RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
FURTO QUALIFICADO
RECURSO
ADMISSIBILIDADE
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
IMPROCEDÊNCIA
DUPLA CONFORME
REJEIÇÃO PARCIAL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
IN DUBIO PRO REO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE AUXÍLIO
Sumário


I. Não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, salvo nos casos de decisão absolutória em 1.ª instância (artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP), pena que tanto é a parcelar aplicada aos crimes individualmente considerados, como a pena única.
II. O princípio in dúbio pro reo não é violado quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas apenas quando condena apesar da verificação de uma dúvida concreta.
III. Cometem, em co-autoria material e na forma consumada, o crime de homicídio qualificado p. e p. pelos art.ºs 131º e 132º, n.ºs 1 e 2 al. j) do CP, os arguidos que de forma concertada, em livre manifestação de vontade, executam o plano gizado por um deles ao qual o outro aderiu, com vários dias de antecedência e refletindo e ponderando sobre os meios a empregar e sobre o modo de atrair a um lugar isolado o ofendido, e aí o agredirem e lançarem ao rio que, na altura, apresentava um forte caudal e corrente, e ainda sobre a forma de evitar serem detetados posteriormente pelos órgãos de polícia criminal, revelando assim frieza de ânimo e reflexão sobre os meios empregues.
IV. Considerando as finalidades das penas, em particular das exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, mostra-se justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapasse a medida da sua culpa, a pena em que o arguido AA foi condenado, pela prática do crime de homicídio, de 17 (dezassete) anos de prisão, e, em cúmulo, com a pena de 3 três anos de prisão, pela prática do crime de furto, a pena única de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de prisão, bem como a pena em que o arguido BB foi condenado de 19 (dezanove) anos de prisão, e, (em cúmulo jurídico com apena de 3 (três) anos de prisão pela pratica do crime de furto), a pena única de 20 (vinte) anos de prisão, sob pena de preterição da proteção dos bem jurídico que com a referida incriminação se pretende acautelar.
V. Mostram-se, além disso, em consonância com as decisões do Supremo Tribunal de Justiça para casos semelhantes, com as naturais diferenças circunstanciais.

Texto Integral


Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório.

1.Por acórdão de 03 de julho de 2024, o tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ...–J..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga condenou os arguidos AA e BB, com a identificação dos autos,

a)-o arguido AA pela prática, como co-autor material, na forma consumada e concurso real, de:

- um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea j), todos do CP, na pena de 19 anos de prisão;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do CP, na pena de 3 anos de prisão;

Em cúmulo jurídico, na pena única de 20 (vinte) anos de prisão.

b)-o arguido BB, pela prática, como co-autor material, na forma consumada e concurso real, de:

- um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea j), todos do CP, na pena de 19 anos de prisão;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do CP, na pena de 3 anos de prisão;

Em cúmulo jurídico, na pena única de 20 (vinte) anos de prisão.

2. Inconformados, interpuseram, os arguidos, recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 19.11.2024, decidiu:

1 - Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido AA, assim se condenando o mesmo pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea j), todos do CP, na pena de 17 anos de prisão;

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do CP, na pena de 3 anos de prisão;

Em cúmulo jurídico, na pena única de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2 - Negar provimento ao recurso interposto por BB, confirmando o acórdão recorrido.

3. Inconformados, recorrem de novo os arguidos AA e BB, agora para este Supremo Tribunal de Justiça juntando motivação onde, a final, concluem da seguinte forma:

O arguido AA:

1-O Ministério Público deduziu acusação e requereu julgamento em processo comum, perante Tribunal Coletivo imputando ao Recorrente a prá.ca como coautor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131º e 132º n.º 1 e 2, al. j) do Código Penal e de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do Código Penal.

2-O Arguido apresentou contestação, negando os factos de que vem acusado e oferecendo merecimento dos autos.

3-Foi realizado julgamento e o aqui arguido foi condenado pela prá.ca de um crime como coautor material, de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131º e 132º n.º 1 e 2, al. j) do Código Penal e de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do Código Penal, na pena única de 20 (vinte) anos de prisão, bem como no pagamento do pedido de indemnização civil.

4-O Recorrente recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, e no passado dia 20-11-2024, foi proferido o douto Acórdão que concedeu provimento parcial ao recurso interposto, na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão, bem como no pagamento do pedido de indemnização civil.

5-Passaremos agora a explicar o porquê da não conformação do Recorrente em relação ao decidido no Acórdão de que, in casu, se recorre.

6-Entendemos, pois, que a identificada decisão padece de vícios que versam sobre a matéria de facto e de Direito.

7-No caso concreto, faremos uma impugnação ampla da matéria de facto.

8-Salvo melhor opinião, o que se coloca em questão, é a insuficiência da prova produzida face à decisão de facto proferida, o que conduziu ao erro de julgamento, impondo-se uma decisão diversa da proferida.

Assim,

9-Uma análise objetiva e direta do processo em relação ao crime aqui contestado, infelizmente, faz-nos concluir que, que o arguido foi acusado e condenado em função de ilações injustificadas.

10-Com efeito, está em causa a dignidade de um ser humano, que se encontra nessa posição porque, efetivamente, o quis, porque queria esclarecer o que se passou.

11-Não se esqueçam que, até então vinha indiciado por um crime de recetação, voltemos a repetir o que foi dito até então, a defesa não nega que algo poderá ter acontecido, mas nunca nos moldes em que acusação foi proferida, nem tão pouco, o arguido veio condenado!

Sem prescindir,

12-Salvo o devido respeito, por diferente entendimento, com esta decisão ora colocada em crise pelo presente recurso, o Tribunal a quo violou o princípio do dever da boa administração da justiça em busca da verdade material, bem como das regras relativas às provas.

13-Torna-se, assim, necessário, em cumprimento do previsto no nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, indicar os pontos da matéria de facto com as quais o Recorrente não pode deixar de demonstrar a sua discordância quando confrontados com a prova carreada e produzida nos autos, designadamente, não deveriam ter sido dados como provados os pontos 2, 12, 16, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 33, 42, 43, 45 da douta decisão.

14-Parece-nos que, o Tribunal a quo decidiu como decidiu tendo em contas as circunstâncias mediáticas que envolveram este processo e fazendo uso das regras da experiência e da livre convicção do julgador.

15-Pelo que, não podemos concordar com tal entendimento, pois não cremos ser possível, nem justa a condenação do arguido com base apenas nos elementos mencionados.

16-Bem sabemos que, as declarações prestadas perante Juiz de Instrução Criminal podem ser valoradas contra o arguido, mesmo que se mantenha em silêncio no decurso das diversas sessões de audiência de discussão e julgamento, porém também temos presente que essas declarações têm de ser conjugadas com as demais circunstâncias do caso e, atente-se que, não valem como confissão para condenar o arguido.

17-Passemos ora a analisar a decisão relativa à matéria dada como provada nos pontos mencionados.

18-Relativamente à matéria dada como provada no quesito 2: “. O arguido AA era conhecido de BB.”, a este propósito sempre se dirá que, da prova produzida não resultou demonstrada tal factualidade, pois a única pessoa que afirmou que o arguido AA tinha sido apresentado ao Senhor BB, foi o próprio arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, nas declarações que prestou.

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06:28 – Arguido AA – Uma prima do senhor BB que é a CC que tem o Café 1 ali em ... veio falar para mim que o BB tinha sido roubado numa x quantia de dinheiro e eu disse-lhe o que é que eu tenho a ver com isso?

06:40 – Meritíssima Juiz de Instrução – Eu não estou a perceber nada, desculpe lá, não estou a perceber, tem que falar mais alto e mais pausadamente que eu não estou a perceber, mas não estou mesmo, não sei se as senhoras doutoras estão a perceber, eu não consegui perceber nada do que me disse.

06:52 – Arguido AA– Uma prima do senhor BB..

06:53 – Meritíssima Juiz de Instrução – Uma prima do senhor BB..

06:53 – Arguido AA – Sim…tinha o café ali em ...… 06:57 – Meritíssima Juiz de Instrução – Sim.

06:57 – Arguido AA – Prontos…falou comigo que o primo dela tinha sido assaltado a ver se eu podia ajudar e eu disse que não tinha nada a ver com isso, que não tinha nada a fazer. Ela marcou um encontro com ele, eu fui falar com ele, fui a casa dele, ele mostrou-me…

07:12 – Meritíssima Juiz de Instrução – Ele quem?

07:13 – Arguido AA – O BB.

20-Quanto ao quesito 12: “De igual forma, e face à recusa do DD, em finais do mês de dezembro de 2019, BB abordou o arguido AA no estabelecimento denominado Café 1, sito na Estrada Nacional ..., em ..., tendo então o arguido AA acedido e aceitado a solicitação de BB para, pelo seu porte físico robusto, o ajudar a levar a cabo o propósito de confrontar EE e forçá-lo, com recurso a violência, a devolver o dinheiro e, caso não o lograssem, a tirar-lhe a vida.”

21-Urge afirmar que desconhecemos, como se conseguiu chegar a esta com conclusão, quando as únicas declarações que temos, das circunstâncias que estão envoltas à apresentação dos dois arguidos foram, uma vez mais, as declarações do arguido AA, em sede de primeiro interrogatório judicial e que nunca, em momento algum, este afirma que quando foi apresentado ao Arguido BB, que ambos decidiram que iam com o recurso à violência retirarem-lhe o dinheiro e, caso não o conseguissem, iriam matá-lo! Atentemos à seguinte transcrição: Diligencia_3289/22.0..._2023-02-15_15-13-53

07: 33 - Arguido AA – Eu vou lá contigo falar com o homem…e foi o que se passou.

22-Eu vou lá contigo falar com o homem, foram estas as palavras proferidas pelo arguido AA, este arguido, uma pessoa humilde e trabalhadora, considerada por todos os que passaram pelas sessões de julgamento, inclusive as testemunhas de acusação, como é que se iria sujeitar a ajudar alguém que não conhecia a matar outra pessoa que não conhecia de parte alguma, gratuitamente, porquê?

23-O arguido AA à data dos factos, trabalhava juntamente com o seu pai, na fábrica de meias, pertença deste último, onde auferia rendimentos, não sendo ninguém que se encontrasse ‘‘perdido’’ ou, possivelmente, desesperado, para como quer fazer o Tribunal crer que, a troca de nada, gratuitamente, aceitasse elaborar um plano desta dimensão, com consequências nefastas, sem conhecer os envolvidos, e encontrando-se ele bem inserido na sociedade e com a sua vida, perfeitamente, estável.

24-No que tange à matéria de facto dada como provada no quesito 16 “De forma a terem alguém a quem recorrer caso surgisse alguma dificuldade na execução do plano delineado pelo arguido BB e ao qual o arguido AA aderira, previamente ao encontro combinado com EE, os arguidos deslocaram-se às imediações do estabelecimento denominado Pastelaria 1, sito na Rua do ..., em ..., tendo o arguido AA se dirigido ao estabelecimento.”.

25-A este propósito cumpre transmitir uma vez mais que, o arguido AA, não aderiu a plano nenhum, apenas disse que o acompanharia para tentar perceber se o falecido EE, teria alguma informação, se saberia onde estaria o dinheiro.

26-Mais, nas declarações do arguido AA e das testemunhas FF e GG, que afirmam que estavam os três naquele dia, como sempre, era costume estes, ao fim de um dia de trabalho, se juntarem nesse café.

27-Nesse mesmo dia o arguido BB, dia 8 de janeiro de 2020, tal como descrito pelo arguido AA em sede de primeiro interrogatório judicial e reconstituição dos factos, pelas 14:30/15:00, passou pelo Café 1 o arguido BB, onde se encontrava o arguido AA, onde este primeiro lhe transmitiu que iria marcar um jantar com a vítima, se sempre o poderia acompanhar para tentar perceber onde poderia estar o dinheiro.

28-Nessa mesma tarde, o arguido AA estaria com os seus amigos, no final de um dia de trabalho, no supramencionado Café 2, onde como sempre, era sua ro.na habitual, encontrar-se ao final do dia e pediu então, aos seus amigos, a ver se o acompanhava.

29-Foi tudo naquele instante, no momento, e no próprio dia e não, como o Tribunal quer fazer crer, que este plano já estaria há mais de quinze dias planeado e traçado, não!

30-Reforça-se que, o arguido AA como não conhecida quer o arguido BB, quer a vítima EE (como se provou no quesito 48), que o arguido AA, uma vez que não saberia das partes, que tipo de pessoas seriam, quer o arguido BB, quer o ofendido, pediu aos seus amigos que o acompanhasse. Tal factualidade foi confirmada pelos amigos do arguido AA, atente-se à transcrição:

FF - Diligencia_3289/22.0..._2024-04-05_14-2620

5:20 – Sra. Procuradora – Olhe sabe com certeza porque é que estamos aqui hoje, não sabe?

5:20 – Testemunha – sim.

5:22 – Sra. Procuradora – Pronto, ia lhe pedir que relatasse aqui ao Tribunal qual foi a sua intervenção e o que é que aconteceu consigo relativamente a esta situação?

5:38 – Testemunha – Como era costume, eu saía do pavilhão, das minhas instalações, parava na Café 2, para beber uma cerveja ou um favaios e depois ia para casa jantar. Nesse dia…

5:51 – Sra. Procuradora – Habitualmente encontrava-se com alguém na Café 2?

5:54 – Testemunha – Era normal…

5:54 – Sra. Procurador – Essa sua ro.na era uma ro.na individual? Ou era para estar com os seus amigos, colegas?

6:00 – Testemunha - Não, encontrávamos várias pessoas que vêm das obras e…era ali o ponto de toda a gente parar, bebia e cada um ia depois embora.

6:09 – Sra. Procuradora - Certo.

6:24 – Testemunha – Nesse dia, eu estava lá, entretanto depois chega o GG, passado um bocado chegou o AA, pá não vens ali comigo, já vimos, é num instante.

GG - Diligencia_3289/22.0..._2024-04-11_10-25-39

04:09 – Sra. Procuradora – Olhe, recorda-se quem estava lá nessa Café 2 juntamente aqui com o Sr. AA e com o Sr. FF e que lhe foi feita uma proposta?

04:16 – Testemunha – Sim Senhor.

04:17 – Sra. Procuradora – Sabe mais ou menos há quanto tempo é que isso foi?

04:19 – Testemunha – Não.

04:21 – Sra. Procuradora – Não tem ideia?

04:21 – Testemunha – Não.

04:22 – Sra. Procuradora – Mas recorda-se… É capaz de relatar aqui ao Tribunal, contar ao Tribunal o que é que se passou então nessa…

04:29 – Testemunha – Sim,sim…

04:29 – Sra. Procuradora – Nesse dia? Isso que horas eram quando se encontraram lá na Café 2?

04:34 – Testemunha – A hora… eu acabei de trabalhar, saí às seis, por isso, pousei, eu morava por trás da Café 2, pousei a minha bicicleta e fui beber a minha cerveja. Quando lá cheguei mas, quando nós nos encontremos deviam ser pra aí, umas oito horas… sete e meia, oito horas.

04:55 – Sra. Procuradora – Sim..

04:56 – Testemunha – Não me recorda bem a hora.

04:57 – Sra. Procuradora – Certo. E eles já lá estariam quando o senhor chegou?

05.00 – Testemunha – Sim, sim..

05:02 – Sra. Procuradora – Já lá estavam?

05:07 – Sra. Procuradora – E então o que é que se passou?

05:08 – Testemunha – O que é que se passou, fui beber uma cerveja, paguei e vim cá para fora beber, depois o AA disse-me assim, oh GG queres vir ali comigo? Queres vir ali comigo? Vamos e vimos já. E eu não, que eu não tenho carta de condução (…)

31-Nesta mesma linha de pensamento, não pode ser dado como provado o quesito 16, que dá como assente que os arguidos para executaram o seu plano se foram recorrer de terceiros? Mas que plano é que o Tribunal provou que o arguido AA aderiu? O que ele afirmou por ver o arguido BB desesperado e lhe ter dito, ‘‘pronto eu vou lá contigo falar com o homem’’.

32-No que concerne ao quesito 25: “Após terem estacionado os veículos e saído dos mesmos, os arguidos, desferindo empurrões, encaminharam EE para a margem do rio, para um local ainda mais isolado, escuro e sem iluminação pública, e cuja margem se encontrava extremamente reduzida face ao forte caudal que o rio na altura tinha, de tal forma que até molhavam os pés, com o propósito de o agredirem, ameaçarem e lançarem ao rio, se não revelasse o paradeiro do dinheiro alegadamente furtado da casa do arguido BB”.

33-Por ausência de prova cabal o quesito 25 não se pode dar como provado uma vez que nas palavras da testemunha FF, eles tinham ângulo de visão para onde eles se encontravam a conversar e o próprio afirmou que não viu ninguém exaltado, que havia iluminação e não viu nem agressões nem marcas de violência no arguido AA.

FF - Diligencia_3289/22.0..._2024-04-05_14-2620

17:07 – Sra. Procuradora – Mas o senhor viu aonde é que parou o Mercedes ou nem sequer o viu parar?

17:09 – Testemunha – Não, parou mais abaixo.

17:11 – Sra. Procuradora – Na rua que desce?

17:12 – Testemunha – Sim.

17:12 – Sra. Procuradora – Certo. Os senhores do sítio onde ficaram estacionados tinham visibilidade para o mercedes que estava parado?

17:18 – Testemunha – Além de ter carros de pessoas que estavam estacionados no estabelecimento via-se o Mercedes.

17:54 – Sra. Procuradora – Aquilo é um sítio com iluminação? Onde… 17:59 – Testemunha – Tinha poste sim, poste não, poste sim, poste não.

18:02 – Sra. Procuradora – De luz é isso?

18:04 – Testemunha – Sim.

18:06 – Sra. Procuradora – À beira do restaurante?

18:07 – Testemunha – Sim.

18:08 – Sra. Procuradora – E quem olhava para baixo para essa rua…?

18:10 – Testemunha – Era igual, era do restaurante para baixo, poste sim, poste não, poste sim, poste não.

18:13 – Sra. Procuradora – A iluminar?

18:14 – Testemunha – Sim.

01:17:52 – Mandatária do Recorrente – Voltando aqui ao dia dos factos, só para esclarecer, quando o senhor AA falou consigo naquele dia para ir com ele ligou-lhe? Isso foi tudo combinado? Como já disse isso era normal vocês encontrarem-se diariamente? Não foi nada previamente previsto ou combinado com dias de antecedência? Com semanas de… supostamente ir ajudá-lo?

01:18:18 – Testemunha – Não.

01:18:19 – Mandatária do Recorrente – A mudança, certo? Pronto. E o restaurante onde imobilizou o veículo? A senhora doutora disse aqui que aquilo era uma rua escura no meio do monte. Aquilo não tem lá um restaurante?

01:18:30 – Testemunha – Tem.

01:18:31 – Mandatária do Recorrente – E a que horas é que foram mais ou menos para lá? Tem ideia?

01:18:35 – Testemunha – Era mais ou menos à hora de jantar.

01:18:37 – Mandatária do Recorrente – E lembra-se se estava cheio se não estava? Se tinhas carros estacionados cá fora?

01:18:42 – Testemunha – Tinha muitos carros de matrícula estrangeira, de alguns portugueses.

01:18:45 – Mandatária do Recorrente – Aquilo é envidraçado?

01:18:46 – Testemunha – É envidraçado.

01:18:47 – Mandatária do Recorrente – Vê-se cá para fora?

01:18:48 – Testemunha – Tanto vê-se de fora para dentro como de dentro para fora.

01:18:50 – Mandatária do Recorrente – Ou seja, as pessoas podiam ver perfeitamente que vocês lá estavam e que, entretanto, lá estava o AA cá fora?

Correto?

01:18:57 – Testemunha – Correto.

01:19:01 – Mandatária do Recorrente – Tinha noção se estava lá muita gente? Lá para dentro viu se estavam pessoas a olhar cá para fora a vê-los ali…?

01:19:07 – Testemunha – Não vi pessoas a olhar não é, mas que estava alguma gente estava.

01:19:12 – Mandatária do Recorrente – Olhe uma coisa, não achou estranho o seu amigo ter lhe pedido porque tem o AA como boa pessoa, certo?

01:19:17 – Testemunha – Sim.

01:28:31 – Mandatária do Recorrente – Só uma pergunta senhor FF, pronto isto foi feito (reconstituição) em 2023, certo?

01:28:34 –– Testemunha – Certo.

01:28:35 – Mandatária do Recorrente – Pronto, esta reconstituição que, entretanto, lhe mostram as fotografias? Não se lembra se há três anos atrás as árvores estavam deste tamanho?

01:28:42 – Testemunha – Claro, os cedros?

01:28:42 – Mandatária do Recorrente - E se os cedros estivessem cortados tinha visibilidade, entretanto, para o mercedes, certo? Olhe só mais uma questão, quando o AA subiu, naqueles momentos que tiveram, entretanto, no café Café 3 reparou se ele estava marcado? Se..marcas de agressões?

01:28:35 – Testemunha – Não.

01:29:02 – Mandatária do Recorrente - De ter andado, não?

01:29:03 – Testemunha – Não.

01:29:03 – Mandatária do Recorrente – Não tinha nada?

01:29:04 – Testemunha - Não.

34-Primeiro, nas palavras do arguido AA, o falecido ficou estupefacto com o facto de o arguido BB desconfiar de si no roubo do seu cofre e só proferia expressões de espanto e não entendia o porquê dele lhe questionar uma coisa daquelas. Em momento algum, ninguém afirmou que o arguido AA desferiu empurrões ao falecido EE e, como afirma e bem a testemunha FF, era um local onde tinha um restaurante, com iluminação, hora de jantar, envidraçado e que teria visibilidade tanto de dentro para fora, como de fora para dentro.

35-No seguimento, desta questão teremos de seguida o quesito 26, onde conseguimos aproveitar as declarações FF quanto às agressões, uma vez que junto ao Café 3, viu que o arguido AA não possuía marcas de agressões. Ora, caso, em conjugação de esforços, tivessem atingido o rosto e corpo do ofendido, o arguido AA, apresentaria sinais de violência, o que não se verificou, uma vez mais!

36-Em relação ao quesito 26: ‘‘Então, os arguidos, atuando em conjugação de esforços e no seguimento de plano gizado por BB e ao qual o arguido AA aderiu, atingiram o rosto e o corpo de EE de forma não concreta apurada, com vista a apurar o paradeiro do dinheiro alegadamente furtado da casa do arguido BB’’.

Arguido AA - Diligencia_3289/22.0..._2023-02-15_1513-53

08:46 – Meritíssima Juiz de Instrução Criminal – Portanto o Sr. BB achava que o EE o tinha roubado?

08:48 – Arguido – Sim.

08:49 – Meritíssima Juiz de Instrução – É isso que me está a dizer?

08:50 – Arguido – Sim.

08:51 – Meritíssima Juiz de Instrução – E o que é que o senhor tem a ver com isso?

08:53 – Arguido – Nada. Vi o homem desesperado e ele tinha a certeza, entre aspas, que tinha sido o outro senhor fui tentar ajudá-lo, entre aspas, para sacar aí alguma informação.

09:04 – Meritíssima Juiz de Instrução – E o que é que aconteceu depois a sacar a informação?

09:07 – Arguido – Não… sei que estávamos lá em baixo à beira do rio(impercetível) e o senhor a tentar, o BB estava fora dele parecia que tinha qualquer coisa fora dele, não sei e até o mandei parar por várias vezes para não bater mais ao homem e…. o homem tentou-se botar ao rio e eu botei-lhe a mão puxei-o para cima tirei-o de lá e eu entretanto disse pára quieto, não sei que virei costas e entretanto o homem estava outra vez no rio, quando foi pelo rio abaixo, havia muita corrente não havia mais nada a fazer.

37-O arguido AA, em momento algum, afirmou que tinha agredido o falecido EE, em conjugação de esforços com o arguido BB, nunca, nem nunca foi o seu propósito, nem nunca delineou nenhum plano com o arguido BB, pelo que o quesito 26, não pode ser dado como provado!!!

38-Quesito 27. ‘‘De seguida, porque o ofendido insistia negar saber do dinheiro, os arguidos, atuando em conjugação de esforços, lançaram o EE ao Rio ..., que, na altura, apresentava um forte caudal e corrente.’’

39-Como descrito, nas declarações do arguido AA, em sede de primeiro interrogatório judicial, este afirmou perentoriamente que não estaria para aquilo e virou costas e, foi quando viu que, o falecido EE, estaria novamente no rio, mas não viu como isso aconteceu, não viu e não sabe descrever!! Porque se encontrava de costas.

40-Como é que se concebe que se dê como provado que o os arguidos em conjugação de esforços lançaram o falecido ao rio?? Uma vez mais, não se alcança!

41-E mais, no quesito 28 ainda se dá como provado que ‘‘Como consequência direta e necessária da descrita atuação concertada dos arguidos, nomeadamente, do facto de o terem lançado ao Rio ..., resultou a morte do ofendido, que apenas veio a ser resgatado do referido rio, no dia 22 de janeiro de 2020.’’

42-Como consequência direta resultou a morte do ofendido?

Vejamos,

43-O Relatório de Autópsia Médico-Legal junto aos autos: “2ª - Não foi possível determinar a causa da morte de EE, não sendo também possível aos peritos pronunciarem-se sobre a etologia médico-legal. 3ª - As lesões traumáticas identificadas, atrás descritas não são consideradas lesões traumáticas mortais.”.

44-Veja-se as declarações, e explicações prestadas, em sede de audiência de discussão e julgamento, pelo médico legista doutor HH: Diligencia_3289/22.0..._2023-02-15_15-13-53

03:24 – Sra. Procuradora – Relativamente a esse ponto, 3.1. e o 3.2. ahh, portanto, essas lesões encontradas na face é possível determinar o momento em que terão, terão ocorrido?

03:42 – Perito – Quer pelo seu aspeto não esquecendo que tínhamos os sinais de putrefação que vão sempre dificultar a interpretação mas foi feito também exames etimológico de amostras deste tecido e conclui-se que ao nível das lesões da face estas tinham alterações microscópicas compatíveis com um trauma recente, ou seja, podemos referir que esse traumatismo terá ocorrido em momento peri-mortem, isto quer dizer ao redor da morte, ahhh, pouco tempo antes, no momento da morte, ou pouco tempo depois, da morte. A lesão ao nível do membro superior direito, na face lateral do braço, na face posterior do antebraço também tinham estes sinais de infiltração sanguínea compatível também com trauma recente (…)

05:17 – Sra. Procuradora – Pergunto-lhe se aquelas lesões anteriores que referiu na face e no membro superior que terão sido realizadas em… as da face mas também uma parte do membro superior… sim, que terão sido então sucedidas em período de perimortem…ahh… pergunto-lhe se essas poderiam ter sido causadas por…Por por agressão? Por força de intervenção humana?

05:52 – Perito – Estas lesões são compatíveis com um traumatismo de natureza contundente, ou seja, (….) por definição um traumatismo de natureza contundente pode englobar como disse uma ação humana, um traumatismo produzido por ação humana.

06:12 – Sra. Procuradora – Pergunto-lhe se também é expectável que essas lesões pudessem ter sido causadas no leito do rio?

06:21 – Perito – Ahhh…lá está se é um traumatismo de natureza contundente, de qualquer tipo de impacto dessa natureza pode, eventualmente, causar lesões deste tipo.

06:35 – Sra. Procuradora – Mesmo atenta a localização em que era? Em que se encontrava?

06:41 – Perito – Falando em abstrato no leito do rio, o leito do rio à partida será uma superfície algo irregular, não conseguimos definir a superfície do rio, não se pode excluir essa hipótese.

06:55 – Sra. Procuradora – Olhe e relativamente a uma eventual morte por afogamento?

É possível afastar? Não é? Quais foram as…?

07:10 – Perito – Não é possível fazer qualquer conclusão (…) o diagnós.co de afogamento baseia-se muito na visualização de liquido na via aérea e na análise dos pulmões(…) é obvio que o cadáver com um período prolongado de permanência em meio líquido e com fenómenos de putrefação já avançados vai inviabilizar qualquer interpretação que possa ser feita relativamente no conteúdo da via aérea e relativamente ao aspeto macro e microscópico dos pulmões. Por isso, nesse sen.do, não conseguimos corroborar qualquer conclusão defini.va relativamente à hipótese de afogamento.

08:04 – Sra. Procuradora – Olhe e relativamente ao órgão, ao coração, consta do relatório da autópsia a referência de sem evidência de lesões de isquemia aguda. Aqui este senhor EE do que já aqui constou e não sei se constava da informação clínica que ele teria alguns problemas, já teria tido alguns problemas cardíacos e estaria medicado. Pergunto-lhe se conseguiram estabelecer aí alguma relação da morte com alguma falência do coração?

08:39 – Perito – É que assim, tínhamos essa informação, estava descrito no relatório que foram identificadas áreas de isquemia não recente (…) e para além disso a análise do coração, a análise microscópica, foi digamos dificultada pelos fenómenos putrefativos, o coração encontrava-se já amolecido (…) mas mesmo assim não se identificou nenhuma área suspeita de um evento cardíaco recente, com tradução recente, aguda, com tradução macroscópica. Para além disso, é óbvio que, os fenómenos putrefativos inviabilizam também a análise microscópica deste tipo de tecido, razão pela qual, não foi feita essa análise.

10:23 – Dra. II – As lesões que o cadáver apresentava não são suscetíveis de causar a morte?

10:30 – Perito – Exatamente.

12:26 – Dra. II – É possível nós termos o seguinte cenário, o senhor se possa ter sen.do mal do coração, ter caído e ter se magoado e essas lesões serem depois da morte?

12:39 – Perito – É possível…

12: 40 – Dra. II – Não podemos descartar essa possibilidade?

12: 44 – Perito – Não se consegue descartar essa possibilidade.

22:01 – Dr. JJ – Eu pelo menos não percebi se, face ao estado em que estava o cadáver se poderão ter exis.do outras lesões traumáticas que não tenham sido detetáveis no momento da autópsia?

22:22 – Perito – Em termos de lesões traumáticas, digamos major, com fraturas, lesões de órgãos muito evidentes, com lacerações, com hemorragias extensas, essas nós conseguimos com algum grau de certeza dizer que não exis.am, pelo menos fraturas não foram detetadas, lacerações, soluções de continuidade nos órgãos não foram observadas (…)

45-Pelo supra exposto pelo Médico de Medicina Legal, continuamos até à data, sem saber, o que aconteceu ao falecido EE. Lesões mortais essas, não foram detetadas, as lesões existentes, poderão ter sido provocadas pelo leito do rio e temos o depoimento do arguido AA, que estava de costas e não viu o que aconteceu, que só viu a vítima, novamente no rio, e temos o depoimento do arguido BB, que diz que o falecido se atirou ao rio!

46-Portanto, não se concebe como é que se provam estes quesitos desta forma, quando, supostamente, as duas únicas pessoas que lá estavam, afirmam em sen.do diverso do que foi dado como provado e eram, supostamente, as duas únicas pessoas que lá estavam? Uma vez mais não se percebe.

47-Quesito 42. ‘‘Ao agirem do modo acima descrito, no cumprimento de plano gizado por BB, a que o arguido AA aderiu, estes dois arguidos, em conjugação de esforços, atuaram de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de atenta a superioridade numérica e o porte físico robusto do arguido AA, atingir a integridade física do ofendido e de o matar, lançando-o ao Rio..., o que vieram lograr.’’ e

48-Quesito 43. ‘‘Os arguidos agiram de forma concertada, em livre manifestação de vontade, planeando o encontro, o confronto e a morte de EE com vários dias de antecedência e refletindo e ponderando sobre os meios a empregar e sobre o modo como o atrair a um lugar isolado, de aí o agredirem e lançar ao rio e ainda sobre a forma de evitar serem detetados posteriormente pelos órgãos de polícia criminal, revelando assim frieza de ânimo e reflexão sobre os meios empregues.’’

49-Uma vez mais, apenas temos meras suposições e hipóteses, porque nada disto foi dito pelas pessoas que se encontravam naquele dia e naquele local.

50-Frisamos novamente que, o arguido AA veio indiciado, primeiramente, por um crime de recetação, quis colaborar, contar o que viu e apenas só servem ao Tribunal o que lhe é conveniente?

51-Tanto assim será que, efetivamente, se quer o Tribunal a quo, retirar credibilidade, que re.re na totalidade, que o descredibilize esse mesmo depoimento.

52-O que sobra em relação à prova que têm contra o arguido AA?

53-Pelo menos, no que à investigação diz respeito, concretamente, parece-nos que que foi atribuído ao AA credibilidade, como disse e bem o Inspetor KK. Pelo que passamos a transcrever as suas palavras.

Diligencia_3289/22.0..._2024-06-07_10-01-13 – Inspetor KK

00:55:22 – Mandatária do Recorrente – Olhe o Senhor Inspetor falou aqui que no processo do AA que receberam a denúncia no piquete, que fizeram as diligências que conseguem normalmente filtrar o tipo de denúncias que aparecem e que foi extremamente detalhada. Vocês sabem quem é que fez esta denúncia? Tentaram perceber quem era?

00:55:46 – Inspetor – Não Sra. Dra., nós temos uma ideia porque o AA disse-nos quem seria a pessoa.

00:55:51 - Mandatária do Recorrente – Certo.

00:56:37 – Inspetor – Sr. Doutora não ouvimos por uma questão prá.ca.

54-Como é que a Polícia Judiciária valora o depoimento do arguido AA, ao ponto de não sentirem necessidade de abrirem o leque de possibilidades, demonstrando credibilidade no seu depoimento e depois a lógica seguida pelo Tribunal a quo, é de valor parte das declarações proferidas pelo arguido e a outra parte especula e não valora o que foi dito por si.

55-Quesito 45. ‘‘Ao agir do modo descrito, atuaram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços, no cumprimento de plano por ambos gizado e a que ambos aderiram, com o propósito concretizado de retirar do local e se apoderarem do veículo automóvel de matrícula ..-DU-.., que sabiam não lhes pertencer, retirando-o da disponibilidade de EE (e dos seus herdeiros), fazendo-o coisa sua, desiderato que lograram alcançar.’’

56-Este quesito baseia-se em meras suposições que não foram, minimamente, demonstradas.

57-Entendemos que, não se poderá condenar o arguido AA, pela prá.ca de tal crime, uma vez que com a prova produzida em sede de audiência de julgamento, não se consegue provar a intenção de se aproveitar do bem furtado. De todas as diligências efetuadas, bem como as declarações do próprio arguido AA, não se poderá provar tal intento, de acordo com as declarações do mesmo proferidas em sede de Primeiro Interrogatório Judicial.

Diligencia_3289/22.0..._2023-02-15_15-13-53

00:11:16 – Arguido – (…) Eu fiquei em pânico, não sabia o que é que havia de fazer, então peguei no carro e arranquei para cima (impercetível) deixei o carro estacionado nessa noite no parque da feira das ..., estava desesperado, não sabia o que é que havia de fazer, deixei lá o carro, saí a pé (…) .

58-Ora, no crime de "furtum usus", embora exista subtracção da coisa, o agente apodera-se dela, contra a vontade ou sem o consentimento do dono ou do seu legítimo possuidor, mas não o faz com animus apropriativo, no sen.do de integrar definitivamente a coisa subtraída no seu património ou no de terceiro; apenas pretende servir-se dela por algum tempo, sendo sua vontade restituí-la ou criar as condições para que a coisa regresse ao património ou esfera patrimonial do despojado.

59-Nessa medida, se o arguido AA quisesse efetivamente que o veículo integrasse o seu património, e se estivesse tudo tão bem delineado e planeado, este teria ficado com o carro na sua posse naquela própria noite. E não! Este viu-se tão desorientado e desesperado que o deixou estacionado, sem saber o que fazer. Este apenas pegou no veículo porque, com toda a situação que tinha presenciado, ficou totalmente transtornado e só queria sair daquele local.

60-Leia-se a seguinte transcrição:

Diligencia_3289/22.0..._2023-02-15_15-13-53

00:11:31 – Arguido – Deixei lá o carro, saí a pé, no dia a seguir de manhã, fui buscar o carro e é que o guardei nessa garagem.

61-O que dizer? Se realmente, alguém tivesse delineado algum plano, com mais de vinte e quatro horas para matar alguém, teria todo este tipo de comportamento? De desespero? De não ter os seus passos bem estruturados, perdendo a sua capacidade de raciocínio?

62-E cometeria tantos percalços? Sujeito a toda a gente o ver, a ser visto de manhã a ir buscar o carro, se fosse o intuito dele em ‘‘arrumar’’ as provas? Se tivesse tudo meticulosamente preparado?

63-Passemos ora a analisar a motivação constante no douto Acórdão, que esteve na base da formação da convicção por parte do Tribunal a quo.

64-Atente-se à página 22: “(…) acresceu-lhe a dificuldade decorrente da inexistência de testemunhas que tenham presenciado os últimos momentos em vida da vítima (…) ausência de prova testemunhal presencial dos factos, cabe-nos a tarefa de decidir se, como sustentam uns, este é um crime sem castigo ou se, como pugnam outros, há suficiente prova para suportar uma condenação.’’

65-Página 23: ‘‘Como dito, em audiência de julgamento, ambos os arguidos remeteram-se ao silêncio; por outro lado, não se apurou a existência de qualquer testemunha presente nos momentos que antecederam a morte da vítima. (…).’’ (negrito e sublinhados nossos).

66-Página 25: ‘‘Este arguido, em sede de 1º interrogatório judicial (iniciado em 15.02.2023), de forma que não deixou de surpreender, instado sobre a viatura Volvo que lhe foi apreendida no interior da garagem que tinha tomado de arrendamento anos antes, esclareceu, desvendando, a sua intervenção nos demais factos de que, até então, não era sequer suspeito. Assim, relatou as abordagens que a dona do Café 1, prima do arguido BB, lhe fez dando conta do assalto de que este teria sido vítima e que o deixara desesperado. Admitiu que acabou por aceder em falar com o co-arguido, que lhe partilhou as suspeitas quanto à autoria do assalto, pretendendo a sua ajuda para falar com o EE, para saber o que este fizera ao seu dinheiro. De acordo com o arguido, por ver o “sr. BB” desesperado – que lhe pediu repetidas vezes ajuda , aceitou acompanhá-lo. Assim, cerca de 15 dias depois do primeiro encontro (ocorrido no Café 1 – facto n.º 11), ao início da noite do fatidico dia, encontrou-se com o arguido BB, cerca das 20.00 horas, junto à Pastelaria 1, onde costumava parar todos os dias, no final do trabalho’’.

67-Na verdade, o arguido AA, encontra-se de.do preventivamente à ordem deste processo há um ano e meio e foi condenado com base em meros indícios, suposições e ‘‘achismos’’ sustentados sim numa investigação que falhou redondamente. O arguido foi condenado com a mesma convicção dos outros arguidos presentes no primeiro processo?

68-Salvo o devido respeito por entendimento diverso, não compreendemos como é que o Tribunal a quo dá como provado que o plano foi delineado com antecedência, quando valora as declarações do arguido AA, reconhece que no dia oito de janeiro de 2020, teve com o arguido BB, por volta das 14:30h/15:00h, no Café 1, e o arguido BB lhe deu nota que iria marcar o jantar com o ofendido para aquele dia, se sempre o arguido AA o acompanhava para perguntar onde possivelmente poderia estar o dinheiro.

69-Nesse final de dia, no mesmo dia 8 de janeiro de 2020, o arguido BB, passou pela Pastelaria 1 onde se encontrava o arguido AA, como de costume diariamente, onde se encontrava todos os dias, no final da tarde, tal como descrito por si, em sede de primeiro interrogatório judicial.

70-Estas declarações foram afirmadas por si, quer em sede de primeiro interrogatório judicial, quer na reconstituição dos factos levada a cabo por si.

71-Voltamos a frisar que, como disse perentoriamente o arguido AA que, com pena do arguido BB, disse-lhe que ia ‘‘lá com ele falar com o homem’’.

72-O Tribunal afirma e bem, até então o arguido AA não era suspeito. Este conta o que realmente se passou, o que efetivamente viu e é condenado nestes termos?

73-A partir da página 29, o Tribunal refere-se às declarações da demandante civil LL, no nosso modesto entendimento, o depoimento em nada contribui para a condenação do arguido pelo crime pelo qual vem acusado, por se apresentar inócuo e irrelevante.

74-Depois o Acórdão segue com as declarações de MM E NN, que também em nada contribui para a condenação do arguido pelo crime pelo qual vem acusado, por se apresentar inócuo e irrelevante.

75-Seguem-se as declarações da empregada do arguido BB, OO, que em nada se sustentam em nada de pertinente para a condenação do arguido.

76-O douto Acórdão procede sucintamente com a análise do depoimento das testemunhas PP e QQ, estas não apresentaram nada de relevante para a descoberta da verdade material.

77-De seguida, o douto Acórdão segue com os depoimentos das testemunhas RR e SS que em nada contribui para a descoberta da verdade material ou boa decisão da causa como sendo a base para uma condenação para o arguido.

78-Atente-se à página 36 da douta Decisão no que respeita às declarações por parte do segurança DD, que lhe terá dito o seguinte: “Mais relevante seguramente, o testemunho de DD, segurança. (…) Sem assumir claramente o que o arguido lhe pedia, deixou evidente que era algo censurável

(…).’’

DD Diligencia_3289/22.0..._2024-0318_15-14-30

Mandatária do Recorrente – O Sr. BB nunca, em momento, algum lhe disse que seria algo físico, certo?

Testemunha – Não, não, isso disse você, foi sempre a palavra que usou aperto.

79-Uma vez mais, o depoimento da testemunha DD, não se revela em nada, relevante, uma vez que entramos novamente, nas suposições que o Tribunal a quo acha, ou seja, subentende seria algo censurável, mas isto nunca foi dito em sede de audiência de julgamento por nenhuma testemunha e a única que existe quanto a estes factos quando questionado, transmite que o arguido BB, nunca disse que seria algo físico.

80-Nesta sequência lógica, tendo questionado o arguido AA se o conseguiria ajudar a tentar perceber onde estaria o dinheiro, e este lhe transmitiu que ia lá com ele falar com a vítima, e não sendo este nenhum jagunço, cobrador, ou segurança da noite, sem segundas intenções, este pensou, sinceramente, que o iria fazer era tentar ajudar a perceber onde estaria o dinheiro!!

81-Vejamos, ninguém, no seu perfeito ‘‘juízo’’, salvo o devido respeito, se estivesse a delinear um plano, com frieza de ânimo, com antecedência, iria marcar um encontro com alguém, em plena hora de jantar, sujeitos a serem vistos por alguém e denunciados.

82-E mais? Se o intuito era, realmente, ficar com o carro, iria deixá-lo estacionado uma noite inteira, num parque movimentado, localizado ao lado da GNR, sujeito a ser visto?

83-Esse nunca foi tão pouco o intuito do arguido AA!! Se no seu íntimo, o arguido BB, teria outras intenções, estas nunca foram transmitidas ao arguido AA porque caso, contrário, este seria o primeiro a dizer que não o acompanharia.

84-Não tendo o arguido AA qualquer tipo de relação e/ou afinidade com o arguido BB, não conhecia a vítima, tal e qual como ficou provado e iria delinear um plano com um desconhecido para matar alguém, apenas porque sim? Apenas por violência gratuita?

85-Reforçamos novamente, o arguido AA não era nenhum delinquente, encontrava-se a trabalhar, residia com os pais, uma pessoa trabalhadora, informação esta, afirmada por todos em sede de audiência de julgamento, cuidador da sua sobrinha a quem a cuida como um pai cuida de um filho e a título gratuito, sem conhecer a vítima, iria engendrar um plano, com alguém com quem não tem relação de confiança, sujeito até a ser emboscado?

Isto faz sen.do?

86-O que se passou quando virou costas, este não viu, só viu a vítima no rio, o que se passou entre o arguido BB e a vítima? Também não sabe, nem tão pouco consegue afirmar se este estaria armado ou não, para que a vítima voltasse a estar novamente no rio. As intenções do arguido BB, este também não as consegue dizer, nem tão pouco estaria na cabeça do arguido BB para as afirmar com franqueza e certeza.

87-Mas em relação a si, sim! Afirma-as com certeza, que nunca em momento algum, foi para tirar a vida de alguém, caso este não falasse.

88-O arguido falou e contou o que presenciou, aliás, a defesa nunca negou que poderia ter acontecido alguma coisa naquela noite, mas não nos moldes que estão a querer fazer valer, sem se conseguir precisar efetivamente o que aconteceu, sem estabelecer um nexo causal, baseado em factos provados e o ofendido aparecer a boiar no rio. Apenas teorias.

89-Seguem-se os depoimentos das testemunhas TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA que em nada contribuem para a descoberta da verdade material ou boa decisão da causa como sendo a base para uma condenação para o arguido (páginas 37,38 e 39 do douto Acórdão).

90-Seguem-se as declarações da testemunha BBB que em nada contribuem para a condenação do arguido AA, mas que em boa verdade, só vem atribuir a verdade ao seu depoimento, uma vez que é condizente com aquilo que foi transmi.do pela testemunha, quando pararam no Café 3 e os seus telemóveis ficaram em cima do balcão, isto foi confirmado por esta testemunha, ou seja, corrobora o depoimento do arguido AA.

91-De seguida prosseguimos com os depoimentos do FF e GG ‘‘Todas estas dúvidas, que ficaram por esclarecer, pelo menos indiciam que estas testemunhas sabem mais do que o que admitiram. Porém, apesar destas dúvidas – que fazem questionar a atuação e, porventura, até o carácter destas testemunhas -, destes depoimentos é possível extrair a confirmação de factos, que resultavam já de outra prova, agora mais reforçada: a intervenção e participação dos arguidos na noite do desaparecimento da vítima; os procedimentos e cautelas antes da chegada ao Restaurante 1; a chegada da vítima do local, desacompanhada e ao volante da sua viatura; o encontro e a conversa da vítima com os arguidos; a descida para junto do rio com o AA a assumir a condução do Volvo da vítima; o regresso do AA, sozinho, ao volante do Volvo com a indicação que “deu merda”.’’

92-Se tantas dúvidas e questões ficaram por esclarecer, como é que condenam alguém desta forma?

93-Veja-se, se os depoimentos são contraditórios e mais, não podemos valor um depoimento controverso, só porque não vai ao encontro do que querem que fique provado, baseando esse facto com falta de instrução. Poderá haver confusão no sen.do de ele afirmar que os três foram a pé para baixo e não de carro? Isso não se justifica com falta de instrução! Ele contou o que viu e se recorda.

94-Agora, se tantas dúvidas ficaram por esclarecer, que até colocam em causa o caráter das pessoas, então estes depoimentos têm de ser completamente desvalorizados e descredibilizados. E o que resta?

95-Na verdade, o arguido encontra-se de.do preventivamente à ordem deste processo há um ano e meio e foi condenado com base em meros indícios e suposições e ‘‘achismos’’ sustentados, sim, numa investigação que falhou redondamente.

96-O Tribunal tem todas estas dúvidas – que reconhece – obstante, não tem dúvidas que o arguido atirou o ofendido ao rio e condena-o a uma pena única de 20 anos de prisão.

97-Em seguida, o douto Acórdão prossegue com a referência ao depoimento do Médico de Medicina Legal, Inspectores da Polícia Judiciária, do perito (médico legista) bem como as testemunhas de defesa.

98-Na continuação do douto Acórdão temos o depoimento de CCC, DDD, EEE, FFF E GGG, que no nosso modesto entendimento, os depoimentos destas testemunhas em nada contribuem para a condenação do arguido pelo crime pelo qual vem acusado, por se apresentarem irrelevantes.

99-De seguida seguem-se os depoimentos de defesa do arguido AA, que o descreveram como pessoa trabalhadora, que andava sempre com a sobrinha, para quem era “mais que um tio”.

100-Segue-se a RECONSTITUIÇÃO DO FACTO DO ARGUIDO AA - (página 47) o douto Acórdão prossegue com a fundamentação da factualidade probanda.

‘‘Toda esta reconstituição afigura-se-nos verosímil, porquanto surge corroborada por outros testemunhos (desde logo das testemunhas FF e GG) e por outros indícios (como a informação do GPS da vítima, o aparecimento do telemóvel onde o arguido o indicou ter lançado, a localização da viatura da vítima que o arguido assumiu, e as testemunhas confirmaram, ter conduzido do local para a garagem onde a manteve escondida, sem matrícula), ganhando estas provas indiciárias uma acrescida (inte)legibilidade com a reconstituição.’’

Página 50

‘‘Assim, concatenada toda a prova a que aludimos e conjugado todo o conjunto de prova indiciária assente, criou o Tribunal a convicção de que o arguido BB, certo que o HHH era responsável pelo furto que reportou ter ocorrido em sua casa (factos n.ºs 4 e 5), decidiu confrontá-lo, dando-lhe “um aperto” e matando-o, caso ele se negasse a devolver-lhe o dinheiro; para isso, recorreu a “jagunços”, o último, que aceitou a tarefa, o arguido AA (factos n.ºs 7 e 12). Preparou, antecipada e cuidadosamente o encontro (adquirindo um cartão pré-pago, que não o identificaria como chamante – factos n.ºs 9, 10 e 11), encontro que marcou por forma a não levantar suspeitas na vítima: com o fim de combinar um trabalho, num local público plausível à hora do jantar, em zona desconhecida da vítima (que teve de introduzir a morada no GPS que o levou ao local) mas próxima de um local ermo, escuro, junto ao rio – factos n.ºs 13, 14, 15 e 50. O arguido BB, agindo com o propósito de recuperar o seu dinheiro e de matar a vítima, caso o não conseguisse, (facto n.º 8), com dias de antecedência, planeou e preparou o encontro (facto n.º 9), recrutou um homem de robusto porte Wsico que, por sua vez, ciente do plano que tinha para executar, recrutou outros dois indivíduos a quem recorreria em caso de necessidade (factos n.ºs 16, 17, 18, 20, 21, 22) aceitando as tarefas de intimidar, pelo seu porte físico, de agredir e, por fim, de matar (razão que levou o anterior contacto – a testemunha DD - a recusar este pedido – facto n.º 7). Sabiam ambos os arguidos que o encontro não era inocente e não se limitaria a uma conversa, para a qual não era precisa a presença de um “segurança” (muito menos de outros dois, a curta distância, caso fossem necessários “reforços” – facto n.º 22), a qual poderia decorrer em qualquer lugar, nomeadamente em frente ao restaurante onde primeiramente se encontraram, e a qual não demandaria a ausência de telemóveis que, se desnecessários, sempre poderiam não ser utilizados. Todas estas cautelas prévias – factos indiciários que resultam inquestionavelmente assentes da prova produzida e já analisada – permitem/impõem concluir que os arguidos assim agiram cientes que iriam ter um encontro hostil, onde haveria recurso à violência para obtenção da informação e recuperação do dinheiro e, caso o não conseguissem, à morte da vítima.’’

101-Pugnamos que, o ora Recorrente, se encontra inocente do crime de homicídio qualificado.

102-Pelos motivos que referimos supra, as declarações prestadas pelo arguido ao Juiz de Instrução Criminal, têm de ser valoradas em função de todas as circunstâncias do caso e o que foi afirmado pelo arguido AA.

103-Precisamente por isso, e em conjugação com o princípio in dubio pro reo, as declarações em causa não podem ser consideradas para um condenar numa pena única de 20 anos.

104-Com efeito, não há provas seguras, firmes e cabais que relacionem o ora Recorrente com o facto de ser o responsável pelo vítima ter sido encontrada no rio.

105-O arguido AA, nunca, em momento algum, afirmou como é que o ofendido apareceu no rio novamente, uma vez que não sabe, encontrava-se de costas, como sempre afirmou, por inúmeras vezes (reconstituição, primeiro interrogatório judicial).

106-Além do que, ficou a pergunta mais importante sem resposta:

-A vítima caiu, foi lançada, tropeçou e caiu? Ou foi obrigada a atirar-se? Ou foi ameaçada para se atirar pelo arguido BB? Porque prova em contrário não existe.

-O que causou a morte da vítima?

107-Para além destas perguntas, que a nosso ver, permanecem sem as respetivas respostas, vislumbram-se ainda, aspetos que se apresentam incompatíveis com a factualidade dada como provada, designadamente:

108-Resulta da normalidade do acontecer e da natureza das coisas que se de facto o aqui Recorrente pretendesse “emboscar” e matar o ofendido, não ia junto do seu ‘‘comparsa’’ marcando este último um encontro e identificando-se, e encontrar-se-iam com ele em plena hora de jantar, em frente a um restaurante, restaurante este envidraçado, a correrem riscos e sujeitos a serem vistos.

109-Resulta das regras da experiência, que se era o intuito destes retirar informações acerca do paradeiro da quantia do arguido BB, cremos que, tendo o Senhor EE morto, não traria nenhuma vantagem!!

110-Também resulta do senso comum que, se de facto, tivesse lançado o ofendido, e desse ato resultasse a morte da vítima, o certo seria manter-se calado e continuar indiciado por um crime de receptação, que como disse e bem Tribunal a quo, nada levava a crer que ele fosse suspeito de tal crime, até o mesmo falar. Não faz qualquer sentido. E caso fosse sua intenção desviar as atenções de si, e não contar a verdade, o caminho mais fácil seria, como já dissemos e referimos seria atribuir as culpas, única e exclusivamente, ao arguido BB, o que não se verificou.

111-Não houve uma única testemunha que viesse ao processo dizer que o arguido AA lançou a vítima ao Rio ....

112-Não há certezas, as dúvidas permanecem!!

113-Precisamente por isso, pela total ausência de prova, que vem o arguido recorrer e manifestar o seu total sentimento de injustiça, pois quis contar a verdade e vem condenado por factos que não cometeu.

114-In casu, entendemos que a decisão padece de nulidade, pois não há referência concreta ao modo como se chegou à pena aplicada ao arguido, deixando margem a lacunas.

115-Ou seja, o Tribunal recorrido, pese embora tenha providenciado pela elaboração do relatório social, que veio efetivamente a ser junto aos autos e a ele se faça expressa referência, na motivação, não consignou nos factos provados qualquer elemento factual retirado de tal meio de prova.

116-Assim sendo, o Tribunal a quo não se socorreu do relatório social para estabelecer os factos concretizadores das condições de vida (condições pessoais e situação económica) e personalidade do arguido, e absolutamente necessárias à correta determinação da pena que veio a aplicar.

117-Como se vem entendendo, o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a decisão de direito.

118-Por tudo isto e por violação dos artigos 97º nº 5; 374.º n.º 2; 379.º, n.º 1, al. a) todos do Código de Processo Penal o acórdão que ora se recorre padece de nulidade por falta de fundamentação.

119-Aqui chegados, importa antes de mais, reforçar que, consideramos que a pena aplicada se afigura injusta, pois na nossa perspetiva, não resultou demonstrado que o arguido tenha cometido os crimes pelo quais vem condenado, devendo como tal ser absolvido.

Sem prescindir,

120-De todo o modo, a verdade é que, mesmo que tivesse cometido o crime em apreço, a pena afigura-se excessiva, encontrando-se muito perto do limite máximo da moldura penal.

121-Assim sendo, considerando o Tribunal a quo que o arguido cometeu o crime que lhe é imputado, na nossa modesta opinião, sempre se dirá que a pena aplicada se afigura injusta, extremamente severa e não teve em conta as suas condições pessoais, nos termos do artigo 71° nº 2 do Código Penal.

122-Ademais a individualização da pena concreta aplicada pelo Tribunal em cada caso não pode depender de uma qualquer opção discricionária, por um qualquer número.

123-Tem, pois, o Tribunal o dever de fixar o quantum da pena dentro das regras postuladas pelo legislador, impondo-se-lhe que objec.ve os critérios que utilizou e que fundamente a quantificação que decidiu na graduação da pena.

124-A este propósito, entendemos que o Tribunal a quo, considerou todas as circunstâncias que depõem contra o arguido, mas por outro lado, não teve em consideração todas as circunstâncias que depõem a favor do mesmo.

125-Assim, apesar de ter reconhecido a sua inserção familiar, social e laboral, não valorou devidamente: o relatório social, elemento fundamental para se aferir em como o arguido é merecedor de uma oportunidade, nem o facto de ter cooperado com as autoridades judiciais prestando declarações.

Vejamos,

126-O arguido tem 35 anos de idade.

127-Encontra-se de.do preventivamente pela primeira vez.

128-Já se encontra preso preventivamente há 1 ano e 10 meses.

129-Possui enquadramento habitacional, social, familiar e laboral.

130-Prestou declarações na fase de Inquérito, cooperando para a descoberta da justiça e da verdade material.

131-A família do arguido e mesmo o próprio, são bem vistos por toda a vizinhança e conhecidos pela postura de seriedade, responsabilidade e capacidade de trabalho, que sempre tiveram, sendo pessoas de bem. Pelo que, a condenação que ora se recorre é humilhante no contexto sócio - familiar em que se insere.

132-No Estabelecimento Prisional onde se encontra assume um comportamento incriticável e exemplar.

133-Encontra-se a trabalhar no pavilhão onde se encontra alocado.

134-Tem visitas por parte dos pais, irmão, sobrinha e amigos. Estabelece contactos telefónicos diários com estes.

135-Uma vez colocado em liberdade, vai residir na mesma residência, onde residem os pais, que habitava no momento da sua detenção.

136-O arguido tem antecedentes criminais, porém por crimes que protegem bens jurídicos substancialmente diversos, tendo sido condenado e cumprido as respetivas penas. Destarte, a condenação em causa, de factos mais graves, refere-se a factos cometidos há pelo menos dez anos.

137-No caso em apreço, com o devido respeito – que é muito - parece-nos que esta medida está a ser aplicada como uma opressão desnecessária, pelo que se apresenta manifestamente injusta.

138-A aplicação da pena suspensa in casu, é uma possibilidade, caso a alteração jurídica opere e se a condenação for reduzida.

139-Assim sendo, o Tribunal a quo não pode descurar.

140-A hipótese de condenação em pena de prisão suspensa na execução, é uma possibilidade caso a pena seja atenuada, como se pretende.

141-É a primeira vez que o aqui arguido se encontra em prisão preventiva.

142-Honestamente consideramos que, o ano e 10 meses de encarceramento que já cumpriu, já constituiu um castigo justo e exemplar, seguramente demovedor para a eventual prática do crime em causa ou de qualquer outro.

143-A solução passa por afastar o Recorrente do apanágio e da influência nega.va da comunidade prisional julgada pelos mesmos crimes e sujeitá-lo a uma pena suspensa, ainda que sujeita a regime de prova, que o permita voltar a inserir-se ativamente na sua família, estar perto dos pais, irmão e sobrinha.

144-Neste sen.do, é certo que o pressuposto formal de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é que a pena seja de prisão em medida não superior 5 (cinco) anos, ao abrigo do artigo 50º do Código Penal, pressuposto que se preenche caso a pena seja reduzida.

145-Verificando-se o pressuposto formal, há que averiguar se o pressuposto material se encontra preenchido, ou seja, que o Tribunal, no momento da prolação da decisão, que não o da prá.ca dos factos, tendo em conta a personalidade do agente e as circunstâncias do crime, conclua que a simples censura dos factos e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

146-A este propósito, pelas circunstâncias já mencionadas supra, consideramos que as exigências materiais também se encontram preenchidas, sendo por isso possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido sobre o seu comportamento futuro.

147-Resulta ainda do Relatório Social, que “O agregado reside em meio comunitário rural, na periferia do concelho de Guimarães, onde o arguido mantinha uma postura discreta e adequada integração (…)”.

148-Face ao exposto, caso o Recorrente tenha come.do algum crime, somos de opinião, que a sua personalidade terá que ser explorada, de um ponto de vista de reinserção e reabilitação, sendo que, com o devido acompanhamento familiar estável, poderá seguramente recuperar e interiorizar o conceito de uma vida ponderada e em conformidade com o direito.

Sem prescindir,

149-O Tribunal não pode descorar que o aqui arguido tem 35 anos de idade, pelo que uma pena de prisão demasiadamente longa significa, em termos práticos, terminar com a sua vida e com os projetos que este poderia ter para si e para seus em plena flor da idade.

150-Retoricamente perguntamos – como é que é possível reintegrar um condenado com 55 anos de idade?

151-Que interesse há para a sociedade, que os Tribunais devem servir, que este cidadão seja encarcerado durante vinte longos anos?

152-Os Tribunais não podem olvidar que o objetivo do fim das penas é a reintegração do condenado em sociedade. Ora, atendendo às circunstâncias do caso, à ausência de provas firmes e objetivas que comprovem a culpabilidade do Recorrente, ao facto de se encontrar privado da liberdade pela primeira vez, com o devido respeito, não vislumbramos como vai ser possível a reintegração do condenado em pena de prisão tão pesada.

153-Tal condenação irá seguramente comprometer todos os passos positivos alcançados pelo arguido, bem como, este se poderá deixar influenciar pelo ambiente negativo vivenciado no Estabelecimento Prisional onde se encontra.

154-No que respeita ao Pedido de Indemnização Civil formulado, sempre se dirá que os valores aqui peticionados são manifestamente desproporcionais.

155-Aliás, como resulta da lei, impõe-se um juízo de equidade na fixação do valor nos termos do artigo 496º, n.º 4 do Código Civil, o qual deve ainda atender às circunstâncias elencadas no artigo 494º do mesmo diploma.

Sem prescindir,

156-Vigora atualmente no nosso ordenamento jurídico o Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal, também designado pelo princípio da subsidiariedade do Direito Penal, que estabelece que a pena de prisão só deve ter aplicação em último recurso, ultima ratio. (cfr. Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal Parte Geral, Questões Fundamentais, p. 65).

157-Este princípio deve ser interpretado conjuntamente com o Princípio da Proporcionalidade, consagrado no art.º 18º, da Constituição da República Portuguesa, o qual dispõe: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”.

158-Ainda neste âmbito, se relembra e se requer, a aplicação do consagrado Princípio da reformatio in pejus que determina que, a decisão do Tribunal que ora se recorre, não pode ser mais desfavorável do que a decisão do Tribunal recorrido. Neste sen.do decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. nº25/10.8TBAMM.C1, de 30-062015: “Da vinculação do tribunal judicial à impugnação deduzida pelo recorrente, seja ele o expropriado ou o expropriante, contra o acórdão arbitral, decorre a proibição da reformatio in pejus: a decisão daquele tribunal não pode ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão arbitral impugnada.”.

159-Face ao exposto, consideramos que, a condenação do caso sub judice para além de se apresentar contrária aos princípios e aos fundamentos legais e constitucionais expostos, constituiu uma opressão desnecessária do direito à liberdade do arguido, pelo que se apresenta manifestamente injustificada, severa, excessiva e injusta.

Atendendo a todos os elementos suprarreferidos, estamos em crer que o arguido AA DEVE SER ABSOLVIDO PELO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E DE FURTO QUALIFICADO, PORÉM SE ASSIM NÃO FOR ENTENDIDO – O QUE POR MERO RACIOCÍNIO ACADÉMICO SE EQUACIONA - DEVE ser condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, QUE garantiria, de forma cabal, o cumprimento das necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto.

O arguido BB:

1- BB arguido melhor identificado nos autos à margem referenciados, não se conformando com o douto Acórdão, que negou provimento ao recurso interposto, confirmando o Acórdão recorrido, que o condenou pela prática como co-autor material, na forma consumada e em concurso real de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º nºs 1 e 2 alínea j) do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão e um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º nº 1 e 204º nºs 1 e 2, alínea a) por referência ao artigo 202º alínea a) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, em cúmulo jurídico na pena única de 20 (vinte) anos de prisão, bem como no pagamento solidário do pedido de indemnização civil no montante de €164.925,67 (cento e sessenta e quatro mil, novecentos e vinte e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), vem interpor recurso, para o Emérito SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Entende o Recorrente que a identificada decisão padece de vícios que versam Matéria de Direito.

2-ERRO NOTÓRIO DE APRECIAÇÃO DA PROVA E O PRINCÍPO IN DUBIO PRO REO - Nos termos do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado. Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, tendo em consideração as regras da experiência e a lógica comuns, não poderiam ter ocorrido. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, perceptível pela mera leitura do texto da decisão. Tal verifica-se no caso sub judice.

3-Começa o douto Tribunal a quo, a sua Motivação de Facto, na página 22, admitindo o seguinte: “Para a apreciação da matéria de facto em causa nestes autos, o tribunal enfrentou as dificuldades e os desafios comuns a tantos outros processos em que, legitimamente, em audiência de julgamento, os arguidos exercem o seu direito ao silêncio. Sucede que, para além desse silêncio, acresceu-lhe a dificuldade decorrente da inexistência de testemunhas que tenham presenciado os últimos momentos em vida da vítima.”. Por outras palavras, com o devido respeito – que é muito – o Tribunal a quo, pretende afirmar que não tem provas seguras e firmes da culpabilidade do aqui Recorrente, mas vai decidir com base naquilo que supõe que aconteceu, culminando com a aplicação de quase a pena máxima permitida no nosso ordenamento jurídico.

4-Relativamente à matéria dada como provada no quesito 2: “O arguido AA era conhecido de BB.”. Com o devido respeito por entendimento contrário, não resultou demonstrado que ambos os arguidos se conhecessem, na verdade, a quando das declarações prestadas perante Juiz de Instrução Criminal o aqui Recorrente nunca disse que conhecia o arguido AA. Não há testemunha nenhuma que tenha vindo ao processo dizer que ambos eram conhecidos. As únicas pessoas que referem tal realidade é o arguido AA e a sua testemunha FF, mas tais depoimentos, na nossa óptica, não podem ser valorados por motivos que passaremos a expor infra. Relativamente à matéria dada como provada no quesito 5: “O arguido BB desconfiou que o assalto de que foi vítima havia sido perpetrado pela sua empregada III, coadjuvada por EE.”, com o devido respeito, a este propósito sempre se dirá que, da prova produzida não resultou demonstrada tal factualidade, pois a única pessoa a quem alegadamente o Recorrente relatou a sua desconfiança relativamente ao ofendido, foi à testemunha DD (e em contornos duvidosos como infra se descreverá.). No que concerne ao quesito 7: “Face ao insucesso das suas abordagens, em data indeterminada do mês de dezembro, mas posterior a 10 de dezembro e antes do Natal, BB solicitou a DD, que conhecia como segurança privado, que o ajudasse a recuperar tal quantia monetária, pedindo-lhe que

“desse um aperto” a EE.”, no que diz respeito a esta temática, urge afirmar que desconhecemos se o depoimento desta testemunha é ou não verdadeiro, conforme explicaremos infra.

5-No que se reporta ao quesito 8: “Face à recusa de DD, o arguido BB decidiu que, caso não conseguisse reaver o dinheiro, iria pôr termo à vida de EE.”. Com base em que prova e/ou indício chega o Tribunal a quo a esta conclusão tão grave e simultaneamente tão genérica? Então podemos concluir, que o ofendido foi morto devido ao facto de a testemunha ter recusado “dar um aperto”? Mas afinal que valor tão crucial tinha esta testemunha para o aqui Recorrente? Tendo explorado uma discoteca durante longos anos, o DD era o único segurança privado a quem o aqui arguido poderia recorrer? Com o devido respeito, tal raciocínio é contrário às mais basilares normas da experiência e natureza das coisas. Mas mais, se efectivamente matasse o ofendido considerando que este se tinha apropriado do dinheiro, como iria recuperar o mesmo?

6-No que tange à matéria de facto dada como provada no quesito 9 “No seguimento dessa decisão, e tendo em vista a realização dos contatos necessários e de forma a evitar ser identificada a origem de tais contatos, no dia 3 de janeiro de 2020, BB pediu a TT que lhe adquirisse um cartão SIM pré-pago na loja M..., sita no Centro Comercial P..., em ...”. É verdade que o aqui arguido comprou o referido cartão telefónico na dita loja. Porém, não sabemos se o fez para telefonar ao ofendido, de facto, já que tinha por hábito comprar cartões telefónicos com o objectivo de contactar devedores com vista a recuperar determinados valores, pois de outro modo não atenderiam o telefone. Este quesito é comum aos quesitos 10 e 11. Tal factualidade foi confirmada pelo vendedor e dono da loja, em sede de audiência de discussão e julgamento.

7-No que se reporta ao quesito 12: “De igual forma, face à recusa do DD, em finais do mês de Dezembro de 2019, BB abordou o arguido AA no estabelecimento denominado Café 1, sito na Estrada Nacional ..., em ..., tendo então o arguido AA acedido e aceitado a solicitação de BB para, pelo seu porte físico robusto, o ajudar a levar a cabo o propósito de confrontar EE e forçá-lo, com recurso a violência, a devolver o dinheiro e, caso não o lograssem, a tirar-lhe a vida.”. Com o devido respeito, questionamos em que provas e/ou indícios se baseou o Tribunal a quo, para alcançar tão gravosa e subjectiva conclusão? Da leitura da decisão ficamos sem compreender em que se baseou o Tribunal para obter tal entendimento. Ainda que o Tribunal considere as declarações prestadas por ambos os arguidos perante Juiz de Instrução Criminal, nenhum dos dois, afirmou acordar em agredir o ofendido para que este entregasse o dinheiro, muito menos acordaram em matá-lo.

8- Ainda para mais quando se afigura completamente contrária às regras de experiência e senso comum. Em primeiro lugar, segundo a douta decisão os arguidos eram apenas conhecidos. Em segundo lugar, da decisão não consta que houve lugar a pagamento do Recorrente ao arguido AA, em troca do “favor”. Retoricamente perguntamos: Faz algum sentido, o Recorrente propor/encomendar a um mero conhecido um homicídio em troca de nada? Se o aqui Recorrente não era amigo do arguido AA como sabia que este estaria disposto a matar? Ia-lhe propor algo de manifesta gravidade, sujeitando-se a ser denunciado por ele às autoridades? Ia-lhe propor algo tão grave, que acarretaria inúmeros riscos de serem presos, isto a um conhecido? E ia propor algo a um mero conhecido em troca de nada? Mas faz algum sentido? E do lado do arguido AA, a que propósito iria aceitar matar uma pessoa, a pedido de um conhecido a troco de nada? Repare-se que segundo a decisão, o arguido nem sequer conhecia o ofendido, e ia aceitar agredir e matar uma pessoa sem saber de quem se trata, até poderia ser alguém perigoso que se encontrasse munido de armas de fogo ou trazer consigo companhia para se defender. Nem se vislumbra a alegada abordagem do Recorrente ao arguido, por ser tão irrealista e inviável.

9- Mas mais, segundo a decisão, o ofendido terá sido surpreendido no acto, onde terá sido informado pelo aqui Recorrente, que este desconfiava de si e por isso ou lhe dava o dinheiro de que ilegitimamente se apropriou ou era morto (sem contextualizar como nem em que termos). Ora, se o ofendido nem sabia que o arguido BB desconfiava dele, como poderia trazer consigo tanto dinheiro, certa de 83 mil euros?

10- No que concerne ao quesito 13: “Já no dia 8 de Janeiro de 2020, cerca das 16 horas e 46 minutos, o arguido BB, usando o dito telemóvel com o referido cartão SIM nº ... ... .14, telefonou a EE, titular do cartão telefónico nº .......74, tendo combinado um encontro alegando querer conversar com ele sobre um determinado trabalho, que tinha para o aludido EE.”. Desconhecemos se o ora Recorrente efectuou ou não um telefonema à vitima, acresce que, mesmo que o referido contacto tivesse ocorrido, ignoramos o teor do mesmo, ficamos apenas com as declarações prestadas pela cônjuge do senhor EE, que até atribui à referida chamada telefónica um horário diferente. O quesito 15 não resultou demonstrado, pois, o facto do ofendido ter colocado no GPS do seu telemóvel um determinado local, não significa que se tenha lá encontrado com o aqui Recorrente.

11- De igual forma, também não resultou demonstrado o quesito 16: “De forma a terem alguém a quem recorrer caso surgisse alguma dificuldade na execução do plano delineado pelo arguido BB e ao qual o arguido AA aderira, previamente ao encontro combinado com EE, os arguidos deslocaram-se às imediações do estabelecimento denominado Pastelaria 1, sito na Rua do ..., em ..., tendo o arguido AA se dirigido ao estabelecimento.”. Parece que o Tribunal a quo, dá como provado que o “recrutamento” destes dois indivíduos foi engendrado pelo arguido BB, ora tal, mais uma vez é contrário às regras da experiência, pois não pode ter ocorrido desta forma, porque este nem os conhecia, tal foi referido pelas próprias testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento. Por outro lado, segundo a decisão, ambos os arguidos tratavam-se de meros conhecidos, pelo que o aqui Recorrente não tinha como saber quem o arguido AA tinha como amigos e até mesmo se tinha amigos.

12- Na mesma linha de pensamento, não pode ser dado como provado o quesito 17: “Uma vez aí, o arguido AA abordou GG e FF, seus amigos e que ali se encontravam, aos quais pediu que o acompanhassem, sem explicar o motivo, tendo nessa ocasião entregue a chave da sua viatura de marca Citroen, modelo C2, de dois lugares, a FF.”. Ora, é contrário ao senso comum, que o arguido tivesse convidado dois amigos aquela hora da noite, sem explicar com que objectivo e entregasse a um deles a chave da sua própria viatura, igualmente sem apresentar qualquer motivo justificativo. Ainda é mais anómalo, que as testemunhas em causa aderissem a tal convocatória, sem mais. Na nossa óptica, continua sem fazer sentido o disposto no quesito 18: “Daí, o arguido AA deslocou-se na viatura de marca Mercedes, modelo Classe E, conduzida por BB, enquanto que GG e FF se fizeram transportar no veículo pertença do arguido AA.”. Não se logra alcançar como é que as testemunhas se deslocam na viatura do arguido enquanto este se desloca na viatura do Recorrente sem haver uma prévia explicação. Mais releva que, nenhuma testemunha refere que o Mercedes era de modelo classe E, muito menos foi identificada a matrícula.

13- No que respeita ao quesito 19: “Dirigiram-se então ao estabelecimento denominado Café 3, sito em ..., nas ..., altura em que apenas o arguido AA e GG e

FF se deslocaram ao interior do estabelecimento.”. Coloca-se a questão de saber, se estavam os quatro, porquê que só entraram três no referido café? Acresce que segundo o dono do café, a testemunha BBB, só dois deles entraram no café. O quesito 20 ainda suscita mais estranheza: “Antes de regressarem aos respectivos veículos, o arguido AA pediu a GG e FF para lhe entregarem os seus telemóveis, afirmando “Para onde vamos não precisamos de telemóveis”, tendo o arguido AA deixado os telemóveis no interior do estabelecimento Café 3.”. Com este trecho da douta decisão, várias questões se colocam: Porquê que as testemunhas aceitaram ficar sem telemóveis, ainda por cima sem lhes ser explicado o motivo? Se o arguido AA teve o cuidado de deixar ficar o seu próprio telemóvel e os telemóveis dos amigos, porquê que não o fez relativamente ao arguido BB? Afinal, segundo a decisão, tal plano terá sido engendrado antecipadamente, e os arguidos não vislumbraram que o telemóvel deste último arguido também teria de ter ficado no café juntamente com os outros três? Então, se pelo menos o arguido AA tinha pensado na questão dos telemóveis, para quê deixar uma “ponta solta” quando bastava apenas recolher o telemóvel do seu co-arguido? Mais releva que, segundo o dono do café, a testemunha BBB, só terão ficado no café dois telemóveis.

14- No que tange à matéria de facto dada como provada no quesito 21, resulta o seguinte: “De seguida, seguiram em direcção ao Restaurante 1, circulando o veículo conduzido por FF, acompanhado de GG como passageiro, sempre no encalce do veículo conduzido pelo arguido BB, seguindo o arguido AA como passageiro.”. A este propósito volta-se a questionar o porquê de as testemunhas acederem a tal plano, sem se encontrarem munidos de telemóvel (do qual poderiam necessitar caso acontecesse alguma coisa), sem sequer saber para onde se dirigiam pois, não lhe foi adiantada qualquer justificação.

15- A matéria elencada no quesito 22, suscita ainda mais estranheza: “Uma vez lá chegados, e junto ao Restaurante 1 – estabelecimento este sito ao lado de uma via que dá acesso à praia fluvial de ... – um local isolado nas margens do Rio ..., o arguido AA, dirigindo-se a GG e a FF, disse-lhes “Ficais aqui e seu eu precisar de vós chamo-vos!”, ao que ambos acederam, tendo permanecido junto ao veículo de marca Citroen, modelo C2, estando o mesmo estacionado do lado oposto ao restaurante e ao cimo da rua, ao fundo de cuja descida se encontrava a praia fluvial de ....”. Primeiro, questiona-se o facto das mencionadas testemunhas acederem ter permanecido naquele local, aquela hora, sem saber porquê, nem por quanto tempo. Segundo, como é que o arguido AA os poderia chamar, se necessário, se nenhum dos três tinha telemóvel?

16- No que se reporta ao quesito 23: “Passados cerca de 10 a 15 minutos, EE, conduzindo o seu veículo de matricula ..-DU-.., chegou ao local, tendo passado pelo veículo de marca Citroen, modelo C2, onde se encontravam GG e FF, e descido a rua em direcção ao veículo de marca Mercedes, classe E, onde se encontravam os arguidos BB e AA.”. Coloca-se a questão de saber o que fizeram os quatro nesse entretanto. Como aceitaram as testemunhas permanecerem em silêncio, naquele local, sem saber porquê. No que se relaciona com o quesito 24, é referido o seguinte: “Nessa ocasião, após uma breve conversa no exterior das viaturas entre EE e o arguido BB, o arguido AA entrou para o lugar do condutor do veículo de matricula ..-DU-.., entrando EE para o lugar de pendura, enquanto BB entrou para o lugar de condutor do veículo de marca Mercedes. De seguida, conduziram os veículos ainda para mais perto do rio, deixando de estar visíveis seja para quem for.”. Questiona-se como é que o ofendido ocupa o lugar de pendura do seu próprio veículo, sem para tal, de algum modo, ripostar.

17- No que se reporta ao quesito 25: “Após terem estacionado os veículos e saído dos mesmos, os arguidos, desferindo empurrões, encaminharam EE para a margem do rio, para um local ainda mais isolado, escuro e sem iluminação pública, e cuja margem se encontrava extremamente reduzida face ao forte caudal que o rio na altura tinha, de tal forma que até molhavam os pés, com o propósito de o agredirem, ameaçarem e lançarem ao rio, se não revelasse o paradeiro do dinheiro alegadamente furtado da casa do arguido BB.”. Este trecho da decisão, levanta uma série de questões que não foram, até agora, respondidas, nem contam da decisão: Os arguidos desferiram empurrões simultaneamente? Na mesma proporção? Em que parte atingiram o ofendido com os alegados empurrões? No quesito 12, é referido que os arguidos agiram com o propósito de o ofendido devolver o dinheiro, naquele momento, neste quesito parece que afinal o ofendido tinha de revelar onde se encontrava o dinheiro.

18- Com o devido respeito, o quesito 26, afigura-se ainda mais ambíguo: “Então, os arguidos, actuando em conjugação de esforços e no seguimento de plano gizado por BB e ao qual o arguido AA aderiu, atingiram o rosto e o corpo de EE de forma não concretamente apurada, com vista a apurar o paradeiro do dinheiro alegadamente furtado casa do arguido BB.”. Este trecho igualmente levanta uma série de questões relevantes: Como atingiram o corpo e o rosto do ofendido? Foram socos, pontapés, muniram-se de algum objecto? Os arguidos atingiram o ofendido na mesma proporção, ou um mais do que o outro? Em que zona atingiram o ofendido? Em que parte do rosto? Em que partes do corpo? Mais releva, que tal conclusão é manifestamente contrária à autópsia e ao depoimento do médico legista, que não assegura que o ofendido tenha sido agredido.

19- Refere o quesito 27, o seguinte: “De seguida, porque o ofendido insistia em negar saber do dinheiro, os arguidos atuando em conjugação de esforços, lançaram o EE ao Rio ..., que, na altura, apresentava um forte caudal e corrente.”. Com o devido respeito, mais uma vez, se encontra na douta decisão uma afirmação tão ampla que é impossível de ser contraditada. Questiona-se como é que lançaram o ofendido ao rio? Dos dois arguidos, quem fez o quê? Como procederam concretamente ao alegado lançamento ao rio? Como tinha o Recorrente, força física para sequer ajudar a lançar ao rio o ofendido que teria praticamente o dobro do seu tamanho e peso? O ofendido, quando foi lançado ao rio, estava com vida ou sem vida? Se tinha vida porquê que não reagiu? Pelo contrário, se o ofendido já não tinha vida quando foi lançado ao rio, qual foi a causa da morte? Mais se pode questionar se, mesmo que tenha caído ao rio com vida, o que causou a sua morte? Com o devido respeito, não podemos aceitar uma decisão não dá resposta a nenhuma destas questões, no entanto tem a segurança de aferir a culpabilidade do Recorrente condenando-o a 20 anos de prisão.

20- Com o devido respeito, o quesito 28, vem ainda confundir mais o raciocínio: “Como consequência directa e necessária da descrição da actuação concertada dos arguidos, nomeadamente, do facto de o terem lançado ao Rio ..., resultou a morte do ofendido, que apenas veio a ser resgatado do referido rio, no dia 22 de janeiro de 2020.”. Com o devido respeito, parece então o Tribunal ao arrepio da autópsia médico-legal e do depoimento do respectivo médico legista conseguiu apurar a causa da morte, mas mesmo assim não o diz claramente. Continuamos sem saber se o ofendido faleceu antes de ser lançado ao rio. Assim, o Tribunal a quo baliza a morte no momento em que é lançado ao rio (apesar de não especificar como), então ficamos sem saber se faleceu devido a alguma manobra que terá sido efectuada pelos arguidos no momento do lançamento. Se faleceu por ter batido em alguma rocha antes de cair à água propriamente dita. Se faleceu porque se sentiu mal ao vislumbrar a sua morte eminente. Se faleceu por afogamento ou por hipotermia. O texto da douta decisão não pode dar origem a ambiguidade, a interpretações diversas, a hipóteses alternativas, mas antes devia apresentar factos certos e definidos para ser possível serem contraditados, bem como para ser possível a realização da Justiça, o que, com o devido respeito, não aconteceu. A vítima apresentava escoriações, mas não sabemos se foram ou não causadas por acção humana. Desconhecemos também se foram causadas em vida ou nos momentos a seguir à morte, pois as lesões podem ser ante-mortem ou peri-mortem, as primeiras são lesões causadas antes da morte, as segundas podem ter sido causadas antes ou depois da morte, estas podem ter um período de algumas horas após o óbito. Da análise do corpo, não foi possível apurar a causa da morte.

21- No que se reporta ao quesito 30, sempre se dirá, que não resultou minimamente demonstrado que após a práctica dos alegados factos, o aqui Recorrente seguiu o arguido AA, pelo contrário, nenhuma testemunha, nem o próprio arguido referem tal, antes dizem que não voltaram a vê-lo. Pelo que se desconhece, com que base é que o Tribunal a quo, formou tal convicção, pois esta prova/indício não é mencionado no texto decisório. Tal é reforçado no quesito 31, pois o arguido terá dito aos amigos que “já tinha havido merda” as testemunhas não viram o aqui Recorrente, que segundo o quesito anterior, teria de seguir imediatamente ao arguido AA. Continuamos sem perceber como é que ainda assim, o arguido não explica aos amigos, aqui testemunhas, o que terá corrido mal.

No quesito 32, consta que é o arguido AA quem arremessa o telemóvel do ofendido para a berma da estrada. A decisão não faz referência ao modo como o referido telemóvel vem parar à posse do arguido em questão.

No quesito 33, é referido que o arguido AA passa no café para recolher os telemóveis que ali havia deixado. Para além de não percebermos, o porquê de, nem nesse momento, o arguido ter apresentado uma explicação aos amigos, tal levanta mais questões.

22-Assim, uma análise objectiva e directa, dá-nos a entender que, contrariamente ao explanado na douta decisão, parece que o plano pode não ter sido engendrado pelo arguido BB. Afinal, é o arguido AA quem recruta amigos, que não lhes dá explicação alguma, que se preocupa em recolher os telemóveis, afastando a localização das antenas BTS, é ele que tem a preocupação de se livrar do telemóvel e do automóvel do ofendido, bem como no fim, voltar a recolher os telemóveis, entregá-los aos seus amigos e por fim abandonar o país. Tal circunstancialismo, permite ir mesmo mais longe, no sentido de duvidarmos se o aqui Recorrente realmente lá se encontrava, ou se antes foi lá “colocado”, questão a que melhor nos debruçaremos infra.

23-Prossegue a decisão com as declarações prestadas pelo ARGUIDO BB que referiu que marcou o encontro e que se fez acompanhar por um indivíduo, com o intuito de “dar um aperto” ao ofendido (sem contextualizar em que consistia o tal aperto). Referiu que nem ele, nem o que o acompanhava o agrediram ou ameaçaram, mas quando, o que o acompanhava perguntou pelo dinheiro, este atirou-se ao rio. Em momento algum, o aqui Recorrente admite ter agredido o ofendido. Tendo em conta a natureza das coisas e a normalidade do acontecer, não nos parece viável que, a tal ter ocorrido, tenha sido o arguido BB a agredir o ofendido, mas antes o arguido AA atendendo à sua compleição física robusta. Já o aqui Recorrente é um individuo, baixo, magro, com 73 anos, doente e sofreu um AVC que lhe paralisou o lado esquerdo do corpo. Não tinha objectivamente capacidade de agredir alguém, praticamente, o dobro de si. Nem tão pouco, conseguia agredi-lo com um pé, permanecendo só com um pé no chão, sem se desequilibrar e cair. Acresce que o arguido AA nem sequer contextualizou as agressões que alegadamente visualizou. Ainda que conjuguemos as duas declarações, em momento algum, algum dos dois assumiu matar o ofendido. Nem sequer se referiram a um eventual plano no sentido de o agredir e caso não seja devolvido o dinheiro, partir para um homicídio. Nenhum dos dois referiu ter lançado o ofendido ao rio. Estiveram apenas em sintonia, quando mencionam que quando o ofendido estava na água, se encontrava com vida.

24-A partir da página 29, o Tribunal refere-se às declarações da demandante civil LL, que se referiu ao telefonema que o arguido terá feito à vítima, porém não ouviu o teor da dita chamada. Como mencionado supra, tal entra em contradição com a douta decisão, que dá como provado no quesito 14, que foi o ofendido quem efectuou o telefonema ao Recorrente às 20h02. Resulta da página 56: “(…) o cadáver foi encontrado vestido com uma camisola diferente daquela que a esposa havia descrito, aquando da participação do seu desaparecimento.”. E de facto tal corresponde à verdade.

Ficamos sem saber o que fez o ofendido ter mudado de roupa. Este depoimento, em nada contribui para a descoberta da verdade material ou boa decisão da causa, antes serviu para criar mais dúvida, no sentido de ficarmos sem perceber se foi o ofendido quem ligou ao Recorrente, ou se foi ao contrário, ficamos igualmente sem perceber o porquê de o ofendido ter sido encontrado com roupa diversa da indicada pela testemunha.

25-Depois o Acórdão segue com as declarações de MM onde se refere a conversas que terá tido com o arguido BB, que pese embora não sejam comprometedoras no que tange à culpabilidade do arguido, também não foram confirmadas por este, uma vez que se remeteu ao silêncio nas diversas sessões de audiência de discussão e julgamento, este depoimento em nada contribui para a condenação do arguido. Seguidamente, o douto Acórdão pronuncia-se sobre as declarações proferidas pelo filho da vitima, NN, que explicou as circunstâncias em que foi conhecedor do desaparecimento do pai, bem como as acções que levou a cabo nas buscas, porém em nada contribuiu para a produção de prova, no sentido de ser possível a condenação do aqui Recorrente.

26-Continua o douto Acórdão a escalpelizar o depoimento da testemunha OO, que em síntese confirmou que o arguido lhe transmitiu que terão furtado dinheiro de um cofre, “disparando para toda a gente”. Referiu ainda em sede de audiência de discussão e julgamento que o arguido nunca a tinha acusado diretamente da prática do furto. Ora, não se compreende o porquê desta testemunha não ter sido fiel à verdade, uma vez que prestou depoimento diverso nos dois momentos em que depôs, sendo eles contraditórios, logo, por maioria de razão se conclui que ou mentiu no primeiro depoimento, ou mentiu no segundo. Legitimamente perguntamos o porquê de o ter feito. Fica mais uma pergunta sem resposta. Como resulta da mencionada transcrição, a testemunha referiu que para além de si, o arguido desconfiava de mais pessoas. Deste modo, se pode concluir, que o Recorrente não transmitiu que desconfiava da vítima a esta testemunha. Em suma, pugnamos que do depoimento da mencionada testemunha também não foi possível retirar nada de relevante, susceptível de afectar a convicção do Tribunal no sentido de condenar o arguido.

27-Prossegue o douto Tribunal com a análise das declarações proferidas pela testemunha RR, esposa de MM. Também ela explicou as circunstâncias em que teve conhecimento do desaparecimento do sogro, bem como as ações que encetou no sentido de tentar descobrir o autor do alegado crime e nas buscas do seu paradeiro. Esta testemunha afirmou em sede de audiência de discussão e julgamento, que não obstante ter desconfiado do arguido BB, de o ter confrontado juntamento com o seu marido e com a testemunha JJJ, com o desaparecimento do sogro, afirmou em Tribunal que numa determinada altura o Recorrente lhe pediu a quantia de duzentos euros. Ora, suscita-nos estranheza o motivo pelo qual o arguido solicita à testemunha dinheiro. Por outro lado, tudo aponta, tendo em conta as regras da experiência, que não terá sido ele o autor do crime, pois não se afigura razoável que tenha cometido o ilícito em causa e incomode os familiares da vitima a pedir dinheiro. Tal entra em contradição com o depoimento do seu sobrinho que atesta que, após o assalto, o tio recebeu uma indemnização de 40 ou 45 mil euros. Fica mais uma questão - entre muitas - sem resposta. Em suma, é nosso entendimento que também este depoimento em nada contribui para a descoberta da justiça e verdade material como sendo base para a condenação do ora Recorrente, pelo contrário, o mesmo vem suscitar mais dúvidas.

28-Segue o douto Acórdão com a análise do depoimento da testemunha JJJ, Procuradora da República e amiga da testemunha RR. Na decisão, é referido que “reservas foram levantadas quanto à intervenção desta testemunha”, mas o Tribunal não esclarece quais e porquê. Na verdade, por esta foi dito em sede de audiência de discussão e julgamento que, encetou diligências no sentido de procurar EE, bem como confirmou que acompanhou a testemunha RR e a testemunha MM ao encontro com o arguido BB, nas bombas de gasolina das ..., enquanto a polícia que ficou a vigiar e a captar o som da conversa que tiveram. Com o devido respeito, tal atitude mais não passou de um “embuste” com o objectivo que o arguido confessasse, que foi ele o autor do crime em causa nos presentes autos. Sucede que o Recorrente não confessou, nem o podia fazer, porque em nada se encontra implicado nestes factos. Este “encontro vigiado e monitorizado” pela Polícia Judiciária assemelha-se ao instituto do agente provocador – agente que suscita o dolo criminoso em alguém que o não tinha previamente à sua intervenção - havendo a nosso ver uma linha ténue que separa a atitude das três testemunhas para com o arguido relativamente à figura mencionada. Pois, na verdade, os intervenientes pretendiam que, o arguido confessasse a prática de um crime, sem que este soubesse que estava a ser vigiado. Se tal atitude não consiste no instituto do agente provocador, é pelo menos atentatória dos direitos de defesa do arguido e configura um método proibido de prova nos termos do artigo 126.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal. Com efeito, está em causa um meio de prova mediante a utilização de meios enganosos. O mesmo raciocínio se aplica ao facto da Polícia Judiciária, pretender obter uma confissão por parte do arguido, sem este ter conhecimento que está a ser ouvido. Mais releva, que consta da douta decisão que a aqui testemunha foi auxiliar o casal RR e MM na qualidade de amiga e não como Procuradora do Ministério Público, sucede que não podemos estar perante uma verdadeira amizade, pois esta tinha a duração de 10 dias, aspecto esse olvidado pela douta decisão, mas que resultou do depoimento da própria testemunha. Mais se questiona, que se então a testemunha nada fez de errado, foi apenas ajudar amigos, porquê que renunciou ao dois processos que tinham como parte o aqui Recorrente? Note-se que estes processos foram distribuídos à senhora Procuradora da República em questão, em data anterior à sua intervenção nestes autos. Mas mais, afigura-se igualmente censurável a atitude levada a cabo pela Polícia Judiciária, que valida a semelhança com a nossa tese relativa ao Agente Provocador. A nulidade da prova proibida prejudica a decisão, o que significa que também ela é nula, nos termos do art.º 122.º n.º 1, tendo como consequência a repetição do Acórdão por parte do Tribunal recorrido, nos termos do art.º 410.º n.º 3 ambos do Código de Processo Penal.

29-O douto Acórdão prossegue com as declarações proferidas pela testemunha DD, que o próprio Tribunal admite que esta testemunha se apresentou “estranhamente receosa no seu depoimento”. Em suma, refere que o arguido BB o abordou duas vezes para “dar um aperto” ao ofendido, sem no entanto, explicar em que consistia tal acção. Face ao exposto, deste modo, esta testemunha em sede de discussão e julgamento nada de relevo acrescentou ao Tribunal. O Tribunal a quo, em seguida escalpeliza o testemunho de TT e UU que explicaram as circunstâncias da compra do cartão pré-pago pelo arguido BB. Talvez por esquecimento, não se referiu o douto Tribunal, ao facto de o arguido BB já ter, por outras vezes, efectuado compras de cartões de telemóvel, com o objetivo de proceder a cobranças a indivíduos que lhe devem dinheiro, pois caso telefonasse com o seu próprio número de telemóvel, esses mesmos indivíduos, não atenderiam os referidos contactos. Por sua vez, acrescentamos nós que, o TT foi comprar um cartão de telemóvel à loja do sobrinho UU, mais acrescentou que o arguido lhe pedia para fazer recados diversos, pelo que nada encarou como sendo atípico.

30-Continua o Tribunal com a análise do depoimento da testemunha VV, sobrinho do Recorrente. Esta testemunha referiu que o tio ficou abalado com o assalto de que foi vítima, que desconfiava dos filhos, da III (empregada doméstica) e de uma ou outras pessoas de que não se recorda, que após sofrer o AVC apresenta falta de memória e dificuldades motoras. Acrescentamos nós que referiu que o tio tentou o suicídio e que nunca se apercebeu que o tio tinha dificuldades económicas, tanto assim é, que recebeu determinados valores de um negócio que teve, que até foram cobrados por uma advogada que tinha na altura e que a testemunha acompanhou e tem conhecimento do recebimento de valores. O que significa que, afinal o arguido não referiu a toda a gente que desconfiava da vítima, que ficou afectado em termos psicológicos tendo inclusive tentado o suicídio, que ficou com sequelas permanentes na sequência do AVC e que não tinha carências económicas. Esta testemunha, apresentou uma perspetiva diferente, que abona a favor do arguido e que permite chegar a conclusões distintas.

31-O douto Acórdão segue agora com a análise do depoimento da testemunha CCC, que explicou em que circunstâncias conhecia o ofendido e o envolvimento que teve no apoio à família após o desaparecimento do mesmo. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, pugnamos que também este depoimento em nada contribui para justificar a condenação do Recorrente. O douto Acórdão continua com o depoimento da testemunha DDD, que em resumo afirmou que o Recorrente se mostrou revoltado com o facto de ter sido vítima do assalto e que desconfiava de cinco ou seis pessoas, com especial destaque para a empregada doméstica. Na nossa óptica, esta testemunha em nada contribui para a condenação do arguido BB, antes expõe que este não imputava a autoria do assalto à vítima.

32-Na nossa perspectiva, o Tribunal a quo, entende que o ora Recorrente esteve envolvido na morte da vítima porque prestou declarações ao Juiz de Instrução Criminal (descurando que prestou declarações depois de ter sido confrontado com os indícios) e essas mesmas declarações são coincidentes com alguns pontos das declarações igualmente proferidas perante Juiz de Instrução Criminal pelo arguido AA, bem como alguns pontos coincidentes das testemunhas FF e GG. Designadamente: que foi vítima de um assalto; que desconfiava da vítima como tendo sido um dos autores do roubo, tendo revelado isso mesmo à testemunha DD; que pediu à mencionada testemunha para dar um “aperto” à vítima a fim de reaver o dinheiro; que o Recorrente comprou um cartão telefónico; que a esposa da vítima revelou que o marido recebeu um telefonema que teria sido efectuado pelo arguido a convidá-lo para um encontro; que os dados obtidos através do “Google Time Line” indicam que o telemóvel da vítima estaria no dia 8 de Janeiro, às 20h21 junto ao Restaurante 1”; que entretanto o veículo do ofendido foi encontrado na garagem do arguido AA; este prestou declarações, tendo chamada à colação dois amigos, as testemunhas FF e GG; por fim que o cadáver foi encontrado no rio .... Com o devido respeito, em termos prácticos e objectivos, os únicos factos compatíveis com as declarações prestadas pelo Recorrente, são os dados obtidos pela aplicação do Google e o facto do cadáver ter sido encontrado no rio, todos os demais aspectos são duvidosos.

33-Veja-se a decisão na página 50: “(…) BB, certo que o “HHH” era responsável pelo furto que reportou ter ocorrido em sua casa (…) decidiu confrontá-lo, dando-lhe “um aperto” e matando-o, caso ele se negasse a devolver-lhe o dinheiro, para isso recorreu a “jagunços”, o último que aceitou a tarefa, o arguido AA (…). Preparou, antecipada e cuidadosamente o encontro (adquirindo um cartão prépago, que não o identificaria como chamante (…) encontro que marcou por forma a não levantar suspeitas na vítima: com fim de combinar um trabalho, num local público plausível à hora do jantar, em zona desconhecida da vítima (que teve de introduzir a morada no GPS que o levou ao local) mas próxima de um local ermo, escuro, junto ao rio (…). O arguido BB, agindo com o propósito de recuperar o dinheiro e de matar a vítima, caso o não conseguisse (…) com dias de antecedência, planeou e preparou o encontro (…) recrutou um homem de robusto porte físico que, por sua vez ciente do plano que tinha para executar, recrutou outros dois indivíduos a quem recorreria em caso de necessidade (…) aceitando as tarefas de intimidar, pelo seu porte físico, de agredir e, por fim, de matar (razão que levou o anterior contacto – a testemunha DD – a recusar tal pedido (…).”. Com o devido respeito, não compreendemos como é que o douto Tribunal a quo, faz determinados raciocínios, “dando um salto” supondo acontecimentos que não se encontram alicerçados em nada em concreto, e quando justifica o raciocíno que opera, baseia-se nas regras da experiência, no senso comum, isto sempre em prejuízo do arguido, aqui Recorrente.

34-Relativamente ao mencionado “matando-o, caso ele se negasse a devolver-lhe o dinheiro”, como já referido supra, se o ofendido não era conhecedor das desconfianças que o arguido BB tinha relativamente a si, e portanto nunca teria sido interpelado (note-se o depoimento da esposa que atestou que o marido saiu de casa tranquilo e que segunda ela, ele não sabia para o que ia) como levava cerca de oitenta e três mil euros consigo? Relativamente as alegações “para isso recorreu a “jagunços”, o último que aceitou a tarefa, o arguido AA” questionamos de quem estamos a falar? Pelo que resulta dos autos, o único que terá sido abordado pelo arguido, para além do co-arguido, terá sido a testemunha DD.

35-“Preparou, antecipada e cuidadosamente o encontro (adquirindo um cartão pré-pago, que não o identificaria como chamante (…)) encontro que marcou por forma a não levantar suspeitas na vítima”. Relativamente ao cartão telefónico que foi comprado pelo arguido, já referimos supra que o mesmo já o tinha feito outras vezes, com a finalidade de ser bem sucedido a cobrar dívidas. No que tange ao telefonema que o arguido terá efectuado ao ofendido, a verdade é que, mesmo que tenha ocorrido, desconhecemos os seus contornos, porque não foi audível por mais ninguém.

36-Prossegue a decisão: “com dias de antecedência, planeou e preparou o encontro (…) recrutou um homem de robusto porte físico que, por sua vez ciente do plano que tinha para executar, recrutou outros dois indivíduos a quem recorreria em caso de necessidade”. Neste ponto, parece que o Tribunal dá a entender que o arguido AA recrutou, por sua iniciativa, estes dois indivíduos. Questionamos porquê que não foram constituídos arguidos. Da leitura da decisão, parece que o arguido AA recrutou estes dois indivíduos por sua iniciativa, o que leva a crer que o Recorrente desconhecia tal factualidade. Se assim for, tal afigura-se susceptível, de afastar a co-autoria nesta parte. Então, segundo a decisão, parece que o Recorrente só delineou a primeira parte do plano criminoso.

37-Por fim, consta da douta decisão: “aceitando as tarefas de intimidar, pelo seu porte físico, de agredir e, por fim, de matar (razão que levou o anterior contacto – a testemunha DD – a recusar tal pedido (…)”. Neste ponto, é contrário ao senso comum, que tenha havido este plano entre ambos os arguidos. Partindo da premissa que eram meros conhecidos. Prossegue a decisão: “Sabiam ambos os arguidos que o encontro não era inocente (…) a qual não demandaria a ausência de telemóveis (…) Todas estas cautelas prévias (…) permitem/impõem concluir que os arguidos assim agiram cientes que iriam ter um encontro hostil, onde haveria recurso à violência para obtenção da informação e recuperação do dinheiro e, caso o não conseguissem, à morte da vítima.”. A este propósito, parece que não houve muitas cautelas prévias no que tange ao modus operandi do Recorrente, até mesmo porque, o arguido

AA terá tido o cuidado de recolher o seu telemóvel e o dos seus “comparsas”, mas não o do primeiro. Não pode deixar de suscitar estranheza, que o aqui Recorrente tenha tido “cautelas prévias” ao comprar um cartão pré-pago, e não ter o cuidado de ter afastado o seu equipamento do local do crime. Por outro lado, parece que também não terá tido o cuidado de colocar outra pessoa a falar por si a marcar um encontro com o ofendido, sendo certo que ao identificar-se seria imediatamente o principal suspeito.

38-Consta ainda da página 51: “(…) os arguidos encaminham a vítima, com empurrões e socos no corpo para junto da água.”. Com o devido respeito, questionamos em que se baseou o Tribunal a quo, para retirar tais ilações? Quando prestaram declarações, nenhum dos arguidos referiu tal realidade. Por outro lado, como já referido supra, carece de sentido, sendo o ofendido um homem robusto, ter-se deixado empurrar por outro sem reagir, tendo em conta que o arguido BB é um indivíduo franzino, idoso e com a saúde debilitada. Note-se que segundo a esposa do ofendido e o amigo CCC, o ofendido era um senhor corajoso, veja-se a página 44 da douta decisão: “Descreveu a vítima como (…) “um bravo”, que não se ficava (…)”.

39-Com o devido respeito, da leitura da decisão temos de fazer interpretações nossas, no sentido de tentar compreender o raciocínio levado a cabo do Tribunal, até porque há várias contradições aparentemente inofensivas e indirectas e tal não era suposto, porque os factos têm de ser certos e determinados, não sujeitos a dúvidas e interpretações, ainda para mais quando tal representa para o Recorrente uma condenação numa pena de 20 anos de prisão.

40-Prossegue a decisão com as declarações de o ARGUIDO AA, que referiu que aceitou acompanhar o arguido BB sensibilizado com o assalto que o segundo tinha sido vítima, aceitando acompanhá-lo para ajudar a abordar o ofendido no sentido de tentar apurar onde está o dinheiro. A este propósito sempre se dirá que carece de sentido esta aceitação, sem mais, por parte do arguido AA, pois não iria aceitar ajudar um mero conhecido, a um encontro de noite, na beira de um rio, tendo a obrigação de desconfiar que tal teria uma finalidade violenta. O normal, para o homem médio, era recusar tal proposta e aconselhá-lo a recorrer às autoridades para o efeito. Ainda suscita mais estranheza, ter “recrutado” dois amigos que desconheciam o plano alegadamente levado a cabo entre ambos os arguidos. Note-se que, segundo o próprio, pediu para os amigos o acompanharem, sem aviso prévio, à hora de jantar, num dia frio e escuro de Inverno, sem dar qualquer explicação e apropriando-se dos seus telemóveis. Acresce que, pese embora os seus amigos não levassem os telemóveis consigo, o combinado era que este os chamasse caso necessitasse, tal afigura-se inviável, tendo em conta que não tinha como os chamar, porque afinal nenhum dos três trazia o telemóvel consigo. Relembra-se que estas cautelas de apropriação dos telemóveis, não foram extensíveis ao aqui Recorrente, por motivo que desconhecemos, porque não consta da douta decisão. Também carece de sentido que o ofendido tenha anuído deslocar-se no seu próprio automóvel no local do pendura, sem contestar e sem ser, de alguma forma, coagido. Segundo o arguido AA, os amigos deslocaram-se no seu automóvel pessoal, foram deixa-lo no estacionamento combinado no momento, foram beber cervejas, como se nada se tivesse passado. Posteriormente o amigo FF teve de ir a garagem onde estava o automóvel do ofendido e acompanhou o trabalho dos construtores civis até ao fim e voltou a fechar o referido espaço e tudo sem que os amigos obtivessem a menor explicação por parte do arguido AA. Referiu entretanto, que o ofendido foi agredido pelo arguido BB e este até se terá oposto. Por serem contrárias às mais basilares regras da experiência e normalidade do acontecer, não podemos aceitar como verdadeiras, e por isso não devem ser valoradas.

41-Prossegue a decisão com a súmula das declarações da testemunha BBB, esta foi perentória ao afirmar que no dia da práctica dos factos apenas se encontravam no seu café, o arguido AA e o amigo GG. Não se apercebeu da presença nem do Recorrente, nem da testemunha FF. Adiantou que fixou aqueles pormenores, porque os dois indivíduos se esqueceram de ambos os telemóveis em cima do balcão, o que até aquela data nunca tinha acontecido. Estas declarações imparciais por desinteressadas, assumem particular relevo, até mesmo porque entram em contradição com parte do depoimento do arguido AA e das testemunhas FF e GG.

42-Consta da página 40 e seguintes da douta decisão, uma súmula das declarações da testemunha FF e da testemunha GG, reconhecendo o Tribunal que este testemunho apresentou incongruências com o primeiro. Da análise conjugada destes depoimentos, encontram-se inúmeras contradições: a testemunha FF e o GG referem que se encontravam no Café 3 na companhia do AA e do GG. Por sua vez, o dono do café, a testemunha BBB refere que o FF não se encontrava naquele dia no seu estabelecimento. O FF refere que primeiro chegou ao café ele, depois o GG e só depois o AA. Já o dono do café refere que só lá estiveram o AA e o GG e que chegaram ao mesmo tempo. O FF refere que após a entrega dos telemóveis, o AA entrou e desconhece como é que este último os fez chegar ao dono do café. Por sua vez, o GG refere que viu o AA entregar “em mãos” os telemóveis ao dono do café. Já o dono do café, refere que o AA e o GG deixaram/esqueceram-se dos dois telemóveis em cima do balcão. O FF refere que viu o aqui Recorrente fora do carro a fumar. Já o GG não o viu fumar, não sabe dizer quem era esse indivíduo que acompanhava o AA, avançando que a primeira vez que viu o arguido BB, foi em sede de audiência de discussão e julgamento.

43-O FF refere que no local perto do Restaurante 1 era iluminado. Por sua vez, o GG menciona que o local era escuro, tanto que nem sequer conseguiu descrever a fisionomia (se era alto, baixo, magro, robusto) dos indivíduos que alegadamente acompanhava o AA. No local onde estacionaram, já perto do Restaurante 1, o FF refere que o AA, o Recorrente e o ofendido se deslocaram nos carros em direcção ao rio. Já o GG afirma que o AA, e os outros dois indivíduos que não foi capaz de descrever, desceram apeados. Estas testemunhas referiram que desde a abordagem feita pelo arguido AA, permaneceram sempre juntas uma da outra, o que significa que, segundo as regras da experiência, deviam ter percepcionado mais ao menos os mesmos factos, mas tal não sucedeu.

44-Afigura-se pertinente que as testemunhas referiram que o arguido AA, se deslocou fora do café para vir recolher os seus telemóveis, contrariamente ao mencionado pelo dono do café que referiu que havia apenas dois telemóveis, respectivamente do AA e do GG que ficaram esquecidos no balcão. Segundo a testemunha BBB, a testemunha FF, nem se encontrava lá naquele dia. Este aspecto, desvalorizado pelo Tribunal a quo, na nossa óptica não devia ter sido, pois até compreendemos que se o dono do café serve habitualmente aqueles três indíviduos, é normal que tenha confundido e não se recordar da presença de um deles, até porque se percebe que não devem ir sempre os três todos os dias, à mesma hora, aquele local. Mas já é diferente fixar se “tomou conta” de dois ou de três telemóveis. E não se vislumbra nenhuma razão lógica para esta testemunha omitir que ao invés de três guardou dois telemóveis. A testemunha FF, referiu que viu o arguido BB fumar.

O aqui Recorrente nunca fumou na vida, tal foi atestado pela testemunha de acusação GGG. O aqui Recorrente nunca fumou, mas não ia começar a fumar agora, aos 73 anos, tendo em conta, também, a sua saúde frágil.

45-Posto isto, da conjugação destes quatro depoimentos, ficamos com o fito de considerar que o aqui Recorrente “foi lá colocado”, quando na verdade podia nem sequer ter estado naquele local. Esta hipótese não é descabida e é uma possibilidade capaz de preencher as incongruências e lacunas proveniente destes depoimentos. Na verdade, este processo, no apenso A, tinha um indivíduo KKK acusado de homicídio qualificado, sendo inocente. E o senhor LLL acusado de furto qualificado, igualmente inocente, quando o automóvel do ofendido se encontrava, desde o início, estacionado e parcialmente desmontado pelo arguido AA. Pelo que validamente questionamos, tendo em conta todas as circunstâncias, se o mesmo não é extensível ao aqui Recorrente.

46-Ainda que esta tese não colha, ainda assim, pugnamos que não resultou demonstrado que o ora Recorrente tenha cometido os crimes pelos quais vem acusado e defendemos que se encontra inocente. Em suma, como já referido, desconfiamos que o aqui arguido quando prestou as declarações fê-lo amedrontado com a hipótese de lhe ser aplicada a prisão preventiva, e as declarações que prestou foram “inspiradas” nos indícios que lhe foram apresentados, bem como pelas notícias por parte da comunicação social. Precisamente por isso, é que houve, um aspecto ou outro, que veio a ser coincidente com a factualidade efectivamente apurada, tal como o resultado obtido na aplicação do “Google Time Line”, bem como o facto do corpo do ofendido ter sido encontrado no rio .... Com efeito, não há provas seguras, firmes e cabais que relacionem o ora Recorrente com o desaparecimento do ofendido. Ninguém viu o momento em que o ofendido caiu ao rio, ninguém veio ao processo dar conhecimento disso.

47-Também resulta do senso comum que, se de facto, emboscasse o ofendido e que ainda que sem o pretender, desse acto resultasse a morte da vítima, o certo era permanecer em casa, ou fugir do país, com a esperança de não vir a ser considerado suspeito, e naturalmente sem contactar os familiares da vítima, mas da prova produzida resultou precisamente o contrário, pois para além de fazer a sua vida normal, ainda contactou os familiares da vítima, tendo chegado a encontrar-se com os mesmos voluntariamente e ainda pediu 200€ à nora do ofendido. Não faz qualquer sentido. Só colherá alguma lógica, se de facto este não tivesse qualquer participação no desaparecimento do ofendido, o que defendemos. Precisamente por isso, pela total ausência de prova, que vem o arguido recorrer e manifestar o seu total sentimento de injustiça, pois foi condenado por factos que não cometeu.

48–DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL – ART. 410 Nº 2 AL. B) DO CPP - Importa apontar as contradições previstas na decisão ora posta em crise, designadamente:

A – No quesito 4 da página 5 do douto Acórdão, na matéria relativa aos factos provados, consta que ocorreu um assalto em casa do aqui Recorrente, sucede que, na página 21 quesito C, já é dado como não provada a ocorrência do referido assalto;

B – No quesito 26 da douta decisão é referido que os arguidos agrediram fisicamente a vítima, o que entra em contradição com o testemunho do perito, a testemunha HH, constante no último parágrafo da página 43;

C – No quesito 26 da página 9 da decisão, é referido que ambos os arguidos agiram em conjugação de esforços, porém, na página 50 consta que o aqui Recorrente terá planeado tudo sozinho;

D – No quesito 1 da página 4 do douto Acórdão, é dado como provado que o aqui Recorrente era conhecido da vítima, há muitos anos, em virtude deste ter prestado serviços de eletricista quer na discoteca, que em tempos foi explorada pelo primeiro, quer na sua própria residência, todavia, no primeiro parágrafo da página 69, é mencionado que o aqui arguido era amigo da vítima;

E - O Tribunal a quo, Quesito 27, página 9 e no último parágrafo da página 68, parece apresentar formulações alternativas e por isso contraditórias, pois na página 9, dá a entender que a vítima estaria viva antes de ser lançada ao rio: “De seguida, porque o ofendido insistia negar saber do dinheiro, os arguidos, atuando em conjugação de esforços, lançaram o EE ao Rio ..., que, na altura, apresentava um forte caudal e corrente.”. Porém no último parágrafo da página 68, já dá a entender que a vítima estaria morta antes de ser lançada ao rio: “(…) os arguidos atuaram com vontade firme, preordenada, de confrontar a vítima, atraindo-a a um local isolado, e aí agredila e matá-la, lançando-a ao rio”);

F – No quesito 12, na página 6, pode ler-se o seguinte: “De igual forma, face à recusa do DD, em finais do mês de Dezembro de 2019, BB abordou o arguido AA no estabelecimento denominado Café 1, sito na Estrada Nacional ..., em ..., tendo então o arguido AA acedido e aceitado a solicitação de BB para, pelo seu porte físico robusto, o ajudar a levar a cabo o propósito de confrontar EE e forçá-lo, com recurso a violência, a devolver o dinheiro e, caso não o lograssem, a tirar-lhe a vida.”; Porém no quesito 25 da página 8 pode ler-se o seguinte:

“Após terem estacionado os veículos e saído dos mesmos, os arguidos, desferindo empurrões, encaminharam EE para a margem do rio, para um local ainda mais isolado, escuro e sem iluminação pública, e cuja margem se encontrava extremamente reduzida face ao forte caudal que o rio na altura tinha, de tal forma que até molhavam os pés, com o propósito de o agredirem, ameaçarem e lançarem ao rio, se não revelasse o paradeiro do dinheiro alegadamente furtado da casa do arguido BB.”. No quesito 12, é referido que os arguidos agiram com o propósito do ofendido, naquele momento, devolver o dinheiro, neste quesito parece que afinal o ofendido, naquele momento, tinha de revelar onde se encontrava o dinheiro. POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 410º, N.º 2, AL.

B) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL O ACÓRDÃO QUE ORA SE RECORRE PADECE DE NULIDADE.

49–DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO - art. 97º, nº 5 do Código de Processo Penal - Com efeito, é através da fundamentação da decisão que é efectuado o controlo da actividade decisória pelo Tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto. Ora no caso específico que analisamos, com o devido respeito, entendemos que a decisão enferma de nulidade, pois não há menção concreta ao modo como se chegou à pena aplicada ao arguido, pois não sabemos como foram alcançadas as penas unitárias, deixando margem a lacunas. Ou seja, o Tribunal recorrido, pese embora tenha providenciado pela elaboração do relatório social, que veio efectivamente a ser junto aos autos na motivação, não consignou nos factos provados qualquer elemento factual retirado de tal meio de prova. Mas mais, com o devido respeito, ao longo do texto da decisão visualizamos parágrafos completos com afirmações seguras, sem serem minimamente fundamentadas, impossibilitando o exercício do direito ao contraditório do arguido que por não saber concretamente de que é acusado impede-o de se defender, pois não sabe especificadamente de quê. Bem como se se vislumbram factualidades contraditórias, sem explicação para tal.

50-Vejam-se a título exemplificativo alguns exemplos do alegado: Quesito 26, página 9: “(…) os arguidos atingiram o rosto e o corpo de EE de forma não concretamente apurada (…)”.; Quesito 27, página 9: “De seguida, porque o ofendido insistia negar saber do dinheiro, os arguidos atuando em conjugação de esforços, lançaram o EE ao Rio ... (…).”.; No terceiro parágrafo da página 63: “A conduta dos arguidos, ao evidenciar tal frieza de ânimos e desprezo pela vítima (…) demonstra a especial perversidade e censurabilidade que a norma pressupõe, seja na postura dos arguidos que antecedeu, seja na que sucedeu ao lançamento da vítima ao rio: método empregue, nos procedimentos utilizados (…)”; No último parágrafo da página 68, consta o seguinte: “(…) os arguidos actuaram com vontade firme, preordenada, de confrontar a vítima, atraindo-a a local isolado, e aí agredi-la e matá-la, lançando-a ao rio (…)”. Afinal como é que os arguidos atingiram o corpo e o rosto da vítima? Em que proporção? Utilizaram algo? Atingiram com murros e pontapés? De que zona do corpo e rosto é que o Tribunal a quo se refere? Lançaram a vítima ao rio como? Como o fizeram? A vítima já estava morta quando foi lançada ao rio (é o que dá a entender a última transcrição)? Ou a vítima ainda estaria viva antes de ser lançada ao rio (como dá a entender a segunda transcrição supra mencionada)?

Se a vítima estava viva antes de ser lançada ao rio, sendo robusto e com saúde porquê que não reagiu?

51-No terceiro parágrafo da página 63, aqui transcrito, a decisão faz referência aos “métodos empregues” que métodos são esses? Ficamos sem compreender e tal é impossível de contraditar. Mas mais, no quesito 12, na página 6, pode ler-se o seguinte: “De igual forma, face à recusa do DD, em finais do mês de Dezembro de 2019, BB abordou o arguido AA no estabelecimento denominado Café 1, sito na Estrada Nacional ..., em ..., tendo então o arguido AA acedido e aceitado a solicitação de BB para, pelo seu porte físico robusto, o ajudar a levar a cabo o propósito de confrontar EE e forçá-lo, com recurso a violência, a devolver o dinheiro e, caso não o lograssem, a tirar-lhe a vida.”¸Porém no quesito 25 da página 8 pode ler-se o seguinte: “Após terem estacionado os veículos e saído dos mesmos, os arguidos, desferindo empurrões, encaminharam EE para a margem do rio, para um local ainda mais isolado, escuro e sem iluminação pública, e cuja margem se encontrava extremamente reduzida face ao forte caudal que o rio na altura tinha, de tal forma que até molhavam os pés, com o propósito de o agredirem, ameaçarem e lançarem ao rio, se não revelasse o paradeiro do dinheiro alegadamente furtado da casa do arguido BB.”. No quesito 12, é referido que os arguidos agiram com o propósito do ofendido, naquele momento, devolver o dinheiro, neste quesito parece que afinal o ofendido, naquele momento, tinha de revelar onde se encontrava o dinheiro. Retoricamente perguntamos – os arguidos pretendiam que o ofendido devolvesse o dinheiro no imediato ou apenas almejavam que este informasse onde se encontrava o dinheiro?

52- Mais releva, no último parágrafo da página 68, o Tribunal a quo, vai mais longe e afirma que os arguidos mataram a vítima, mas não especificaram como. Esta afirmação, com o devido respeito, é uma acusação muito grave e não se encontra fundamentada, nem alicerçada em prova nenhuma específica, segura e objectiva. Tanto assim é, que nem o próprio Tribunal (nem mesmo a autópsia médico-legal) tem conhecimento do que causou a morte. Com efeito, o Tribunal a quo, Quesito 27, página 9 e no último parágrafo da página 68, parece apresentar formulações alternativas, pois na página 9, dá a entender que a vítima estaria viva antes de ser lançada ao rio,

(até porque parece ter sido lançada ao rio após insistir desconhecer saber do dinheiro) porém último parágrafo da página 68, já dá a entender que a vítima estaria morta antes de ser lançada ao rio (“e aí agredi-la e matá-la, lançando-a ao rio”).

53-Relembramos que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães relembrou no douto Acórdão, Proc. 70/20.5..., página 72 e seguintes, que reenviou o processo para julgamento o seguinte: “Atenta a formulação da redacção daqueles números, fica-se sem saber: i) se o falecido EE se lançou ao rio e ii) se tal se ficou a dever por ter ficado desorientado, se por ter entrado em pânico ou se por ter ficado em pânico ou se por ter ficado desorientado e ter entrado em pânico. Conjugadas aquelas formulações são possíveis seis situações distintas (…) É sabido que os factos que são objecto da acusação ou da pronúncia e que delimitam o objecto do processo devem ser certos e determinados (…) têm de ter a completude suficiente para poderem ser contraditados e deles se poder defender o arguido. (...) do mesmo modo, após julgamento, os factos que integram a matéria de facto provada devem ser certos e determinados. (…) Assim, no tocante à conduta típica não são admissíveis factos genéricos, incertos, dubidativos ou hipotéticos, nem alternativos.”

54-POR TUDO ISTO E POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 97º Nº 5; 374.º N.º 2; 379.º, N.º 1, AL. A) TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL O ACÓRDÃO QUE ORA SE RECORRE PADECE DE NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, DEVENDO SER ORDENADO O REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO.

55–ERRO DE QUALIFICAÇÃO JURÍDICA - A este respeito urge sublinhar que na nossa perspectiva não resultou demonstrado a práctica de qualquer crime por parte do arguido BB, e como tal, por força do principio in dubio pro reo, deverá o mesmo ser absolvido. Porém, caso tivéssemos de ter em conta as declarações prestadas pelo mesmo ao Juiz de Instrução Criminal, conjugadas com as declarações do co-arguido, seguindo o que parece ser o entendimento elencado no douto Acórdão, consideramos que estamos perante um erro de qualificação jurídica uma vez que, o crime alegadamente perpetrado pelo aqui arguido se insere no tipo legal de omissão de auxilio, previsto e punido pelo art. 200º nº2 do Código Penal.

56-Não resultou demonstrada a práctica do crime de homicídio qualificado. Sem prescindir, sempre se dirá, que desconhecemos se o ofendido se encontrou ou não com o arguido. Desconhecemos se a vitima foi ou não agredida, pois as lesões podem ter sido provocadas por atritos, pedras ou rochas existentes no rio. Por outro lado, atendendo às declarações proferidas pelo arguido ao Juiz de Instrução Criminal, sabemos que este se fazia acompanhar por um individuo que teria a função de “apertar” a vitima a fim de reaver o dinheiro, porém desconhecemos a compleição física do mesmo. Em momento algum o aqui Recorrente referiu que esse tal indivíduo era o co-arguido AA. Em momento algum, o aqui Recorrente afirmou ter sequer intenção de matar a vítima, muito menos afirmou ter morto efectivamente. Nem conjugando o seu depoimento com as declarações prestadas pelo co-arguido, perante Juiz de Instrução Criminal, se pode aferir tal factualidade.

57-Tanto assim é que o Tribunal a quo, efectua formulações alternativas (conforme já mencionado) no sentido de desconhecer se o ofendido foi lançado ao rio vivo ou morto. O Tribunal afirma também genérica e amplamente que os arguidos mataram o ofendido mas não especifica como. Não apura a causa da morte. Afirma que o ofendido foi agredido pelos arguidos mas também não especifica como, em que circunstâncias, em que proporções, que zonas do corpo e rosto foram atingidas. Igualmente não concretiza como foi lançado ao rio, que manobras terão os arguidos efectuado para o fazer, tendo em conta que o ofendido era um senhor alto e forte e o aqui Recorrente um indivíduo franzino, baixo e doente, tendo sofrido um AVC que lhe paralisou de forma definitiva o seu lado esquerdo do corpo.

58-Ora, se o objectivo do arguido era reaver o dinheiro de que foi ilegitimamente desapossado nunca teria a intenção de matar, nem tampouco vislumbrado a possibilidade da vítima se afligir e/ou desorientar, atirando-se ou caindo para o rio, pois desse modo nunca iria reaver a quantia monetária em causa. Por tudo isto, pela latente ausência de prova não pode o arguido BB ser condenado pelo crime de homicídio, muito menos pelo crime de homicídio qualificado, pois não se provando o crime base é legalmente impossível provar-se a qualificativa.

59-O mesmo é extensível ao crime de furto qualificado, (no primeiro julgamento, que deu lugar ao apenso A, foi o aqui Recorrente absolvido nesta matéria, e bem) pois não foi apresentada uma única prova nesse sentido, nem em sede de audiência de discussão e julgamento nem tão pouco da prova carreada para os autos. Nada relaciona o aqui Recorrente à viatura automóvel em causa. Com a sua conduta, o ora Recorrente não preenche os elementos objectivos nem subjectivos do tipo legal, não tendo ficado demonstrada a co-autoria nesta matéria, pelo contrário, segundo as declarações do co-arguido, nenhum dos dois abordou a questão de quem ficaria com o veículo do ofendido, e que naquele momento decidiu levar a viatura daquele local. Por sua vez, o Recorrente afirmou que desconhecia o paradeiro dessa viatura. Não resultou demonstrado que o plano alegadamente engendrado por ambos passasse também pelo destino a dar ao veículo automóvel do ofendido, pelo contrário tudo aponta em sentido contrário pois, o veículo encontra-se na posse do arguido AA, o que leva a acionar a presunção legal, que se depreende que se a viatura se encontrava na sua posse é porque lhe pertence, nesse sentido também vão as regras da experiência. Tal terá de ser conjugado com as declarações de ambos os arguidos perante Juiz de Instrução Criminal, onde afirmam que o aqui Recorrente em nada se relaciona com tal automóvel. Tudo conjugado, por força do princípio in dubio pro reo deve o aqui Recorrente ser absolvido deste crime.

60-Face ao exposto, e ainda no seguimento das declarações prestadas pelo arguido ao Juiz de Instrução de Criminal e seguindo o entendimento que parece ser o plasmado no texto da decisão, na nossa modesta opinião, a estar em causa a práctica de algum crime, estamos perante um crime de omissão de auxilio, previsto e punido pelo art.º 200º nº2 do Código Penal. Pois, alegadamente o aqui arguido terá efetuado um telefonema a convidar o ofendido a deslocar-se ao seu encontro, para o efeito fez-se acompanhar por um individuo, que tinha a função de dar um “aperto” ao último com o objetivo de reaver o dinheiro que tinha sido furtado ao Recorrente, no entanto, não chegou a ocorrer nenhum tipo de confronto físico contra a vitima. Na nossa ótica, a serem verdadeiras as declarações do arguido, o único facto que pode ser imputado ao mesmo prende-se com a questão de se ter apercebido que a vitima necessitou de socorro e nada o fez para o ajudar, incorrendo assim na práctica do crime de omissão de auxilio.

61-ATENDENDO A TODOS OS ELEMENTOS SUPRARREFERIDOS, ESTAMOS EM CRER QUE O ARGUIDO BB, A SER CONDENADO – O QUE POR MERO RACIOCÍNIO ACADÉMICO SE EQUACIONA – DEVERÁ O CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO SER CONVOLADO PARA O CRIME DE OMISSÃO DE AUXÍLO, NOS TERMOS DO ART. 200º Nº 2 DO CÓDIGO PENAL, DEVENDO SER ABSOLVIDO DO CRIME DE FURTO QUALIFICADO.

62–DA MEDIDA DA PENA - Com o devido respeito, não compreendemos como é possível, o aqui Recorrente ter sido condenado na pena de 20 anos de prisão, tendo em conta a ausência de prova directa, e considerações dúbias, hipotéticas e subjectivas. É uma decisão injusta susceptível de abalar a comunidade no geral e afectar a credibilidade da Justiça, pois parece que afinal é possível um cidadão ser condenado, quase na pena máxima permitida no nosso Código Penal, sem provas seguras e objectivas. A verdade é que, mesmo que tivesse cometido os crimes em apreço – o que por mero raciocínio académico se equaciona - a pena afigura-se excessiva, encontrando-se perto dos limites máximos das respectivas molduras penais. Acresce que a decisão, não teve em conta as suas condições pessoais, nos termos do art. 71° nº 2 do Código Penal e não fez correcta aplicação dos artigos 40º nº 1 e 2 e 70º do Código Penal.

63-Vejamos: O arguido tem 73 anos de idade; Foi detido pela primeira vez à ordem dos autos anteriores, actual apenso A, durante 2 anos; Possui enquadramento habitacional, social, familiar e encontra-se reformado; Prestou declarações na fase de Inquérito, cooperando para a descoberta da justiça e da verdade material; Não se imiscuiu à Justiça, tendo mantido as apresentações sem incumprir; Em 2017 o arguido BB, sofreu um acidente vascular cerebral isquémico, que lhe trouxe limitações físicas do lado esquerdo do corpo; No pretérito dia 15 de Janeiro de 2020, o arguido tentou o suicídio (tal facto é validado pelo relatório social), por ingestão de fármacos, tendo dado entrada no serviço de urgência no Hospital 1 em .... Desde essa data que beneficia de acompanhamento psiquiátrico; O arguido foi sujeito a um exame pericial, pese embora se tenha apresentado orientado no tempo e no espaço, lúcido e consciente, apresentou problemas de memória, com fuga de ideias, esquecimento e confusão, apresentando perturbação psicológica significativa; O arguido tem antecedentes criminais, porém por crimes que protegem bens jurídicos substancialmente diversos, tendo sido condenado e cumprido as respetivas penas que se referem a factos cometidos há pelo menos dez anos.

64-O julgador deve ter sempre em mente o vertido no já referido art. 40º nº 1 do Código Penal, que determina que o verdadeiro objectivo das penas é a reintegração do agente em sociedade, devendo conjugar o mesmo com o art. 70º do Código Penal que dispõe que a pena de prisão só deve ser aplicada como último recurso, devendo o Tribunal dar preferência a penas não privativas.

65-É a primeira vez que o aqui arguido se encontrou privado da sua liberdade. Honestamente consideramos que, o período de encarceramento que já cumpriu, já constituiu um castigo justo e exemplar, seguramente demovedor para a eventual práctica do crime em causa ou de qualquer outro.

66-Neste sentido, é certo que o pressuposto formal de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é que a pena seja de prisão em medida não superior 5 (cinco) anos, ao abrigo do art. 50º do Código Penal, pressuposto que se preenche caso a pena seja reduzida. Há que averiguar igualmente se o pressuposto material se encontra preenchido, a este propósito, pelas circunstâncias já mencionadas supra, consideramos que as exigências materiais também se encontram preenchidas, sendo por isso possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido sobre o seu comportamento futuro.

67-O Tribunal não pode descurar que o aqui arguido tem 73 anos de idade, pelo que uma pena de prisão demasiadamente longa significa, uma verdadeira prisão perpétua, pelo que o Recorrente iria ser colocado em liberdade com sensivelmente 93 anos. Retoricamente perguntamos – como é que é possível reintegrar um condenado com 93 anos de idade? Que interesse há para a sociedade, que os Tribunais devem servir, que este cidadão idoso e doente, seja encarcerado durante 20 longos anos?

68-No que respeita ao Pedido de Indemnização Civil formulado, sempre se dirá que os valores aqui peticionados são manifestamente desproporcionais, atendendo que têm de ser tidos em conta um conjunto de vectores, nomeadamente: o arguido a ter cometido um crime, estamos perante um erro de qualificação jurídica, estando em causa o cometimento de um crime omissão de auxílio e como tal de natureza menos gravosa e o nível de vida e à condição económica do arguido. Resulta da lei, um juízo de equidade na fixação do valor nos termos do art. 496º, n.º 4 do Código Civil, o qual deve ainda atender às circunstâncias elencadas no art. 494º do mesmo diploma.

69-ATENDENDO A TODOS OS ELEMENTOS SUPRARREFERIDOS, ESTAMOS EM CRER QUE O ARGUIDO BB DEVE SER ABSOLVIDO, PORÉM SE ASSIM NÃO FOR ENTENDIDO – O QUE POR MERO RACIOCÍNIO ACADÉMICO SE EQUACIONA - DEVE SER CONDENADO EM PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, SUJEITA A REGIME DE PROVA, QUE GARANTIRIA, DE FORMA CABAL, O CUMPRIMENTO DAS NECESSIDADES DE PREVENÇÃO GERAL E ESPECIAL DO CASO CONCRETO.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SABIAMENTE SUPRIRÃO, O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, NOS TERMOS SOBREDITOS.

4. Aos recursos respondeu a Exma Procuradora Geral Adjunta no Tribunal da Relação, concluindo, pela improcedência do recurso (transcrição parcial):

(…)“Está perfeitamente expresso o raciocínio, sufragado pelo tribunal recorrido, em função do qual se deram como provados determinados factos, aí expressos, com recurso à prova indireta, não sendo defensável que o acórdão padeça de alguma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; de contradição insanável e/ou de erro notório na apreciação da prova.

Também no que respeita aos crimes imputados (perante os factos que foram dados como provados) e à medida da pena se considera não deverem os recursos proceder, sufragando-se as considerações expressas no despacho recorrido.

Conclui-se assim no sentido de ser negado provimento aos recursos.”

5. Respondeu, ainda, ao recurso, o Assistente aderindo à resposta do Ministério Publico e concluindo também pela improcedência dos recursos.

6. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer onde suscita a “questão prévia da irrecorribilidade (parcial) da decisão do Tribunal da Guimarães, afigurando-se deverem ser parcialmente rejeitados os recursos”, e, a final, conclui, em síntese, no sentido de deverem ser, nos sobreditos termos, rejeitados e julgados improcedentes os recursos.

7. Notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta.

Foram os autos aos vistos e à conferência,

decidindo,

II. Fundamentação

8. Factos.

Foram dados como provados os seguintes factos:

“1 - O acórdão recorrido proferiu a decisão que abaixo se transcreve, no que respeita à matéria de facto:

“Discutida a causa e com interesse para a sua justa decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto constante da decisão de pronúncia destes autos e da acusação do apenso A, na parte em que se repetem:

1. BB, conhecido por “MMM” por ter explorado durante anos a Discoteca 1, conhecia EE, conhecido por “HHH”, há muitos anos em virtude de este ter prestado serviços de manutenção e também como eletricista, seja na referida discoteca, seja na residência do arguido BB, residência essa sita em ..., em ....

2. O arguido AA era conhecido de BB.

3. Fruto da exploração da discoteca, além de conhecer inúmeras pessoas ligadas à atividade de segurança privada, BB tinha guardada quantia monetária não concretamente apurada no interior de um cofre, na sua residência sita em ..., em ....

4. Pelas 23.50 horas do dia 10 de dezembro de 2019, BB chamou a GNR a sua casa e reportou que o cofre ali existente teria sido arrombado e do seu interior subtraída a quantia de cerca de € 83.000 (oitenta e três mil euros), indicando como suspeita a sua empregada doméstica, III.

5. O arguido BB desconfiou que o assalto de que foi vítima havia sido perpetrado pela sua empregada III, coadjuvada por EE.

6. Assim, e com o propósito de reaver a quantia monetária que lhe havia subtraído, por diversas vezes, BB abordou a sua empregada III, manifestando a diversas pessoas as suas suspeitas quanto à autoria do assalto.

7. Face ao insucesso das suas abordagens, em data indeterminada do mês de dezembro, mas posterior ao dia 10 de dezembro e antes do Natal, BB solicitou a DD, que conhecia como segurança privado, que o ajudasse a recuperar tal quantia monetária, pedindo-lhe que “desse um aperto” a EE.

8. Face à recusa de DD, o arguido BB decidiu que, caso não conseguisse reaver o dinheiro, iria pôr termo à vida de EE.

9. No seguimento dessa decisão, e tendo em vista a realização dos contatos necessários e de forma a evitar ser identificada a origem de tais contatos, no dia 3 de janeiro de 2020, BB pediu a TT que lhe adquirisse um cartão SIM pré-pago na loja denominada M..., sita no Centro Comercial P..., em ....

10. Nessa ocasião, e apenas porque tivesse ocorrido um imprevisto com o cartão adquirido por TT, BB teve que ir pessoalmente à dita loja M... onde acabou por comprar ao vendedor UU um cartão SIM pré-pago com o n.º ... ... .14. Então, BB solicitou ainda a UU que procedesse ao carregamento de tal cartão SIM com a quantia de € 15 (quinze euros), quantia essa que BB pagou ao vendedor em numerário.

11. De seguida BB introduziu tal cartão SIM no telemóvel Boway U11, com o IMEI .............70, telemóvel este que não é o seu habitual, tendo-o usado pela última vez no dia 8 de janeiro.

12. De igual forma, e face à recusa do DD, em finais do mês de dezembro de 2019, BB abordou o arguido AA no estabelecimento denominado Café 1, sito na Estrada Nacional ..., em ..., tendo então o arguido AA acedido e aceitado a solicitação de BB para, pelo seu porte físico robusto, o ajudar a levar a cabo o propósito de confrontar EE e forçá-lo, com recurso a violência, a devolver o dinheiro e, caso não o lograssem, a tirar-lhe a vida.

13. Já no dia 8 de janeiro de 2020, cerca das 16 horas e 46 minutos, o arguido BB, usando o dito telemóvel com o referido cartão SIM n.º ... ... .14, telefonou a EE, titular do cartão telefónico n.º ... ... .74, tendo combinado com este um encontro alegando querer conversar com este sobre um trabalho que tinha para o aludido EE.

14. Conforme acordado entre ambos, cerca das 20.02 horas desse dia 8 de janeiro, EE telefonou para o n.º ... ... .14, do arguido BB, tendo este agendado o encontro no parque junto ao Restaurante 1, sito na Rua ..., em ....

15. De seguida, EE colocou no GPS do seu telemóvel como destino “Restaurante 1, ...” e deslocou-se para tal local sozinho, fazendo-se transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Volvo, modelo C 30, de cor preta, com a matrícula ..-DU-.., de valor não concretamente apurado, mas não inferior a € 5.100 (cinco mil e cem euros).

16. De forma a terem alguém a quem recorrer caso surgisse alguma dificuldade na execução do plano delineado pelo arguido BB e ao qual o arguido AA aderira, previamente ao encontro combinado com EE, os arguidos deslocaram-se às imediações do estabelecimento denominado Pastelaria 1, sito na Rua do ..., em ..., tendo o arguido AA se dirigido ao estabelecimento.

17. Uma vez aí, o arguido AA abordou GG e FF, seus amigos e que ali se encontravam, aos quais pediu que o acompanhassem, sem explicar o motivo, tendo nessa ocasião entregue a chave da sua viatura da marca Cirtroën, modelo C2, de dois lugares, a FF.

18. Daí, o arguido AA deslocou-se na viatura da marca Mercedes, modelo Classe E, conduzida por BB, enquanto que GG e FF se fizeram transportar no veículo pertença do arguido AA.

19. Dirigiram-se então ao estabelecimento denominado Café 3, sito em ..., nas ..., altura em que apenas o arguido AA e GG e FF se deslocaram ao interior do estabelecimento.

20. Antes de regressarem aos respetivos veículos, o arguido AA pediu a GG e a FF para lhe entregarem os seus telemóveis, afirmando “Para onde vamos não precisamos de telemóveis”, tendo o arguido AA deixado os telemóveis no interior do estabelecimento Café 3.

21. De seguida, seguiram em direção ao Restaurante 1, circulando o veículo conduzido por FF, acompanhado de GG como passageiro, sempre no encalce do veículo conduzido pelo arguido BB, seguindo o arguido AA como passageiro.

22. Uma vez lá chegados, e junto ao Restaurante 1 – estabelecimento este sito ao lado de uma via que dá acesso à praia fluvial de ... –, um local isolado nas margens do Rio ..., o arguido AA, dirigindo-se a GG e a FF, disse-lhes “Ficais aqui e se eu precisar de vós chamo-vos!”, ao que ambos acederam, tendo permanecido junto ao veículo de marca Citroën, modelo C2, estando o mesmo estacionado do lado oposto ao restaurante e ao cima da rua, ao fundo de cuja descida se encontrava a praia fluvial de ....

23. Passados cerca de 10 a 15 minutos, EE, conduzindo o seu veículo de matrícula ..-DU-.., chegou ao local, tendo passado pelo veículo de marca Citröen, modelo C2, onde se encontravam GG e FF, e descido a rua em direção ao veículo de marca Mercedes, classe E, onde se encontravam os arguidos BB e AA.

24. Nessa ocasião, após uma breve conversa no exterior das viaturas entre EE e o arguido BB, o arguido AA entrou para o lugar de condutor do veículo de matrícula ..-DU-.., entrando EE para o lugar de pendura, enquanto BB entrou para o lugar de condutor do veículo de marca Mercedes. De seguida, conduziram os veículos ainda mais para perto do rio, deixando de estar visíveis para seja quem for.

25. Após terem estacionado os veículos e saído dos mesmos, os arguidos, desferindo empurrões, encaminharam EE para a margem do rio, para um local ainda mais isolado, escuro e sem iluminação pública, e cuja margem se encontrava extremamente reduzida face ao forte caudal que o rio na altura tinha, de tal forma que até molhavam os pés, com o propósito de o agredirem, ameaçarem e lançarem ao rio, se não revelasse o paradeiro do dinheiro alegadamente furtado da casa do arguido BB.

26. Então, os arguidos, atuando em conjugação de esforços e no seguimento de plano gizado por BB e ao qual o arguido AA aderiu, atingiram o rosto e o corpo de EE de forma não concreta apurada, com vista a apurar o paradeiro do dinheiro alegadamente furtado da casa do arguido BB;

27. De seguida, porque o ofendido insistia negar saber do dinheiro, os arguidos, atuando em conjugação de esforços, lançaram o EE ao Rio ..., que, na altura, apresentava um forte caudal e corrente.

28. Como consequência direta e necessária da descrita atuação concertada dos arguidos, nomeadamente, do facto de o terem lançado ao Rio ..., resultou a morte do ofendido, que apenas veio a ser resgatado do referido rio, no dia 22 de janeiro de 2020.

29. Nesta data, resgatado do rio, o cadáver da vítima apresentava as seguintes lesões:

Hábito externo:

- na cabeça: na região frontal esquerda, uma área arroxeada difusa, de bordos mal definidos, com 12 por 4 centímetros de maiores dimensões; na mucosa interna do lábio superior à direita, uma área de aparente infiltração sanguínea infra-centimétrica; na mucosa interna do lábio superior à esquerda, uma área aparente de infiltração sanguínea infra-centimétrica;

- no membro superior direito: na transição do terço superior para o médio da face posterior do antebraço uma escoriação avermelhada com 2 centímetros de maior diâmetro;

- no membro superior esquerdo: no terço médio da face medial do braço, uma área acastanhada de formato irregular, cm 4,5 por 2,5 centímetros de maiores dimensões; no terço inferior da face posterior do antebraço, uma escoriação acastanhada com 2 por 1,5 centímetros de maiores dimensões;

Hábito interno:

- cabeça: partes moles: duas áreas de infiltração sanguínea, uma com 1,5 por 1 centímetros de maiores dimensões localizada na região dos músculos orbicular e zigomáticos à esquerda, e outra com 1 centímetro de maior na mucosa interna labial na região lateral à comissura labial direita;

- no membro superior direito: na face lateral do médio do braço uma área de infiltração sanguínea no tecido muscular com 2 por 1,5 centímetros de maiores dimensões; na face posterior da transição do terço superior para o médio do antebraço, em topografia concordante com a área de escoriação descrita no exame do hábito externo, uma área de infiltração sanguínea no tecido muscular com 1,5 por 1 centímetros de maiores dimensões.

30. Após agirem da forma descrita em 26 e 27, os arguidos ausentaram-se do local, seguindo BB no seu veículo da marca Mercedes, e seguindo o arguido AA no veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Volvo, modelo C 30, de cor preta, com a matrícula ..-DU-.., pertença de EE, retirando-o da disponibilidade deste e assim o fazendo seus.

31. Ao passar junto de GG e de FF, o arguido AA disse-lhes para saírem dali pois “já tinha havido merda”, tendo estes seguido no encalce do arguido, fazendo-se transportar no veículo de marca Citröen.

32. E, quando se afastava do local, a cerca de dois quilómetros (em linha) de tal local, o arguido AA arremessou o telemóvel de EE para a berma da Estrada Nacional n.º ... (Rua ...), imediatamente antes da ponte sobre o Rio ..., no sentido ....

33. Seguindo FF e GG no seu encalço, o arguido AA regressou ao estabelecimento Café 3, onde recuperou os telemóveis que ali havia deixado.

34. Após, tripulando a viatura de matrícula ..-DU-.., o arguido AA escondeu tal viatura na garagem individual que mantinha arrendada na Rua ..., em ..., tendo-lhe retirado as chapas da matrícula e a bateria.

35. O telemóvel de EE veio a ser encontrado no dia 18 de janeiro de 2020 a cerca de 1,5 metros da berma esquerda da Estrada Nacional n.º ... (Rua ...), imediatamente antes da ponte sobre o Rio ..., no sentido ....

36. No dia 22 de janeiro de 2020, cerca das 10 horas e 20 minutos, por ter encalhado numa rocha, o corpo de EE veio a ser encontrado a boiar no Rio ..., junto ao Parque da ..., em ..., ..., a cerca de 800 metros de distância onde os arguidos o haviam atirado ao rio.

37. No bolso frontal esquerdo das calças que trajava, EE tinha a sua carteira, contendo, além dos seus documentos identificativos, de um cartão multibanco e de outros documentos, a quantia de € 55 (cinquenta e cinco euros), e no bolso frontal direito tinha € 5,08 (cinco euros e oito cêntimos) em moeda. Trazia ainda colocado no pulso esquerdo um relógio da marca Swatch.

38. No dia 13 de julho de 2021, o arguido BB tinha guardados na sua residência, sita no Lugar da ..., em ...:

- seis exemplares, integrais, de jornais “Correio da Manhã”, publicados, respetivamente, nas datas 15/01/2020, 16/01/2020, 17/01/2020, 19/01/2020, 20/01/2020 e 26/01/2020, com notícias alusivas ao desaparecimento de EE;

- um cartão de suporte de cartão SIM da operadora Vodafone, sem cartão SIM e relativo ao ICCID ..........59;

- uma caixa de cartão com os dizeres Whalther TPH, cal. 6.35mm, n.º de série ....56, contendo no seu interior um manual de arma de fogo da mesma marca (Walther TPH), uma folha de papel com a inscrição Walther integrando um alvo com quatro orifícios, uma folha A4 com instruções de utilização de arma de fogo, um carregador, um escovilhão e um pedaço de esferovite com vinte e cinco orifícios próprios para acondicionamento de munições calibre 6.35 mm;

- um telemóvel da marca Apple, com o IMEI .............81, contendo cartão SIM da operadora Vodafone;

- um telemóvel da marca Nokia, com os IMEI´s .............56 e .............55, a operar com o cartão SIM da operadora Vodafone;

- dois cartões em papel da operadora Vodafone, relativos aos números de contacto ... ... .24 e ... ... .68.

39. Desde 2018 ou 2019 até 28 de julho de 2022, inclusive, o arguido AA tinha tomado de arrendamento uma garagem individual sita na Rua ..., em ..., garagem essa que sempre esteve unicamente na sua disponibilidade, único detentor da respetiva chave.

40. No dia 28 de julho de 2022, cerca das 10 horas, o arguido AA tinha guardado na garagem individual sita na Rua ..., em ..., o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Volvo, modelo C30, de cor preta, com o número de chassis ...............43, que é o número do chassis do veículo ao qual se encontra atribuída a matrícula ..-DU-.., pertença de EE e que o arguido AA havia feito seu.

41. Nessa ocasião, o arguido AA havia ali guardado o referido veículo automóvel com o VIN/ número de chassis ...............43 tapado por oleados, plásticos, carpetes e panos, estando o veículo sem as chapas de matrícula, sem bateria e sem a vinheta de seguro aposta no para-brisas, e estando a bagageira fechada sem possibilidade de abertura.

42. Ao agirem do modo acima descrito, no cumprimento de plano gizado por BB, a que o arguido AA aderiu, estes dois arguidos, em conjugação de esforços, atuaram de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de, atenta a superioridade numérica e o porte físico robusto do arguido AA, atingir a integridade física do ofendido e de o matar, lançando-o ao Rio ..., o que vieram lograr.

43. Os arguidos agiram de forma concertada, em livre manifestação de vontade, planeando o encontro, o confronto e a morte de EE com vários dias de antecedência e refletindo e ponderando sobre os meios a empregar e sobre o modo como o atrair a um lugar isolado, de aí o agredirem e lançar ao rio e ainda sobre a forma de evitar serem detetados posteriormente pelos órgãos de polícia criminal, revelando assim frieza de ânimo e reflexão sobre os meios empregues.

44. Não obstante soubessem ser as suas condutas proibidas e punidas por lei penal, não se abstiveram os arguidos de a prosseguir.

45. Ao agir do modo descrito, atuaram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços, no cumprimento de plano por ambos gizado e a que ambos aderiram, com o propósito concretizado de retirar do local e se apoderarem do veículo automóvel de matrícula ..-DU-.., que sabiam não lhes pertencer, retirando-o da disponibilidade de EE (e dos seus herdeiros), fazendo-o coisa sua, desiderato que lograram alcançar.

46. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, e ainda assim não se abstiveram de as prosseguir.

Mais se provou que

47. Após a participação do furto aludida em 4, pelas 16.00 horas do dia 20.12.2019, o arguido BB compareceu no posto da GNR para alterar o valor do furto participado, de € 83.000,00 para € 145.000,00.

48. O arguido AA não conhecia a vítima EE.

49. Em janeiro de 2020, o arguido AA tinha 30 anos de idade, o arguido BB tinha 68 anos de idade e o ofendido EE tinha 63 anos de idade.

50. Na data dos factos referidos supra em 21, o Restaurante 1 estava em funcionamento ao público.

51. No dia 11.07.2020, o arguido BB fez uma publicação na sua página de Facebook com o seguinte texto: “As pessoas que me assaltaram a casa são entre ... e ... onde estão envolvidos entre mulheres e homens. Um desses homens que anda em ..., ...… têm 15 dias para me devolverem o que me roubaram se não vão todos parar ao meio do mar!”

52. O filho da vítima, MM, à data, conduzia um ....

53. No dia 17.03.2021, o arguido BB encontrou-se, a seu pedido, com o filho e nora da vítima, MM e RR, com quem falou sobre o furto que alegava ter sofrido, repetindo pretender reaver o dinheiro.

Pedidos de indemnização civil:

54. Em 4 de setembro de 1979, em ..., EE e LL contraíram casamento católico.

55. Em 28.06.1980, em ..., nasceu MM, filho de EE e LL.

56. Em 31.03.1987, em ..., nasceu NN, filho de EE e LL.

57. EE era um homem alegre, bem-disposto e sociável com muitos amigos.

58. EE era um homem robusto, fazia medicação na sequência de um acidente vascular cerebral sofrido cerca de 10 anos antes da sua morte.

59. Revelava amor pela vida e pelo convívio com os familiares e amigos, de quem tinha orgulho.

60. Era educado, trabalhador, respeitado e bem considerado profissionalmente e no seu grupo de amigos.

61. Com a sua iminente reforma, pretendia aproveitar a vida com a esposa, com quem vivia em união carinhosa de proteção e afeto, e acompanhar o crescimento dos netos.

62. Entre o momento em que foi agredido até ser lançado ao Rio ..., EE sofreu dores nas partes do corpo atingidas e sofreu angústia e tristeza ao antever a sua morte.

63. Com a morte do cônjuge, LL sentiu dor e tristeza, angústia, desespero, solidão e desamparo.

64. Sentiu a falta da sua companhia, cuidados e afetos.

65. EE falava diariamente com os filhos, mantendo com eles uma relação próxima e afetuosa.

66. Os filhos viam no pai um amigo, confidente e conselheiro.

67. A sua perda trouxe-lhes tristeza e angústia, sentindo, todos os dias, a falta do seu carinho, proteção e boa disposição.

68. Durante duas semanas, até ao aparecimento do corpo do cônjuge/pai, LL, MM e NN viveram em sobressalto e angústia permanentes por não saberem o que lhe tinha acontecido e se estava vivo ou morto.

69. Com o passar dos dias, sem notícias de EE, o seu sofrimento foi aumentando, sendo cada vez menor a esperança de o encontrar com vida.

70. A angústia apoderou-se dos demandantes, MM e NN, ao verem a mãe sofrer com a falta de notícias e a cada vez mais certa perda do marido.

71. Os demandantes, LL, MM e NN, passaram noites sem dormir, apoderados de um sentimento de revolta e raiva por nada conseguirem fazer para descobrir o paradeiro do seu, respetivamente, cônjuge e pai.

72. A notícia do aparecimento do corpo e confirmação do óbito de EE deixou nos demandantes desgosto que ainda perdura, causando-lhes sofrimento.

73. Em consequência, LL necessitou de tratamento psiquiátrico, com recurso a medicação, que ainda mantém.

74. Passa noites sem dormir, pensando que o marido sofreu até morrer.

75. Perdeu o gosto pelo convívio com familiares e amigos.

76. Os demandantes sentem a falta do marido e pai, tendo crises de choro que, por vezes, os obriga a recorrer a medicação calmante e ansiolítica.

77. As circunstâncias e o tempo do desaparecimento de EE, a esperança de que se encontrasse com vida, a divulgação nos meios de comunicação social, causaram os demandantes angústia e revolta, agravando a sua tristeza e dor.

78. O demandante MM sente revolta e angústia quando constata que o filho tem crises de ansiedade e de pânico de cada vez que a morte do avô é notícia na comunicação social, tendo, por vezes, de o ir buscar à escola por causa das mesmas crises.

79. A revolta, ansiedade e angústia dos demandantes veio aumentando ao longo dos anos e sentiram medo por si e pelas suas famílias.

80. Em janeiro de 2020, a demandante, LL, recebia uma pensão mensal de reforma de € 364,98.

81. Desde 30.12.2019, EE recebia subsídio social subsequente, no montante diário de € 14,53.

82. EE realizava pequenos trabalhos pontuais (“biscates”) como eletricista.

83. A pensão mensal de sobrevivência que foi atribuída a LL é de € 173,00.

84. Em 31.01.2020, LL pagou, a título de despesas com o funeral de EE, a quantia de € 2.242,10.

85. A título de adiantamento, em 22.01.2020, LL entregou à agência funerária a quantia de € 842,00.

86. Recebeu o subsídio de funeral no montante de € 1.316,43.

87. O falecido EE comprou a viatura Volvo C30, do ano de 2007 e com a matrícula ..-DU-.. em 08/2019, pelo preço de € 7.500,00.

88. Em 01/2020, a aludida viatura tinha um valor comercial de, pelo menos, € 6.000,00.

89. A viatura foi devolvida aos demandantes em 12.04.2023, desprovida de bateria.

Mais se provou que:

90. Em 2017, o arguido BB sofreu um acidente vascular cerebral isquémico, que lhe trouxe limitações físicas do lado esquerdo do corpo.

91. Em 15.01.2020, o arguido deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital 1 em ... por ingestão voluntária de fármacos não especificados, num quadro depressivo.

92. Foi transferido para o Serviço de Urgência Psiquiátrica do Hospital 2, onde ficou internado até 17.02.2020.

93. Em consultas de psicogeriatria subsequentes a internamento, em 16.11.2020, 05.01.2021 e 25.05.2021, o arguido BB apresentou-se sem psicopatologia e estável.

94. O arguido BB, submetido a primeiro interrogatório judicial no âmbito do processo que agora corresponde ao apenso A, ficou sujeito, além do mais, à medida de coação de prisão preventiva desde o dia 16.07.2021 ao dia 16.07.2023.

95. Em sede de exame pericial, realizado em 26.08.2022, o arguido apresentou-se orientado no tempo e no espaço, lúcido e consciente, auto e alo-psiquicamente.

96. Apresenta problemas de memória, com fuga de ideias, esquecimento e confusão.

97. As capacidades cognitivas apresentam alguma deterioração, com inflexibilidade e pouca resistência à frustração.

98. Manteve o juízo crítico ao longo da avaliação, mas apresenta perturbação psicológica significativa.

Antecedentes criminais:

99. Do certificado de registo criminal do arguido AA constam averbadas as seguintes condenações:

i. no processo n.º 543/09.0..., pela pática de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença transitada em 08.06.2009, em pena de multa;

ii. no processo n.º 552/09.0..., pela pática de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença transitada em 17.06.2009, em pena de prisão suspensa na sua execução;

iii. no processo n.º 1277/09.1..., pela pática de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença transitada em 27.11.2009, em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade;

iv. no processo n.º 5/12.9..., pela pática de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença transitada em 31.01.2012, em pena de prisão suspensa na sua execução;

v. no processo n.º 166/11.4..., pela pática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, por sentença transitada em 03.03.2017, em pena de prisão cumprida em regime de permanência na habitação, por 6 meses e 21 dias, extinta em 21.12.2019;

vi. no processo n.º 825/16.5..., pela pática de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença transitada em 15.05.2017, em pena de 4 meses de prisão, a cumprir por dias livres, extinta em 05.08.2018;

vii. no processo n.º 9/21.0..., pela pática de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença transitada em 15.11.2021, em pena de 7 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação.

100. Do certificado de registo criminal do arguido BB constam averbadas as seguintes condenações:

i. no processo n.º 261/10.7..., pela pática de um crime de injúria, por sentença transitada em 21.06.2012, em pena de multa, extinta;

ii. no processo n.º 533/13.9..., pela pática de um crime de ofensa à integridade física simples, por sentença transitada em 12.01.2016, em pena de multa, extinta;

iii. no processo n.º 2090/12.4..., pela pática de um crime de frustração de créditos e de um crime de violação da obrigação de alimentos, por sentença transitada em 06.02.2017, em pena única de 10 meses de prisão, suspensa por prazo prorrogado, extinta;

iv. no processo n.º 793/11.0..., pela pática de um crime de fraude fiscal, por sentença transitada em 14.06.2021, em pena de 9 meses de prisão, substituída por multa; por despacho transitado em 27.05.2022, foi a multa substituída por prisão suspensa na sua execução, com sujeição a deveres.

Condições socioeconómicas:

101. O arguido AA provém de uma família formada pelos pais e irmão, socialmente integrados.

102. Os pais do arguido AA dedicaram-se à exploração de uma empresa familiar de confeção de meias.

103. O arguido AA tem o 7º ano de escolaridade, iniciou atividade profissional na construção civil aos 17 anos de idade; até 2019 trabalhou na área da restauração.

104. À data dos factos, o arguido AA integrava o agregado familiar dos progenitores, residindo numa habitação unifamiliar arrendada, de tipologia 2, sita em meio rural, com adequadas condições de habitabilidade, funcionando no rés-do-chão a empresa do progenitor, onde o arguido se mantinha à data dos factos como operário, auferindo o equivalente ao salário mínimo nacional.

105. Na zona de residência, o arguido AA mantinha uma postura discreta e adequada integração, embora, por vezes, conotado com alguns desacatos ocorridos em contexto de Café.

106. Após o termo da pena de prisão, cumprida em regime de permanência na habitação entre 17/12/2021 e 16/07/2022, o arguido AA passou temporadas em França, onde trabalhava como operário da construção civil.

107. O arguido AA encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional ..., desde 16.02.2023.

108. A conduta adotada pelo arguido AA em meio prisional tem sido caracterizada pelo cumprimento das normas institucionais; mantém ocupação no Bar do pavilhão B, daquele estabelecimento prisional.

109. O arguido AA recebe visitas dos progenitores e da ex-namorada, EEE, com quem ainda mantém uma relação de amizade.

110. O arguido BB provem de um agregado familiar numeroso (com quinze descendentes) e de baixas condições socioeconómicas; os pais eram agricultores de profissão e tinham uma vivência humilde.

111. O arguido BB abandonou a escola após o 2º ano para auxiliar a família; emigrou com 17 anos de idade; regista um percurso laboral estável, com experiências de trabalho em França, Arábia Saudita e Iraque.

112. Em 1992, o arguido BB regressou, definitivamente, a Portugal e investiu as poupanças num espaço de diversão noturna (Discoteca 1), que geriu até 2002.

113. Posteriormente, o arguido BB explorou, durante 18 meses, uma discoteca, na ..., após o que não mais desenvolveu atividade laboral formal.

114. O arguido BB viveu situação financeira desafogada pelo menos, até 2019.

115. O arguido BB é divorciado, tem dois filhos maiores, é reformado, tem como rendimentos as pensões de reforma portuguesa e francesa, em montantes que não sabe precisar.

116. Atualmente, o arguido BB reside sozinho, em imóvel propriedade de uma irmã, o seu quotidiano não apresenta rotinas definidas, mantendo-se na comunidade de inserção, circundante à residência; faz as refeições em restaurante local e convive com terceiros nos cafés da comunidade.

117. A imagem social do arguido BB surge fortemente associada ao presente processo, com impacto negativo na mesma.

118. O arguido BB revela dificuldade em se abstrair dos factos que lhe são imputados, procurando distanciar-se dos mesmos e não se posicionando quanto à gravidade e vítimas.

Factos não provados

Não se provaram outros factos com interesse para a justa decisão da causa, designadamente que:

A. O arguido AA fosse considerado pelo arguido BB como pessoa de confiança.

B. Que a quantia guardada no interior de um cofre existente na casa de BB rondasse os € 100.000 (cem mil euros).

C. Na noite de 10 de dezembro de 2019, entre as 19 horas e 30 minutos e as 23 horas e 45 minutos, a dita residência de BB foi alvo de um assalto, tendo nessa ocasião sido subtraída do interior do cofre a referida quantia de cerca de € 100.000 (cem mil euros).

D. Com o propósito de reaver a quantia monetária que lhe havia subtraído, por diversas vezes, BB abordou EE.

E. Que todas as lesões verificadas no cadáver da vítima tenham sido provocadas pelas pancadas e pelos golpes desferidos pelos arguidos.

F. Que nas circunstâncias aludidas em 41, a viatura estivesse tapada também por placas em acrílico, tábuas de madeira,

G. Que a viatura de matrícula ..-DU-.. tenha sido devolvida aos demandantes em junho de 2023.

H. Que EE auferisse, em biscates de eletricista, montante não inferior a € 300,00 mensais.

I. Que quando foi devolvida aos demandantes, a viatura Volvo estivesse com a parte elétrica avariada e fosse necessária a substituição de travões e pneus.

J. Que a reparação da viatura Volvo foi orçada em € 1.800,00 mais IVA, no total de € 2.214,00.”

9. Direito.

É pelas conclusões que se afere o objecto e âmbito do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).

Os recursos não servem para conhecer de novo da causa. Constituem meios processuais destinados a garantir o direito de reapreciação de uma decisão de um tribunal por outro tribunal superior, havendo que, na sua disciplina, distinguir dimensões diversas, relacionadas com (i)o fundamento do recurso, com (ii)o objeto do conhecimento do recurso e com (iii)os poderes processuais do tribunal de recurso, a considerar conjuntamente1.

O recurso, circunscrito a matéria de direito (artigo 434.º do CPP), tem por objeto um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que condenou, em cúmulo jurídico, os recorrentes, AA e BB, nas penas de 18 anos e 6 meses e 20 anos de prisão, respectivamente, pela prática, em coautoria, de um crime de homicídio p. e p. pelo art.º 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea j), todos do Código Penal e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do CP, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, atento o disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP.

E, levando em conta as conclusões dos recursos dos arguidos recorrentes, as questões suscitadas e a decidir são:

Pelo arguido BB,

-erro notório na apreciação da prova e o princípio in dúbio pro reo;

-contradição insanável – art.º 410º, n.º 2, al. b) do CPP;

-nulidade do acórdão por falta de fundamentação;

-erro na qualificação jurídica;

-medida da pena.

Pelo arguido AA,

-erro notório na apreciação da prova e insuficiência da prova produzida face à decisão de facto proferida, o que conduziu ao erro de julgamento e o principio in dúbio pro reo;

-nulidade do acórdão por falta de fundamentação;

-medida da pena.

Para além disso, suscitou o Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, a “questão prévia da irrecorribilidade (parcial) da decisão do Tribunal da Relação, afigurando-se deverem ser parcialmente rejeitados os recursos.”

10. Questão prévia: (i)rrecorribilidade, parcial, da decisão.

a.O art.º 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, sob a epigrafe garantias de processo criminal, integrado no Título II, Direitos, liberdades e garantias, e Capitulo I, direitos, liberdades e garantias pessoais, determina que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”., consagrando assim, direito a um duplo grau de jurisdição, traduzido no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito2.

As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem, porém, o duplo grau de recurso.

O artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P., não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, um duplo grau de recurso em relação a quaisquer decisões condenatórias.

Interpretação que se mostra conforme com as normas constitucionais, pois o “Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre esta questão, nomeadamente no acórdão 186/2013, de 4 de Abril, decidindo não julgar inconstitucional a norma da al. f), do nº 1, do art. 400, do CPP, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão não pode ser objecto de recurso para o STJ a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão”3.

Densificando, na delimitação legal da recorribilidade para o STJ, estabelece o artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Código de Processo Penal que:

1 - Não é admissível recurso: …

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, excepto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; (…).

Por sua vez, dispõe o artigo 432.º, do CPP, sob a epígrafe “Recursos para o Supremo Tribunal de Justiça”: 1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: …

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

(…)

Por fim, o artigo 434.º, sob a epígrafe “Poderes de cognição”, preceitua que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º.

E dispõe o artigo 432.º do C.P.P., no que ora mais interessa:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

(…)

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.

Da conjugação destas disposições legais citadas, resulta, em síntese, e no que neste particular interessa, que não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, salvo nos casos de decisão absolutória em 1.ª instância (artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP), pena que tanto é a parcelar aplicada aos crimes individualmente considerados, como a pena única.

Assim, aferindo-se a irrecorribilidade por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recursos pela Relação, referentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º1, b), do CPP4.

Como se diz no acórdão do STJ de 11.04.2024, que aqui se segue, “tal significa só ser admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico”5.

E A irrecorribilidade para o STJ de acórdão proferido em recurso pelo tribunal da Relação, nos termos referidos, diz, ainda, respeito a todas as questões processuais ou substanciais que digam respeito a essa decisão, tais como (i)os vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, (ii)respetivas nulidades (artigos 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e (iii)aspetos relacionados com o julgamento dos crimes que constituem o seu objeto, aqui se incluindo (iv)as questões atinentes à apreciação da prova, (v)à qualificação jurídica dos factos e com (vi)a determinação das penas parcelares ou única, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, incluindo nesta determinação (vii)a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como (viii)questões de inconstitucionalidade suscitadas nesse âmbito6.

b. Defendem os arguidos, AA no final das conclusões que formula e o arguido BB, na conclusão 61, do seu recurso, que devem ser absolvidos do crime de furto qualificado por que foram condenados.

Os arguidos foram, ambos, condenados no Juízo Central Criminal de ...–J..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, pela prática, como co-autores materiais, na forma consumada e concurso real, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do CP, na pena de 3 anos de prisão, decisão confirmada, em relação a ambos, pelo Tribunal da Relação.

No caso, não está em causa recurso de decisão da Relação proferida em 1.ª instância, nem recurso direto de decisão proferida por tribunal do júri ou coletivo de primeira instância, não se tratando de um recurso de primeiro grau. Antes, estamos em presença de um acórdão condenatório proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, que confirma decisão da1ª instância e aplica pena não superior a 8 oito anos de prisão, no caso, mais concretamente de 3 três anos de prisão.

Assim, o segmento do acórdão recorrido, proferido, em recurso, pela Relação, que confirma a decisão da 1ª instância (do Juízo Central Criminal de ...-J...), que condena os arguidos recorrentes, pela prática, como coautores materiais, na forma consumada e concurso real, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do CP, na pena de 3 anos de prisão, é insuscetível de recurso para o STJ, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 399º, 432.º, n.º 1, b) e art.º 400º, n.º 1 al. f), todos do Código do Processo Penal.

Sendo certo, ainda, que a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior - art.º 414º, n.º 3, do CPP.

11. Erro notório na apreciação da prova.

Defendem, também, os arguidos, AA, que não deveriam ter sido dados como provados os factos constantes dos pontos 2, 12, 16, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 33, 42, 43 e 45, é insuficiente para a decisão a matéria de facto provada, pelo que, por isso e por falta de fundamentação está o acórdão ferido de nulidade, e o arguido BB, que não deveriam ter sido dados como provados os factos constantes dos pontos 2, 5, 7, 8, 9, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 33, 36, 51 e 62, e que foi violado o principio in dúbio pro reo, pelo que, por isso e por falta de fundamentação está o acórdão ferido de nulidade.

Referiu-se já que preceitua o artigo 434.º do C.P.P., sob a epígrafe poderes de cognição, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do artigo 432.º.

E dispõe o artigo 432.º, n.º 1, als. a) e c), do C.P.P., que:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

(…)

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

Estamos, como já dito, em presença de um acórdão condenatório proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, que confirma decisão da1ª instância e aplica pena não superior a 8 oito anos de prisão, mais concretamente de 3 três anos de prisão.

E ainda que as garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o duplo grau de recurso.

O artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P., não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, ou, um duplo grau de recurso em relação a quaisquer decisões condenatórias.

Assim, atentas as disposições legais citadas, conclui-se que os recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões, recorríveis, proferidas, em recurso, pelas Relações visam, exclusivamente, o reexame de matéria de direito.

O que, aliás, se compreende, pois consagrando-se apenas um duplo grau de jurisdição e uma hipótese de recurso, em relação a quaisquer decisões condenatórias, esta foi já garantida com o recurso interposto da decisão condenatória da 1ª Instância para o Tribunal da Relação, que, neste caso, confirmou a decisão da 1ª instância, fixando em definitivo a matéria de facto.

Solução que se vem revelando pacífica e constante na doutrina e na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça7.

12. Contradição Insanável – Art.º 410 n.º 2, al. b) do CPP.

a.Mais defende o arguido recorrente BB na conclusão E, que “O Tribunal a quo, Quesito 27, página 9 e no último parágrafo da página 68, parece apresentar formulações alternativas e por isso contraditórias, pois na página 9, dá a entender que a vítima estaria viva antes de ser lançada ao rio: “De seguida, porque o ofendido insistia negar saber do dinheiro, os arguidos, atuando em conjugação de esforços, lançaram o EE ao Rio ..., que, na altura, apresentava um forte caudal e corrente.”. Porém no último parágrafo da página 68, já dá a entender que a vítima estaria morta antes de ser lançada ao rio: “(…) os arguidos atuaram com vontade firme, preordenada, de confrontar a vítima, atraindo-a a um local isolado, e aí agredi-la e matá-la, lançando-a ao rio”.

Também aqui, não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Pela alteração operada pela Lei n.º 94/2021 de 21/12, em vigor desde 21 de março de 2022, o legislador retirou do art.º 434º do CPP a expressão “sem prejuízo do disposto no art.º 410º n.ºs 2 e 3” e acrescentou-a nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art.º 432º, em relação a decisões das relações proferidas em 1.ª instância e acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, o que não é o caso. Aqui, estamos em presença de um acórdão condenatório proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, que confirma decisão da 1ª instância e aplica pena não superior a 8 oito anos de prisão, mais concretamente de 3 três anos de prisão.

Assim, sem prejuízo, porém, do conhecimento oficioso, nos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, o legislador retirou o conhecimento dos vícios do art.º 410º do CPP, como fundamento do recurso.

A questão ora suscitada foi já questionada, também, no recurso do arguido recorrente para o Tribunal da Relação, do acórdão proferido em 1ª instância.

É, pois, uma repetição do recurso interposto para a Relação.

Por isso, como refere A. Gama8, a esta solução normativa não terá sido alheia “a constatação de que, nesses casos, a invocação dos vícios é, em regra, uma repetição do recurso interposto da decisão proferida em primeira instância para a relação.”

b. O conhecimento dos vícios a que se refere o art.º 410º do CPP, e portanto a invocada contradição insanável prevista no n.º 2 al. b) deste preceito legal, pode sê-lo, como referido, oficiosamente.

Porém, da leitura destes factos provados, conclui-se que tal contradição não se verifica.

No caso concreto apontado, o que se diz é que os arguidos “actuaram com vontade firme, preordenada, de confrontar a vítima, atraindo-a a um local isolado e aí, agredi-la e matá-la, lançando-a ao rio.”

Atendendo às expressões, “agredi-la”, e “matá-la”, “lançando-a ao rio”, vê-se que esta foi a forma escolhida pelos arguidos para matar a vítima, ou seja, “lançando-a ao rio” que, na altura, apresentava um forte caudal e corrente e não que a mesma estaria morta no momento em que foi lançada ao rio. Nesta hipótese deveria dizer-se “agredi-la, matá-la e lançá-la ao rio.”

Não se verifica, em conclusão, qualquer contradição insanável de que cumpra oficiosamente conhecer.

13. Violação do princípio in dúbio pro reo.

a.Entende o recorrente BB que foi violado o princípio in dubio pro reoconclusão 2 – não devendo dar-se como provados os factos constantes dos n.ºs 2, 5, 7, 8, 9, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 33, 36, 51 e 62, o que associado à falta de fundamentação fere de nulidade o acórdão recorrido.

Na conclusão 2, (ERRO NOTÓRIO DE APRECIAÇÃO DA PROVA E O PRINCÍPO IN DUBIO PRO REO), refere que nos termos do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado. Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, tendo em consideração as regras da experiência e a lógica comuns, não poderiam ter ocorrido. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, perceptível pela mera leitura do texto da decisão. Tal verifica-se no caso sub judice.”

E o arguido AA – conclusões 102, 103 e 104 - que pelos motivos que referimos supra, as declarações prestadas pelo arguido ao Juiz de Instrução Criminal, têm de ser valoradas em função de todas as circunstâncias do caso e o que foi afirmado pelo arguido AA – cls. 102.

Precisamente por isso, e em conjugação com o princípio in dubio pro reo, as declarações em causa não podem ser consideradas para um condenar numa pena única de 20 anos – cls. 103.

Com efeito, não há provas seguras, firmes e cabais que relacionem o ora Recorrente com o facto de ser o responsável pelo vítima ter sido encontrada no rio” – cls. 104.

A este propósito refere o parecer do Ministério Público que, “percorrida a decisão proferida na 1ª Instância, nela não se encontra o menor assomo de dúvida que pudesse ter grassado pelo espírito dos julgadores, sendo muito claro o processo que esteve subjacente à formação da sua convicção, todo ele assente em prova atendível, directa e indirecta, valorada por si, e em conjugação com as regras da experiência comum, como bem se evidencia no seu exame crítico.

A dúvida que não pode ser resolvida contra o recorrente, não é aquela que ele tem ou que ele entende que o acórdão recorrido, não tendo, deveria ter tido.

É, isso sim, aquela dúvida que se coloca ao Tribunal no processo de formação da sua convicção.

Ora, é manifesto, reitere-se, pela análise do acórdão recorrido, que o Tribunal não se quedou numa situação de dúvida, inultrapassável, relativamente aos factos imputados aos recorrentes que teve por assentes.

Não se verifica, por conseguinte, violação do princípio in dúbio pro reo, e consequentemente, do princípio da presunção de inocência, como, com propriedade e acerto, concluiu o Tribunal a quo (cfr. fls. 223 a 226 do acórdão recorrido).”

E refere o Acórdão recorrido também que “de facto, não resulta daquela decisão, afirmamos mesmo, que tenha o Tribunal permanecido com qualquer resquício de dúvida e que, nessas circunstâncias, tenha decidido em desfavor do arguido. Aliás, afirma-se precisamente o oposto.”

b.O princípio in dubio pro reo, é um princípio relativo à prova9 e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos.

Estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

A violação do princípio in dubio pro reo exige, o que deverá constar do texto da decisão, que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.

Conforme se repisa no acórdão do STJ, de 25/10/2023, e “a violação do in dubio pro reo, como princípio atinente à apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art.410.º n.º 2.”10.

Se na fundamentação do acórdão elaborada pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, não há lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.

Por outro lado, vem entendendo, maioritariamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que o conhecimento do princípio in dubio pro reo, é uma questão de direito.

Como pode ler-se no Ac. do STJ de 07.04.2022, “constituindo o princípio in dubio pro reo um princípio em matéria de prova, a análise da sua violação (ou não) constitui matéria de direito, ou questão de direito enquanto juízo de valor ou ato de avaliação da violação (ou não) daquele princípio, portanto no âmbito de competência deste tribunal.”11.

Mais se pronunciaram neste sentido, entre outros os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 07-04-2021 (proc. n.º 5635/19.5JAPRT.S1) e de 21/10/2020 (proc. n.º 1551/19.9 T9PRT.P1.S1)12.

c.Neste caso, não identificam os arguidos recorrentes qualquer dúvida que resulte do texto da decisão recorrida, que tenha sido resolvida contra o recorrente.

Defendem a violação do princípio in dubio pro reo, não nos termos em que devia e se expuseram, mas sim, no entendimento, seu, de que a prova produzida em julgamento impunha uma decisão diversa daquela que foi tomada no acórdão recorrido.

Como pode ler-se no Ac. do STJ de 09.05.2024, citando Roxin, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida”13.

Esta questão é diferente, devendo ser apreciada no âmbito do erro de julgamento no acórdão recorrido, e não como violação do princípio in dubio pro reo.

O que pretendem os recorrentes é impugnar, mais uma vez, a matéria de facto dada como provada.

Assim o faz o arguido BB numa análise dos factos provados sob os vários n.ºs 2, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 33, para dizer que tem diferente opinião sobre a valoração da prova, o que não significa erro de julgamento, ou uma decisão em seu desfavor da matéria da acusação, apenas diferente opinião.

E o mesmo faz o arguido AA, nas conlusões 102, 103 e 104.

O Acórdão recorrido concluiu, quanto ao arguido recorrente AA, que “As provas invocadas pelo recorrente (na parte em que o foram e, como se disse, reduzindo ao mínimo o patamar de exigência,), analisadas que foram – não impõe minimamente a alteração da convicção a que, quanto aos factos invocados, chegou o acórdão recorrido. Cumpre, pois, concluir que improcede, também nesta parte, o recurso apresentado.”

E quanto ao arguido BB, que, “[r]epete-se o que ali se deixou escrito. Igualmente se renova o expendido quanto ao desrespeito pelo princípio in dubio pro reo. Por tudo o que fica dito, conclui-se que não assiste razão ao recorrente, igualmente improcedendo o recurso, nesta parte.”

O Tribunal da Relação não alterou a matéria de facto provada, e, no texto da decisão da 1ª instância não se encontra, por sua vez, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, nada de que se possa concluir que o Tribunal alguma vez se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos ora impugnados pelo recorrente e que, apesar disso, apesar dessa dúvida, decidiu em seu desfavor.

E, face à motivação de facto que dele consta, também não se deteta qualquer situação de dúvida que tenha desfavorecido o recorrente.

Consequentemente, não resta senão afirmar a inexistência de violação daquele referido princípio, in dubio pro reo.

14. Nulidade do acórdão por falta de fundamentação.

a.Concluem ambos os recorrentes, pela nulidade do acórdão por falta de fundamentação, no que se refere à escolha das penas, argumentando, ambos, desconhecerem como foram as mesmas conseguidas.

O Arguido BB, - B – cls. 49 p. 47-51 – defende que,“ora no caso específico que analisamos, com o devido respeito, entendemos que a decisão enferma de nulidade, pois não há menção concreta ao modo como se chegou à pena aplicada ao arguido, pois não sabemos como foram alcançadas as penas unitárias, deixando margem a lacunas. Ou seja, o Tribunal recorrido, pese embora tenha providenciado pela elaboração do relatório social, que veio efectivamente a ser junto aos autos na motivação, não consignou nos factos provados qualquer elemento factual retirado de tal meio de prova. Mas mais, com o devido respeito, ao longo do texto da decisão visualizamos parágrafos completos com afirmações seguras, sem serem minimamente fundamentadas, impossibilitando o exercício do direito ao contraditório do arguido que por não saber concretamente de que é acusado impede-o de se defender, pois não sabe especificadamente de quê. Bem como se se vislumbram factualidades contraditórias, sem explicação para tal.”

O arguido AA, nas cls. 114 a 118, defende que “in casu, a decisão padece de nulidade, pois não há referência concreta ao modo como se chegou à pena aplicada ao arguido, deixando margem a lacunas – cls. 114 -, o Tribunal recorrido, não consignou nos factos provados qualquer elemento factual retirado de tal meio de prova – o relatório social – cls. 115 - para estabelecer os factos concretizadores das condições de vida (condições pessoais e situação económica) e personalidade do arguido – 116 - por tudo isto e por violação dos artigos 97º nº 5; 374.º n.º 2; 379.º, n.º 1, al. a) todos do Código de Processo Penal o acórdão que ora se recorre padece de nulidade por falta de fundamentação.

A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais insere-se nos direitos, liberdades. e garantias pessoais, e nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art.º 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa: o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

Tem consagração expressa no art.º 205.º, n.º 1 da CRP: as decisões que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Na lei ordinária, dispõe o art.º 97.º, n.º 4 do Código de Processo Penal que os atos decisórios, podem tomar a forma de sentenças, despachos e acórdãos, e que são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

Ainda, tratando especificamente da fundamentação da sentença (e também do acórdão - art.º 425º do CPP), ou da sua falta, determina o art.º 379.º, alínea a), do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que «não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do art.º 374.º» do mesmo Código.

Estabelecendo, por sua vez, o n.º 2 do art.º 374.º, do Código de Processo Penal, que, na elaboração da sentença (aplicável também ao acórdão – art.º 425º do CPP), ao relatório segue-se a fundamentação, … “que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito , que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Como se lê no Ac. do STJ de 09.05.202414, “destinando-se a Justiça aos cidadãos, e partindo da referência do homem médio, cabe ao tribunal, perante cada caso concreto, ajuizar se um destinatário normal, perante o teor do ato e das suas circunstâncias, está em condições de perceber, com critérios de razoabilidade, o motivo pelo qual se decidiu num sentido e não noutro, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.”

Ao nível da jurisprudência é pacífica a orientação de que a fundamentação das decisões varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias em que ele é praticado15.

b.Neste caso, verifica-se que os arguidos recorrentes não se tendo conformado com o acórdão proferido na 1ª instância, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação, invocando, além do mais:

O arguido AA, a “nulidade do acórdão, por falta de fundamentação, por não existir referência concreta ao modo como se chegou à pena aplicada ao arguido”, concretizando que o tribunal recorrido, pese embora tenha providenciado pela elaboração do relatório social, que veio efetivamente a ser junto aos autos e a ele se faça expressa referência, na motivação, não consignou nos factos provados qualquer elemento factual retirado de tal meio de prova, não se tendo socorrido do mesmo para estabelecer os factos relativos às condições pessoais e situação económica do arguido. Finaliza aludindo a que o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a decisão de direito.

Entende o recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação.”

E o arguido BB “invoca para o efeito que o acórdão recorrido não contém menção concreta do modo como se chegou à pena aplicada ao arguido, deixando margem a lacunas - o Tribunal recorrido, pese embora tenha providenciado pela elaboração do relatório social, que veio a ser junto aos autos na motivação, não consignou nos factos provados qualquer elemento factual retirado de tal meio de prova, sendo necessário à correta determinação da pena que veio a aplicar.

Mais se alega a existência de afirmações sem serem minimamente fundamentadas e de factualidades contraditórias, sem explicação para tal (art.º 26 e art.º 27); não se descortina o que são “métodos empregues” e tal é impossível de contraditar; art.º 12 e 25 contém igualmente contradições.

Ainda que, no tocante à conduta típica não são admissíveis factos genéricos, incertos, dubidativos ou hipotéticos, nem alternativos, o que se verifica.”

Os recursos são, pois, uma repetição do recurso do acórdão da 1ª instância para o Tribunal da Relação.

O acórdão recorrido considerou que “nos termos previstos no art. 379º nº 1 CPP, é nula a sentença sempre que dela não constem (para o que ora nos cumpre analisar), as menções referidas no nº 2 do art. 374º CPP, isto é, sempre que dela não conste “(…) a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

O art. 205º nº. 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Este princípio apresenta-se em duas vertentes:

- A exposição dos motivos de facto, com a motivação sobre as provas e sobre a decisão da matéria de facto;

- A exposição dos motivos de direito, com a enunciação das normas jurídicas aplicadas.

A exigência da fundamentação da matéria de facto cumpre dois objetivos essenciais. Permite, por um lado a verificação externa dos pressupostos, fundamentos, raciocínios, que levaram à adoção de determinada decisão e, por outro lado, confere a clareza e a lógica necessária à apreciação de recurso a interpor.

Por lapidar, seguimos de perto o decidido no âmbito do acórdão do STJ de 16-03-2005, Proc. n.º 662/05 - 3.ª Secção, relator conselheiro Henriques Gaspar.

Movendo-se nestas duas dimensões, a fundamentação da decisão visa demonstrar as razões que presidiram a cada escolha.

É a justificação racional, a razão de ser, que permite compreender porque foi tomada esta e não aquela decisão, porque foi este e não aquele o sentido da mesma.

Deve, por isso, resultar com limpidez, da decisão sobre a matéria de facto, a análise, a ponderação, a articulação da prova produzida, numa apresentação lógica, racional e articulada da mesma e das razões pelas quais, face a essa prova e relativamente a determinado facto, o Tribunal decidiu de uma determinada forma.

No que respeita à matéria de direito, impõe-se que da sentença se façam constar as normas jurídicas chamadas ao caso concreto, com análise e subsunção dos factos provados.

Pretende o recorrente que tal não ocorreu, relativamente à pena aplicada.

Ora, lido o excerto da decisão posto em crise, crê-se que se mostra suficientemente fundamentada a escolha e medida da pena.

Com efeito, dali decorre o quadro normativo de que o tribunal lançou mão, a sua análise, bem como os critérios que, dentro daquele quadro normativo, o tribunal teve em consideração para, a final, encontrar as penas unitárias e, no passo seguinte, encontrar a pena única, efetuado o cúmulo jurídico.

Resulta, desta leitura, clara e límpida a enunciação e análise do direito aplicável e dos critérios atinentes à fixação da medida da pena.

Mais se diga que, lida na íntegra a decisão recorrida, dela se alcançam com clareza, as razões que levaram o Tribunal a concluir da forma que o fez, numa análise crítica e ponderada dos elementos probatórios que conduziram (mais uma vez) a esta e não a outra decisão, por reporte aos concretos factos dados como provados, aqui incluídos os respeitantes aos elementos que, a final, vieram a ser tidos em linha de conta para encontrar a medida da pena.

Como supra se referiu, refere o recorrente que o tribunal a quo não deu como provados os factos que constam do relatório social do arguido.

Afigura-se-nos que tal nulidade, a existir, seria a constante da alínea c) nº 1 do art. 379º, CPP.

Mas, brevemente, afigura-se-nos que também neste ponto não assiste razão ao recorrente.

Com efeito, e da forma supramencionada, consta da factualidade apurada o seguinte, quanto às condições sociais e económicas do arguido:

“Condições socioeconómicas:

1. O arguido AA provém de uma família formada pelos pais e irmão, socialmente integrados. 2. Os pais do arguido AA dedicaram-se à exploração de uma empresa familiar de confeção de meias. 3. O arguido AA tem o 7º ano de escolaridade, iniciou atividade profissional na construção civil aos 17 anos de idade; até 2019 trabalhou na área da restauração. 4. À data dos factos, o arguido AA integrava o agregado familiar dos progenitores, residindo numa habitação unifamiliar arrendada, de tipologia 2, sita em meio rural, com adequadas condições de habitabilidade, funcionando no rés-do-chão a empresa do progenitor, onde o arguido se mantinha à data dos factos como operário, auferindo o equivalente ao salário mínimo nacional.

5. Na zona de residência, o arguido AA mantinha uma postura discreta e adequada integração, embora, por vezes, conotado com alguns desacatos ocorridos em contexto de Café.

6. Após o termo da pena de prisão, cumprida em regime de permanência na habitação entre 17/12/2021 e 16/07/2022, o arguido AA passou temporadas em França, onde trabalhava como operário da construção civil.

7. O arguido AA encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional ..., desde 16.02.2023.

8. A conduta adotada pelo arguido AA em meio prisional tem sido caracterizada pelo cumprimento das normas institucionais; mantém ocupação no Bar do pavilhão B, daquele estabelecimento prisional.

9. O arguido AA recebe visitas dos progenitores e da ex-namorada, EEE, com quem ainda mantém uma relação de amizade.”

E quanto ao arguido BB, que “o arguido BB abandonou a escola após o 2º ano para auxiliar a família; emigrou com 17 anos de idade; regista um percurso laboral estável, com experiências de trabalho em França, Arábia Saudita e Iraque.

Em 1992, o arguido BB regressou, definitivamente, a Portugal e investiu as poupanças num espaço de diversão noturna (Discoteca 1), que geriu até 2002.

Posteriormente, o arguido BB explorou, durante 18 meses, uma discoteca, na ..., após o que não mais desenvolveu atividade laboral formal.

O arguido BB viveu situação financeira desafogada pelo menos, até 2019.

O arguido BB é divorciado, tem dois filhos maiores, é reformado, tem como rendimentos as pensões de reforma portuguesa e francesa, em montantes que não sabe precisar.

Atualmente, o arguido BB reside sozinho, em imóvel propriedade de uma irmã, o seu quotidiano não apresenta rotinas definidas, mantendo-se na comunidade de inserção, circundante à residência; faz as refeições em restaurante local e convive com terceiros nos cafés da comunidade.

A imagem social do arguido BB surge fortemente associada ao presente processo, com impacto negativo na mesma.

O arguido BB revela dificuldade em se abstrair dos factos que lhe são imputados, procurando distanciar-se dos mesmos e não se posicionando quanto à gravidade e vítimas.

…..

Limpidamente se alcança, pois, que o acórdão recorrido fez exarar os factos relativos à situação socio-económica dos arguidos.

Retomando…

Analisada a decisão recorrida, verifica-se que da mesma se alcança:

- o conjunto de provas de que o tribunal a quo se socorreu (por declarações do arguido, assistente, testemunhal, documental, reconstituição do facto); e

- qual a apreciação que concatenadamente delas fez, apreciando-a de forma articulada, lógica, objectiva, racional e suscetível de sindicância.

Com efeito, da decisão recorrida alcançam-se os motivos da mesma quanto à matéria de facto provada e qual o iter percorrido nessa tomada de decisão.

Lendo a decisão recorrida, dela se alcançam com clareza, as razões que levaram o Tribunal a concluir da forma que o fez, numa análise crítica e ponderada dos elementos probatórios que conduziram a esta e não a outra decisão.

Uma coisa é afirmar, como faz o arguido, e da sua perspetiva, que da prova produzida não se poderia extrair determinada conclusão. Tal não é, no entanto, reconduzível, ao invocado vício de falta de fundamentação que invoca.

O mesmo, como vimos de dizer, não se verifica.

Não merece, provimento por isso, a invocada nulidade ou outro vício que, neste particular, cumpra conhecer.”

É percetível, pois, para um destinatário normal, perante a leitura do acórdão recorrido, compreender as razões da decisão.

Independentemente de o recorrente concordar ou não com a fundamentação, o certo é que o acórdão recorrido contém os elementos que conduzem à decisão de condenação.

Em consequência, não pode reconhecer-se a nulidade arguida pelos arguidos recorrentes, do acórdão recorrido, por falta de fundamentação.

15. Qualificação jurídica.

a.A final, conclui o arguido recorrente BB que na sua perspectiva, “não resultou demonstrado a práctica de qualquer crime por parte do arguido BB, e como tal, por força do princípio in dubio pro reo, deverá o mesmo ser absolvido. Porém, caso tivéssemos de ter em conta as declarações prestadas pelo mesmo ao Juiz de Instrução Criminal, conjugadas com as declarações do co-arguido, seguindo o que parece ser o entendimento elencado no douto Acórdão,” então conclui que estamos perante um erro de qualificação jurídica uma vez que, o crime alegadamente perpetrado pelo aqui arguido se insere no tipo legal de omissão de auxilio, previsto e punido pelo art. 200º nº 2 do Código Penal” – cls. 55. E o mesmo reitera nas conclusões 60 e 61.

Esta questão foi já, antes, suscitada no recurso do acórdão de 1ª instância para o Tribunal da Relação.

Sobre ela diz-se no acórdão recorrido que “sob a invocação de erro na qualificação jurídica, diz o arguido:

- Que não ficou demonstrada a prática de qualquer crime por parte do arguido;

- Que no apenso A) foi o arguido condenado pela prática de crime de exposição ou abandono e nos presentes autos foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado e de um crime de furto qualificado;

- Que a ter em conta as declarações prestadas perante o JIC, conjugadas com as declarações do coarguido o crime (alegadamente perpetrado pelo arguido, como refere) se insere no tipo legal de omissão de auxílio, p. e p. pelo art. 200º nº 2 do C.Penal (por ser o que mais se coaduna com a factualidade em causa).

Mais analisa o exarado no acórdão recorrido, quanto à formação da convicção do tribunal, colocando em causa as conclusões a que ali se chegou, da forma, aliás que já em outros passos havia feito.


Em bem da verdade, o que o recorrente faz não é a discussão da qualificação jurídica constante do acórdão recorrido.

O que o recorrente faz é, mais uma vez, colocar em causa a factualidade dada como provada, apesentando uma leitura (a sua) da prova e, dessa factualidade (inexistente), extrai uma determinada conclusão.

Como é bem de ver, não compete a este Tribunal analisar factualidade alternativa, do que poderia ou deveria ter sido (da perspetiva do recorrente) considerar-se provado.

Assim sendo, não é uma verdadeira discussão relativa à qualificação jurídica que está em causa.

Assim, não cumpre a este Tribunal conhecer da mesma.

Sempre se dirá que, permanecendo imutável, por via do presente recurso, a matéria de facto relativa aos crimes pelos quais o arguido foi condenado, não nos merece qualquer censura a decisão recorrida.”

No parecer conclui o Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, que, “estabilizada a matéria de facto provada nos apontados termos, nenhuma censura suscita o enquadramento jurídico operado pelo tribunal de julgamento, confirmado pelo Tribunal a quo, integrando aquela a prática, pelos recorrentes, em coautoria material, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, nºs 1 e 2, alínea j), do Código Penal, em concurso real com um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea a), igualmente do Código Penal”.

Como supra se refere, no ponto 10, ficou já decidido que tendo sido confirmada pelo Tribunal da Relação a pena de 3 anos de prisão, em que o arguido recorrente BB foi condenado em 1ª instância, pela prática de um crime de furto p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea a), igualmente do Código Penal, aquele acórdão não admite recurso para o STJ quanto à pena e demais questões suscitadas, como é o caso da qualificação jurídica. Sendo apenas admissível em relação ao crime de homicídio.

Dispõe o artigo 131º sob a epígrafe, Homicídio, que “quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.”

E o artigo 132º, sob a epigrafe “homicídio qualificado”, que se a morte for produzida em circunstâncias que relevem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos – n.º 1.

Sendo susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente … agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas – n.º 2, alínea j).

b.No caso, e em resumo, deu-se como provado que …“8. … o arguido BB decidiu que, caso não conseguisse reaver o dinheiro, iria pôr termo à vida de EE. 9. No seguimento dessa decisão, e tendo em vista a realização dos contatos necessários e de forma a evitar ser identificada a origem de tais contatos”, adquiriu, “um cartão SIM pré-pago … com o n.º ... ... .14.” 12. … BB abordou o arguido AA,… tendo então o arguido AA acedido e aceitado a solicitação de BB para, … confrontar EE e forçá-lo, com recurso a violência, a devolver o dinheiro e, caso não o lograssem, a tirar-lhe a vida. 13. … no dia 8 de janeiro de 2020, cerca das 16 horas e 46 minutos, o arguido BB, usando o dito telemóvel com o referido cartão SIM n.º ... ... .14, telefonou a EE, titular do cartão telefónico n.º ... ... .74, tendo combinado com este um encontro alegando querer conversar com este sobre um trabalho que tinha para o aludido EE. 16. De forma a terem alguém a quem recorrer caso surgisse alguma dificuldade na execução do plano delineado pelo arguido BB e ao qual o arguido AA aderira, previamente ao encontro combinado com EE,” o arguido AA, abordou GG e FF, seus amigos … “aos quais pediu que o acompanhassem, sem explicar o motivo,”25. Após terem estacionado os veículos e saído dos mesmos, os arguidos, desferindo empurrões, encaminharam EE para a margem do rio, para um local ainda mais isolado, escuro e sem iluminação pública, e cuja margem se encontrava extremamente reduzida face ao forte caudal que o rio na altura tinha, de tal forma que até molhavam os pés, com o propósito de o agredirem, ameaçarem e lançarem ao rio, se não revelasse o paradeiro do dinheiro alegadamente furtado da casa do arguido BB. 26. Então, os arguidos, atuando em conjugação de esforços e no seguimento de plano gizado por BB e ao qual o arguido AA aderiu, atingiram o rosto e o corpo de EE de forma não concreta apurada, com vista a apurar o paradeiro do dinheiro alegadamente furtado da casa do arguido BB; 27. De seguida, porque o ofendido insistia negar saber do dinheiro, os arguidos, atuando em conjugação de esforços, lançaram o EE ao Rio ..., que, na altura, apresentava um forte caudal e corrente. 28. Como consequência direta e necessária da descrita atuação concertada dos arguidos, nomeadamente, do facto de o terem lançado ao Rio ..., resultou a morte do ofendido, que apenas veio a ser resgatado do referido rio, no dia 22 de janeiro de 2020. 42. Ao agirem do modo acima descrito, no cumprimento de plano gizado por BB, a que o arguido AA aderiu, estes dois arguidos, em conjugação de esforços, atuaram de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de, atenta a superioridade numérica e o porte físico robusto do arguido AA, atingir a integridade física do ofendido e de o matar, lançando-o ao Rio ..., o que vieram lograr. 43. Os arguidos agiram de forma concertada, em livre manifestação de vontade, planeando o encontro, o confronto e a morte de EE com vários dias de antecedência e refletindo e ponderando sobre os meios a empregar e sobre o modo como o atrair a um lugar isolado, de aí o agredirem e lançar ao rio e ainda sobre a forma de evitar serem detetados posteriormente pelos órgãos de polícia criminal, revelando assim frieza de ânimo e reflexão sobre os meios empregues. 44. Não obstante soubessem ser as suas condutas proibidas e punidas por lei penal, não se abstiveram os arguidos de a prosseguir. 45. Ao agir do modo descrito, atuaram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços, no cumprimento de plano por ambos gizado e a que ambos aderiram, com o propósito concretizado de retirar do local e se apoderarem do veículo automóvel de matrícula ..-DU-.., que sabiam não lhes pertencer, retirando-o da disponibilidade de EE (e dos seus herdeiros), fazendo-o coisa sua, desiderato que lograram alcançar. 46. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, e ainda assim não se abstiveram de as prosseguir.”

Considerando estes factos dados como assentes, só pode concluir-se que os mesmos integram os elementos objectivos e subjectivo da previsão dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea j), ambos do Código Penal, e, que os arguidos cometeram, em coautoria material e na forma consumada um crime de homicídio qualificado, neles previsto, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida.

15. Medida concreta da pena.

a.Diga-se, antes de mais, que o recurso se apresenta como um “remédio jurídico”, pelo que, “a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração de factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”16.

E que a fundamentação é nestes casos bem menos exigente, incidindo sobre outra decisão que motivou a convicção, não directamente sobre o objecto do processo.

A pena única corresponde a uma pena conjunta, obtida segundo a regra do cúmulo jurídico, pelo qual a partir das penas parcelares que foram aplicadas a cada um dos crimes é fixada a moldura penal do concurso, tendo como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas, sem, todavia, exceder os 25 anos de pena de prisão (artigo 77.º n.º 2, do Código Penal).

Dentro da moldura legal predeterminada pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, não de forma livre mas, antes, juridicamente vinculada.

“Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes, adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou”17.

No processo de determinação da medida concreta da pena há a considerar as finalidades da punição, constantes do art.º 40.ºdo Código Penal, e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do Código de Processo Penal.

A aplicação de penas … visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – n.º 1 do art.º 40º do Código Penal. E estatui, em termos “absolutos” o n.º 2 do mesmo preceito que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Nos termos do art.º 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. Culpa e prevenção são, pois, os factores a considerar para encontrar a medida concreta da pena, considerando-se que, como ensina o Prof. Figueiredo Dias18, “toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa.”

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.º 72.º, n.º 1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável”19.

“Como critério especial, rege o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sobre as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), dispondo que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, e como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração.

Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas, familiares e sociais, como a sua inserção na sociedade na comunidade em que reside e a situação laboral, reveladoras das necessidades de socialização, a receptividade das penas, a capacidade de mudança em consequência, a susceptibilidade de por elas ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta licita20.

Como vem sendo jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, em termos gerais, mas também, especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento.

Aliás, “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só, uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”, como ensina o Prof. Figueiredo Dias21.

“Na avaliação da gravidade do ilícito global, haverá que considerar eventuais conexões ou ligações fundamentais entre os factos, que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente”22.

b. Recurso do arguido recorrente BB.

Defende o arguido recorrente BB que (conclusão 62- DA MEDIDA DA PENA), [c]om o devido respeito, não compreendemos como é possível, o aqui Recorrente ter sido condenado na pena de 20 anos de prisão, tendo em conta a ausência de prova directa, e considerações dúbias, hipotéticas e subjectivas. É uma decisão injusta susceptível de abalar a comunidade no geral e afectar a credibilidade da Justiça, pois parece que afinal é possível um cidadão ser condenado, quase na pena máxima permitida no nosso Código Penal, sem provas seguras e objectivas. A verdade é que, mesmo que tivesse cometido os crimes em apreço – o que por mero raciocínio académico se equaciona - a pena afigura-se excessiva, encontrando-se perto dos limites máximos das respectivas molduras penais. Acresce que a decisão, não teve em conta as suas condições pessoais, nos termos do art. 71° nº 2 do Código Penal e não fez correcta aplicação dos artigos 40º nº 1 e 2 e 70º do Código Penal.

63-Vejamos: O arguido tem 73 anos de idade; Foi detido pela primeira vez à ordem dos autos anteriores, actual apenso A, durante 2 anos; Possui enquadramento habitacional, social, familiar e encontra-se reformado; Prestou declarações na fase de Inquérito, cooperando para a descoberta da justiça e da verdade material; Não se imiscuiu à Justiça, tendo mantido as apresentações sem incumprir; Em 2017 o arguido BB, sofreu um acidente vascular cerebral isquémico, que lhe trouxe limitações físicas do lado esquerdo do corpo; No pretérito dia 15 de Janeiro de 2020, o arguido tentou o suicídio (tal facto é validado pelo relatório social), por ingestão de fármacos, tendo dado entrada no serviço de urgência no Hospital 1 em .... Desde essa data que beneficia de acompanhamento psiquiátrico; O arguido foi sujeito a um exame pericial, pese embora se tenha apresentado orientado no tempo e no espaço, lúcido e consciente, apresentou problemas de memória, com fuga de ideias, esquecimento e confusão, apresentando perturbação psicológica significativa; O arguido tem antecedentes criminais, porém por crimes que protegem bens jurídicos substancialmente diversos, tendo sido condenado e cumprido as respetivas penas que se referem a factos cometidos há pelo menos dez anos.

64-O julgador deve ter sempre em mente o vertido no já referido art. 40º nº 1 do Código Penal, que determina que o verdadeiro objectivo das penas é a reintegração do agente em sociedade, devendo conjugar o mesmo com o art. 70º do Código Penal que dispõe que a pena de prisão só deve ser aplicada como último recurso, devendo o Tribunal dar preferência a penas não privativas.

65-É a primeira vez que o aqui arguido se encontrou privado da sua liberdade. Honestamente consideramos que, o período de encarceramento que já cumpriu, já constituiu um castigo justo e exemplar, seguramente demovedor para a eventual práctica do crime em causa ou de qualquer outro.

66-Neste sentido, é certo que o pressuposto formal de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é que a pena seja de prisão em medida não superior 5 (cinco) anos, ao abrigo do art. 50º do Código Penal, pressuposto que se preenche caso a pena seja reduzida. Há que averiguar igualmente se o pressuposto material se encontra preenchido, a este propósito, pelas circunstâncias já mencionadas supra, consideramos que as exigências materiais também se encontram preenchidas, sendo por isso possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido sobre o seu comportamento futuro.

67-O Tribunal não pode descurar que o aqui arguido tem 73 anos de idade, pelo que uma pena de prisão demasiadamente longa significa, uma verdadeira prisão perpétua, pelo que o Recorrente iria ser colocado em liberdade com sensivelmente 93 anos. Retoricamente perguntamos – como é que é possível reintegrar um condenado com 93 anos de idade? Que interesse há para a sociedade, que os Tribunais devem servir, que este cidadão idoso e doente, seja encarcerado durante 20 longos anos?”

O arguido recorrente foi condenado pela prática, como co-autor material, na forma consumada e concurso real, de (i)um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea j), todos do CP, na pena de 19 anos de prisão, (ii)de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do CP, na pena de 3 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 20 (vinte) anos de prisão.

Os crimes cometidos, atentam contra bens jurídicos pessoais e patrimoniais, como a vida humana, no crime de homicídio, e a propriedade no crime de furto.

A vida humana é o primeiro e principal valor jurídico, constitucional e penalmente protegido.

Em consequência, este crime, é, por natureza o mais grave crime do ordenamento jurídico, e a sua prática a mais grave violação das regras da vida em sociedade.

Alega, agora, sobretudo, o arguido recorrente BB, que não compreende como é possível ter sido condenado na pena de 20 anos de prisão, tendo em conta a ausência de prova directa, e considerações dúbias, hipotéticas e subjectivas.

Alega ainda que a decisão não teve em conta as suas condições pessoais, nos termos do art.º 71° nº 2 do Código Penal e não fez correcta aplicação dos artigos 40º nº 1 e 2 e 70º do Código Penal.

Idêntica questão foi já suscitada pelo recorrente no recurso da decisão da 1ª instância para o Tribunal da Relação.

Este concluiu que “o recorrente BB, vem colocar em causa a pena em que foi condenado.

Fá-lo relativamente à pena única (de 20 anos de prisão), sem colocar em causa as penas unitárias. Mais uma vez alude à ausência de prova direta e a considerações amplas, dúbias, hipotéticas e subjetivas (do acórdão recorrido).

Mais refere que o tribunal a quo teve em consideração todas as circunstâncias que depõem contra o arguido, mas não as que depõem a favor do mesmo. E aqui assiste razão ao recorrente, pois que no acórdão recorrido não se alude a circunstâncias que militem a favor do arguido. Mas a verdade é que, compulsada, nessa parte, a matéria de facto, nada se alcança com a virtualidade de ser tida em conta em sede de medida da pena.

Dispondo este tribunal desses elementos, que constam da factualidade dada como provada, sempre poderia, nesta sede, fazê-lo.

Renovam-se aqui todas as considerações efetuadas a propósito dos critérios para fixação da medida da pena em sede de cúmulo jurídico, exaradas na apreciação do recurso do arguido AA.

Com uma diferença, que diz respeito ao facto de ter cabido a BB a autoria moral do crime, o que implicaria uma distinção (para mais) na pena unitária encontrada relativamente ao arguido BB. Como se sabe, tal está vedado a este Tribunal da Relação.

Aqui chegados, cumpre concluir que não nos merece censura o quantum da pena única encontrada no acórdão recorrido, pelo que cumpre fazer improceder, nesta parte, o recurso.”

Na verdade, a decisão da 1ª instância teve em conta o disposto nos artigos 40º n.ºs 1 e 2 e 71º, 2, ambos do Código Penal e teve em conta as condições pessoais do arguido recorrente BB, que aliás constam dos factos provados, sob os números 110 a 118.

Vê-se ainda que o arguido actuou (como co-autor) com dolo directo e intenso e uma vontade firme de concretizar os seus intentos ao agredir e lançar a vítima EE ao Rio ..., que, na altura, apresentava um forte caudal e corrente, sem qualquer hipótese de se salvar.

Assim, pelo modo e reiteração do ataque os arguidos utilizaram de violência extrema, sem hipótese de falhar os seus intentos e sem a menor possibilidade de defesa da vítima.

As necessidades de prevenção geral são elevadas, sendo o crime de homicídio dos que maior sensação de insegurança gera na comunidade, exigindo firme resposta do Estado.

Prevenção geral que se traduz na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos e que satisfaça as necessidades preventivas da comunidade e expectativas desta na validade das normas.

Como vem sendo dito, a pena deve servir finalidades exclusivamente de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la.

Em tudo deve ainda considerar-se o princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso.

Assim, tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela.

Por razões de equidade e proporcionalidade haverão de considerar-se, ainda, outras referências jurisprudenciais deste Tribunal mantendo-se o equilíbrio e constância nas decisões e igualdade ou proximidade das penas cominadas para casos semelhantes23.

Considerando as finalidades das penas, em particular das exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, mostra-se justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapasse a medida da sua culpa, a pena em que o arguido foi condenado de 19 (dezanove) anos de prisão, e, (em cúmulo jurídico com apena de 3 (três) anos de prisão pela pratica do crime de furto), a pena única de 20 (vinte) anos de prisão, não sendo necessária nem se justificando qualquer intervenção correctiva por parte deste Tribunal.

Termos em que improcede o recurso quanto ao arguido recorrente BB.

c. Recurso do arguido recorrente AA.

i.Defende o arguido AA, nas conclusões 118 a 151, que, a pena se afigura excessiva, encontrando-se muito perto do limite máximo da moldura penal e que deveria ser condenado em pena que pudesse ser suspensa, sujeito a regime de prova.

ii.O arguido recorrente foi condenado, a final pelo Tribunal da Relação, que concedendo parcial provimento ao recurso, o condenou, pela prática, como co-autor material, na forma consumada e concurso real, de (i)um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea j), todos do Código Penal, na pena de na pena de 17 anos de prisão;

e de (ii)um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do CP, na pena de 3 anos de prisão.

Em cúmulo jurídico, acabou condenado na pena única de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Alega, agora, em síntese, o arguido recorrente AA, que a pena em que foi condenado é excessiva (conclusão 118) injusta e extremamente severa e não teve em conta as suas condições pessoais (cls. 119) o tribunal considerou todas as circunstâncias que depõem contra o arguido, mas não teve em consideração todas as circunstâncias que depõem a seu favor (cls. 122), embora tenha reconhecido a sua inserção familiar, social e laboral, não valorou devidamente o relatório social, nem o facto de ter cooperado com as autoridades judiciais prestando declarações (cls. 123), tem 35 anos de idade (cls.124), possui enquadramento habitacional, social, familiar e laboral (cls. 127), prestou declarações na fase de Inquérito, cooperando para a descoberta da justiça e da verdade material (cls.128), é bem visto na comunidade onde reside (cls.129), no Estabelecimento Prisional onde se encontra assume um comportamento incriticável e exemplar (cls.130), e trabalha no pavilhão onde se encontra alocado.

Conclui que devia ser condenado em pena de prisão inferior a 5 anos, suspensa na sua execução sujeita a regime de prova.

Como já referido, também aqui, como é sublinhado no Ac. do STJ de 19.05.202124, “os recursos não são novos julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Também em matéria de natureza e medida da pena.

Do que resulta que o tribunal de recurso intervém, alterando a pena, se e quando detecta incorrecções ou lapsos no processo de aplicação desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Não decide “ex novo”, como se não tivesse já sido proferida uma decisão em primeira instância.

E que o recurso não pode, pois, eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, de discricionariedade reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.”

“A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”25.

E a fundamentação é nestes casos bem menos exigente, incidindo sobre outra decisão que motivou a convicção, não directamente sobre o objecto do processo.

Importa, então, verificar se a decisão impugnada realizou as operações que conduzem à determinação da medida concreta da pena de prisão em que foi condenado o recorrente, de acordo com as normas legais aplicáveis.

No acórdão recorrido, foi confirmada a prática pelo recorrente, atenta a verificação de todos os elementos objectivos e subjectivo, em autoria material e na forma consumada, de (i)um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea j), todos do CP, pelo qual havia sido condenado (1ª instância) na pena de 19 anos de prisão, e de (ii)um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1, e 204º, nº 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), todos do CP, pelo qual foi condenado na pena de 3 anos de prisão.

Quanto ao crime de homicídio, único que admite recurso, a moldura abstrata legalmente prevista para este crime tem um mínimo de 12 e um máximo de 25 anos de prisão, sendo o ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena a aplicar ao recorrente.

Seguiu depois, o acórdão recorrido, para análise das finalidades das penas, conjugadas com a culpa do arguido, fundamento e limite de qualquer pena, tal como estabelecido no artigo 40º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

E fez depois, uma valoração das circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal, e, ponderou, “à luz dos factos provados, e na aplicação dos critérios legais, (…) “[a]s exigências de prevenção geral, que são, indiscutivelmente, elevadas, face ao que tem sido o conhecido aumento da prática deste tipo de crimes, as exigências de prevenção especial, o grau de ilicitude dos factos – alta, face à circunstância de terem sido praticados em local isolado, a coberto da noite;, tendo atraído o arguido para tal local, o grau de violação dos deveres impostos ao arguido, a modalidade do dolo – direto e, por isso, intenso, a indiferença revelada pelos bens jurídicos afetados – a vida -, a ausência de arrependimento e de consciência crítica do desvalor das suas ações, o facto de os arguidos abandonarem a vítima a ser levada pela corrente, a esbracejar e pedir ajuda, sem nunca pedirem socorro, antes preocupados e empenhados em abandonar o local e eliminar os vestígios da presença da vítima, sem nunca evidenciaram qualquer sinal de remorso ou arrependimento, as anteriores condenações criminais - sete condenações (seis por condução sem habilitação legal, uma por um crime de ofensas à integridade física qualificada, pelos quais cumpriu seis penas de prisão substituídas (as quais, não sendo por crimes de idêntica natureza aos crimes em causa nos autos, devem ser necessariamente tidas em conta). (…)

Mais refere o acórdão recorrido, que, “a favor do arguido nada foi ponderado no acórdão recorrido, mas sendo disso caso, este Tribunal da Relação dispõe de todos os elementos a considerar, nesta sede.”

E, assim, valorizou “apenas a adequada integração do arguido, sem relevo, pois que não o coibiu da prática dos factos e a sua postura adequada no estabelecimento prisional, onde trabalha no Bar.”

(…)No que tange à medida da pena aplicada para o crime de homicídio, teve o acórdão recorrido em conta (como não podia deixar de ser) o papel preponderante da conduta do arguido.”

E, por fim, conclui que “deverá ter-se em conta que no que diz respeito a toda a ação, deverá considerar-se que não foi o arguido AA a gizar o plano que conduziu à morte da infeliz vítima. O mesmo, como decorre dos factos provados, aderiu ao plano do coarguido BB.

Este diverso grau de participação deverá ser considerado na pena a aplicar pela prática do crime de homicídio, que se considera algo desajustada, face ao que se expôs.”

Concretizando, entendeu “ajustado situar em 17 anos de prisão a pena a impor para o aludido crime, considerados todos os critérios para a escolha e fixação da medida da pena a que supra aludimos.”

E, alterando a decisão da 1ª instância, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea j), todos do Código Penal, condenou o arguido recorrente AA, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão.

Quanto à pena única a moldura abstrata legalmente prevista para o cúmulo jurídico situa-se entre um mínimo de 17 e um máximo de 20 anos de prisão, ou seja entre a pena mais elevada aplicada ao arguido e a soma das duas penas em que foi condenado.

Sendo, também aqui, o ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena a aplicar ao recorrente em cúmulo jurídico.

Considerou o acórdão recorrido, como pode ler-se, os factos e a personalidade do arguido. Mais considerou que “a pena única, no caso de concurso de crimes, deverá, pois, ser encontrada a partir das penas únicas aplicadas, levando em consideração o conjunto de factos que integram os diferentes crimes em concurso, a existência de relação entre esses factos e, sendo disso caso, o tipo de relação, numa análise global da sua ilicitude.”

Mais diz que, “[n]o que respeita à personalidade do arguido, revelada ou projetada nos factos, importa apreender se dos mesmos se retira uma tendência desvaliosa ou, antes, se constituem situações que, ainda que plúrimas, não radicam na personalidade do agente.

O critério de fixação da pena única, embora partindo das penas parcelares, exige um olhar para o conjunto dos factos, para a “história” nos mesmos revelada, enquanto pedaço de vida criminosa e a sua relação com a personalidade do agente.

Esta nova perspetiva, radicada na personalidade do agente não se centra, agora, na visão unitária dos factos, (sem os apagar) mas antes na sua interrelação, na visão de conjunto, na forma como os factos se relacionam entre si.

A culpa, que continua a ser culpa pelo facto, é agora perspetivada em sentido dinâmico e relacional, dirigida ao conjunto de factos sob julgamento, tendo sempre em consideração as exigências de prevenção geral e os efeitos previsíveis da pena no comportamento futuro do agente – exigências de prevenção social de socialização.”

No caso concreto, “[a] moldura abstrata da pena única aplicável é de 17 anos a 20 anos de prisão.

Ponderando, em conjunto, os factos ilícitos praticados e a personalidade do arguido neles espelhada, cumpre ter em conta que os factos foram praticados num período de tempo relativamente curto, no mesmo quadro circunstancial, sendo os factos integradores do crime de furto a decorrência dos demais, dessa forma revelando uma personalidade desvaliosa e indiferente aos bens jurídicos tutelados pelas normas violadas.

Considerada a culpa global do arguido, as exigências de prevenção geral e especial e as necessidades de integração e de socialização, a pena em concreto aplicada deverá ter em conta a tutela dos bens jurídicos e as expetativas da sociedade, adequando-se à finalidade de socialização.

Considerados os limites mínimo e máximo aplicáveis – 17 e 20 anos – art.º 77º nº 1 CPP, e tomando em conta as circunstâncias ao caso aplicáveis, nos termos do disposto no art.º 71º CPP, haverá que encontrar, dentro dos critérios que supra apontámos, a pena única a aplicar ao arguido.

Ponderados todos os fatores relevantes por via da culpa e da prevenção e da personalidade do arguido neles manifestada, considera-se adequada e proporcional a pena de 18 anos e 6 seis meses. Assim, e nesta parte, procede parcialmente o recurso interposto.”

Sendo, a final o arguido recorrente condenado na pena de única de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Também aqui, o acórdão recorrido teve em conta o disposto nos artigos 40º n.ºs 1 e 2 e 71º, 2, ambos do Código Penal e teve em conta as condições pessoais do arguido recorrente AA, que aliás constam dos factos provados, sob os números 101 a 109.

Como aí se refere, apesar de, no acórdão recorrido, nada ser ponderado a favor do arguido, considerou o Tribunal da Relação “a adequada integração do arguido”, embora sem relevo, “pois que não o coibiu da prática dos factos e a sua postura adequada no estabelecimento prisional, onde trabalha no Bar”.

E, as anteriores condenações criminais, “as quais, não sendo por crimes de idêntica natureza dos crimes em causa nos autos, devem ser necessariamente tidas em conta.”

Repete-se aqui o que foi dito quanto ao arguido BB, quanto dolo, directo e intenso, e à vontade firme de concretizar os seus intentos ao agredir e lançar a vítima EE ao Rio ..., que, na altura, apresentava um forte caudal e corrente, sem qualquer hipótese de se salvar, à violência extrema utilizada, sem hipótese de falhar os seus intentos e sem a menor possibilidade de defesa da vítima, às elevadas necessidades de prevenção geral, sendo o crime de homicídio dos que maior sensação de insegurança gera na comunidade, exigindo firme resposta do Estado, que deve traduzir-se na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos e que satisfaça as necessidades preventivas da comunidade e expectativas desta na validade das normas, à culpa, assumindo esta, um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la, ao princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso, cuja medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela, à equidade e proporcionalidade considerando-se outras referências jurisprudenciais deste Tribunal mantendo o equilíbrio e constância nas decisões e igualdade ou proximidade das penas cominadas para casos semelhantes.

Considerando as finalidades das penas, em particular das exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, mostra-se justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapasse a medida da sua culpa, a pena em que o arguido AA foi condenado, pela prática do crime de homicídio, de 17 (dezassete) anos de prisão, e, em cúmulo, com a pena de 3 três anos de prisão, pela prática do crime de furto, a pena única de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de prisão, não sendo necessária nem se justificando qualquer intervenção correctiva por parte deste Tribunal.

Termos em que improcede, também, o recurso do arguido recorrente AA.

3. Decisão

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em:

-rejeitar os recursos dos arguidos BB e AA, quanto ao crime de furto qualificado em que foram condenados, quanto ao erro notório na apreciação da prova e fixação da matéria de facto, e quanto à qualificação jurídica;

-negar provimento aos recursos dos arguidos BB e AA, no mais, confirmando, antes, o acórdão recorrido.

-condenar em custas os arguidos recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (art.º 513º n.º 1 do CPP e art.º 8º n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Maio de 2025

António Augusto Manso (Relator)

Maria Margarida Almeida (Adjunta)

José A. Vaz Carreto (Adjunto)

*

1-assim, acórdãos de 15.02.2023, Proc. n.º 1964/21.6JAPRT.P1.S1, e de 26.06.2019, proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, e jurisprudência e doutrina neles citada, em www.dgsi.pt).

2-Direito igualmente previsto, ainda, em instrumentos internacionais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – art.º 14º, n.º 5 - e Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais – art.º 2º do Protocolo n.º 7 -, que vigoram na ordem jurídica interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais, como referido no Parecer do Exmo. PGA neste STJ citando o acórdão de 22-09-2021 (Processo nº 90/16.4JBLSB.C1. S1, 3ª Secção, sendo Relator o Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha.

3- Parecer do Ministério Público neste STJ citando o acórdão de 22-09-2021 (Processo nº 90/16.4JBLSB.C1.S1, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha).

4-5-Ac. do STJ de 11.04.2024, proferido no processo n.º 850/21.4PAMTJ.L1.S1, in www.dgsi.pt.

6-Ac. do STJ de 31.01.2024, proferido no processo n.º 2861/22.3JAPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.

7-Decisão sumária proferida pelo Senhor Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (igualmente Presidente desta 3ª Secção Criminal), em 05.01.2023 em sede de reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 405.º do C.P.P. no processo n.º 5711/20.1T9CBR.C1-A.S1, citada no Parecer do Exmo PGA neste Tribunal.

8-António Gama, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Almedina, Coimbra, vol. V, p. 375.

9-Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, Coimbra Editora, p. 203.

10-Proferido no processo n.º 96/16.3T9ALD.C1.S1, publicado em www.dgsi.pt.

11-v. processo n.º 22/18.5PFALM.L1.S1, in www.dgsi.pt.

12-in www.dgsi.pt.

13-“Derecho Processal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111, citado no Ac. 580/16.9.L1.S1.www.dgsi.pt.

14-15-Ac. STJ, 09.05.2024, processo n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt.

16-Ac. do STJ de 03.07.2024, processo 72/73.0GCPBL.C1.S1, in dgsi.pt.

17-Ac. do STJ de 19.05.2021, processo n.º 36/20.5GCTND.C1.S1, www.dgsi.pt

18-Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Gestelegal, Coimbra, p. 96.

19-Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, 3ª reimpressão, 2011, p. 245 segs.

20-Acs. do STJ de 08.06.2022, processo n.º 430721.4PBPDL.L1.S1 e de 16.02.2022, processo n.º 160720.4GAMGL.S1, www.dgsi.pt., citando Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, 3ª reimpressão, 2011, p. 248 segs.

21-Citado no ac. do STJ de 25.09.2024, processo 3109/24.1T8PRT, ac. do STJ de 25.10.2023, processo n.º 3761/20.7T9LSB.S1, www.dgsi.pt.

22- Ac. de 11.04.2024, proferido no processo n.º 850/21.4PAMTJ.L1.S1, in www.dgsi.pt.

23-6-acs. do STJ de 14.11.2024, proferido no processo n.º 526/22.5PFSXL.s1 e de 28.11.2024, proferido no processo n.º 135/23,1GBLLE.S1.

24-Ac. do STJ de 19.05.2021, processo n.º 36/20.5GCTND.C1.S1, www.dgsi.pt

25-Ac. do STJ de 03.07.2024, processo 72/73.0GCPBL.C1.S1, in dgsi.pt. 1-assim, acórdãos de 15.02.2023, Proc. n.º 1964/21.6JAPRT.P1.S1, e de 26.06.2019, proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, e jurisprudência e doutrina neles citada, em www.dgsi.pt).