I. A excepção prevista na alínea c) do artigo 400º (aplicação inovatória de medidas de coação ou garantia patrimonial), introduzida pela Lei nº 94/2021 de 21 de Dezembro, não é aplicável, por analogia, à aplicação inovatória da medida de congelamento do artigo 49º, nº 6 da Lei nº 83/2017 de 18 de Agosto, por esta não ser uma medida de coacção nem garantia patrimonial, tal como se encontram estabelecidas no Código de Processo Penal.
II. A DIRETIVA 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril de 2014, transposta para o ordenamento jurídico português pela Lei 30/2017 de 30 de Maio, define no seu artigo 2º, nº 5) o «Congelamento», a proibição temporária de transferir, destruir, converter, alienar ou movimentar um bem ou de exercer temporariamente a guarda ou o controlo do mesmo”.
III. Com base nesta definição e tendo em conta o disposto nos artigos 47º, 48º e 49º, nº 6 da Lei nº 83/2017 de 18 de Agosto, o congelamento ordenado, no âmbito e sobre os bens objecto da suspensão temporária decretada, é um mecanismo de prevenção da prática de crimes, que visa prevenir a utilização do sistema financeiro para fins de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, inviabilizando, desta forma, a disseminação dos fundos de proveniência duvidosa no referido sistema financeiro.
IV. Se ao nível da finalidade, as medidas de coacção e garantia patrimonial e o congelamento de bens/fundos abrangidos pela suspensão temporária decretada são diferentes, o mesmo acontece ao nível dos requisitos de aplicação. As medidas de coacção e garantia patrimonial são, ao nível dos requisitos de aplicação, muito mais exigentes do que os exigidos para o congelamento no âmbito da suspensão temporária decretada, porquanto este basta-se com “se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima.”
V. Não pode, pois, deixar de se concluir que estamos em presença de figuras jurídicas diversas, ainda que o congelamento se possa aproximar, nos seus efeitos, do arresto preventivo e até mesmo da apreensão.
VI. Não é a circunstância de a aqui recorrente, ser recorrida quando é exercido o direito ao recurso pelo Ministério Público, que altera ou limita o seu direito ao recurso ou defesa.
VII. A resposta ao recurso constitui, assim, “meio idóneo e suficiente para que o arguido recorrido exerça cabalmente o seu direito de defesa perante o Tribunal de recurso, uma vez que o grau de antecipação das valorações a tomar que lhe é exigido para esse exercício não difere de modo relevante do que já lhe seria exigido”.
VIII. Assim, não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, a decisão do Tribunal da Relação que revoga a decisão do Juiz de Instrução Criminal que indeferiu o congelamento das contas bancárias da recorrente e decreta inovatoriamente esse congelamento.
I Relatório
1. No inquérito 1434/23.8..., da ....ª secção do DIAP Regional de ..., o Ministério Público requereu o congelamento dos fundos de duas contas bancárias tituladas pela sociedade Alnahar Oil Portugal, Ld.ª (anteriormente designada Pixelazafama Unipessoal Ld.ª) ao abrigo do artigo 49.º, n.º 6, da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto.
O requerimento foi indeferido pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal.
O Ministério Público interpôs recurso do correspondente despacho para o Tribunal da
Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 05 de Fevereiro de 2025, julgou o mesmo procedente e determinou que o despacho recorrido fosse substituído por outro que determine o «congelamento dos saldos das contas requerido pelo Ministério Público e objeto do indeferimento aqui em recurso».
2. Inconformada, a sociedade Alnahar Oil Portugal, Ld.ª interpôs recurso do douto acórdão para este Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões: (transcrição)
1. O presente recurso vem interposto do acórdão do TRC de 5.02.2025 (Referência: ......38) que, inovadoramente, ordenou a aplicação da medida de congelamento dos saldos das contas bancárias da recorrente, nos termos do art.49º, nº6, da Lei nº83/2017 de 18.08, em substituição do despacho recorrido que anteriormente indeferiu o requerimento do Ministério Público nesse sentido.
2. Tendo inovadoramente ordenado a aplicação da medida de congelamento dos saldos das contas bancárias da recorrente, nos termos do art.49º, nº6, da Lei nº 83/2017 de 18.08, em obediência ao dever de fundamentação previsto no art.205º, nº1, da CRP, o acórdão recorrido do TRC devia, sob pena de nulidade, prevista no art.374º, nº2, e 379º, nº1, al.a) e nº2, ex vi art. 425º, nº4, do Código Processo Penal:
a) ter descrito os factos concretamente indiciadores de que os saldos congelados das referida contas bancárias (objeto da medida de suspensão aplicada) eram provenientes ou estavam relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo;
b) concretizar o perigo dos referidos saldos serem dispersos na economia legítima, caso não sejam congelados.
c) enunciar os elementos do processo que indiciam todos aqueles factos e o perigo concreto aludido;
d) a qualificação jurídica dos factos imputados;
e) a referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de necessidade, adequação e proporcionalidade de aplicação da medida de congelamentos dos saldos bancários.
3. Sem prescindir, assim não se entendendo, o acórdão do TRC recorrido padece do vicio de irregularidade, previsto no art.123º, nº2, do Código Processo Penal, já que é suscetível de afetar o valor do ato praticado (ordenação da medida de congelamento dos saldos bancários) atinente ao direito fundamental da propriedade privada e da livre iniciativa económica protegidos pelas disposições conjugadas dos art.s 18º, nº2, art.62º e 61º todos da C.R.P., já que a sua afetação ocorre fora das condições que a lei determina, entre elas a necessária fundamentação do acórdão que a determina, conforme previsto no art.205º, nº1, da C.R.P.
4. Assim, o acórdão recorrido é inválido (nulidade ou irregularidade oficiosa), por falta de qualquer das especificações enunciadas e consequentemente por falta de fundamentação, o que deverá ser declarado.
5. O acórdão recorrido do TRC muito teorizou em abstrato sobre as finalidades e exigências das medidas previstas na Lei n.º 83/2017 de 18 de agosto.
6. O acórdão do TRC atentou unicamente na alegação do requerimento do Ministério Público, sem a mais ligeira enunciação dos elementos do processo que indiciam todos os factos que constituem pressupostos de aplicação da medida de congelamentos dos saldos bancários.
7. O acórdão recorrido do TRC também não faz referência, nem juízo critico sobre os meios de prova que teve como relevantes para considerar sequer indiciado que a recorrente não tem início de atividade declarada, nem qualquer faturação emitida.
8. O acórdão recorrido afirma que “foram recolhidos elementos, que adensaram a suspeita que justificou a SOB, e que indiciam a prática de crime na origem dos fundos”, no seu entender o crime de fraude fiscal, previsto pelo n.º 1 do art.º 103.º do RGIT.
9. Mas em parte alguma o acórdão do TRC refere que elementos de prova são esses que, no seu juízo acrítico, suportam aquela afirmação.
10. No que ao caso interessa, constituem fraude fiscal, as condutas ilegítimas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária, mediante ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária (alínea b) n.º 1 do art.º 103.º do RGIT).
11. Ora, a movimentação de quantias através de contas bancárias, alegadamente sem declaração de início de atividade, nem faturação emitida anteriormente por parte do titular da conta, por si só não integra a ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária.
12. Na sua vertente omissiva, é autor da fraude aquele sobre quem recai um dever jurídico de acção (o específico dever de colaborar com a administração fiscal e de pagar os impostos devidos) e que, detendo a possibilidade fáctica de intervenção no acontecimento, não faz uso de tal possibilidade por representar e querer o facto como seu.
13. Em vez da suspeição alvitrada em torno da grandeza dos saldos bancários, bem assim da ausência de faturação e de declaração de início de atividade, sem referenciar qualquer suporte probatório para o efeito, o acórdão recorrido do TRC, ao aventar com o crime de fraude fiscal como precedente do crime de branqueamento de capitais, devia circunstanciar a concreta obrigação ou dever especial de declaração da sociedade recorrente perante a administração tributária e os concretos factos ou valores que, devendo sê-lo, não foram declarados, tudo com enunciação do enquadramento jurídico dessa obrigação ou dever especial de declaração dos factos ou valores não declarados.
14. A ausência de faturação anterior aos movimentos bancários e a falta de declaração de início de atividade, por si só não se subsumem à previsão da alínea b), do nº1, do art.103º, do RGIT, como não permitem sem mais a ilação lógica de outros factos indiciários integradores daquela.
15. Num domínio onde o dever legal de fundamentação exige a enunciação dos factos e respetivo acervo probatório que consubstanciam fortes indícios da existência do crime precedente do apontado crime de branqueamento de capitais, é patente o desnorte sobre a necessária identificação fáctico jurídica do mesmo, indiferente aos direitos fundamentais da propriedade e da livre iniciativa económica privadas, protegidos pelas disposições conjugadas dos art.s 18º, nº2, art.62º e 61º todos da C.R.P..
16.Repare-se que, até ao acórdão recorrido do TRC, o apontado crime precedente era um crime de burla que, na tese do titular da investigação, resultara nas transferências recebidas do exterior, "determinadas por pessoas enganadas quanto à conta de destino das operações realizadas ", donde a medida de SOB sobre os valores agora congelados.
17. Indiferente à justificação sempre adiantada pela recorrente, designadamente a fls.203 ss, para o recebimento dessas transferências internacionais, o acórdão recorrido do TRC não refere sequer os emitentes dessas transferências internacionais e os motivos destas em benefício da sociedade recorrente, de modo a fundamentar de facto e de direito, como se lhe impunha, a sua ilação, aliás, tão nova quanto errada, de ocultação de factos e/ou valores não declarados e que deviam ser revelados à administração tributária.
18. O acórdão do TRC baseou o congelamento dos saldos bancários nos pressupostos, há muito conhecidos, que justificaram a medida de SOB, até à sua extinção, mas sem que da aplicação desta medida tivesse resultado descoberta a existência de indícios de que os fundos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo, o que resulta numa clara violação do citado art.49º, nº6.
19. Ora, o acórdão recorrido do TRC não especifica os concretos factos e meios de prova que posteriormente a esse indeferimento (cfr. fls.239-241 e fls.253) foram recolhidos pela investigação para densificar factualmente a identificação do crime precedente totalmente diferente daquele originalmente indicado (crime de fraude fiscal, em vez do crime de burla).
20. O acórdão do TRC subverteu o ónus da investigação criminal para exigir do titular das contas a junção da prova de que os fundos depositados têm origem lícita, atentando contra as garantias de defesa de quem nem arguido é no processo, impondo-lhe um ónus de prova que certamente não tem.
21. A afirmação de que a sociedade recorrente não justificou ao contabilista da empresa a transferência do valor de 67.000,00€ para os Emirados Árabes Unidos, tirada a partir da ausência de resposta ao email que este lhe enviou para o efeito, é bem ilustrativa da completa subversão do ónus da investigação e do princípio do in dubio pro reo.
22. A alvitrada falta de resposta ao email enviado pelo contabilista da empresa, ignorando-se sequer se esta o recebeu, por si só é suscetível de várias interpretações plausíveis.
23. Pouco importa se essa transferência foi ou não justificada, ao contabilista da empresa, após o pedido deste. Relevante seria compreender os concretos factos e os meios de prova nos quais o acórdão do TRC, à margem dessa interação interna da empresa com o seu contabilista, alicerçou o concreto perigo de dissipação daqueles valores na economia legitima.
24. Aquando da prolação do acórdão recorrido do TRC, a medida de SOB há muito não existia, por ter sido julgada extinta por caducidade, mediante despacho de 13.11.2024, transitado em julgado nessa parte.
25. Ora, nos termos do citado art.49º, nº6, apenas pode ser determinado o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, o que não era o caso dos saldos bancários em causa na data do acórdão do TRC, donde a violação daquele dispositivo legal.
Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado inteiro provimento ao recurso e em consequência ser totalmente anulado ou revogado o acórdão do Tribunal da Relação da Coimbra de 5.02.2025 (Referência: ......38), substituindo-o por outro que confirme o anterior indeferimento do pedido do Ministério Público de congelamento dos saldos bancários em causa. (fim de transcrição)
3. Respondeu o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Coimbra, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões: (transcrição)
1 - Dever o recurso interposto ser rejeitado, por força e ao abrigo do disposto nos arts. 400º, nº 1, c), 414º, nºs 2 e 3, 417º, nº 6, b) e 420º, nº 1, b), do Código de Processo Penal, dado ser legalmente inadmissível a respectiva propositura.
2 - Caso assim não se entenda, dever ser negado provimento a tal recurso, por nada o mesmo conter que seja susceptível de pôr em causa os fundamentos da decisão proferida por este Venerando Tribunal.” (fim de transcrição)
4. Neste Supremo, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer, concluindo “São termos em que se emite parecer no sentido da rejeição do recurso em razão da sua inadmissibilidade legal (artigos 400.º, n.º 1, alínea c), 414.º, n.ºs 2 e 3, 420.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal).”
5. Cumprido o artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, respondeu a recorrente, reiterando a admissibilidade do recurso e a sua procedência.
6. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Apreciando e decidindo.
II Fundamentação
7. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça1 e da doutrina2 que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.3
Da leitura das conclusões, a recorrente pretende ver apreciadas as seguintes questões:
A recorribilidade da decisão sob recurso;
Nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra por falta de fundamentação;
Violação do ónus da investigação que cabe ao Ministério Público e do princípio do in dubio pro reo.
8. Elencadas as questões suscitadas, por uma questão metodológica, impõe-se, por força do artigo 368º, nº1 do Código de Processo Penal, que a apreciação se inicie pelas questões susceptíveis de obstar ao conhecimento de mérito, no caso, a questão prévia da admissibilidade do recurso.
Vejamos.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32º sobre as garantias do processo criminal, consagra expressamente que o “processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.”
Em anotação a este preceito, em particular em relação ao direito ao recurso, Gomes Canotilho e Vital Moreira, consideram que se trata de “…explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas. Na falta de especificação, o direito ao recurso traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto.”4
No mesmo sentido, Figueiredo Dias considera a consagração constitucional do direito ao recurso entre as garantias de defesa do arguido, “significa que o direito a um recurso é manifestação jurídico-constitucionalmente vinculante de um direito, liberdade e garantia pessoal da defesa. Ela não pode ser posta em causa em hipótese alguma, mesmo sob a alegação de que se verifica in concreto uma qualquer outra garantia de defesa sucedânea legalmente admissível. Sempre que, num concreto caso judicial de qualquer espécie, a lei denegue ao arguido condenado o direito a um recurso, a lei é materialmente inconstitucional e não pode, como tal, ser aplicada”.5
O mesmo direito ao recurso encontra-se, também, reconhecido em instrumentos internacionais que vigoram na ordem jurídica interna e vinculam internacionalmente o Estado Português - artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, das Nações Unidas, e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, do Conselho da Europa que, na sua formulação, deixam aos Estados-Partes margem de conformação nesta matéria.6
Em obediência a este preceito constitucional, o legislador ordinário densificou o direito ao recurso, no que respeita ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no artigo 432º do Código de Processo Penal, no qual se estatui que: (a negrito nosso)
1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;
d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.
2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º
Por sua vez o artigo 400º do mesmo código, sob a epígrafe “Decisões que não admitem recurso”, estatui que:
1 - Não é admissível recurso:
a) De despachos de mero expediente;
b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º;
d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;
g) Nos demais casos previstos na lei.”
Perante este enquadramento legal, a recorrente defende a recorribilidade da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, invocando o direito constitucional ao recurso consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
Argumenta a recorrente, para sustentar o seu direito ao recurso, o seguinte:
- ao acórdão da Relação que inovadoramente, ordenou a aplicação da medida de congelamento dos saldos das contas bancárias da recorrente, nos termos do art.49º, nº6, da Lei nº83/2017 de 18.08, deve ser aplicada a alínea c) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, por força do artigo 49º, nº7, da Lei nº83/2017 de 18 de Agosto;
- A ratio subjacente à ressalva prevista na parte final da al. c), nº1, do art.400º, demanda em obediência ao direito ao recurso, previsto no art.32º, nº1, da C.R.P., e art.13º, da C.E.D.H., uma interpretação normativa que, com as necessárias adaptações, admita a recorribilidade das decisões proferidas pelas relações, em recurso, que inovadoramente apliquem a medida prevista no citado art.49º, nº6”;
- O reforço dos direitos dos visados com a aplicação inovatória da medida prevista no citado art.49º, nº6, a um processo justo, leal e equitativo, nos termos do art.20º, nº4, da C.R.P., impõe que também neste caso deva ser acolhido o juízo interpretativo da exceção constante do segmento final da al. c), nº1, do art.400º, que aqui confirma a regra da admissibilidade do recurso (exceção à exceção do segmento inicial);
- O critério normativo que, nesta hipótese, afaste a recorribilidade do recurso com base na interpretação literal da ressalva da al. c), nº1, do art.400º, pelo facto da sua letra se referir expressa e exclusivamente a medidas de coação ou de garantia patrimonial, viola os art.s 20º, nº4, e 32º, nº1, da C.R.P., juízo de inconstitucionalidade que desde já se invoca para os legais e posteriores efeitos, inclusivamente aquele de inaplicabilidade previsto no ar204º, da CRP.
Vejamos.
O Código de Processo Penal, mesmo nas alterações operadas pela Lei nº 94/2021 de 21 de Dezembro, veda o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça quando estão em causa decisões proferidas pelo Tribunal da Relação que não conheçam “a final, do objeto do processo”, excluídas aquelas que a referida lei excepcionou.
Sobre o que deve entender-se por objecto do processo, Madeira Pereira considera: “Conhecer do objecto do processo, que, em processo penal, é balizado pela acusação e ou pronúncia e a pertinente defesa, é afinal, conhecer do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido, conforme o caso.
Assim, cairão no âmbito da irrecorribilidade, as decisões colegiais da relação, em recurso, que, oponde, ou não, fim ao processo, fiquem aquém do conhecimento final do objecto da acusação e ou pronúncia, como acontecerá quando o processo finda por razões meramente processuais.
A razão de ser do dispositivo prende-se, seguramente, com a necessidade de preservar o tribunal superior da intervenção em questões menores, como serão, em regra, as questões processuais interlocutórias que o legislador quer ver decididas definitivamente, quando forem objecto de recurso intercalar autónomo. Se, porém, tiverem ligação relevante com o objecto [principal] do processo, nada obsta a que sejam reapreciadas aquando do recurso da decisão final.", caso se mantenha a utilidade em tal recurso e seja admissível recurso da decisão final.”7
Atenta estas considerações sobre o objecto do processo, com as quais se concorda, é manifesto não ter a decisão recorrida conhecido do objecto do processo. A decisão sobre o objecto do processo é aquela que venha a conhecer a final do inquérito instaurado pelo Ministério Público, seja pela via do arquivamento ou acusação e, neste caso, decurso das fases subsequentes.
Como refere o Conselheiro Nuno Gonçalves, em análise às alterações legislativas resultantes da referida lei, a “alteração legislativa incidiu, essencialmente, sobre os fundamentos do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação proferido em 1.ª instância e dos recursos per saltum de acórdão dos tribunais do júri e coletivo. Agora, também admitem recurso para o Supremo Tribunal os acórdãos da Relação que, em recurso, aplicam medida de coação ou garantia patrimonial, quando a 1.ª instância não tenha aplicada nenhuma medida, com exceção da prevista no art.º 196.º do CPP. Outro tanto admitem os acórdãos da Relação que revertendo decisão absolutória da 1.ª instância, condenam o arguido em qualquer pena, em qualquer consequência jurídica.”8
Não tendo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra conhecido do objecto do processo, importa analisar se a excepção prevista na alínea c) do artigo 400º (aplicação inovatória de medidas de coação ou garantia patrimonial) pode ser aplicada, por analogia, à aplicação inovatória da medida de congelamento do artigo 49º, nº 6 da Lei nº 83/2017 de 18 de Agosto, como pretende a recorrente.
Importa, antes de mais, salientar que a medida de congelamento do artigo 49º, nº 6 não é, indiscutivelmente, uma medida de coacção nem garantia patrimonial, tal como se encontram estabelecidas no Código de Processo Penal.
Na verdade, a DIRETIVA 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril de 2014, transposta para o ordenamento jurídico português pela Lei 30/2017 de 30 de Maio, define no seu artigo 2º, nº 5) o «Congelamento», a proibição temporária de transferir, destruir, converter, alienar ou movimentar um bem ou de exercer temporariamente a guarda ou o controlo do mesmo”.
Com base nesta definição e tendo em conta o disposto nos artigos 47º, 48º e 49º, nº 6 da Lei nº 83/2017 de 18 de Agosto, o congelamento ordenado, no âmbito e sobre os bens objecto da suspensão temporária decretada, é um mecanismo de prevenção da prática de crimes, que visa prevenir a utilização do sistema financeiro para fins de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, inviabilizando, desta forma, a disseminação dos fundos de proveniência duvidosa no referido sistema financeiro.
Se ao nível da finalidade, as medidas de coacção e garantia patrimonial e o congelamento de bens/fundos abrangidos pela suspensão temporária decretada são diferentes, o mesmo acontece ao nível dos requisitos de aplicação. As medidas de coacção e garantia patrimonial são, ao nível dos requisitos de aplicação, muito mais exigentes do que os exigidos para o congelamento no âmbito da suspensão temporária decretada, porquanto este basta-se com “se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima.”
Não pode, pois, deixar de se concluir que estamos em presença de figuras jurídicas diversas, ainda que o congelamento se possa aproximar, nos seus efeitos, do arresto preventivo e até mesmo da apreensão.
Tratando-se de figuras diversas, justifica-se a pretendida aplicação, por analogia, da excepção prevista na norma reclamada pela recorrente?
A resposta só pode ser negativa.
Antes de mais, importa salientar que o direito ao recurso consagrado no texto constitucional e nos tratados internacionais que vinculam o Estado Português, não impõe que tenha de existir um triplo grau de jurisdição, mas, apenas um duplo grau de recurso, independentemente dos termos do processo que esteja em causa e dos concretos fundamentos de recurso, permitindo-se ao legislador ordinário uma margem de discricionariedade para definir os limites do acesso a um triplo grau de jurisdição.
A propósito da limitação do direito ao recurso da alínea c), do nº 1, do artigo 400º do Código de Processo Penal, o Tribunal Constitucional “tem entendido, de forma reiterada e continuada, que esta concreta restrição, prevista no artigo 400º, n.º 1, alínea c), do CPP, ao direito ao recurso não coloca em causa essa dimensão essencial do direito ao recurso (sendo também justificada, proporcionada e adequada, desde logo para impedir que os arguidos procurem, já depois de proferida uma primeira decisão sobre o seu recurso, vir provocar novas decisões sobre questões anteriormente não suscitadas apenas para poderem recorrer e evitar o trânsito em julgado dessa primeira decisão), uma vez que não diz respeito ao objeto do processo criminal e os arguidos podem sempre suscitar essas questões no próprio processo e obter uma pronúncia judicial sobre as mesmas, incluindo pelos próprios tribunais de recurso.”9
Sobre a compatibilidade do direito ao recurso constitucionalmente consagrado e as limitações estabelecidas pelo legislador ordinário desse mesmo direito, o Tribunal Constitucional considera “(…) como repetidamente o Tribunal tem afirmado, a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal. Não se pode, portanto, tratar a questão de constitucionalidade agora em causa na perspectiva de procurar justificação para uma limitação introduzida pelo direito ordinário a um direito de recurso constitucionalmente tutelado.
A norma que constitui o objecto do presente recurso, e que define, nos termos expostos, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, releva, assim, do âmbito da liberdade de conformação do legislador.
Como se afirmou no acórdão n.º 640/2004, não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada.”10
Este entendimento é jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, como resulta do seu acórdão n.º 385/2011, no qual se reafirma que “O Tribunal Constitucional tem reiteradamente entendido que no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, se consagra o direito ao recurso em processo penal, como uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Por outro lado, tem sido também entendimento deste Tribunal que a Constituição não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, desde que não se consagrem critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. E mais se tem entendido que não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (Cfr., entre outros, os acórdãos n.º 189/2001, 451/03, 495/03, 640/2004, 255/2005, 64/2006, 140/2006, 487/2006, 682/2006, 645/09 e 174/2010.”11
Esta jurisprudência constitucional em matéria de direito ao recurso, é consentânea com a posição de recorrido no âmbito do recurso interposto, isto é, não releva se a aqui recorrente foi recorrida no recurso que deferiu inovatoriamente o peticionado no recurso interposto pelo Ministério Público.
A este propósito e ainda do facto de não estarmos em presença de uma decisão surpresa, nos casos em que o arguido é recorrido, o Tribunal Constitucional considerou no seu acórdão nº 35/2023, de 8 de fevereiro de 2023: “A circunstância de, nesses casos, o arguido desempenhar o papel de recorrido, e não de recorrente, não significa que a reapreciação pelo Tribunal ad quem não traduza a concretização de um duplo grau de jurisdição. Tal como não significa que o arguido não esteja suficientemente habilitado a exercer todas as faculdades de defesa nesse recurso, dado que uma decisão do Tribunal da Relação que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, em recurso de decisão de primeira instância que tenha aplicado pena não privativa da liberdade, designadamente pena de prisão suspensa na sua execução, ainda quando altere o quantum da pena única como consequência da alteração do quantum das penas parcelares, se inscreve num objeto processual delimitado e antecipável pelo arguido − circunscrito pelo pedido do recorrente, pela vinculação temática e pela proibição da reformatio in pejus.
A este propósito, não procede o argumento do recorrente, segundo o qual a circunstância de se encontrar na posição de recorrido e não de recorrente, delimita o âmbito da argumentação que lhe é permitido desenvolver à resposta às questões que o recorrente coloque no recurso. Se tal é verdade, pelo menos tendencialmente – nada obsta a que o recorrido invoque outros fundamentos de defesa que, de forma reflexa, possam conduzir à improcedência da pretensão do recorrente ou anular os efeitos que o seu provimento possa representar –, não o é menos, e com uma dimensão decisiva, que essa limitação não representa uma desvantagem para o recorrido, na medida em que o âmbito das questões colocadas pelo recorrente no seu recurso recorta também e sobretudo os poderes cognitivos do tribunal de recurso, seja pelo próprio princípio do pedido, seja pelo funcionamento do princípio da proibição da reformatio in pejus. Com efeito, o recorrido não tem interesse em responder a mais do que os fundamentos do recurso, pois é este que define a margem de modificação que a decisão recorrida pode vir a sofrer por intervenção do tribunal ad quem.
Daí que a decisão passível de ser tomada num recurso, nos termos descritos, não possa constituir surpresa para o recorrido, passível de obstar a que este exerça, com plena eficácia, a sua defesa. A surpresa aqui relevante não é a reversão ou não da decisão – o que se prende com o juízo sobre o mérito do recurso –, mas o âmbito possível que a decisão do recurso pode vir a tomar. Mesmo quando à decisão de manter ou não a suspensão da execução da pena de prisão se adite também a questão de saber se se devem ou não manter as dosimetrias das penas parcelares e única, as razões que conduziram aos juízos de não inconstitucionalidade constantes da jurisprudência citada são integralmente aplicáveis. Dito de outro modo, a natureza dessas questões adicionais permite que a faculdade de oferecer resposta ao recurso constitua meio idóneo e suficiente para que o arguido recorrido exerça cabalmente o seu direito de defesa perante o Tribunal de recurso, uma vez que o grau de antecipação das valorações a tomar que lhe é exigido para esse exercício não difere de modo relevante do que já lhe seria exigido nos casos da jurisprudência invocada.”12
Esta limitação pelo legislador ordinário do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e a sua conformidade constitucional com o direito ao recurso, é também jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, como resulta, entre outros, do seu acórdão de 11 de Março de 2020, “encontrando-se, constitucionalmente, assegurado o direito ao recurso limitou a sua expansão, concedendo ao legislador ordinário a possibilidade de limitar/organizar, em função de valorações e graduações jurídico-institucionais e de arquitectura do regime orgânico-processual os patamares de recurso que a lei disponibiliza para defesa adequada dos direitos dos intervenientes no processo, ponderados os interesses relativos que, em cada caso, se planteiam.
(…) A premência de racionalidade do sistema aditada à urgência em conferir peremptoriedade às decisões confirmadas (em duplo grau) pelos órgãos jurisdicionais traduz-se numa consolidação das decisões judiciais de que decorre uma firmeza do julgado e consequente impérvia de a decisão firmada (vale dizer, irrecorrível) poder vir a ser objecto de apreciação em outra sede (jurisdicional) de recurso”13
Como se pode ver da jurisprudência citada, não é a circunstância de a aqui recorrente, ser recorrida quando é exercido o direito ao recurso pelo Ministério Público que altera ou limita o seu direito ao recurso ou defesa.
A resposta ao recurso constitui, assim, “meio idóneo e suficiente para que o arguido recorrido exerça cabalmente o seu direito de defesa perante o Tribunal de recurso, uma vez que o grau de antecipação das valorações a tomar que lhe é exigido para esse exercício não difere de modo relevante do que já lhe seria exigido”.
Nada impede ou impediu a recorrente esgrimir todos os argumentos que considerasse úteis ou necessários, para que o Tribunal da Relação de Coimbra não desse provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público sobre o congelamento dos fundos das duas contas bancárias.
Do mesmo modo, a decisão do Tribunal da Relação não é uma decisão surpresa, porquanto é esse o objecto do recurso do Ministério Público, logo existe a probabilidade/previsibilidade de poder obter provimento e sobre esse mesmo pedido a recorrente exerceu o seu direito de defesa na resposta ao recurso.
O desconhecimento dos argumentos aduzidos na decisão inovatória do Tribunal da Relação de Coimbra, também não restringe o direito de defesa, porquanto a liberdade decisória do mesmo nunca poderia ser limitada.
Na verdade, apesar de o Tribunal da Relação ter tido uma diferente perspectiva jurídica, que conduziu a uma decisão distinta da que havia sido proferida pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, a verdade é que a matéria referente ao congelamento das contas foi apreciada, por duas vezes, por um Tribunal.
Assim, existe já uma dupla apreciação por parte de dois Tribunais, sendo que a sua discrepância decisória, relativamente ao congelamento, não é de molde a integrar qualquer excepção legal no sentido de se permitir o acesso a um terceiro grau de jurisdição, nem ofende a Constituição da República Portuguesa, que não obriga a esse acesso.
É entendimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional, que esta restrição de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, fora das situações execepcionadas pelo legislador nas referidas alíneas do nº 1 do artigo 400º, na redacção introduzida pela da Lei n.º 94/2021, de 21.12, se enquadra ainda dentro dos parâmetros constitucionais pois - “com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido”, devendo a limitação dos graus de recurso ter “um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado”.14
Esta jurisprudência é transponível para o caso sub judice, em que se pretende uma aplicação, por analogia, da excepção prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, quando está em causa uma decisão inovatória de congelamento de contas bancárias previsto no artigo 49º, nº 6 da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto.
Entende-se, assim, que o acesso a um segundo grau de recurso, quando esteja em causa uma decisão que não conhece a final do objecto do processo, resulta da plena liberdade do legislador e a sua limitação, nestes termos, não ofende o direito ao recurso que se encontra constitucionalmente garantido, nem o direito ao processo justo e equitativo, independentemente de se tratar de uma decisão que inovatoriamente congela as contas bancárias da recorrente.
Por tudo o que fica dito e de acordo com a referida jurisprudência, não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, a decisão do Tribunal da Relação que revoga a decisão do Juiz de Instrução Criminal que indeferiu o congelamento das contas bancárias da recorrente e decreta inovatoriamente esse congelamento.
Inexiste, assim, qualquer inconstitucionalidade por violação do direito da recorrente ao recurso e a um processo justo, leal e equitativo, nomeadamente pela violação do princípio da proporcionalidade na restrição dos direitos fundamentais.
A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula, nos termos do artigo 414º, nº 3 do Código de Processo Penal, o tribunal superior.
Por sua vez o artigo 420.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, estatui que o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão, de acordo com n.º 2 do artigo 414.º, segundo o qual o recurso não é admitido quando, entre outros motivos, a decisão for irrecorrível.
O recurso é, pois, de rejeitar, nos termos dos artigos 432º, nº 1, al. b) e 400º, nº 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal.
III Decisão
Pelo exposto, acorda-se na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto pela sociedade Alnahar Oil Portugal, Ld.ª.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 e Tabela anexa III do Regulamento das Custas Processuais).
Condena-se a recorrente na importância de 4 UC, nos termos do n.º 3 do artigo 420.º do Código de Processo Penal.
Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Maio de Junho de 2025.
Antero Luís (Relator)
Carlos Campos Lobo (1º Adjunto)
Maria Margarida Almeida (2ª Adjunta)
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1. Neste sentido e por todos, ac. do STJ de 20/09/2006, proferido no Proc. Nº O6P2267.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra 2007, pág. 516 e segs.
5. Por onde vai o Processo Penal Português, As Conferências do Centro de Estudos Judiciários, Almedina, 2014, p. 80.
6. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de outubro de 2019, processo n.º 455/13.3GBCNT.C2.S1, disponível em www.dgsi.pt
7. “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2021, anotação ao artigo 400.º, pág. 1228.
8. Artigo publicado em A Revista do Supremo Tribunal de Justiça de N.º 01 – janeiro a junho de 2022, disponível em www.arevista.stj.pt
9. Acórdão nº 160/2024, disponível em www.tribunalconstitucional.pt
10. Acórdão nº 645/2009, disponível em www.tribunalconstitucional.pt
11. Todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt
12. Disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20230035.html
13. Processo n.º 473/16.0JAPDL.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
14. Acórdão do Tribunal Constitucional 324/2013 de 4 de junho de 2013 disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130324.html