RECURSO PENAL
RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
IMPROCEDÊNCIA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário


I. São grandes as necessidades e exigências de prevenção geral e de defesa dos bens jurídicos protegidos, como a segurança, numa sociedade que vive flagelada pelo fenómeno do consumo e tráfico de estupefacientes, que gera, a montante e a jusante, outro tipo de criminalidade.
II. O chamado correio de droga integrado na actividade do narcotráfico, no transporte intercontinental de produtos estupefacientes, que, no caso de transporte aéreo, facilita sobremaneira uma rápida e alargada disseminação, tem um posicionamento de segunda linha em relação ao dominus negotii, pois é apenas executor pago ao transporte realizado, afigurando-se menor a sua participação na actividade.
III. Porém, vem o Supremo Tribunal de Justiça desde há algum tempo, valorizando a importância do correio de droga como elo vital na cadeia de distribuição e na concretização do tráfico ilícito de estupefacientes, não merecendo um tratamento penal de favor, assumindo-se, antes, de veemente necessidade a prevenção geral, com vista à dissuasão desta actividade, que, para o correio de droga se revela atractiva, em termos financeiros.
IV. Atingindo a cocaína transportada um peso total de 9.800,000 grs, sendo prementes as exigências de prevenção especial de socialização e muito elevadas as exigências de prevenção geral e os bens jurídicos protegidos, mostra-se justa equilibrada e proporcional, sem ultrapassar a medida da culpa, a pena de 6 anos de prisão em que os arguidos recorrentes foram condenados, em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para casos semelhantes.

Texto Integral


Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

1.1. Nos presentes autos, a correr termos no Juízo Central Criminal de ...–J..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, requerendo o julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, foram os arguidos AA e BB, devidamente identificados nos autos, acusados pelo Ministério Público, imputando-lhes a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, com referência à Tabela I-B, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22/01.

1.2. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 09 de dezembro de 2024, decidiu, além do mais, condenar os arguidos AA e BB, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, n.°1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal, nas penas de 6 (seis) anos de prisão, cada um deles.

1.3. Inconformados com o acórdão dele interpuseram os arguidos, a 08.01.2024, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, recebido, foi enviado àquele Tribunal, onde foi processado, emitindo o Exmo. Procurador Geral Adjunto parecer onde excepciona a incompetência do tribunal, pugnando, ainda, pela manutenção do acórdão recorrido.

1.4. A 05.03.2025 foi proferido despacho no Tribunal da Relação de Lisboa, que declarou não ser esse tribunal competente, em razão da matéria, para o conhecimento dos recursos, e, em consequência, determinou a remessa dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça.

1.5. Concluem os arguidos AA e BB, as motivações de recurso, com as seguintes conclusões (transcrição):

A arguida AA:

I - O presente recurso tem como objecto a matéria de direito do Acórdão condenatório proferido nos presentes autos, que condenou a recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 6 (seis) anos de prisão efectiva, especificamente quanto à medida da pena.

II – Sucede que a pena aplicada se revelou extremamente injusta e rigorosa contra a recorrente, razão pela qual o presente recurso põe em causa precisamente a medida da pena a que foi condenada, pelo que pleiteia o provimento do presente recurso com vistas a sua redução.

III - Em 04/03/2024, a recorrente e o seu companheiro, co-arguido, desembarcaram no aeroporto de Lisboa, dirigindo-se aos serviços da Alfândega, no corredor verde / “nada a declarar”, tendo sido selecionados para revisão de bagagem, tendo sido encontradas e apreendidas na posse da recorrente, no interior de sua mala de marca “Stratic”, 7 embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 6868,000 gramas.

IV - A recorrente e o seu companheiro à data dos factos encontravam-se numa situação financeira precária, com dificuldades para se sustentarem e fazerem face à obrigação de pagar o financiamento da habitação.

V - A recorrente tem origem num contexto familiar com grandes dificuldades socio - económicas, tendo sido obrigada a abandonar os estudos e iniciar a vida laboral ainda com 13 anos de idade para ajudar na subsistência familiar.

VI - A recorrente tem dois filhos e uma irmã com os quais mantém contacto regular, e recebe desta ajuda financeira para as despesas no estabelecimento prisional.

VII - A recorrente padece de algumas doenças, especificamente de depressão, ansiedade e síndrome do intestino irritável, tendo apresentado diversas vezes ideações suicidas, e sido submetida a tratamento e acompanhamento médico na psiquiatria e psicologia desde 2015, ainda no Brasil, o que lhe acarretou um longo período de incapacidade para o trabalho.

VIII - No EP 1, a recorrente também se encontra sob tratamento psiquiátrico e psicológico, tomando atualmente 12 medicamentos por dia, a fim de conter o elevado grau de depressão e ansiedade, muito agravados pelo presente processo e os factos em causa - que lhe geram muita angústia, tristeza e arrependimento, de modo que em sua rotina, face à toda medicação ingerida com vistas a controlar o constante pensamento negativo e de ideação suicida, adormece diariamente às 18 horas, demasiado cedo, e sente-se frequentemente fraca, sequer conseguindo realizar tarefas como a simples limpeza da cela, ficando muitas vezes prostrada todo o dia.

IX - Atualmente, a recorrente, que está no EP 1, apresenta comportamento adequado, capacidade de relacionamento interpessoal e adaptação às normas institucionais.

X - A recorrente tenciona regressar ao Brasil, trabalhar e reestruturar a sua vida financeira e familiar com o co-arguido, a sua família e a dele, com as quais podem contar com o apoio necessário, em conformidade com o direito e as normas sociais com vistas a sua reinserção social.

XI - A recorrente não possui antecedentes criminais, e confessou integralmente e sem reservas quase a totalidade dos factos imputados na acusação.

XII - Em que pese a recorrente saber que transportava produto estupefaciente, declara que desconhecia a qualidade, a quantidade, o grau de pureza e a toda a extensão no contexto do lucro do tráfico internacional de drogas em valores e doses; e que pensava estar a transportar cerca de 4 quilos de droga dissimulados em duas malas, na sua e na do companheiro, e não quase 7 quilos apenas em sua bagagem.

XIII - A motivação pela qual a recorrente se predispôs a efectuar o transporte esteve associada a angariar dinheiro para suprir as graves dificuldades económicas sentidas no Brasil, diante da pobreza e evidente desigualdade social com a qual sempre se deparou, agravadas pelo risco de perda da habitação por falta de pagamento das respectivas prestações.

XIV - A recorrente nem sequer recebeu a vantagem patrimonial oferecida pela prática do crime de que vem acusada, que se diga, era de valor irrisório; tampouco, tinha qualquer comparticipação no negócio do tráfico internacional de drogas.

XV - A recorrente encontra-se no EP 1, apresenta bom comportamento, sem participações disciplinares, almeja a sua ressocialização e não vai voltar a cometer ilícito penal, buscando e desejando quando em liberdade retomar uma vida conforme a legalidade e normalidade da vida.

XVI - A defesa considera que a condenação da recorrente foi fixada em um patamar superior ao mínimo legal apenas com base na quantidade de droga que era transportada, o que, só por si, não pode servir para agravar demasiadamente a mesma, conforme observa-se pela leitura do Acórdão.

XVII – Trata-se de uma arguida primária, que sempre fez de tudo para estar inserida social, profissional e familiarmente.

XVIII - A determinação da pena com base no parâmetro da quantidade de droga: se um quilo, dois quilos e meio ou cinco quilos ou até oito quilos, não nos parece ser o mais adequado, pois não consiste num cálculo meramente aritmético; e, isso não lhe torna mais criminosa ou mais perigosa do que outros “correios de droga” com quantidades inferiores a sua.

XIX - A aplicação de uma pena mais próxima ao mínimo legal surtiria também o efeito pretendido de afastar a recorrente de erros futuros, pois que aprenderia igualmente a lição e os valores pretendidos.

XX – Por todo o exposto, a recorrente requer a revogação do Acórdão recorrido e a sua substituição por outro que altere a medida concreta da pena, reduzindo-se a pena a que foi condenada e aproximando-se do limite legal mínimo, mas, nunca superior à pena de 4 anos e 6 meses.

O arguido BB:

I – O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito do Acórdão condenatório proferida nos presentes autos, que condenou o Recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes na pena de 06 anos de prisão efectiva.

II – Sucede que a pena aplicada se revelou extremamente injusta e rigorosa contra o Recorrente, razão pela qual o presente Recurso põe em causa precisamente a medida da pena aplicada.

III – O recorrente desembarcou no Aeroporto de Lisboa, foi detido, por trazer consigo o equivalente 2932 gramas de cocaína.

IV – O recorrente, à data dos factos, encontrava-se numa situação financeira extremamente precária e enfrentava grandes dificuldades para proceder ao pagamento da sua casa.

V – O recorrente tem origem num contexto familiar com grandes dificuldades socioeconómicas e já conta com idade avançada, pelo que já conta com quase sessenta anos de idade.

VI – Face à vulnerabilidade vivida, o recorrente foi aliciado para fazer o transporte da droga a troco de uma quantia monetária.

VII – O Recorrente confessou, de forma integral e sem reservas, os factos imputados no Despacho de Acusação.

VIII – O Recorrente sabia que transportava estupefaciente, mas desconhecia a qualidade, o grau de pureza, a quantidade e a extensão do lucro do tráfico internacional de drogas em valores e doses.

IX – A motivação pela qual o recorrente se predispôs a efectuar o transporte esteve associado a angariar dinheiro para suprir as graves dificuldades económicas sentidas no Brasil, diante da pobreza e evidente desigualdade social com a qual sempre se deparou.

X – O recorrente nem sequer recebeu a vantagem patrimonial oferecida pela prática do crime de que vem acusado, que se diga, era de valor irrisório, tampouco, tinha qualquer comparticipação no negócio do tráfico internacional de drogas.

XI – O recorrente não possui antecedentes criminais e tenciona regressar ao Brasil, reintegrar o seu agregado familiar, trabalhar e passar a viver dignamente.

XII – Actualmente, o recorrente está no EP 2, apresenta bom comportamento, sem participações disciplinares, almeja a sua ressocialização e não vai voltar a cometer ilícito penal, buscando e desejando quando em liberdade retomar uma vida conforme a legalidade e normalidade da vida.

XIII – Pese embora os factos e o próprio crime denotem elevada ilicitude e acentuado desvalor, traduzem essencialmente forte perturbação na construção da personalidade e desnorte na condução do estilo de vida, marcada por uma vida de profunda desigualdade social e pobreza.

XIV – A defesa considera que a condenação do Recorrente foi fixada em um patamar superior ao mínimo legal apenas com base na quantidade de droga que era transportada, que é ligeiramente superior à média trazida por outros correios de droga.

XV – A quantidade transportada não exorbita em muito a quantidade média de produtos estupefacientes transportada pelos cidadãos designados por correios de droga, até porque existem muitos casos de passageiros que são detidos com mais de 2kg, 3kg, 5kg, 7kg e até 9kg de cocaína nos aeroportos portugueses.

XVI – A quantidade, só por si, não pode servir para agravar demasiadamente a condenação imposta ao Recorrente.

XVII – Estamos diante de um arguido primário, que sempre fez de tudo para estar inserida social, profissional e familiarmente.

XVIII – A determinação da pena com base no parâmetro da quantidade de droga: se um quilo, dois quilos e meio ou cinco, dez quilos ou vinte quilos, não nos parece ser o mais adequado, pois não estamos diante de um cálculo meramente aritmético.

XIX – Não é o singelo facto de ter sido transportada uma quantidade ligeiramente superior à média habitualmente transportada pelos correios de droga que faz do Recorrente ser mais criminoso ou mais perigoso do que outros que transportam muito mais cocaína e ainda assim, tem a pena fixada muito próxima do limite mínimo de 04 anos.

XX – A aplicação de uma pena mais próxima ao mínimo legal surtiria também o efeito pretendido de afastar a recorrente de erros futuros, pois que aprenderia na mesma a lição pretendida.

XXI – Por todo o exposto, o recorrente requer a revogação do Acórdão recorrido e substituição por outro que altere a medida concreta da pena, reduzindo-se a pena a que foi condenada e aproximando-se do limite legal mínimo, mas, nunca superior à pena de 4 anos e 6 meses.

1.6. O Ministério Público, pela Senhora Procuradora da República, junto do Juízo Central Criminal de ..., respondeu ao recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

Do expendido podem retirar-se as seguintes conclusões:

I-Inconformados com o Douto Acórdão que os condenou pela prática, como coautores materiais e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, por referência à tabela I-B anexa, na pena de 6 anos de prisão, de cumprimento efetivo, vêm os arguidos interpor recurso formulando para tal as correspondentes conclusões.

II. Os recursos interpostos assentam fundamentalmente na discordância relativamente à pena aplicada, considerando-a face às circunstâncias do caso, nomeadamente face à confissão integral e à ausência de antecedentes criminais, excessiva e desproporcional. III. Entendem que deveriam ter sido condenados em pena inferior sem ultrapassar os 4 anos e 6 meses.

IV. O Ministério Público não concorda com a posição assumida pelos recorrentes, entendendo que o Tribunal indicou expressamente as circunstâncias que depõe a favor e contra os arguidos para justificar a aplicação das penas em causa, que se entendem ser adequadas e justas, subscrevendo o entendimento do Tribunal que, a nosso ver, não merece reparo.

V. Ao crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, corresponde a moldura penal abstracta de pena de prisão de 4 a 12 anos.

VI. Na fixação da medida concreta da pena, como ensina Figueiredo Dias, devem ser tidos em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no art.º 71º – exigências gerais de culpa e prevenção – e o critério especial dado pelo nº 1 do art.º 77º: «Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

VII. Analisados os factos dados como provados, concatenados com as normas legais aplicáveis, facilmente concluímos que nada falhou na apreciação efectuada pelo Tribunal a quo, revelando-se que a culpa dos arguidos, manifesta uma gravidade muito elevada, face ao circunstancialismo do transporte do produto estupefaciente ser de nível internacional, assumindo os arguidos a posição que vulgarmente se designa de ‘correios de droga’ neste caso, transportando-a do Brasil para Portugal em malas, em quantidade manifestamente elevada – 10 quilogramas - o que manifestamente eleva o grau de ilicitude do facto, e que, naturalmente, permite e impõe a aplicação de uma pena distanciada do limite mínimo da moldura penal.

VIII. Com efeito, ainda que os arguidos tenham agido como “correios de droga”, é preciso ter presente que os “correios” são peças importantes no mercado internacional de estupefacientes, cuja ação é essencial para a consecução da ação ilícita, pelo que em nada essa sua condição mitiga a ilicitude da conduta ao transportar tal quantidade de cocaína.

IX. Ademais, importa não olvidar que atuaram com dolo direto, sendo evidente e significativa as vontades criminosas [als. a) e b), do n.º 2, do artigo 71.º, do Código Penal].

X. Face à confissão integral e sem reservas dos factos (que, a nosso ver, não assume particular relevância pois que se tratou de um flagrante delito), à consciência critica sobre a conduta que tomaram à ausência de antecedentes criminais, não podemos deixar de concluir que as exigências de prevenção especial, não obstante serem elevadas, mostram-se amenizadas, na medida em que assumiram integralmente e sem reservas os factos de que vinham acusados, esclarecendo tudo o que lhes foi perguntado no decurso da audiência, mostrando-se cientes e com capacidade de formulação de algum um juízo crítico sobre as suas condutas, o que, associado à ausência de antecedentes criminais conhecidos, inculca no Tribunal a ideia de que o acto em causa poderá ter sido um episódio singular, motivado, essencialmente, pela referida necessidade de obtenção de dinheiro para fazer face a uma difícil situação familiar e económica, mas sem que se possa afirmar que colocados novamente em situação económica difícil não voltem a praticar ilícitos criminais da mesma natureza para fazer face às adversidades.

XI. No que às razões de prevenção geral concerne, são muito elevadas, pelo que urge responder às expectativas sociais de reafirmação da validade material das normas violadas pelos recorrentes, dada a proliferação deste tipo de crime e a pluralidade de bens jurídicos que a atuação típica faz perigar, a que acresce o elevado grau de danosidade social que decorre do mesmo.

XII. Se em cada decisão criminal se refletem opções de política criminal, tal pressuposto é por demais evidente no caso dos denominados correios de droga pois que a minimização da prevenção geral corresponde á proliferação de tal tipo de actuação criminosa transformando o nosso país em porta de entrada de tal tipo de tráfico. Como é evidente tal consideração é formulada em abstrato e será sempre a concreta conformação dos diversos fatores de medida de pena que, em concreto nos levam à determinação desta.

XIII. A perceção de tal fenomenologia está patente nas decisões do Supremo Tribunal de Justiça que, perante situações com um perfil comum, aplicam penas idênticas e em que o traço distintivo da medida da pena tem a sua génese nas particulares características de cada caso.

XIV. Ora a conjugação de todos estes fatores, do elevado grau de ilicitude e a intensidade do dolo – direto- do crime praticado permite concluir que as penas aplicadas são as únicas adequadas às necessidades de prevenção geral e especial do caso em apreço, mostrando-se as penas aplicadas – 6 anos nada excessivas face à moldura abstrata do crime, ao contrário do alegado pelos recorrentes.

XV. A pena aplicada situa-se nos limites defendidos pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores em que assume relevância, como no caso vertente e nas condições descritas, a quantidade de droga apreendida e a internacionalização do transporte.

XVI. Assim sendo, encontrando-se corretamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena entendemos não existir qualquer fundamento que coloque em causa a decisão recorrida no que concerne à medida da pena aplicada, pelo que nenhuma censura merece o acórdão recorrido, pelo que deverá ser confirmado.

Assim, se conclui no sentido de ser negado provimento aos recursos e, consequentemente, ser mantido Acórdão recorrido.”

1.7. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, considerando que “Resulta claro … do acórdão que os aspetos essenciais para a determinação da pena foram tidos em conta na decisão e que as penas de 6 (seis) anos de prisão respeitam o limite inultrapassável da culpa e respondem equilibradamente às exigências de prevenção que se fazem sentir, de modo algum se podendo considerar excessivas.”

Foi cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2 do CPP.

Foram os autos aos vistos e à conferência,

Decidindo,

2. Fundamentação

2.1. Factos:

A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes do acórdão recorrido é a seguinte (transcrição):

2.1.1. Factos Provados:

“1) Os arguidos, actuando de forma concertada com outros indivíduos não identificados, integram uma organização que se dedica à aquisição e transporte de produtos estupefacientes, designadamente de cocaína, do Brasil para território nacional, por via aérea.

2) Dentro do referido grupo, de acordo com plano previamente estabelecido e aceite pelos arguidos, que desta forma o fizeram seu, os arguidos foram recrutados e incumbidos de efectuar o transporte da cocaína do Brasil para Portugal, a troco de quantias monetárias.

3) Assim, de acordo com plano previamente delineado por membros da referida organização, a que ambos os arguidos aderiram, em data não concretamente apurada, anterior a 4-3-2024, o arguido recebeu, no Brasil, de indivíduos cujas identificações não se lograram apurar 2 embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2932,000 gramas, produto este que dissimulou no interior de uma mala do tipo trolley, de cor preta, de marca “Cavezzale”.

4) Por seu lado, ainda de acordo com o mesmo plano, a arguida recebeu no Brasil, de indivíduos cujas identificações não se lograram apurar 7 embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 6868,000 gramas, produto este que dissimulou no interior de uma mala de cor cinzenta, de marca “Stratic”.

5) Após, na posse da cocaína, que dissimularam da forma descrita, os arguidos viajaram, deSão Paulo - Guarulhos, no Brasil para Portugal, no voo LA ..46, tendo desembarcado no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, no dia 4-3-2023, transportando aquele produto.

6) Após o desembarque, os arguidos apresentaram-se nos serviços da Alfândega, no corredor verde / “nada a declarar”, tendo sido selecionados para revisão de bagagem.

7) No decorrer da revista pessoal realizada, foram encontradas e apreendidas na posse da arguida, no interior da referida mala de cor cinzenta, de marca “Stratic”, que ostentavaa etiqueta com o n.º LA ....47, num fundo falso, 7 embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 6868,000 gramas.

8) Nessa altura, a arguida tinha, ainda, consigo 1 telemóvel da marca REDMI de cor azul, com uma capa de silicone de cor rosa, 1 etiqueta de bagagem de porão em nome de AA, referente ao voo LA..46/LA..87 LIS GUA de 3MAR, 1 fotocópia de um documento respeitante à reserva de hotel em Portugal, com referência às datas da estadia de 4-3-2024 a 15-3-2024, 2 fotocópias referentes aos voos ..87 procedente de ... com destino a São Paulo, Guarulhos, e ao voo LA..46 de São Paulo Brasil para Lisboa com partida a 3 de Março de 2024 e regresso a 15 de Março de 2024 e respetivo seguro em nome de AA, a quantia monetária de €1000,00 (mil euros).

9) Na mesma ocasião, foram encontradas e apreendidas na posse do arguido, no interior da referida do tipo trolley, de cor preta, de marca “Cavezzale”, sem etiqueta aposta, num fundo falso, 2 embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2932,000 gramas, produto este que dissimulou no interior de uma mala do tipo trolley, de cor preta, de marca “Cavezzale”.

10)Nessa altura, foram, ainda, encontradas na posse do arguido 10 notas emitidas pelo Banco Central Europeu com o valor facial de 100 euros, perfazendo a quantia total de 1000€ (mil euros), 1 telemóvel da marca REDMI de cor preta, com uma capa de silicone de cor preta, 2 cartões de embarque respeitante ao voo LA ..87 procedente de ... com destino a São Paulo, Guarulhos, e ao voo LA..46 de São Paulo Brasil para Lisboa em nome de BB, 1 comprovativo por destacar correspondente a 1 etiqueta de bagagem de mão em nome de BB e referente ao voo LA..46/LA..87 LIS GUA de 3MAR.

11)A cocaína apreendida nas circunstâncias acima descritas, destinava-se à venda a terceiros, em troca de quantias monetárias, o que era do conhecimento de ambos os arguidos.

12)As quantias monetárias apreendidas aos arguidos tinham sido obtidas com os proventos resultantes de transacções de cocaína.

13)Os telemóveis e cartões telefónicos apreendidos aos arguidos eram por estes usados nos contactos necessários à comercialização do referido produto e tinham sido adquiridos com proventos daí resultantes.

14)Os arguidos, que actuaram em colaboração mútua, e em plena comunhão de esforços e intentos, conheciam as características e natureza estupefaciente da cocaína apreendida.

15)Os arguidos agiram, em conjugação de vontades e esforços com indivíduos não identificados, com o propósito concretizado dereceber etransportar acocaína, cujas características, natureza e quantidade conheciam, do Brasil para Portugal, sabendo que tal produto se destinava à venda a terceiros, a troco de quantias monetárias.

16)Os arguidos sabiam que a detenção, o transporte e a comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei.

17)Os documentos apreendidos aos arguidos e acima indicados destinavam-se a ser utilizados na actividade de tráfico de estupefaciente e eram fruto da mesma.

18)Os arguidos actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

19)Os arguidos são naturais do ..., residindo e trabalhando no país da sua naturalidade, não possuindo qualquer ligação efectiva a Portugal, tendo-se deslocado a Portugal apenas para transportar a cocaína.

Relativamente às condições sócio-económicas dos arguidos, provou-se que:

20)Na data dos alegados factos, a arguida residia no Brasil, em união de facto com o arguido há cerca de quatro anos, numa habitação arrendada.

21)Em termos laborais, a arguida estava inactiva desde Outubro de 2023, após a sua sujeição a uma cirurgia bariátrica que não correu bem.

22)A arguida estava a recuperar e tinha perspectivas de vir a retomar a anterior atividade laboral que exercia (prestação de serviços de contabilidade), para uma empresa ligada ao comércio de produtos de papel.

23)O arguido já estava reformado por invalidez devido a um acidente de trabalho e consequente cirurgia que, por alegada negligência médica, o deixou incapacitado de uma das mãos.

24)Para complementar a pensão de reforma, no valor de 312,93€ (1.900 reais), o arguido colaborava habitualmente na empresa de marcenaria de um irmão, auferindo cerca de 329,40€, mensais (2000 reais).

25)Os arguidos estavam a passar por um período de dificuldades económicas e tinham uma dívida de um crédito bancário para pagar, relativa à aquisição de um imóvel que pretendiam reabilitar.

26)Os arguidos estavam a contar pagar a dívida em causa com uma parcela de uma indemnização que o arguido ia receber devido à incapacidade física causada por negligência médica, a qual não foi paga atempadamente, o que os deixou numa situação de incumprimento face ao pagamento do crédito bancário.

27)A família de origem da arguida, nomeadamente a mãe e os seus dois irmãos, vivem no Brasil, ..., onde ela também cresceu e constituiu a sua família.

28)A arguida tem dois filhos, um de uma união de facto que manteve durante 4 anos e outro de um matrimónio de 9 anos.

29)O filho mais velho, de 36 anos, vive actualmente nos Estados Unidos da América, e o mais novo, de 28 anos, vive em ....

30)A arguida tem um relacionamento próximo com os filhos, com os quais manteve sempre um contacto regular.

31)A arguida teve uma infância difícil, marcada por dificuldades económicas, pela separação dos pais e por um modelo de educação demasiado rígido por parte da figura materna.

32)A arguida começou a trabalhar aos 13 anos de idade, após a separação dos pais, para poder auxiliar a mãe, que trabalhava numa fábrica de equipamentos de refrigeração, e os seus irmãos, que eram mais novos.

33)O pai do arguido veio mais tarde a falecer.

34)A arguida começou por trabalhar em escritórios, em tarefas administrativas, e, mais tarde, passou em contabilidade, área em que se especializou, e que, desde aí, manteve, passando por diferentes empresas.

35)A arguida, paralelamente à atividade laboral, em regime pós-laboral, continuou a frequentar o ensino escolar, completando os diversos graus do ensino regular.

36)Chegou a iniciar um curso universitário na área de contabilidade, mas por dificuldade em conciliar os estudos com a vida familiar e laboral, acabou por abandonar.

37)A arguida, quando regressar ao Brasil, contará com o apoio da sua família e da família do arguido.

38)A arguida pretende retomar o trabalho, a autonomia económica e reorganizar a sua vida com o arguido de forma socialmente integrada.

39)Em reclusão, a arguida mantém contacto telefónico com a família, tendo o apoio desta.

40)A arguida também mantém um contacto mensal, por videochamada, com o arguido, que se encontra preso no EP 2.

41)No EP 1, a arguida tem manifestado um comportamento adequado, capacidade de relacionamento interpessoal e adaptação às normas institucionais.

42)Ao nível da saúde, a arguida encontra-se a ser seguida pelos serviços clínicos, nomeadamente em psicologia e psiquiatria, estando medicada para a ansiedade e depressão, problemáticas de que já padecia.

43)A arguida também é acompanhada em consulta médicas devido a problemas de anemia.

44)A arguida já pediu para começar a trabalhar no estabelecimento prisional.

45)O arguido mantem uma relação de proximidade com a sua família de origem, constituída pela progenitora e três irmãos, tendo o seu pai falecido em 1985.

46)De relações anteriores, o arguido tem dois filhos, ambos autonomizados, com quem mantém uma vinculação afetiva, com maior incidência com o filho de vinte e cinco anos.

47)Em Portugal, o arguido dispõe do apoio de uma sobrinha, filha da sua irmã mais velha, falecida em 2021.

48)Esta constitui-se a única familiar de referência que reside na zona de Leiria, tendo visitado o arguido por duas vezes.

49)O arguido tem o apoio da família, que lhe envia dinheiro, depositando valores monetários na sua conta.

50)O arguido frequentou o 8º ano de escolaridade, desistindo do ensino regular aos dezasseis anos, embora, em simultâneo, desde os treze anos de idade, executasse a actividade de ensacar as compras, numa superfície comercial, para apoiar o agregado familiar, que apresentava uma situação frágil do ponto de vista económico.

51)Durante o período em queesteve preso no EP 3, o arguido desenvolveu actividade de limpeza, sendo que se encontra inactivo desde 22-10-2024, data em que foi transferido para o EP 2, estando a aguardar vaga para trabalhar.

52)O arguido está a ser acompanhado em psiquiatria e psicologia, tomando medicação regular, para tratamento da insónia e ansiedade.

Relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos, provou-se que:

53)Os arguidos não têm antecedentes criminais.”

2.1.2. Factos não Provados:

Realizada a audiência de julgamento, com interesse para a boa decisão da causa, não ficaram por provar quaisquer factos.

2.1.3. Motivação da decisão de facto:

Na motivação da decisão da matéria de facto diz-se no acórdão recorrido: Dispõe o artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Deste modo, estabelece o artigo 97º nº 5 do Código de Processo Penal que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, resultando do artigo 374º nº 2 do mesmo Código que na sentença deve o julgador explicitar, ainda que concisamente, os motivos que fundamentam a decisão, indicando e apreciando criticamente, para tanto, as provas que serviram para formar a respetiva convicção. Acresce que, segundo o artigo 127º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção, não significando isso, porém, um juízo arbitrário ou meramente subjetivo acerca da prova produzida.

Em sede de audiência de julgamento, os arguidos confessaram, de forma livre e sem reservas, a quase totalidade dos factos, referindo apenas que apesar de saberem que estavam a transportar produto estupefaciente e que tal conduta constituía crime, não sabiam que transportavam quase dez quilos de cocaína, estando antes convencidos que transportavam apenas cerca de quatro quilos de cocaína.

Ora tal versão negatória revelou-se, desde logo muito pouco credível, porquanto os arguidos explicaram que os indivíduos entregaram as malas vazias com o produto já escondido no fundo e que eles colocaram a roupa que traziam dentro de tais malas. Após, os arguidos transportaram as malas para o aeroporto, tendo de pegar nelas para fazer o “check in” das mesmas. Assim, sabendo os arguidos o peso das roupas que colocaram no interior das malas e tendo os arguidos pegado nas malas, evidente se torna que os arguidos sentiram o peso das malas, não podendo por isso estar convencidos que apenas traziam quatro quilos de estupefaciente, quando na realidade carregavam dez quilos de cocaína. Ditam as regras da experiência que tal diferença de peso é perceptível, pelo que não se credibilizou a versão negatória do arguido, quanto a este ponto.

No mais, o Tribunal teve em atenção toda a prova documental e pericial junta aos autos, em especial, quanto à apreensão do estupefaciente aos arguidos, e quanto à natureza e quantidade do mesmo, designadamente, considerando o teor dos autos de apreensão de fls. 18 e 35 e do teor dos relatórios periciais toxicológicos de fls. 141 a 144.

Destes elementos, resultou evidente a quantidade e qualidade do estupefaciente apreendido aos arguidos.

Assim, conjugando toda a prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, a confissão livre e sem reservas dos arguidos quanto à quase totalidade dos factos e também toda a prova documental e pericial junta aos autos, analisada nos termos acima descritos, o Tribunal Colectivo ficou convencido que os arguidos praticaram os factos constantes da acusação, pelo que os deu como provados.

Relativamente às condições sócio-económicas dos arguidos, teve-se em atenção o teor dos relatórios sociais juntos aos autos, bem como as próprias declarações dos arguidos em audiência de julgamento.

Por último, e quanto à primariedade da conduta dos arguidos, o Tribunal teve em consideração o teor dos certificados de registo criminal juntos aos autos.”

2.2. Direito

2.2.1. É pelas conclusões que se afere o objecto do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).

Levando em conta as conclusões das motivações de recurso dos arguidos AA e BB, a questão a decidir é a determinação da medida da pena de 6 (seis) anos de prisão em que foram condenados, que consideram extremamente injusta e rigorosa.

2.2.2. Determinação da medida da pena.

2.2.2.1. Defendem os recorrentes AA e BB, que a pena de 6 (seis) anos de prisão, em que foram condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, é injusta e rigorosa, não devendo ir além do mínimo legal, ou até 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Para o efeito alega a recorrente AA que “a recorrente e o seu companheiro”, (o arguido recorrente BB), “à data dos factos encontravam-se numa situação financeira precária, com dificuldades para se sustentar” … “tem origem num contexto familiar com grandes dificuldades socio - económicas, tendo sido obrigada a abandonar os estudos e iniciar a vida laboral ainda com 13 anos de idade para ajudar na subsistência familiar, … tem dois filhos e uma irmã, … padece de algumas doenças, especificamente de depressão, ansiedade e síndrome do intestino irritável, … no Estabelecimento Prisional também se encontra sob tratamento psiquiátrico e psicológico, diz-se arrependida, … apresenta comportamento adequado, capacidade de relacionamento interpessoal e adaptação às normas institucionais….tenciona regressar ao Brasil, trabalhar e reestruturar a sua vida financeira e familiar com o co-arguido, a sua família e a dele, … não possui antecedentes criminais, e confessou integralmente e sem reservas quase a totalidade dos factos imputados na acusação… desconhecia a qualidade e quantidade de droga que transportava, … a motivação pela qual a recorrente se predispôs a efectuar o transporte esteve associada a angariar dinheiro para suprir as graves dificuldades económicas sentidas … é primária, … a determinação da pena com base no parâmetro da quantidade de droga não é o mais adequado, pois não consiste num cálculo meramente aritmético, e, não é quantidade que a torna mais criminosa ou mais perigosa do que outros “correios de droga” com quantidades inferiores à sua” pelo que deveria ser condenada numa pena mais próxima do mínimo legal não superior a 4 anos e 6 meses.

Alega o recorrente BB que “à data dos factos, encontrava-se numa situação financeira extremamente precária e enfrentava grandes dificuldades para proceder ao pagamento da sua casa…tem origem num contexto familiar com grandes dificuldades socioeconómicas e já conta com idade avançada … foi aliciado para fazer o transporte da droga a troco de uma quantia monetária, … confessou, de forma integral e sem reservas, os factos imputados, …desconhecia a qualidade, o grau de pureza, a quantidade e a extensão do lucro do tráfico internacional de drogas em valores e doses…, pretendia angariar dinheiro para suprir as graves dificuldades económicas sentidas no Brasil, …não possui antecedentes criminais … no EP 2, apresenta bom comportamento, sem participações disciplinares, … a quantidade, só por si, não pode servir para agravar demasiadamente a condenação imposta ao Recorrente... é primário, e sempre fez de tudo para estar inserido social, profissional e familiarmente”, pelo que deveria ser condenado numa pena mais próxima do mínimo legal não superior a 4 anos e 6 meses.

2.2.2.2. Os recorrentes foram condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto pelo art.º 21º do DL 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma legal, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.

Obtida a moldura penal, no processo de determinação da medida concreta da pena, há a considerar as finalidades da punição constantes do art.º 40.º do Código Penal e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do CPP.

Estabelece o art.º 40º, n.º 1, do CP, que a aplicação de penas … visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E estatui, em termos “absolutos” o n.º 2 do mesmo preceito legal que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Determina o art.º 71º do mesmo diploma legal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção – n.º 1 -, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, (a)o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – a) -, a intensidade do dolo ou da negligência – b) -, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram – c) -, as condições pessoais do agente e a sua situação económica – d) -, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – e) -, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, o que deverá ser expressamente referido na sentença.

Tudo decorrendo do art.º 18º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa -CRP- que estipula que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Estabelecendo a última parte do n.º 2 do art.º 18.º da Lei Fundamental, pressupostos materiais para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias, através do chamado princípio da proporcionalidade1, a considerar na determinação da medida concreta da pena.

Em sentido estrito, o princípio da proporcionalidade está estritamente ligado ao princípio da necessidade da pena criminal e, em face deste, a pena criminal será constitucionalmente admissível se for necessária, adequada e proporcional2.

Dispondo, ainda, o art.º 27º, n.º 1 da CRP, que todos têm direito à liberdade e à segurança. E determinando o n.º 2, que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.

Nos termos do art.º 71º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. Prevenção e culpa são, pois, os factores a considerar para encontrar a medida concreta da pena, sendo a culpa nas palavras do Prof. Eduardo Correia, o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso3.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.º 72.º, n.º 1; são, numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável4.

Podem ser agrupados nas alíneas a), b) c) e e), parte final, do n.º 2 do art.º 71.º do C.P., os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), do mesmo preceito, os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), ainda, os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior aos factos5.

Sendo justa “toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa” como ensina o Prof. Figueiredo Dias, sintetiza ainda que “as finalidades e limite das penas criminais, podem resumir-se, a que (i)toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, que (ii)a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa que (iii)dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, que (iv)dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”6.

2.2.2.3. Sendo finalidade das penas a tutela dos bens jurídicos, como referido, e previsto no art.º 40º, n.º 1, do Código Penal, há que levar em conta o bem jurídico tutelado no tipo legal de tráfico de estupefacientes.

Como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstrato, não sendo necessária a verificação do dano, estamos, também, em presença de um crime pluriofensivo, tratando-se de um crime de perigo comum, pois a incriminação visa proteger uma multiplicidade de bens jurídicos, de carácter pessoal, - como a vida, a integridade física e a liberdade dos potenciais consumidores, geralmente as camadas mais jovens do tecido social -, de bem-estar da sociedade, a saúde publica, a economia do Estado - na medida em que cria uma economia paralela incontrolável -, a segurança - na medida em que acarreta a prática de outros crimes que lhe andam associados7.

“O escopo do legislador”, como se diz no Ac. do TC 426/91, de 06 de Novembro de 1991, publicado no DR, II série, n.º 78, de 02 de abril, de 1992, (seguido pelo Ac. do TC n.º 441/94, de 07.06.1994, publicado no DR, IIª série, n.º 249, de 27.10.19948, é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia.”

Na verdade, são grandes as necessidades e exigências da prevenção geral e de defesa dos bens jurídicos protegidos, numa sociedade que vive fustigada pelo fenómeno do consumo e tráfico de droga, que, como já referido, gera, a montante e a jusante, outro tipo de criminalidade9.10.

Sendo, ainda, considerado, na definição da al. m) do art.º 1º, do Código de Processo Penal, o tipo legal de tráfico de estupefacientes como integrante do conceito de “criminalidade altamente organizada”.

Assim, tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela, como se lê no sumário do Ac. do STJ de 29.02.202411.

2.2.2.4. O “correio de droga” integra-se no mundo do narcotráfico no transporte intercontinental de produtos estupefacientes, sendo o seu posicionamento de segunda linha ou de segundo plano em relação ao dono do negócio, sendo apenas executor pago ao transporte realizado12.

O “correio de droga”, por não ser o dominus negotii, poderá ter sido, numa fase inicial, alvo de tratamento diferenciado, não sendo a sua acção punida tão severamente.

Porém, vem o Supremo Tribunal de Justiça13 “desde há muito, valorizando a importância dos “correios de droga”, como peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva do tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, pelo que não merecem um tratamento penal de favor”. Como se lê, ainda, no Ac. do STJ, de 11.10.202314, “o Supremo Tribunal de Justiça vem desde há muito enfatizando a importância dos “correios de droga”, como peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva do tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, pelo que não merecem um tratamento penal de favor. No caso do tráfico internacional de estupefacientes, por meio dos chamados “correios de droga” assume-se como um critério de grande intensidade a prevenção geral, visando forte dissuasão de actividade compensatória financeiramente para aqueles, sob pena de uma verdadeira invasão, já por si muito acentuada, de introdução de estupefacientes na Europa através de países da periferia Europeia Atlântica, como Portugal.”

Sendo certo que no caso de transporte aéreo entre continentes, facilitam sobremaneira o tráfico e a sua actividade.

2.2.2.5. No caso, os arguidos recorrentes no dia 04.03.2023 transportaram, numa mala do arguido BB, 2 (duas) embalagens com o peso líquido de 2.932,000 gramas e numa mala da arguida AA 7 (sete) embalagens com o peso líquido de 6.868,000 gramas, contendo, todas as embalagens, cocaína (cloridrato), de São Paulo, Brasil, para Portugal, com o fito de as entregar a terceiros, a troco de uma quantia monetária, sendo detidos na zona de controlo alfandegário do aeroporto de Lisboa.

Alegam agora os recorrentes AA e companheiro BB, a confissão integral e sem reservas dos factos, a ausência de antecedentes criminais, o bom comportamento prisional, a inserção social e familiar, defendendo, ainda a recorrente AA que não é a quantidade de droga que a faz mais criminosa ou mais perigosa e o recorrente BB que a quantidade, só por si, não pode servir para agravar demasiadamente a condenação imposta ao Recorrente.

Diga-se, antes de mais, que, como é sublinhado no Ac. do STJ de 19.05.202115, “os recursos não são novos julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de natureza e medida da pena.

Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém, alterando a pena, se e quando detecta incorrecções ou lapsos no processo de aplicação desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Não decide “ex novo”, como se não tivesse já sido proferida uma decisão em primeira instância.

O recurso não pode, pois, eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, de discricionariedade reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.”

“A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”16.

E a fundamentação é nestes casos bem menos exigente, incidindo sobre outra decisão que motivou a convicção, não directamente sobre o objecto do processo.

Importa, então, verificar se a decisão impugnada realizou as operações que conduzem à determinação da medida concreta da pena de prisão em que foi condenado o recorrente, de acordo com as normas legais aplicáveis.

No acórdão recorrido, foi confirmada a prática pela recorrente, atenta a verificação de todos os elementos objectivos e o subjectivo, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-B do mesmo diploma legal.

A moldura abstrata legalmente prevista vai de 4 a 12 anos de prisão, sendo o ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena a aplicar ao recorrente.

Seguiu-se-lhe a análise das finalidades das penas, conjugadas com a culpa do arguido, fundamento e limite de qualquer pena, tal como estabelecido no artigo 40º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

E depois, uma valoração das circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal.

A este propósito considerou o acórdão recorrido que “quanto a factores relativos à execução do facto, relevam o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução e a gravidade das suas consequências, os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.

Já no que diz respeito aos factores atinentes ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais e económicas do mesmo, à eventual falta de preparação para manter uma conduta lícita e ao comportamento anterior ao crime.

Face ao que acabou de se expor, importa ter em atenção o seguinte:

- a vontade criminosa dos arguidos, que actuaram com dolo direto, tendo representado os factos que preenchem o tipo de crime em causa e agido com a intenção de os realizar, o que fizeram de foram premeditada;

- o grau de ilicitude dos factos, que é bastante elevado, pois trata-se de uma situação de transporte de estupefaciente denominado vulgarmente por “correio de droga”, referente a uma quantidadedeestupefaciente jámuito acimado habitual, ou seja, cercadedez quilos decocaína. Na verdade, neste tipo de situações, normalmente, o produto estupefaciente transportado ascende a 3 ou 4 quilos de cocaína, pelo que a quantia trazida pelos arguidos é já acima da prática comum, revelando já uma organização e uma confiança depositada pelos donos do estupefaciente nos arguidos acima da média;

- o modo de execução do ilícito, tratando-se como já se disse de uma situação de transporte, em que os arguidos não são os donos do negócio, mas a troco de dinheiro, facilitam-no, introduzindo o estupefaciente no mercado alvo, neste caso, em Portugal;

- as consequências que seriam muito graves, pois caso os arguidos não tivessem sido interceptados pela autoridade policial, os mesmos teriam conseguido introduzir em Portugal uma quantidade já elevada de estupefaciente, com a gravíssima repercussão que tal conduta teria na saúde dos diversos consumidores;

- a motivação dos arguidos, que agiram a troco de quantia pecuniária, sem qualquer pudor face à gravidade dos factos, pois apesar de os arguidos terem dificuldades económicas, nota-se que são pessoas com habilitações e capacidade de trabalho, bem como com suporte e apoio familiar”.

Considerou o acórdão recorrido, “as condições sócio-económicas dos arguidos, acima dadas como provadas e que aqui se reiteram;

- a conduta anterior aos factos, sendo os arguidos primários;

- a confissão livre, parcial e sem reservas proferida pelos arguidos em audiência de julgamento e o arrependimento aí demonstrado;

- as necessidades de prevenção geral, que são elevadas, não só devido à natureza dos bens jurídicos tutelados, mas também devido ao alarme social que rodeia o crime de tráfico de estupefaciente, muito frequente nanossa sociedadee, habitualmente, com consequências graves e sérias na vida dos consumidores.

Concluiu, a final, que, “tudo visto e ponderado, atentas específicas necessidades de prevenção geral e especial sentidas no caso dos autos, e tendo em particular consideração a elevada quantidade de estupefaciente detida, considera este Tribunal Colectivo justa, adequada e proporcional a aplicação a cada arguido de uma pena de seis anos de prisão efectiva pelo crime de tráfico de estupefaciente dos autos.”

Pode, assim, concluir-se, que o acórdão recorrido se mostra bem sustentado e realizou as operações tendentes à determinação da medida concreta da pena de prisão de forma criteriosa.

Sendo certo ainda que os arguidos recorrentes foram detidos na posse do produto estupefaciente, não tendo, assim, tão grande relevância a confissão.

Além disso, sobre todos os cidadãos incide o dever de conduzir a sua vida em sociedade respeitando a ordem instituída pelo Direito, não cometendo actos ilícitos, de qualquer natureza, e, nomeadamente, de natureza criminal.

Pelo que, o comportamento de acordo com o Direito, não é mais do que uma obrigação para todos os cidadãos, não tendo, propriamente, que ser premiada, a ausência de ilícitos criminais. Antes deverão ser sancionados, aqueles que prevaricam.

Donde, a falta de antecedentes criminais não é circunstância atenuante a ser tão valorada como pretendem os recorrentes, “dado que o comportamento anterior conforme as regras legais é exigido a todo e qualquer cidadão, como modo de viver em sociedade”, como se lê no sumário do Ac. do STJ de 18.02.202117.

Não sendo indiferente a “a quantidade de droga transportada”, a considerar no grau de ilicitude do facto e este na determinação da medida concreta da pena.

Pelo que, considerando as finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, a pena de 6 (seis) anos de prisão em que foram condenados, cada um dos recorrentes, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-B, anexa, é justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapasse a medida da sua culpa.

Na verdade, a pena encontrada está em sintonia com a jurisprudência sucessiva do Supremo Tribunal de Justiça para casos semelhantes18.

São exemplo o ac. do STJ de 11.10.2023, proc. n.º 540/22.4JELSB.L1.S1, de 02.12.2021, proc. 13/20.6GALLE, de 24.03.2022, proc. n.º 134/21.8JELSB.L1.S1, de 11.03.2020, proc. n.º 71/18.6JDLSB.S1, e os inúmeros acórdãos aí citados e ainda o acórdão do STJ de 21 de fevereiro de 2024, processo 101/23.7JELSB.L1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt.

Não havendo reparo a fazer à decisão recorrida quanto à determinação e medida concreta da pena, pois a pena encontrada está em alinhamento com as demais aplicadas neste Supremo Tribunal de Justiça e dentro dos limites normalmente respeitados para casos semelhantes, em princípio, o tribunal de recurso deve abster-se de qualquer modificação19.

Mantendo-se a pena imposta pelo tribunal coletivo, prejudicada fica a possibilidade de ser suspensa na sua execução, como decorre do artigo 50º, n.º 1, do Código Penal.

Não se verificando a violação de qualquer das normas ou princípios invocados pelo recorrente, mais não resta do que negar provimento ao recurso.

3 - Decisão

Nestes termos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em,

-negar provimento ao recurso interposto pelos recorrentes AA e BB, e confirmar, antes, o acórdão recorrido;

-condenar em custas os recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, a cargo de cada um deles, em 5 UCs (art.º 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.º 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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Lisboa, 14 de Maio de 2025

António Augusto Manso (Relator)

Margarida Ramos Almeida (Adjunta)

Horácio Correia Pinto (Adjunto)

*

1-2-Ac. do STJ de 15.02.2024, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, proferido no proc. n.º 2020/22.5PAALM.S1, in www.dgsi.pt.

3-Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Coimbra, Reimpressão, 1993 Vol. I, pág. 316, citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt.

4-Figueiredo Dias, inAs consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 245 e seguintes citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt.

5-Figueiredo Dias, citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt.

6-Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra, Gestelegal, p. 96.

7-v. ac. do STJ de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt, 3ª secção.

8-citado no Ac. do STJ de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt, 3ª secção.

9-Do que, aliás, é expressivo, como referido no Ac. do STJ de 11.10.2023, proc. 504/22.4JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt, “o salientado em documento assinado em Roma, a 11 de junho de 2021 por membros do Judiciário do Brasil, Argentina, Portugal e Itália apontando a necessidade de respostas penais diferenciadas para cada tipo de delito envolvendo as drogas.”

10-Daí que, alguma jurisprudência não aconselha a condenação pelo mínimo legal, nem a suspensão da execução da pena como se pode ler no sumário do Ac. deste STJ, de 15.01.2014, proc. 10/13.8JELSB.L1.S1, 3ªsecção, www.dgsi.pt. relatado pelo Conselheiro Maia Costa: “as extremas exigências de prevenção geral que levam a rejeitar, face ao disposto no n.º 1 do art.º 50º do CP, a possibilidade de suspensão da execução desta pena de prisão. A suspensão da pena envolveria necessariamente enfraquecimento inadmissível da protecção do bem jurídico tutelado, sabido que é que este fenómeno constitui um meio intensivamente utilizado pelas organizações que controlam a produção de estupefacientes para a sua colocação expedita nos países de maior consumo e que Portugal surge como um país normalmente utilizado como plataforma de entrada na Europa de droga provinda normalmente da América do Sul, quando se trata de cocaína.”

11-proferido no processo n.º 92/23.4JELSB.L1.S1., www.dgsi.pt.

12-Na sua origem, a figura do “correio de droga”, está associada às “cinturas humanas mais degradadas das grandes metrópoles sul americanas, mais tarde da Nigéria e de outros países do continente africano”, como referido no Ac. do STJ de 15.09.2010, proferido no processo n.º 1977/09.6JAPRT.S1, 3ª secção, citado no Ac. de 11.03.2020, proc. 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt.

13-como se refere no Ac. do STJ de 11.10.2023, proferido no processo n.º 40/23.1JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt.

14-proferido no processo n.º 504/22.4JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt.

15-proferido no proc. n.º 10/18.1PELRA.S1, in www.dgsi.pt

16-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197, citado no ac. de 19.05.2021, 10/18.1PELRA.S1, in www.dgsi.pt.”

17-proferido no processo n.º 122/18.1PAAMD.S1,

18-aplicando ou confirmando penas concretas entre os 5 e os 7 anos de prisão. v. ac. do STJ de 26.10.2023, proferido no processo n.º 202/22.9JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt.

19-No mesmo sentido, ainda, conclui Souto de Moura, dizendo que, sempre que o procedimento adotado se tenha mostrado correto, se tenham eleito os fatores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objeto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado” - A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critério da Escolha e Medida da Pena, pag.6, citado no Ac. do STJ de 02.12.2021, proferido no processo n.º 13/20.6GALLE.S1, www.dgsi.pt.