artigo anterior, ou o obrigado prove que não poderia razoavelmente ter procedido à comunicação devida em momento anterior àquele em que o fez.

4. O disposto nos n.os 1 e 2 não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números”.

O diploma a que pertencem estes preceitos tem ainda uma subsecção com “disposições especiais de seguro obrigatório”. Nela se inclui o artigo 146º. que permite aos lesados, no caso de seguros obrigatórios de responsabilidade civil, demandar diretamente o segurador para obter a indemnização dos danos causados pelo risco coberto.

Esta solução compreende-se facilmente na medida em que estamos perante situações em que a obrigatoriedade do contrato de seguro foi estabelecida por lei exatamente com a finalidade de proteger o lesado. Nesta situação o segurador deve indemnizá-los cabendo-lhe, depois, o direito de regresso contra o segurado.

No artigo 147.º do mesmo diploma, estão especialmente previstos os meios de defesa do segurador perante os lesados: os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro, nomeadamente a invalidade do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato.

Como prevê o artigo 13.º do mesmo diploma, os artigos 100.º, 101º, 146 e 147º a que antes nos referimos são normas relativamente imperativas podendo apenas ser contratualmente estabelecido um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário.

O contrato de seguro dos autos é um seguro obrigatório face ao disposto no artigo 104º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

No caso está provado que a XL celebrou com a Ordem dos Advogados um contrato de seguro com início de vigência de 2018 a 2022 e de novo a partir 1 de janeiro de 2023 até 1 de janeiro de 2024. Tal seguro, de grupo, cobria a responsabilidade de, entre outros segurados, todos os “advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional”.

Do ponto 7 das condições particulares do contrato de seguro objeto dos autos resulta que a seguradora assumiu “a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice e sem qualquer limitação temporal da retroatividade(sublinhado nosso).

Trata-se do que tem sido apelidado pela doutrina de apólice de reclamação feita (“claims made”), que faz depender o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de vigência do contrato e que possibilita a extensão da sua cobertura para além do período anterior ao início do contrato, desde que tenha havido comunicação do facto gerador da responsabilidade à seguradora.

Está em causa, é certo, a prática dos atos geradores dos danos antes da celebração do contrato de seguro. Mas a demanda da ré segurada e da seguradora foi em momento posterior. Estando prevista no contrato de seguro obrigatório a possibilidade de cobertura de um risco verificado anteriormente, desde que a reclamação seja feita depois do início da vigência do seguro, não pode afirmar-se que já ocorrera antes da celebração do contrato de seguro, pois apenas se provou que as autoras (beneficiárias) pediram, em julho de 2017, os dossiers dos seus processos à primeira ré (segurada), nada se provando quanto a uma qualquer reclamação das mesmas junto desta, nomeadamente no sentido de virem a responsabilizá-la civilmente.

A norma, relativamente imperativa, contida no artigo 101.º, número 4 do RJCS, prevalece sobre a cláusula contratual de exclusão no caso pré-conhecimento do sinistro pelos segurados, que, não sendo mais favorável ao lesado/beneficiário, não lhe pode ser oposta.

Estaria apenas em causa, face ao contrato de seguro, aferir se foi incumprido pela ré segurada o dever de comunicação à seguradora a que alude o artigo 100.º, número 1 do RJCS e, como se viu, esse incumprimento, ainda que tivesse ocorrido, não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório em face do disposto no número 4 do artigo 101.º, mas apenas ao segurado, em ação de regresso.

Pelo que não pode a ré seguradora opor às aqui autoras, enquanto beneficiárias do contrato de seguro e lesadas, o incumprimento de qualquer dever de comunicação da segurada. Quanto a esta matéria a jurisprudência tem sido convergente, no sentido adotado na sentença recorrida.

Convocam-se e partilha-se a hiperligação para alguns dos arestos que o Supremo Tribunal de Justiça e os Tribunais da Relação que podem ajudar a esclarecer/melhor fundamentar a questão acima decidida:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, disponível em STJ 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1[6];

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 11-07-2019, disponível em 5388/16.9T8VNG.P1.S1[7] ;

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2022, disponível em TRL 190/18.6T8PRG.L1-2[8]; e

- Acórdão deste Tribunal e secção, de 21-10-2019, disponível em TRP 575/13.4TVPRT.P1[9].


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4. A exclusão da responsabilidade da ré seguradora até ao limite de 5000 € da franquia acordada.

A apelante/ré/seguradora alega que em face da franquia estabelecida no contrato de seguro a sua obrigação de indemnizar deve ser reduzida no montante de 5000 €. Fá-lo convocando a primeira parte do teor da cláusula 10ª das condições particulares do seguro e afirma que se impunha a condenação da co-ré advogada no pagamento do valor de 5000 € às autoras.

Ora dessa cláusula do contrato de seguro resulta o seguinte: “Estabelece-se uma franquia de 5.000,00 € por sinistro, não oponível a terceiros lesados”[10].

Tal clausulado foi o fundamento para a rejeição da pretensão de dedução desse valor em primeira instância.

Pelo que muito se estranha a insistência da apelante nessa dedução sem curar, sequer, de argumentar porque motivo não seria a cláusula do contrato acima transcrita aplicável ao caso dos autos.

Afirma a recorrente que “a inoponibilidade da franquia perante Terceiro, não pode significar a condenação solidária da ora Apelante neste valor, atentos os termos da relação material controvertida dos autos, nos quais a Segurado da ora Recorrente figura

como parte principal e, por isso, responsável única pelo pagamento daquele valor da franquia”.

Ora, a inoponibilidade da franquia ao lesado não pode significar outra coisa senão, exatamente, a condenação da seguradora na totalidade da indemnização fixada, sendo o montante da franquia passível de ser por ela depois peticionada à segurada.

A tal não obsta o disposto no artigo 49.º do RJCS que tem a seguinte redação: “As partes podem fixar franquias, escalões de indemnização e outras previsões contratuais que condicionem o valor da prestação a realizar pelo segurador.”. Daqui apenas resulta que pode ser condicionado/limitado o dever da prestação da seguradora, mas já não que essa limitação possa ser oposta ao lesado. E o contrato de seguro exclui expressamente essa oponibilidade ao lesado.

O facto de a segurada também ter sido demandada na ação não obsta a tal conclusão, pois, como se disse e repete, a demanda direta da seguradora é permitida aos lesados no caso de contratos de seguro obrigatórios. Assim, no que ao pedido de condenação da seguradora respeita, não há qualquer razão para deduzir à mesma o valor da franquia, por ser inoponível às lesadas.

5. A data a partir da qual são devidos juros de mora pela ré seguradora.

Foram as rés condenadas no pagamento de juros sobre o montante indemnizatório desde a sua citação.

A apelante seguradora entende que apenas são devidos juros desde o trânsito em julgado da condenação pois, a seu ver, a indemnização fixada não estava liquidada no momento da interpelação, apesar de as autoras terem reclamado a condenação numa quantia certa.

Convoca a aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 4/2004 de 27-06-2002[11].

Como é manifesto, as autoras liquidaram o pedido (que foi parcialmente procedente) com a petição inicial e a sentença não procedeu à atualização do montante indemnizatório nos termos do artigo 566.º do Código Civil que prevê que se tenha em conta, quando possível, a situação patrimonial do lesado data mais recente a que o tribunal possa atender a aquela que o mesmo teria se não fosse a lesão.

O referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência tratou, como nele se lê, da interpretação da segunda parte do número 3 do artigo 805.º do CC, na sua ligação sistemática com o artigo 566.º, número 2 do mesmo diploma. Ali se concluiu que quando esteja em causa a atribuição de uma indemnização atualizada, ou seja objeto de correção monetária, o artigo 805.º, número 3 no seu segmento final terá de obedecer a uma interpretação restritiva, na sua necessária articulação com o artigo 566.º, número 2. Considerou-se que quando o juiz calcule a indemnização em dinheiro de forma atualizada não pode, ao mesmo tempo, condenar o responsável em mora pelo pagamento dessa quantia atualizada desde a citação.

Ora não vemos onde encontra a apelante a suposta atualização do montante indemnizatório em sede de sentença.

Esta limitou a condenação aos valores que as autoras poderiam ter recebido do Fundo de Garantia Salarial. E calculou-os com base na liquidação feita na petição inicial e nos factos dados por provados. Esse cálculo aritmético não foi corrigido por qualquer consideração da situação económica mais atual das lesadas ou da que as mesmas teriam se não fosse a lesão. Não se teve em conta qualquer critério atualizador, como a inflação ou outro. Pelo que é manifestamente inaplicável a solução consagrada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência citado pela recorrente, sendo de confirmar a decisão de condenação em juros desde a citação – interpelação judicial ao pagamento -, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 804.º, número 1, 805º, números 1 e 3 do Código Civil.

Por tudo o exposto, improcedem totalmente as apelações de ambas as rés.


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6. A probabilidade de satisfação dos créditos das autoras por via do processo especial de insolvência da sua entidade patronal e de ação a intentar contra os sócios da mesma.

Também as autoras pretendem a revogação da sentença, com base na alteração de matéria de facto que já vimos improceder e da qual pretendiam retirar a conclusão de que caso tivesse sido instaurado processo especial de insolvência da sua entidade patronal pela primeira ré, dele resultaria a satisfação dos seus créditos.

Igual sucesso teria, no entender das autoras, a ação que a primeira ré podia e devia ter proposto contra os sócios da sua entidade patronal, pois dizem que o património deles foi “largamente enriquecido, com suficiência para tutelar os créditos das autoras”.

A apreciação da chamada “perda de chance” ou “perda de oportunidade” como caminho na resolução de situações como a dos autos é hoje pacificamente admitida sendo por alguns autores tratada a partir da sua consideração como um dano, tendo para outros o seu enquadramento no âmbito da verificação do nexo causal.

Júlio Gomes[12] apresentou num primeiro momento, nas palavras de Patrícia Costa, “uma visão crítica no que a esta teoria respeita”. Considerava aquele autor que a operação de “antecipação” do dano era algo artificial. Admitindo que o reconhecimento do dano de perda de chance se insere numa tendência para a ampliação gradual do dano ressarcível, o mesmo colocava, a seu ver, um sem número de problemas, quer ao nível conceptual, quer ao nível prático. Em primeiro lugar, por não ser claro se o dano de perda de chance deve ser concebido como uma modalidade de dano emergente ou de lucro cessante. Em segundo lugar, mesmo para quem o considerasse autónomo na sua existência, o prejuízo da perda de chance não seria completamente autónomo na sua avaliação, e isto porque o prejuízo da perda de chance se insere num processo dinâmico que iria, eventualmente, desembocar num outro prejuízo definitivo. Tal autor, contudo, “Posteriormente, voltando a analisar a figura, sustentou que, quando a chance se tenha densificado e seja mais provável a sua realização do que a sua não verificação, se deverá considerar existir já um lucro cessante suficientemente certo para que a fixação do seu montante possa ser feita pelo tribunal recorrendo à equidade”.

Nas palavras de Carneiro da Frada[13] “Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade um dano em si, como antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final (apenas hipotético, v.g. da ausência de cura, da perda do concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente”.

Não nos parece, salvo o respeito sempre devido pela opinião contrária, que seja este o caminho dogmaticamente mais correto.

A mera perda da oportunidade de propor uma ação (ou de recorrer, receber um tratamento, ou de concorrer a um concurso, etc.), não é a nosso ver um dano em si mesmo, mas um dos requisitos do processo causal que pode concluir-se ter sido adequado à produção e outro dano (vg. a perda de possibilidade do ganho de ação, da cura de paciente, de vencimento de um concurso, etc.). Sendo para nós correta a asserção de que o dano é a lesão no direito juridicamente tutelado, o que se tutela por via da indemnização pela perda de chance, no caso da possibilidade de propor uma ação, não é o direito de a propor, mas perda da possibilidade de se vir a obter o seu vencimento. [14]

Assim e por exemplo, se a ação estivesse, com grande probabilidade votada ao insucesso, a sua não instauração não conduz a qualquer dano.

Lembremos, a propósito, que apenas o dano previsível, ainda que futuro, é indemnizável não sendo de ressarcir danos eventuais ou hipotéticos.

Nas palavras de Patrícia Costa[15],“A doutrina da perda de chance propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitamento de um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis”.

Daí que a pedra de toque da decisão desta ação se situe, a nosso ver, ao nível do apuramento do nexo causal entre o facto ilícito e culposo – a não propositura do processo especial de insolvência da devedora ou de qualquer ação contra os seus sócios -, e o dano sofrido por estas – consistente no não recebimento das quantias de que eram credoras.

Ora o nosso legislador, nos artigos 483.º e 563.º do Código Civil consagrou a teoria da causalidade adequada. Duas afirmações podem enformar, contendo-a de forma cabal, esta teoria: a de que apenas são indemnizáveis os danos decorrentes do facto lesivo e a de que a indemnização deve ressarcir os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Importa relembrar que, doutrinariamente, a causalidade poderia ter tido diferente tratamento. Poder-se-ia ter optado por uma visão meramente naturalística em que tudo o que sucedesse ao facto fosse considerado como tendo sido por ele causado ainda que do ponto de vista da adequação e da probabilidade não fosse de esperar tal consequência.

Todavia, o legislador exige, mais do que isso, que haja uma decorrência não meramente física ou natural, mas também normativa.

Antunes Varela[16] defendia que a formulação legal visou reagir contra a mais “acanhada” formulação do artigo 707º do Código de 1867 que restringia a indemnização aos danos necessariamente decorrentes do incumprimento contratual, tentando-se, com a adoção do advérbio “provavelmente” ensaiar maior maleabilidade ao conceito.

Ora, não podemos em face dos factos apurados afirmar que o alegado “resultado danoso” - o não recebimento pelas autoras da totalidade dos seus créditos laborais -, foi condicionado inevitável e necessariamente pela omissão da primeira ré. Ou, doutro modo, que este não teria ocorrido se não fosse essa sua conduta omissiva. Esta é, aliás, uma dificuldade presente em todos os processos em que esteja em causa a perda de chance, em que nunca é possível afirmar com toda a certeza qual seria a situação hipotética do lesado se não fosse a lesão.

Como expressamente referido na sentença recorrida o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 5 de julho de 2021, decidiu que “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”[17]

Este acórdão tomou posição sobre algumas das divergências que a jurisprudência vinha revelando (e também a doutrina) quanto em ações destinadas a indemnização pela perda de chance, debruçando-se nomeadamente sobre o critério aferidor do nexo causal entre o dano e facto lesivo.

Poderemos afirmar que o dano invocado pelas autoras não teria provavelmente ocorrido se não fosse a omissão da primeira ré?

Salienta-se, em primeira linha, que obrigação da mesma, decorrente do contrato de mandato, é uma obrigação de meios e não de resultado e aqui importa, na lição acima sumariada de Antunes Varela sobre o critério para aferir do nexo causal, chamar o fim tutelado pelo contrato “como um auxiliar precioso das dúvidas suscitadas”. Não estava a primeira ré obrigada a alcançar o resultado pretendido pelas autoras, mas apenas a agir com a diligência necessária a que tal pudesse suceder.

Não é neste ponto, todavia, que as autoras/apelantes divergem do decidido em primeira instância (que afirmou a incúria da primeira ré na não propositura do processo especial de insolvência), mas sim na afirmação da probabilidade de que um comportamento adequado da ré GG– tempestiva propositura do processo especial de insolvência ou de ação contra os sócios da devedora -, poderia vir a evitar o dito dano consistente em não terem recebido a totalidade dos seus créditos laborais reconhecidos.

Contudo, e voltando a recorrer às palavras de Patrícia Costa, “A perda de oportunidade genérica, imperfeita, simples ou comum, abaixo do limiar de seriedade da chance (…) não dá direito a qualquer reparação[18].

Ora, face à exiguidade dos factos alegados e provados, afigura-se impossível a afirmação da probabilidade de sucesso das diligências omitidas.

Já acima se afirmou a propósito do conhecimento da impugnação da alínea D) dos factos não provados (que improcedeu), as autoras omitiram totalmente a alegação dos factos de que poderia decorrer a conclusão a que querem que este Tribunal chegue.

Apenas em sede de recurso vieram apelar às regras da experiência e da lógica para afirmar que é habitual os gerentes das sociedades insolventes venderem bens da empresa antes de a encerrarem, locupletando-se à custa dos credores. Só no recurso, também, alegaram que ocorreu venda de máquinas pela sua entidade patronal antes do encerramento da empresa e que dessa venda resultou valor que os sócios fizeram e que seria bastante à satisfação dos seus créditos. Nada disto foi atempadamente alegado na petição inicial.

Na falta de alegação e prova desses factos resulta que não se pode concluir que a instauração de processo especial de insolvência ou de ação/execução contra os sócios conduziria, com probabilidade, à cobrança dos créditos laborais das autoras.

Como salientado na sentença recorrida, é frequente que os processos especiais de insolvência ou processos executivos contra devedores terminem sem que tenha sido possível apreender qualquer património e sem a satisfação total ou parcial dos direitos dos credores.

Não pode afirmar-se, nem o afirmou ninguém nos autos, que o património da devedora e/ou dos seus sócios permitisse cumprir as obrigações da primeira para com as autoras.

Podemos apenas reconhecer que há uma aptidão, em abstrato, da conduta omissiva da primeira ré para provocar a impossibilidade de cobrança.

Tal não é, de todo, o mesmo que dizer que a sua conduta diligente evitaria a incobrabilidade dos créditos das autoras, pois nada nos autos indicia a possibilidade efetiva de cobrança.

Em conclusão, seria necessário demonstrar a probabilidade de obtenção de êxito de alguma dessas vias e essa demonstração era ónus das autoras,pois é facto constitutivo do seu direito, nos termos do artigo 342º, n.º 1 do Código Civil.

Pelo que improcede a pretensão das autoras/recorrentes no que a esta questão respeita.


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7. O erro de cálculo da quantia indemnizatória.

Resta aferir se, como as mesmas alegam, o Tribunal a quo calculou indevidamente a sua indemnização na parte em que procedeu o pedido.

É a seguinte a fundamentação da sentença quanto ao cálculo da indemnização fixada:

“O que se pode ter como certo seria o pagamento pelo FGS. Mas este fundo não paga todos os créditos dos trabalhadores. Está limitado pelos valores previstos no art. 320º da Lei nº 35/2004, vigente em 2009:

“1 - Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.”

Portanto, o FGS paga seis salários. Se o salário for superior ao triplo da retribuição mínima mensal garantida, será reduzido a esse montante.

Em 2008 a retribuição mínima mensal garantida era de 426,00€. Era essa a retribuição base das autoras.

Multiplicando a retribuição de 426,00€ por 6 meses conclui-se que conseguiriam obter do FGS 1.278,00€.

Pelo que as autoras receberiam essa quantia. E têm direito a receber como indemnização pelo cumprimento defeituoso do mandato

Mais do que isso não é previsível que as autoras conseguissem”.

É correta a aplicação feita do disposto no artigo 320º do Regulamento do Código do Trabalho vigente à data da cessação do contrato de trabalho das autoras (Lei 35/2004 de 29 de julho), de que as recorrentes não discordam.

É, contudo, manifesto o lapso de cálculo da sentença, já que o produto da multiplicação da retribuição mensal das autoras por seis meses é de 2.556,00 €, e não 1.278,00 €.

Pelo que revogará apenas parcialmente a sentença, passando as rés a ser condenadas a pagar esse valor a cada uma das autoras em vez dos fixados em sentença.


*

As custas dos recursos das rés serão a suportar pelas mesmas, já que neles decaíram, nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil.

As custas do recurso das autoras serão a suportar por estas e pelas rés, nas proporções dos respetivos decaimentos, em face do mesmo preceito legal.

V – Decisão:

A) Julgam-se:

1. improcedentes os recursos das recorrentes GG e A... Company SE, Sucursal en España; e

2. parcialmente procedente o recurso das autoras,

B) Pelo que se condenam as rés a pagarem 2.556,00 € a cada uma das autoras AA, BB, CC, DD, EE e FF, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde as suas citações.

C) Mantém-se o demais decidido.

D) Custas dos recursos das rés pelas recorrentes e do recurso das autoras por estas e pelas rés/recorridas, na proporção dos seus decaimentos.

Aveiro, 4 de junho de 2025

Ana Olívia Loureiro

Fátima Andrade

José Eusébio Almeida

_________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, sétima edição, páginas 334 e 335.
[2] “17 – A Segurança Social, em 15/09/2017, notificou as autoras da intenção de indeferimento com fundamento na ausência de instauração de processo de insolvência da C... e na falta de instrução do requerimento com os documentos previstos no art. 324º da Lei 35/2004, de 29/7.”.
[3] “1 - O Fundo efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido.
2 - O requerimento é instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos:
a) Declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório;
b) Declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador;
c) Declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores. 3 - O requerimento é certificado pelo administrador da insolvência, pelo administrador judicial provisório, pelo empregador ou pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso, sendo a certificação feita:
a) Através de aposição de assinatura eletrónica; ou
b) Através de assinatura manuscrita no verso do documento.
 4 - O requerimento é apresentado em qualquer serviço da segurança social ou em www.seg-social.pt, através de modelo aprovado por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do emprego e da segurança social.”.
[4] Acórdão de 23 de setembro de 2015 disponível na seguinte hiperligação: TC 408/15.

[5] Quanto a este na sentença recorrida afirma-se, a nosso ver com inteira razão, que o que “os factos provados demonstram é que um processo de insolvência da C... teria grandes probabilidades de êxito. Pois, a sociedade confessa estar insolvente nas cartas enviadas em 19/6/2008. Além disso, não pagava às suas trabalhadoras. O que permitiria preencher o facto índice de insolvência previsto no art. 20º, 1, b), do CIRE.”.

[6] Com o seguinte sumário, no que respeita à questão em apreço: “I - O seguro de responsabilidade civil de advogado estabelecido no n.º 1 do art. 104.º do EOA é de natureza obrigatória. O elemento filológico de interpretação tirado do sentido das palavras que integram o texto descrito no n.º 1 do art. 104.º do EOA e também a “ratio” que superintendeu à redacção deste texto normativo, apontam no sentido da obrigatoriedade do seguro do advogado no exercício do seu cargo, mais precisamente que tem natureza imperativa o seguro de responsabilidade civil do advogado prescrita no seu estatuto.

II - O contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, celebrado entre a ré/recorrente “D..., S.A” e a Ordem dos Advogados, garantindo a indemnização de prejuízos causados a terceiros pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam actividade em prática individual ou societária, configura um contrato de seguro de grupo.

III - Tomando o que se dispõe no ponto 7. das condições particulares da apólice, a propósito do seu “âmbito temporal”, dele depreendemos em termos genéricos que, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, estão abrangidos por este seguro todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro.

IV - Contrapondo-o à apólice de ocorrência (para fins de indemnização o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato), podemos afirmar que estamos perante uma apólice de reclamações, também chamada “claims made” (“reclamação feita”), que condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato.”.
[7] Em cujo sumário se pode ler: “Dispondo o ponto 7 das Condições particulares da apólice deste contrato de seguro que : “O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação”, estamos perante uma apólice de reclamação, também chamada “claims made”, segundo a qual o evento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base.”.
[8] De que resulta nomeadamente o seguinte: “A previsão de uma delimitação temporal da cobertura atendendo à data das reclamações apresentadas, mormente, como foi o caso, contra o Segurado, durante o período de vigência do Seguro, não se pode confundir com a oportuna comunicação/participação à Seguradora dessas reclamações. Ainda que o Segurado não tivesse (como devia) comunicado à Ré, em 2009, a Reclamação apresentada contra ele, com a instauração do procedimento disciplinar que desencadeou o processo sinistral, não se pode a Ré prevalecer nos presentes autos, perante os Autores/terceiros lesados, dessa falta de oportuna participação do sinistro (cf. artigos 100.º e 101.º da LCS)”.
[9] Com o seguinte sumário: “I - O seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados tem natureza obrigatória. II - A norma do artigo 101º nº 4 da Lei do Contrato de Seguro assume natureza imperativa. III - É como tal inoponível ao lesado/beneficiário as exceções de redução ou exclusão contratual fundadas em incumprimento do segurado, nomeadamente as denominadas “claim made”, ie, apólices de reclamação que delimitam temporalmente a cobertura, reportando-a não à data da verificação do sinistro, mas antes à data da sua reclamação.”.
[10] Note-se que em resposta à contestação desta ré/recorrente já as autoras tinham vindo alegar que a mesma litigava de má-fé por ter transcrito apenas parte do teor da referida cláusula, omitindo o trecho em que se prevê a sua inoponibilidade aos lesados. Tal omissão foi considerada pelo Tribunal a quo censurável, mas sem uma gravidade que justificasse o sancionamento pedido. Deste trecho decisório não foi interposto recurso.
[11] Disponível em STJ AUJ 4/2002 e que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
[12] Em Torno do Dano da Perda de Chance — Algumas Reflexões, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Volume II, Studia Iuridica, Coimbra Editora, 2008, apud   Patrícia Costa. Dano de perda de chance e a sua perspectiva no direito português, disponível em  que foi objeto de reflexão atualizada m estudo disponível online em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/09/JULGAR42-05-PCC.pdf.
[13] Direito Civil, Responsabilidade Civil, O Método do Caso, Almedina, página 104.
[14] Diz Sinde Monteiro in Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, página 297 que o “carácter de dano indemnizável da perte d’une chance não é hoje seriamente contestado pela doutrina francesa e também entre nós nada parece opor-se à sua ressarcibilidade, respeitados que sejam os “garde-fous” colocados por aquela doutrina e jurisprudência. Não será noutros termos que teremos de raciocinar, por exemplo na hipótese em que um advogado omite a interposição de um recurso, fazendo perder ao seu cliente a possibilidade (chance) de vir a obter ganho de causa. Nem sequer é exacto que nestas hipóteses apenas haja direito a uma indemnização parcial; também aqui vale o princípio da indemnização integral, só que os juízes devem ter em conta tanto a existência como o grau da álea que afecta a realização da chance perdue”.
[15] Op. cit.
[16] Das Obrigações em Geral, Almedina, 7.ª edição, Vol. I, página 898.
[18] Op cit. página 164.
[17] STJ AUJ 2/2022